Introdução

            Este trabalho científico possui o objetivo de abordar os aspectos penais e processuais penais da lei 11.101 de 2005 , conhecida pelo jargão “lei de  falências”, mas que trata não apenas das liquidações, como também da recuperação de empresas.

Assim, sua publicação em 9 de fevereiro de 2005, com vigência a partir de 9 de junho de 2005, a lei 11.101 modificou em muito diversos procedimentos e institutos da antiga lei de falências e concordata (decreto-lei 7.661/45). Com isso acompanha melhor o atual estado da economia brasileira e permite uma maior proteção à atividade empresarial de uma forma geral.

No entanto, a lei também tenta renovar alguns institutos criminais que envolvem a fraude empresarial, o que causa uma celeuma e dúvida sobre pontos que serão abordados, tais quais: adaptação ao papel da autoridade judiciária ao modelo acusatório, inimputabilidade do menor citado na lei 11.101, elementos do tipo penal do crime dessa lei, prisão preventiva civil, novo papel do MP, natureza da ação penal falimentar, circunscrição policial responsável pela apuração do delito, abolitio criminis dos crimes do decreto lei 7.661/45.

 

 

Fundamentação Teórica

            O direito comercial, através das leis e jurisprudência, procura acompanhar a evolução das relações sociais. Isto, entretanto, é tarefa extremamente árdua e quase impossível, tal como o interminável trabalho de Sísifo. Isto ocorre porque o ser humano costuma se relacionar de forma nova, por meios novos. Por isso mesmo o próprio instituto da liquidação sofreu intensa modificação. Na Idade Média possuía viés de algo insidioso, daí o motivo pelo qual um credor quebrava (literalmente) a barraca de alguém em local público, quando o mesmo findava em insolvência fallinti sunt fraudatores. Com a lei 11.101/2005 a falência também é evitada ao máximo, não porque isto representa algo delituoso, mas pela razão de que o fim da atividade empresarial leva à extinção de uma série de relações jurídicas importantes para o correto funcionamento da sociedade. Exemplo disso são as relações envolvendo os empregado, empresário ou sócios, credores, governo, a própria ordem pública,...

            Com tamanha importância da atividade empresarial o legislador procurou 2 institutos que garantissem outras saídas, senão a liquidação. São elas a recuperação extrajudicial e judicial. Com o mercado se aquilatando com esses novos institutos, possibilidades novas para quem procura um espaço no mercado de trabalho aparecem, uma vez que o empresário (sempre que for mencionado também entender como sócio de sociedade empresária, não apenas a figura do art. 966 do CC 02) fará de tudo para manter sua atividade. Tais quais os credores procurarão todos os meios para ter seus créditos satisfeitos e continuar realizando negócios. Ex:

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

 

            Assim, o legislador continuou em seu árduo trabalho e também procurou meios para lidar com o indivíduo que procurasse obter ganhos inescrupulosos nesse processo de liquidação, adentrou na seara do direito penal e processo penal. Extinguiu o inquérito judicial, haja vista que não se coaduna com o papel judicial de porteiro de provas e mediador do processo. O inquérito judicial colocava a autoridade dentro de uma investigação, o que resultaria na falta da imparcialidade, conflito com incumbência de juiz de direito, confusão com função de autoridade policial e poderia levar deixar criminosos à margem da lei. O inquérito judicial foi tarde, se lá qual crítica seja feita ao mesmo. Até porque após a CF de 88 vige a garantia de imparcialidade dos órgãos jurisdicionais, art. 95 par . único I a III.

            Então além de acabar com a figura obsoleta, o legislador, no art 2º escolheu quem poderá não participar de falência para no art. 179 colocar um rol taxativo de indivíduos que podem figurar no pólo passivo de uma ação penal:   

Art. 179. Na falência, na recuperação judicial e na recuperação extrajudicial de sociedades, os seus sócios, diretores, gerentes, administradores e conselheiros, de fato ou de direito, bem como o administrador judicial, equiparam-se ao devedor ou falido para todos os efeitos penais decorrentes desta Lei, na medida de sua culpabilidade.

            Após demonstrar os indivíduos que podem ou não figurar num “crime falimentar” cabe demonstrar que a atividade ilícita também pode ocorrer nos casos de recuperação, o que permite a denominação com fim ampliativo. O que legislador não poderia fazer seria responsabilizar o menor, art. 5º IV CC 02, participante da atividade empresarial a ser punido penalmente. Ainda que possa haver a desconsideração da personalidade jurídica para atingir a pessoa física criminosa, nada pode ser feito penalmente ao menor. Tal fato, porém, não o mantém longe do poder estatal, pois que o mesmo é abalizado pelo ECA, que, em seu artigo 103 o vê o fato como ato infracional. Isto o expõe aos rigores do art. 112.

