Alma Em Coma

 

            Basta-me um segundo. O futuro me retorna à mente, o corpo sente e sofre todo o por vir que minha calma postula não lembrar. E talvez seja este o motivo que me leva a iniciar esta lauda. O desejo de superar a tolice da inexperiência salvando, em um pedaço de mundo, a angústia do meu tempo.

            Que minha alma é a pura soma de todos os traumas de minha mente, que a causa de meu evidente infortúnio é não mais que meu estranho e quase indistinto modo de conceber a ordem e o sentido... de tudo isto eu já sei de cor. Eu nunca neguei, e sequer pensei algo adverso a isto. Sou meus medos. E é da intensidade da fobia que a atitude me toma pelos braços e me conduz. Para onde? Não sei...

            Vi minha mãe. Outro medo. Não que esta me tenha pouco amado e me quisesse menos do que eu tenho por hábito me querer. Apenas a vejo, e sob a face de quem me percebe contemplo a cova que nos convida ao perpétuo prazer de um silêncio onde toda consciência ainda dorme. Com minha mãe nada difere. E mais me dói a fúnebre imagem daquela que a minha própria.

De costume a dizer que mais vale o medo, efeito de uma consciência que vê e me permite algum modo de sentir acerca daquilo que contemplo em espanto, que o júbilo insano de um corpo incapaz da mínima noção de si... prefiro este nostálgico caminho que sozinho dei a construir. Não me dá prazer. Nem me fez feliz. É verdade que ainda não faz... contudo, não ilude. Nem disfarça que o bom da vida é a saudade, o perfeito sintoma da memória e da ausência de nossa medíocre indiferença. Eu me lembro... e amo sempre aquela dor que me emana da memória.

Tem gente que prefere a alma torpe. Tem homem que se nega a amar e afirmar dia-após-dia o medo de se perder em quem se ama. Tenho o desprezo a ofertar a este. E carrego no corpo o delírio de algum dia saber amar melhor. Amar mais. Não nego: Tenho inveja de quem muito ama. Daqueles que carregam no rosto a lágrima não contida. A bravura de se declarar apaixonado pela mãe bondosa. Me deploro...

Algum presente em data especial resolve muito. Em dia qualquer... resolve tudo. Mas tenho olvidado daquele amor em aparência de gente... que, ao olhar na face da forma quase perfeita a que ainda chamo mãe, passei a ter vergonha de mim. Sim. Tenho até me insultado no indesejável diálogo do eu comigo. Tamanha é a covardia do silêncio....

Mas como que da ironia do futuro do qual nada mais se espera senão aquela mesma traição a qualquer ousadia de asseveração tão prévia... eis que minha mãe ainda insiste em mim. Fala mal e mau me trata. Avilta-me e me reputa ingrato. Diz-me que só me deixa quando remota... quando em cova descansar seu pó.

Ingênua. Como alguém que nasce só... mesmo viva, lhe procuro em tudo que faço. Quando morta, vinte décimos de minha alma serão nostalgia e compunção. Metade de mim estará morto. E a outra metade levará não mais que um minuto para enfim morrer. Eu lhe amo. E em seus olhos reconheço minha ingratidão... Eu me percebo e me deploro. Eu me recordo que, como perpétuo dependente, a parte mais viva que me reside no corpo... nunca deixou de ser você.

Meu silêncio... me mata. Tamanha é a covardia da carne muda...

 

Autor: David Guarniery

Idade: 23 anos

Início: 21:00

Término: 21:52

Tempo Gasto: 52 minutos.

Dia: Quinta-Feira

Data: 14 de maio de 2009

Obra: 001

Classificação: Crónica Lírica

In Memoriam:

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Brasil/ Paraná/ Cambé