Alimentos Prestados em Favor do Nascituro (os Alimentos Gravídicos)

Emiliane Radael Mattos (UNES – Cachoeiro de Itapemirim/ES)

 

Resumo: Trata-se de uma análise sumária sobre os alimentos gravídicos e quando estes passam a ser devidos. Tem-se como requisitos para sua concessão indícios da paternidade e a observância do binômio Possibilidade X Necessidade. Os alimentos gravídicos são devidos durante toda a gestação, convertendo-se em pensão alimentícia após o nascimento com vida. Ressalta-se que os alimentos gravídicos serão devidos desde a concepção, e não a partir da citação do requerido. Os alimentos gravídicos, por reconhecer os direitos da personalidade do nascituro, protege o melhor interesse da criança, e por sua vez, traz a relevância da paternidade responsável.

 

Palavras-chave: Alimentos Gravídicos; Indícios de Paternidade; Conversão da Prestação; Paternidade Responsável.

1. Introdução

Com a proteção jurídica concedida ao nascituro, a obrigação alimentar pode começar mesmo antes do nascimento com vida. Com a proteção à criança, e respeitando-se o Princípio da Dignidade Humana, tem-se em decorrência deste a salvaguarda de um outro princípio, o do Melhor Interesse da Criança, que tem mesmo antes de seu nascimento garantido o direito à vida.

            A existência desta prestação alimentar se baseia na idéia de resguardar o direito da criança como garantidor do direito à vida do nascituro. Tanto é assim, que os alimentos são devidos a este por meio da gestante e após o seu nascimento, com vida, estes serão convertidos em pensão alimentícia automaticamente, se não houver revisão por interesse das partes.

 

2. Alimentos ao nascituro

2.1 Considerações gerais

            Com enfoque no princípio da dignidade humana, ao passo que garante ao que está por nascer o seu desenvolvimento saudável, desde concepção até o parto, além de garantir o seu sustento após o nascimento, é que dispõe o art. 2º da Lei 11.804/08. Senão vejamos:

“Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.”

            Do mesmo modo, temos o art. 2º do Código Civil, que diz que “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

            Segundo Caio Mário da Silva Pereira[1]:

“se a lei põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, é de se considerar que o seu principal direito consiste no direito à própria vida e esta seria comprometida se à mãe necessitada fossem recusados os recursos primários à sobrevivência do ente em formação em seu ventre.”

            Sobre este tema, temos o entendimento de Fabiana Marion Spengler[2]:

“havendo gestação, existem grandes possibilidades de que o bebê venha a nascer com vida”. Deste modo, “para que a gravidez seja levada a termo, ocorrendo o nascimento em vida do bebê, faz-se necessária uma série de cuidados que vão desde a alimentação da mãe, até o acompanhamento médico através de consultas e da realização de exames”.

            Sendo assim, para Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[3], reconhecidos diversos direitos ao nacituro – como, por exemplo, o direito à perfilhação (ECA, art. 27) e o direito à herança – percebe-se, sem dificuldade, que disso resulta a sua capacidade de ser parte, possuindo, destarte, legitimidade ativa para reclamar alimentos.

“Um dado extremamente significativo é que os alimentos gravídicos são devidos desde a concepção, afastando-se da regra geral de que seriam desde a citação (§ 2º do art. 13 da Lei dos Alimentos), evitando-se, com isso, manobras artificiosas do devedor para obstar ou atrasar a sua citação, em detrimento do credor”. (FARIA e ROSENVALD, 2010, p. 712/713).

2.2 Da Ação e dos Indícios de Paternidade

            Ajuizada a ação de alimentos gravídicos, se houver meros indícios de paternidade, o magistrado fixará o valor da pensão, não se exigindo para isso a confirmação da paternidade, bastando somente a existência de indícios, provados através de fotos, filmes, bilhetes, emails, entre outros meios que não a realização do exame de DNA do líquido amniótico.

            A Jurisprudência elucida mais sobre o assunto:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS GRAVÍDICOS. POSSIBILIDADE, NO CASO. 1. O requisito exigido para a concessão dos alimentos gravídicos, qual seja, "indícios de paternidade", nos termos do art. 6º da Lei nº 11.804/08, deve ser examinado, em sede de cognição sumária, sem muito rigorismo, tendo em vista a dificuldade na comprovação do alegado vínculo de parentesco já no momento do ajuizamento da ação, sob pena de não se atender à finalidade da lei, que é proporcionar ao nascituro seu sadio desenvolvimento (...) (70046905147 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 22/03/2012, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/04/2012)”

            Segundo Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald[4], “trata-se de um momento processual bastante singular, pois o magistrado deferirá os alimentos gravídicos com base em juízo perfunctório, independentemente de prova efetiva da paternidade, bastando a existência de meros indícios”.

            Outrossim, ressalta-se que mesmo ante o pedido de realização do exame de compatibilidade genética pleitado pelo suposto pai, a genitora do nascituro não está obrigada a realizá-lo.

            Quanto ao foro competente para o ajuizamento e julgamento da demanda, cumpre colacionar entendimento do STJ, conforme disposto na Súmula 383, “a competência para processar e julgar as ações conexas de interesse de menor é, em princípio, do foro do domicílio do detentor de sua guarda”.

