O filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) ao afirmar que algumas pessoas têm “alma de escravo” deixou alguns estudiosos escandalizados. Ao contrário do que pensa os mal instruídos, quando o pensador grego chegou a esse raciocínio não queria de forma alguma legitimar o sistema escravista.

Na realidade, o filósofo queria expressar é que existem pessoas que tem tendência a se oferecer como instrumento à autoridade de outra pessoa, ou ainda, aqueles que preferem ficar em um eterno estado de dependência do Estado ou do sistema político vigente. Essa tendência não nasce com as pessoas, ela vai se formando aos poucos, quer seja por fatores externos ou internos, através principalmente por uma educação capenga ou com um estado de despreocupação com sua própria existência. É o que denomino de carência de razão, que acaba por culminar em uma incapacidade de deliberação sobre a própria vida segundo um objetivo que não seja apenas o da sobrevivência.

Mister lembrar que o homem livre não vive simplesmente, mas deve viver por algum propósito , deve estar em sintonia e organizar suas ações tendo em vista o que delimitou para a sua vida. Ele é responsável por seus atos, sabendo tomar as decisões por si mesmo, além de buscar o reconhecimento do certo e do errado de suas decisões, das decisões que mais se aproximam de sua “razão vital” ou se afastam dela (do seu propósito). E é essa mesma responsabilidade que vai permitir-lhe responder, diante de sua própria consciência, se calculou de forma acertada os efeitos de seus atos.

Uma vez que a consciência individual esteja deprimida, o ser passará a não mais se sentir responsável por si mesmo e os resultados de seus atos. Neste caso ele precisa que alguém cuide dele, precisa de um bedel. Quando isso ocorre o individuo acaba apelando para o Estado, ele pede, implora que o Estado lhe dê essa segurança, que o regule quanto o que fazer e como o que não fazer. O Estado acaba por fim oferecendo uma solução tida com vital que hora inexiste.

Esperar que o Estado faça aquilo que já não se sente capaz de fazer por si próprio é justamente a condição de escravidão citada por Aristóteles. E é nesse momento que começam a surgir os chamados estatutos, códigos de leis das mais diversas, como a legislação contra o cigarro, código de trânsito, dentre vários conjuntos legais, ou ainda aquelas leis que no meu entender são aberrações legais, como os estatutos para garantir direitos a crianças, idosos, mulheres, etc. Não é que acho absurdo em essência, mas sim a necessidade de expressão literal (escrita, redigida), a imposição de leis para se tratar com mais cortesia os idosos e as crianças, ou ainda tratar com igualdade as mulheres. Isso não é necessário estar escrito e além do mais, nos artigos primeiros de nossa Constituição, como cláusulas pétreas, já há a previsão de que todos, sem exceção, devem ser iguais perante a lei...

O pior de tudo é a caipirice de quem vê todo esse emaranhado de leis e códigos como grandes exemplos de civilidade e racionalidade – como exemplo podemos dizer que é ridículo ter uma lei que obrigue um pai a colocar o filho na escola, pois isso é para o próprio bem da família, do filho, do Estado, e deveria partir de uma consciência própria e não de um ato coercitivo legal provindo de uma lei escrita.

Esse infantilismo e essa total submissão ao “grandioso poder tutelar”, já fora citado pelo cientista político francês Tocqueville (1805-1859), quando descreveu a emergente sociedade estadunidense com  uma sociedade de massa sob o risco de se transformar em um Estado autoritário-despótico – o que de fato ocorreu.

O Estado, ao invadir os meandros da esfera pessoal de seus cidadãos, tira-lhes a possibilidade de decidirem por si mesmo os rumos de sua própria vida, o que vem sendo aplaudido por aqueles que perderam sua liberdade – a tal alma de escravo está muito mais difundida do que se possa imaginar.

Podemos estar diante do maior quadro de depressão da consciência, já vivenciada na história do homem, é a evolução histórica nítida de um fenômeno ainda pouco notado; é a escravidão consentida. O pior é que não temos como negar responsabilidades aos nossos intelectuais, pois eles têm uma parcela significativa de culpa pelo quadro societal a que demos referência. Uma boa parte do pensamento contemporâneo nega à razão humana a capacidade de deliberação. É uma consciência individual que trabalha meio que ao léu do absurdo, incapaz de aprender o que quer que seja, incapaz de se auto-responsabilizar pelas suas ações e pensamentos.

Segundo o velho filósofo grego, aquilo que seria capaz de impedir esse tipo de escravidão, a educação, acabou tendo um efeito contrário. A educação criada por Aristóteles era referente ao verdadeiro conhecimento, não a isso que andam 'vendendo' como educação.

Caímos assim em um elogio da irresponsabilidade e da inconsequência, o que culmina em um elogio da “alma de escravo”, é a educação deixando de lado o seu papel de libertadora para assumir um papel de escravizadora.

Essa negação da consciência individual leva-nos a um “clima cultural” que finda no sentimento de incapacidade e acaba se tornando realidade. Ao invés de incentivar o cidadão a buscar a independência, responsabilidade e o esforço intelectual, a educação dos dias atuais lisonjeia sua ignorância transformando a incapacidade em regra geral.

É o relativismo e o ceticismo contemporâneos revelando seu sinistro pacto com a escravidão das almas pelo Estado. Pensadores como Hegel, Gramsci, Gamader, Mond e Habermans, entre outros, criam doutrinas que se esforçam para provar o quanto nossas vidas não fazem sentido, que estamos em um mundo caótico em que nossa miserável razão não consegue enxergar um palmo diante do nariz e deve ser colocada nas mãos de alguma entidade coletiva.

Liberdade é, antes de qualquer coisa, uma conquista individual, não pode ser “dada”. Todo Estado que promete dar liberdade por vias legais está contando uma “estória da carochinha” para na realidade, encobrir o aumento da própria tirania. A bíblia tem uma passagem que ilustra como se deve conquistar a liberdade:

...buscai e achareis; batei e vos será aberto;... o que busca acha e ao que bate se lhe abrirá...” - NT, Mt. VII, 7.