ALGUNS PONTOS DE (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO FUNDO GARANTIDOR DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS (FGP)

Charles Joubert da Fonseca[1] 

INTRODUÇÃO

            O presente artigo cientifico tem por finalidade apresentar divergências quanto a constitucionalidade do FGP – Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas, oferecendo argumentos que sejam capazes de embasar posicionamento em relação a questão, em especial às duas hipóteses: vinculação de receitas públicas; previsão de fundos garantidores das obrigações pecuniárias do parceiro público.

DESENVOLVIMENTO

            Para um entendimento mais cristalino quanto a instituição do Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, é de vital importância a leitura do art 16 da Lei 11.079/04.

Art. 16. Ficam a União, suas autarquias e fundações públicas autorizadas a participar, no limite global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos federais em virtude das parcerias de que trata esta Lei.

§ 1º O FGP terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas, e será sujeito a direitos e obrigações próprios.

§ 2º O patrimônio do Fundo será formado pelo aporte de bens e direitos realizado pelos cotistas, por meio da integralização de cotas e pelos rendimentos obtidos com sua administração.

§ 3º Os bens e direitos transferidos ao fundo serão avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, com indicação dos critérios de avaliação adotados e instruído com os documentos relativos aos bens avaliados.

§ 4º A integralização das cotas poderá ser realizada em dinheiro, títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela união, ou outros direitos com valor patrimonial.

§ 5º O FGP responderá por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de se patrimônio, não respondendo os cotistas por qualquer obrigação do Fundo, salvo pela integralização das cotas que subscreverem.

§ 6º A integralização com bens a que se refere o § 4º deste artigo será feita independentemente de licitação, mediante prévia avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda.

§ 7º O aporte de bens de uso especial ou de uso comum no FGP será condicionado a sua desafetação de forma individualizada.

§ 8 º A capitalização do FGP, quanto realizada por meio de recursos orçamentários, dar-se-á por ação orçamentária especifica para esta finalidade, no âmbito de Encargos Financeiros da União.

 

            Transcrito integralmente o art. 16 da Lei acima referida, passamos agora a exposição de fatos e argumentos quanto a sua constitucionalidade ou não.

            Vernalha Guimarães, em seu artigo denominado “A constitucionalidade do sistema de garantias ao parceiro privado previsto pela Lei Geral de Parceria Público-Privada – em especial, da hipótese dos fundos garantidores”, apresenta três teses quanto a inconstitucionalidade da Lei, sendo elas: a inconstitucionalidade por usurpação da competência do legislador complementar para legislar sobre a concessão de garantias; a inconstitucionalidade da vinculação de receitas públicas; a inconstitucionalidade da previsão de fundos garantidores das obrigações pecuniárias do parceiro público, seja por ausência de lei complementar instituidora; seja por ofensa ao art. 100 da Constituição Federal,pressupondo-se infração ao sistema de precatórios.

            Dentre as hipóteses apresentadas por Vernalha Guimarães, discutiremos a respeito das duas ultimas, ou seja,

  • a inconstitucionalidade da vinculação de receitas públicas;
    • a inconstitucionalidade da previsão de fundos garantidores das obrigações pecuniárias do parceiro público, seja por ausência de lei complementar instituidora; seja por ofensa ao art. 100 da Constituição Federal,pressupondo-se infração ao sistema de precatórios.

A primeira hipótese refere-se a garantias previstas no art. 18, §1 da Lei 11.079 que apresenta modalidades de garantias que podem ser prestadas pelo FGP,. O que esta em desacordo ou não-entendido quanto às garantias é o que o art. 21 da mesma lei institui como “Patrimônio de Afetação” que são parcelas vinculadas por esta forma, não podendo ser objeto de penhora, arresto, sequestro, busca e apreensão ou qualquer ato de constrição judicial decorrente de outras obrigações do FGP. Em relação a este fato, DI PIETRO tem o seguinte posicionamento: “Por outras palavras, esse patrimônio de afetação será criado para privilegiar determinado credor, o que é de constitucionalidade pelo menos duvidosa, por contrariar os princípios da isonomia e impessoalidade que devem nortear a destinação dos recursos orçamentários. A norma vai em sentido oposto ao objetivo que inspirou o legislador a exigir que, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, seja obedecida para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica de datas e suas exigibilidades (art. 5° da Lei n° 8.666/93).”[2]

Ao passo que Vernalha Guimarães, tem a seguinte posição: “Não vejo inconstitucionalidade na afetação de receita pública, observados os limites impostos pelo texto constitucional. É fato que o princípio da não-afetação das receitas públicas é acolhido em diversos ordenamentos mundo afora. Esteve presente, numa configuração mais abrangente, inclusive, na Carta de 1967 – onde se vedava a vinculação de tributos em geral, à exceção dos impostos únicos -, mantida com a Emenda de 69. Mas com a Constituição de 1988 a regra foi mitigada, restringindo-se a vedação aos impostos; livrando-se daí as demais receitas tributárias (e não-tributárias) da proibição. É essa a atual exegese do inciso IV do art. 167 da Constituição, como se tira de uma interpretação gramatical e lógico-sistemática do dispositivo.