           

2.3 Da conversão dos alimentos

            Após o nascimento com vida da criança, os alimentos gravídicos, automaticamente, convertem-se em pensão alimentícia definitiva, caso não haja pedido de revisão ou exoneração dos alimentos, conforme disposto no art. 6º, parágrafo único da Lei 11.804/08: “Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.”

            Ademais, independentemente de efetiva prova da paternidade, os alimentos serão convertidos, cabendo ao requerido demonstrar que não é o pai da criança ou que houve alteração de sua condição de arcar com o valor antes fixado, observando-se sempre a premissa necessidade de quem recebe X capacidade contributiva de quem paga.

            Para Maria Berenice Dias[5], a procedência da ação (alimentos gravídicos) deve ensejar a expedição do mandado de registro, sendo dispensável a instauração de averiguação da paternidade para o estabelecimento do vínculo parental.

            Em vindo a criança, nascer sem vida (natimorto), ocorrerá a extinção dos alimentos gravídicos. Observando ainda que:

“os alimentos gravídicos, seguindo a trilha dos alimentos em geral, são irrepetíveis, não sendo possível reclamar o seu ressarcimento mesmo que se comprove, posteriormente, não ser o réu o genitor do nascituro-beneficiário” (FARIA e ROSENVALD, 2010, p. 713).

2.4 Paternidade Responsável

            A Lei dos Alimentos Gravídicos tem por principal finalidade a afirmação da responsabilidade responsável, almejada constitucionalmente.

            A referida lei trouxe a tona o princípio da paternidade responsável que vem sendo intensamente discutido atualmente para a determinação de alimentos aos filhos, inclusive os nascituros.

“O principal mérito da Lei foi colocar como regra jurídica a responsabilidade do pai por seus filhos não apenas a partir do nascimento com vida, mas também abrangendo o período intra-uterino, em que os cuidados médicos e assistenciais são até mais importantes e dispensiosos. Impôs também uma maior conscientização a respeito das relações afetivas entre homens e mulheres não casados ou que não se encontrem em união estável.” [6]

3 Considerações Finais

            Os alimentos ao nascituro sem dúvida dão maior proteção as mulheres em gestação e a criança que está por nascer, pois garante a esta o direito a saúde e a vida mesmo antes do nascimento. Contudo, é necessário muito cuidado, especialmente por parte dos juízes e perante a demora do judiciário no deferimento destes alimentos, devendo-se sempre observar a proporcionalidade dos rendimentos dos genitores (Necessidade X Possibilidade) em observância com os indícios da paternidade, não podendo a concessão dos alimentos gravídicos ser definida apenas na mera arguição da paternidade, sob penalidade de não poder ser convertida em alimentos definitivos posteriormente.

4 Referências Bibliográficas

BRASIL. Lei nº 11.804, de  5 de novembro de 2008. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11804.htm>. Acesso em: 26 março 2012.

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 4ª edição. São Paulo: RT, 2007.

DIAS, Maria Berenice. Alimentos para a vida. Ibdfam. Belo Horizonte, 12 nov 2008. Disponível em <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=466>. Acesso em: 2 abril 2012.

FARIA, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias, 2ª edição, 2ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.

LOMEU, Leandro Soares. Alimentos Gravídicos: Aspectos da Lei 11.804/08. Ibdfam. Belo Horizonte, 08 nov 2011. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/?artigos &artigo=467>. Acesso em: 2 abril 2012.

ORO, Marinete Luiza. Lei nº 11.804/08- Do direito aos alimentos gravídicos: aspectos materiais e processuais. Ibdfam. Belo Horizonte, 08 nov 2011. Disponível em < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=779 >. Acesso em: 2 abril 2012.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Direito de Família. vol. V. 16ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 2006.

RT INFORMA, Editora Revista dos Tribunais – Ano IX – nº 56 – Novembro/ Dezembro 2008.

SPENGLER, Fabiana Marion. Alimentos: da ação à execução. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil - Direito de Família. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2004.

ANEXO A - LEI Nº 11.804, DE  5 DE NOVEMBRO DE 2008.

Disciplina o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele será exercido e dá outras providências.

 

        O  PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

        Art. 1o  Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido.

        Art. 2o  Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

        Parágrafo único.  Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

        Art. 3º  (VETADO) 

        Art. 4º  (VETADO) 

        Art. 5º  (VETADO) 

        Art. 6o  Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré. 

        Parágrafo único.  Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão. 

        Art. 7o  O réu será citado para apresentar resposta em 5 (cinco) dias. 

        Art. 8º  (VETADO) 

        Art. 9º  (VETADO) 

        Art. 10º  (VETADO) 

        Art. 11.  Aplicam-se supletivamente nos processos regulados por esta Lei as disposições das Leis nos 5.478, de 25 de julho de 1968, e5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil. 

        Art. 12.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

       

Brasília,  5  de  novembro   de 2008; 187o da Independência e 120o da República. 

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA 

Tarso Genro

José Antonio Dias Toffoli

Dilma Rousseff



[1] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil - Direito de Família. vol. V. 16ª ed. Rio deJaneiro : Forense, 2006, p. 517-519.
[2] SPENGLER, Fabiana Marion. Alimentos: da ação à execução, cit., p. 49/50.
[3] FARIA, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias, cit., p. 710.
[4] FARIA, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias, cit., p. 712.
[5] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, p. 482.
[6] RT INFORMA, Editora Revista dos Tribunais – Ano IX – nº 56 – Novembro/ Dezembro 2008, p. 04.