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

           

            Além da inusitada figura do emancipado tomando posição ativa na LFR (lei de falência e recuperações, existe outro fato que chama a atenção: Não há crime sob a forma culposa ou por dolo eventual. Deverá haver necessariamente a má-fé! A obrigatoriedade do dolo direto chama a atenção e o mesmo só poderá ser configurado após a sentença que declare a recuperação ou a liquidação, o que também torna essa lei bem específica e suis generis é que o processo se inicia com uma sentença.

            Tal consideração pode causar estranheza ao processualista e ao graduando que depreende sentença como ato que finda uma etapa do processo. Esse detalhe não é perfunctório, uma vez que no direito empresarial existe esse caráter próprio. E o artigo 180 da LFR exige a sentença como condição objetiva de punibilidade (essentiala delicti). Aí volta a funcionar a regra geral do CPP que obriga a apresentação da denúncia pelo MP em 5 dias estando o réu preso e 15 se gozar de liberdade. Há de notar dispositivos que são reproduções do CPP nos artigos 29 e 38, tal como o art. 184 e 187 da LFR que tratam da natureza da ação penal e do prazo decadencial.

   CPP     Art. 29.  Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal.

        Art. 38.  Salvo disposição em contrário, o ofendido, ou seu representante legal, decairá no direito de queixa ou de representação, se não o exercer dentro do prazo de seis meses, contado do dia em que vier a saber quem é o autor do crime, ou, no caso do art. 29, do dia em que se esgotar o prazo para o oferecimento da denúncia.

        Parágrafo único.  Verificar-se-á a decadência do direito de queixa ou representação, dentro do mesmo prazo, nos casos dos arts. 24, parágrafo único, e 31.

     LFR   Art. 184. Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada.

        Parágrafo único. Decorrido o prazo a que se refere o art. 187, § 1o, sem que o representante do Ministério Público ofereça denúncia, qualquer credor habilitado ou o administrador judicial poderá oferecer ação penal privada subsidiária da pública, observado o prazo decadencial de 6 (seis) meses.

 

            Apesar dessas reproduções quase ipisis literis, pode causar espécie ao incauto, pois a lei possui um mecanismo próprio, cujo sentido parece ser de afastar a própria autoridade policial de agir, o que deixaria o MP apto ao inquérito, ainda sim apenas em algumas fases do processo.

        Art. 187. Intimado da sentença que decreta a falência ou concede a recuperação judicial, o Ministério Público, verificando a ocorrência de qualquer crime previsto nesta Lei, promoverá imediatamente a competente ação penal ou, se entender necessário, requisitará a abertura de inquérito policial.

 

            Cabe longa discussão doutrinária sobre o conflito de atribuições entre o MP e a polícia judiciária, o que não deverá ser explorado no presente artigo, todavia tal posicionamento deve ser observado com bastante parcimônia e cautela, já que não é plenamente aceitável a possibilidade do MP presidir inquérito, como também não se deve, com intuito de se preservar a celeridade do processo, permitir que a ordem pública e autoridade estatal seja devassada.

            Ao que parece, ao pesquisador, a autoridade policial deve estar pronta a agir de ofício sempre que haja suspeita de algum crime, uma vez que inexiste no ordenamento jurídico a figura da ação penal pública condicionada à representação do MP ou investigação policial condicionada. Tal criação seria uma teratogenia e é expressamente contra o CPP que permite a comunicação, mas não é uma condição de procedibilidade.

        Art. 5o  Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

        I - de ofício;

        II - mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

 

            Outra estranheza aparece quando há a permissão do juiz da vara cível que cuida da falência decretar a prisão preventiva de acusado. Ora, ainda que a jurisdição seja una, esta é uma divisão que outorga este tipo de poder ao juízo criminal. Neste caso o correto seria o envio dos auto ao mesmo para avaliar se há requisitos do art. 312 do CPP que aborda a materialidade do crime e indícios suficientes de autoria de forma a garantir a ordem pública, econômica, garantia da aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal.

            Ainda que o ínclito juiz cível seja impelido pela lei a decretar a PP, surge juridicamente algo nulo por vício de existência uma vez que a CF só celebra os tipos de prisão civil elencados no art 5º LXVII (evitando mencionar todo o questionamento trazido pelo Pacto de San Jose da Costa Rica). Assim a prisão da lei 11.101 não poderá existir daquela forma, pois a mesma deve ser feita em processo judicial criminal, até que seja de modo cautelar, pelo juízo competente.

