Alguns dos problemas suscitados na Desclassificação do Crime Perante o Tribunal do Júri.

Um olhar crítico sobre a polêmica acerca do declínio de competência do Tribunal do Júri.

Maria Amália Cândido de Alvarenga Morais

Estudante de Direito pela Universidade PUC Minas do 8º período

Campus Praça da Liberdade Turno Noite

 

Ao Tribunal do Júri foi atribuído e instituído, como cláusula pétrea pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º, inc. XVIII, alínea d, competência para julgar crimes dolosos e contra a vida, e os conexos e continentes a esses. Ainda, será aplicado ao procedimento do Tribunal do Júri o previsto nos artigos 406 a 497 do Código de Processo Penal, conforme remete o artigo 394, § 3º do mesmo diploma, vejamos:

“Art. 394 O procedimento será comum ou especial.

§ 3º Nos processos de competência do Tribunal do Júri, o procedimento observará as disposições estabelecidas nos arts. 406 a 497 deste Código.”

            Esse procedimento é considerado especial, pelo fato de não se analisar o quantum da pena para definir sua competência, mas a especificidade do crime. Ainda, como outra característica especial, é composto de duas fases; Fase do Sumário de Culpa e Fase do Tribunal do Júri ou Plenário.

            A Fase do Sumário de Culpa inicia-se com o oferecimento da denúncia ou queixa pelo Ministério Público ou Querelante, e tem a mesma forma procedimental do rito Ordinário, exceto que no momento da resposta à acusação, o querelado argui preliminar devendo o Juiz abrir vista ao Querelante para se manifestar, em cinco dias, acerca das preliminares arguidas.

Essa fase encerra-se por Sentença prolatada pelo Juiz sumariante, podendo ser de quatro formas; pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação do crime.

            A Sentença de Pronúncia, de acordo com o Artigo 413 do Código de Processo Penal, é prolatada quando o Juiz, encontrando motivos razoáveis de autoria ou participação e materialidade do crime pelo querelado, ausentes preliminares, justifica o motivo pelo qual remete o acusado à segunda fase, Tribunal do Júri.

A Sentença de Impronúncia, por sua vez, ocorre no caso do Juiz, não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou participação do crime, impronuncia o acusado, podendo o mesmo ser denunciado novamente, conforme narra o artigo 414 do mesmo diploma legal citado no parágrafo anterior.

De outro lado, a absolvição sumária, elencado no artigo 415 do CPP, ocorre quando o Juiz encontra elementos de prova que demonstrem a inocorrência do fato ou que este não constitui infração penal, não participação ou autoria do acusado, ou, ainda, elementos que excluam a culpabilidade ou punibilidade do réu. Observa-se, então, que há duas formas de Absolvição Sumária; não ocorrência do crime ou excludente de ilicitude do crime. Salienta-se, portanto, que prolatada a sentença de absolvição sumária o querelado não pode ser indiciado pelo mesmo fato novamente.

Lado outro e, finalmente, incide a desclassificação do crime quando o Juiz entender que pelo menos um dos dois elementos essenciais – crime doloso e/ou crime contra a vida – para composição do procedimento penal abordado não está presente, remetendo, então, o processo às vias ordinárias, sumárias ou sumaríssimas dependendo do caso concreto, para continuação do processo em vias competentes, conforme preceitua o artigo 81, § único do diploma legal.

Ocorre, entretanto, que após se remeter o processo àquele Juiz que julga ser competente há diversas discussões e polêmicas acerca, basicamente, sobre dois pontos; conflito negativo de competência e recomeço do processo desclassificado.

A doutrina se mostra bastante dividida acerca dos pontos suscitados, não havendo solução descomplicada pelas jurisprudências ou pelo próprio Código de Processo Penal.

Uma das hipóteses que pode ocorrer quanto à desclassificação do crime, é que o Juiz declinado pode não entender, também, como de sua competência o julgamento daquele caso, encontrando no mesmo, requisitos que atribua novamente ao Tribunal do Júri a competência, fica instaurando-se, assim, o Conflito Negativo de Competências.

Segundo o Código o Juiz declinado deve suscitar que o crime constitui infração dolosa e contra a vida nas vias ordinárias, o conflito, então, seria remetido ao Tribunal de Justiça ou ao Tribunal Regional Federal, adequando-se ao caso, para que decida acerca do conflito e pondera qual juízo é o competente para julgar o crime, não apreciando qualquer outra matéria que verse sobre o crime ocorrido. Esse é o entendimento do professor Guilherme de Souza Nucci.

Outra corrente, entretanto, alega que o juiz natural não poderia suscitar o conflito negativo de competência uma vez que se feriria a coisa julgada e poderia haverá possibilidade de condenação mais gravosa. Nesse sentido, o acusado então, o Juiz deveria pronunciar uma sentença absolutória, haja vista a competência em razão da matéria ter caráter absolutório.

Essas argumentações são apontadas por Jacques de Camargo Penteado, vejamos:

 

“Para a primeira corrente, o Juiz singular não poderia suscitar o conflito negativo de competência para sustentar que deva ser  restabelecida a classificação originária e o caso ser julgado pelo Tribunal do Júri. Ferir-se-ia a coisa julgada material e o acusado seria submetido à possibilidade de condenação por fato mais grave, em face de exclusiva dinâmica judicial. Se o acusador e a vítima, ou seu representante legal, conformaram-se com a desclassificação , ao julgador não é dado promover o restabelecimento da denúncia mais gravosa. A segunda corrente sustenta que o julgador pode declarar a sua incompetência em qualquer fase procedimental e a omissão recursal das partes não vincula o magistrado afirmado competente. Aduz que, acolhida a primeira orientação, extinguir-se-ia a possibilidade de conflito negativo, pois sempre haveria preclusão para o Juiz que foi apontado como competente” (Acusação, defesa e julgamento, p.339-340)

 

Em contrapartida, caso o Juiz declinado entenda que é de sua competência o julgamento do crime, o mesmo deverá continuar com o processo. Porém, há outra grande argumentação acerca do tema.

Parte da doutrina, inclusive Nucci, entende que ao Juiz cabe apenas sentenciar, uma vez que o processo já foi saneado, não devendo recomeçá-lo, até mesmo em prol da economia processual, exceto se houver fato novo.

De outro lado, diferente parte da doutrina suscita que o procedimento deve realizar todos os atos novamente, apesar de ferir a economia processual uma vez que os atos processuais do Tribunal do Júri se diferem dos atos processuais do procedimento comum em um ponto crucial.

No Tribunal do Júri há a previsão da oitiva da Promotoria após as alegações de preliminares, o que pode prejudicar o querelado, Art. 409 do CPP, essa previsão, entretanto, não existe diante do artigo 396-A do CPP, que cuida do procedimento ordinário:

 

Art. 409 Apresentada a defesa, o Juiz ouvirá o Ministério Público ou o querelante sobre preliminares e documentos, em 5 (cinco) dias.

 

Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário.

§ 1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.

§ 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê-la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias.

 

Nesse caso, se houver preliminares arguidas, entende-se que para adequação ao procedimento adotado e devido processamento do acusado, deve ser realizado novo saneamento do processo, não havendo que se falar, entretanto, em oferecimento de nova denúncia ou queixa.

Posto isso, nota-se a relevante importância acerca do tema. O Código de Processo Penal ou qualquer outra legislação esparsa, não resolve as questões aqui abordadas, apesar da grande discussão acerca do assunto. Deste modo, o Juiz aplicaria ao fato àquela corrente que presume ser a mais correta à luz do caso concreto.