Alguns aspectos do gerativismo em Chomsky


Almir Almeida de Oliveira


Resumo

Este trabalho visa explorar breve e resumidamente alguns aspectos característicos do gerativismo linguístico de Noam Chomsky, abordando o funcionamento das estruturas mentais que permitem a aquisição de uma língua; as noções de habilidade e capacidade; os conceitos de Língua Externa e Língua Interna, bem como o modelo computacional que orienta a aquisição e uso das modalidades linguísticas.

Palavras-chave: Noam Chomsky, gerativismo, estrutura linguística.


O gerativismo que nasce com Noam Chomsky na segunda metade do século XX reabilita o inatismo cartesiano e romântico e propõe uma gramática universal que vise explicar o funcionamento das estruturas linguísticas, da aquisição e a capacidade de uso da língua através do estudo das faculdades mentais.

Chomsky ressignifica em sua teoria gerativa, alguns teóricos antigos que já pensavam em uma gramática universal, embora tenham caído por muito tempo no esquecimento e descrédito. Humboldt, por exemplo, defendia que os mecanismos linguísticos condicionam a forma de pensamento humano. E "estes mecanismos podem incluir o contributo do gênio individual, que tem influência sobre o "caráter" de uma língua, enriquecendo os seus meios de expressão e os conceitos sem afectar a sua "forma", o seu sistema de sons e as regras de formação de palavras." (Chomsky, 1989, 21)

O gerativismo ainda tem como qualidade distintiva fundamental o caráter de generalização de leis comuns. É a busca de regularidades a partir do sistema. Não é apenas propor esquemas distribucionais, mas uma estrutura de funcionamento. Chomsky propõe uma gramática que permite prever todas as frases aceitáveis de uma língua dada. Daí sua aproximação com o estruturalismo, uma vez que tem como objeto de estudo a estrutura linguística.

De acordo com Corneille, comparando a língua a um motor, o estruturalismo trataria de desmontar e classificar todas as peças. O gerativismo de dar conta de seu funcionamento baseado nos princípios de mecânica. "Para a linguística descritiva, a língua reduz-se à soma de todas as frases possíveis; para a gramática generativa, representa o modelo de competência que permite engendrá-las." (itálicos do autor) (1982, 40)

O estudo da sintaxe é uma importante pedra fundamental para entender como nos comunicamos e interagimos com outros seres humanos. Ele consiste no estudo de como os sons subconscientemente significam para nós dentro de um sistema de língua.

Para o linguista gerativo, o termo língua não se refere a uma língua particular, mas a capacidade humana de utilizar uma língua. O falante nativo tem domínio da fonética, fonologia, morfologia e semântica de sua língua, no que diz respeito à produção e a identificação. Carnie (2007, 03) descreve como isso acontece: "there is some set of neurons in my head firing madly away that allows me to sit here and produce this set of letters, and there is some other set of neurons in your head firing away that allows you translate these squiggles into coherent ideas and thoughts."

Os defensores dessa corrente alegam que há um conhecimento que é consciente, e que pode ser aprendido. É o caso das regras de álgebra, dos princípios da química orgânica, das regras de um jogo, etc. E há um conhecimento subconsciente, que não é aprendido, mas adquirido, pois está em nossa mente de forma latente e pode aflorar a qualquer momento. É a capacidade de identificar visualmente objetos discretos, de conceber uma língua ou mesmo andar. As línguas particulares não são inatas, mas a capacidade linguística de adquiri-las.