            Cabe ao trabalho abordar também os crimes que não foram recepcionados pela nova lei o que traz a pauta o instituto da abolitio criminis. Sem a necessidade de grande dissertação sobre tal tema, o pesquisador faz parco comentário de cunho exemplificativo a critério de curiosidade ao estudioso que lê este artigo. São crimes não recepcionados:

Art. 186. Será punido o devedor com detenção, de seis meses a três anos, quando concorrer com a falência algum dos seguintes fatos:

I - gastos pessoais, ou de família, manifestamente excessivos em relação ao seu cabedal;

II - despesas gerais do negócio ou da emprêsa injustificáveis, por sua natureza ou vulto, em relação ao capital, ao gênero do negócio, ao movimento das operações e a outras circunstâncias análogas;

III - emprêgo de meios ruinosos para obter recursos e retardar a declaração da falência, como vendas, nos seis meses a ela anteriores, por menos do preço corrente, ou a sucessiva reforma de títulos de crédito;

IV - abuso de responsabilidade de mero favor;

V - prejuízos vultosos em operações arriscadas, inclusive jogos de Bôlsa;

VI - inexistência dos livros obrigatórios ou sua escrituração atrasada, lacunosa, defeituosa ou confusa;

VII - falta de apresentação do balanço, dentro de sessenta dias após à data fixada para o seu encerramento, à rubrica do juiz sob cuja jurisdição estiver o seu estabelecimento principal.

Parágrafo único. Fica isento da pena nos casos dos ns. VI e VII dêste artigo, o devedor que, a critério do juiz da falência, tiver instrução insuficiente e explorar comércio exíguo.

Art. 187. Será punido com reclusão por um a quatro anos, o devedor que, com o fim de criar ou assegurar injusta vantagem para si ou para outrem, praticar, antes ou depois da falência, algum ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

 

Conclusão

            Com essas breves considerações sobre não pode ser encerrado o trabalho sem mencionar a magnânima e louvável iniciativa da ACADEPOL de SP, IBCCRIM e a Universidade UNINOVE que após o primeiro mês de vigência da lei organizaram um simpósio procurando organizar atitudes jurídicas frente essa lei ditando algumas orientações:

1º - Crime falimentar é toda infração penal definida na lei 11.101 de 9 de Fevereiro de 2005.

2º - O inquérito policial, inclusive o iniciado por auto de prisão em flagrante delito, para apuração de crime falimentar, deve ser instaurado de ofício pela autoridade policial não estando sujeito à requisição do MP ou da autoridade judiciária.

3º - A prisão preventiva prevista no art. 99, VII, da Lei 11.101, submete-se às exigências dos artigos 311 e seguintes do CPP e somente pode ser decretada pelo juízo criminal, de ofício ou mediante provocação (da autoridado policial, do MP ou do querelante).

4º - A autoridade policial competente para a instauração de inquérito policial sobre crime falimentar é da circunscrição correspondente à da consumação da infração penal e não da decretação da falência.

5º - Para a requisição pericial relacionada à investigação do crime falimentar, deverá a AP formular a quesitação específica e instruí-la com cópias das peças pertinentes dos autos do inquérito policial.

6º - Aplicam-se aos crimes definidos nos artigos 176 e 178 da LFR, quando cabíveis os benefícios despenalizadores da lei 9099/95.

7º - Nos crimes falimentares que deixarem vestígio será imprescindível o exame de corpo de delito.

8º - Com a revogação expressa do Decreto lei 7.661/45 foi abolida o inquérito judicial e qualquer outra manifestação diversa da realizada pelo delegado de polícia, através dos legítimos instrumentos do inquérito policial e do termo circunstanciado.

9º - A competência para o processo e julgamento dos crimes falimentares no Estado de São Paulo é do juízo criminal, perante este devendo ser postuladas medidas cautelares.

 

            Esse esforço imediato na organização do trâmite policial e judiciário nos crimes da LFR também dá ensejo a outras considerações e o pesquisador acredita que este é um excelente começo para o melhor uso desse instrumento que é a lei 11.101.

            Com isso, foram lançadas algumas considerações sobre os aspectos criminais da lei a título de esclarecer o estudioso do tema, sendo este graduando ou baicharéu. Além do farto campo de trabalho que o processo de recuperação pode abrir, também existem muitos outros detalhes a serem analisados e aprofundados antes de começar a operar com a lei 11.101.