Relembre-se a letra da norma, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n° 42 de 2003, pela qual se veda a “vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”. Da leitura de seu texto, é clara a vedação apenas à vinculação de receita de impostos, a órgão, fundo ou despesa, com as exceções ali referidas. Não há qualquer menção à vedação às demais espécies de receita.

Observe-se que, como vedação específica que é, a regra não deve merecer interpretação ampliativa. Fosse a intenção do legislador constitucional de 88 impor o princípio da não-vinculação de receitas em geral, a dicção do art. 167 haveria de contemplar essa amplitude, ao invés de veicular vedação particular.

Sendo conclusivo, então, que a vedação prescrita pelo inciso IV do art. 167 não abarca receitas em geral, mas apenas os impostos, os fundamentos a amparar a tese negativista da vinculação de receitas teriam de ser buscados de outros dispositivos da Constituição, notadamente de princípios implícitos no seu texto. Mas o recurso a uma interpretação sistemática da Constituição, partindo-se da letra explícita do inciso IV do art. 167, impede essa conclusão hermenêutica. É que interpretação desta ordem importaria em tornar inútil e supérflua a regra do inciso IV do art. 167, pelo menos naquilo que delimita a vedação à vinculação de receitas dos impostos. Ora, estivesse proscrita a vinculação de quaisquer receitas pelo texto constitucional, qual a função da primeira parte do inciso IV art. 167, que fixa a vedação específica à vinculação de impostos? É da própria disposição desta regra, então, que, a partir de uma leitura sistemática do texto constitucional, infere-se inexistir um princípio geral pela não-vinculação de receitas públicas de toda ordem, implicitamente considerado. O Supremo Tribunal Federal parece acolher essa exegese[3].

Note-se, ademais, que a vinculação de receitas já é expediente largamente usado como via para o financiamento do serviço público. Cite-se o exemplo do FUST – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, criado pela Lei n. 9.998/2000 com finalidade de custear obrigações de universalização de prestadora de serviço de telecomunicações que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço. Dentre suas fontes de receita14, estão, inclusive, contribuições de intervenção no domínio econômico15. Tal como previsto pela sua lei instituidora, as receitas do FUST têm destinação própria, vinculando-se a finalidades previamente estabelecidas. Trata-se, então, de um caso de vinculação de receitas.Outros exemplos poderiam ser lembrados. Perfeitamente constitucional e lícita, pois, a hipótese do inciso I do art. 8º da Lei n. 11079/2004.

            Ambos os autores citados apresentam argumentos e fundamentos plausíveis e convencimento quanto a tese que defendem. Defendo a tese de Constitucionalidade do primeira hipótese analisada, por ser condizente com a analise por fim realizadas antes de iniciar a dissertação do presente artigo e confirmada neste.

A segunda hipótese a ser tratada neste artigo cientifico refere-se a, “a inconstitucionalidade da previsão de fundos garantidores das obrigações pecuniárias do parceiro público, seja por ausência de lei complementar instituidora; seja por ofensa ao art. 100 da Constituição Federal,pressupondo-se infração ao sistema de precatórios”. Que sinteticamente diz Art. 100 - À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

Vernalha Guimarães, defende, “A tese vê na dicção do inciso V do art. 8º e na previsão do FGP pelo art. 16 e seguintes desvio de poder legislativo, porquanto nasceram “de inequívoco e confessado propósito do legislador federal de contornar, por elas, as disposições constitucionais do processo de execução contra a Fazenda Pública constante do art. 100 da Carta Constitucional de 1988, a fim de assegurar aos parceiros privados o recebimento das obrigações pecuniárias dos entes públicos”. Enfatiza ainda que “a hipótese do fundo garantidor não retrata, sob qualquer ângulo, infração ao art. 100 da Constituição Federal. É uma hipótese lícita de criação de unidade administrativa de direito privado para atuar no interesse da Administração, legitimada pelo exercício da auto-organização do aparelho administrativo.

CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO – ofende o princípio da igualdade: “É que todos os demais credores, inclusive os que se encontram na interminável fila de aguardo dos pagamentos de precatórios atrasados, seriam preteridos em favor de megaempresários, os superprotegidos “parceiros” e seus financiadores”[4]

            A questão é, que com o Fundo Garantidor os credores decorrentes das Parcerias Público-Privadas fica garantido, ao passo que os demais credito que os credores tenha com os entes públicos só serão pagos mediantes precatórios, ao prever a garantia parece que legislador agiu propositalmente, indo em desacordo com preceito constitucional. Neste sentido Di Pietro explana, “Tanto isso que o artigo 18 apenas fez referência a União, autarquias e fundações públicas, não abrangendo empresas publicas e sociedades de economia mista, provavelmente pelo fato de que estas, sendo pessoas jurídicas de direito privado, podem oferecer bens não afetados à realização de serviços públicos em garantia do parceiro privado, sem necessitarem da constituição de fundo para fugir à regra constitucional, já que não estão sujeitas ao processo de execução ali estabelecido (p.164)”.

A parceria público-privada, por ser um modelo configurado peculiarmente para instrumentar políticas desenvolvimentistas, adquire um status jurídico singularizado dos demais contratos ditos ordinários, o que lhe justifica um tratamento peculiar, caracteristicamente marcado por certos fatores de discrimem no que diz com o tratamento jurídico de garantias ao parceiro privado relativamente à posição jurídica de outros contratados. É induvidoso que o seu papel em configurar uma técnica diretamente envolvida numa política de desenvolvimento (que se ergue na obediência de uma finalidade constitucional do Estado brasileiro – inciso II do art. 3º da Constituição) lhe adjudica um tratamento específico, que autoriza distinções, eventualmente marcado por garantias específicas ao parceiro privado.

Não vejo, então e por todo o exposto, inconstitucionalidade na hipótese do fundo garantidor por ofensa ao art. 100 da Constituição. Trata-se, sim, de uma técnica lícita de viabilizar e otimizar contratos administrativos de infra-estrutura, que passa pela instituição de entes dotados de personalidade jurídica de direito privado, como uma decorrência de modelos organizacionais acolhidos pelo texto constitucional.

 CONCLUSÃO

            Apresentados os argumentos e fundamentos que embasam as proposições acerca das divergências quanto a constitucionalidade do Fundo Garantido de Parceiras Público-Privadas (FGP), Conclui-se pela constitucionalidade, tanto to primeiro ponto analisado quanto do segundo.

A constitucionalidade do primeiro tópico analisado pauta-se no escopo dos artigos 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo”. Da leitura de seu texto, é clara a vedação apenas à vinculação de receita de impostos, a órgão, fundo ou despesa, com as exceções ali referidas. Não há qualquer menção à vedação às demais espécies de receita. Já a constitucionalidade do segundo tópico estudado pauta-se Na autonomia política de auto-organização, conferida pela Constituição. Neste domínio, respeitados os limites impostos pelo texto constitucional, incisos XIX e XX  do art. 37, poderão ser instituídas unidades administrativas dotadas de personalidade jurídica de direito privado, com vistas a cumprir uma certa política de estruturação e organização do aparelho administrativo, que tem raízes na discricionariedade estatal.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil promulgada de 05 de outubro de 1988.

 

BRASIL. Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004.

 

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2008;

 

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010;

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

 

VERNALHA GUIMARÃES, Fernando, A constitucionalidade do sistema de garantias ao parceiro privado previsto pela Lei Geral de Parceria Público-Privada – em especial, da hipótese dos fundos garantidores. Disponível em http://www.bnb.gov.br/content/apliccao/desenvolvimento_em_acao/projeto_ppp/docs/artigo_a_constitucionalidade_sistema_garantias_ppp.pdf, Acesso em 01/06/2012.

 



[1] Aluno do 10 º de Graduação em Direito pela Faculdade Mineira de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – Campus Coração Eucarístico

[2] Parcerias na Administração Pública. Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público-Privada e outras formas. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 163.

[3] Veja-se julgado assim ementado: Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 3º, inciso VII, da Lei n. 12.216, de 15 de julho de 1.998, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n. 12.604, de 2 de julho de 1.999, ambas do Estado do Paraná. Emolumentos. Serventias extrajudiciais. Destinação de recursos a fundo especial criado para promover reequipamento do poder judiciário. Violação do disposto no art. 167, inciso v, da constituição do brasil. Não ocorrência. 1. Preceito contido em lei paranaense, que destina 0,2% (zero vírgula dois por cento) sobre o valor do título do imóvel ou da obrigação, nos atos praticados pelos cartórios de protestos e títulos, registros de imóveis, títulos e documentos e tabelionatos, ao Fundo de Reequipamento do Poder Judiciário - FUNREJUS não ofende o art. 167, inciso V, da Constituição do Brasil. Precedentes. 2. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impostos, inexistindo, na Constituição, preceito análogo pertinente às taxas. Pedido julgado improcedente. Relator: Min. Eros Grau; Julgamento: 26/04/2006; Órgão Julgador: Tribunal Pleno; Julgamento por maioria. ADI 2059/PR; DJ 09-06-2006 PP-00003

[4] Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 775