Quanto a universalidade das regras linguísticas podemos notar que todas as línguas no mundo têm sujeito e objeto. Ou mesmo que todas as crianças cometem os mesmos erros quando estão aprendendo. São evidências de que essa capacidade de língua parte de um mesmo lugar para todos. "For example, children seem to go through the same stages and make the same kinds of mistakes when acquiring their language, no matter what their cultural background" (id, 21)
Esses dados de aquisição de linguagem mostram evidentemente que em todas as línguas e culturas as crianças desenvolvem uma mesma forma de manifestar sua língua, bem como uma mesma frequência de ?erros?, como a generalização de regras que permite em português, por exemplo, que crianças produzam formas como eu fazi, eu di, eu pegui, etc. Essas generalizações, que conforme Carnie na citação acima, se realizam em todas as línguas, somente é possível porque nascemos com uma estrutura linguística inata e universal que nos possibilita aprender uma Língua Externa.
O gerativismo lança mão da teoria de parâmetros que visa explicar porque mesmo tendo uma estrutura inata à espécie, há ocorrências de distintas línguas no mundo, que além das diferenças entre os termos-palavras que variam de uma língua para outra, temos outras maiores como a posição sintática dentro da sentença SVO ? SOV ? VSO. É o chamado parâmetro que seleciona as possíveis formas de variação. No entanto, essa variação obedece a um leque de opções pré-determinadas, que fundamenta a chamada teoria de parâmetros. Conforme podemos constatar ainda com Carnie:
"As noted above, Language seems to be both human-specific and pervasive across the species. All humans, unless they have some kind of physical impairment, seem to have Language as we know it. Additionally, research from neurolinguistics seems to point towards certain parts of brain being linked to specific linguistic functions. [?] Foreshadowing slightly, we?ll claim there that differences in the grammars of language can be boiled down to the setting of certain innate parameters (or switches) that select among possible variants. (grifo do autor) (2007, 22)

Na linguística gerativa, a língua é uma entidade, assim como o conhecimento que o falante da língua nativa tem a partir das faculdades mentais. A tarefa do linguista, portanto, é caracterizar o conhecimento que o falante tem de sua língua. Pois, nesse sentido, as palavras são basicamente sons que arbitrariamente se referem a algo. Ouhalla (1999, 01) deixa essa ideia bem clara: "In the Generative tradition, language is understood to refer to the knowledge that native speakers have which, together with other faculties of the mind, enables them to communicate, express their thoughts and perform various other functions."

Isto explica por que qualquer falante de uma língua nativa sabe reconhecer quando um traço sonoro é minimamente distintivo ou não. Ou porque qualquer sentença deve obedecer a uma estrutura sintática para poder ser compreendida ? este axioma pode ser generalizado para todas as línguas. Em português, por exemplo, qualquer sentença deve ter a relação clara entre os termos. Sentenças como esta: o bebeu garoto leite tem problemas de significação. Por outro lado, o falante nativo é capaz de interpretar as situações contextuais em que se realizam as sentenças.

Ouhalla, ao analisar o exemplo em inglês faz algumas observações sobre a capacidade humana de inferir e compreender implícitos através de situações de contexto:

"The boy: Do you want coffee?
The girl: Coffee keeps me awake." (id, 03)

Neste exemplo, o garoto pode inferir em uma recusa da garota quanto a o café. Porém, se ambos estivessem estudando a noite inteira para um trabalho no dia seguinte, ela poderia estar aceitando o café com esse enunciado. Ouhalla completa:

"The ability to infer the right message from the the girl?s answer depends on knowledge of contextual information relating to the time in which the dialogue takes place, the intentions and plans of the girl, as well as encyclopedic knowledge relating to the fact that coffee contains a substance which can cause on to be awake" (grifos do autor) (id, ibid.)

Dessa forma, o Gerativismo faz uma clara distinção entre o conhecimento da língua que o falante tem e a sua habilidade de uso. O primeiro inclui o conhecimento das palavras e as regras de formação de palavras, de sentenças e outros aspectos da língua. O último se refere às regras de comportamento social e adequação da fala a seus diversos contextos. É o que permite que o the boy possa inferir uma interpretação de aceita ou recusa na fala da the girl.

Ouhalla dá um exemplo interessante - para distinguir ainda entre capacidade (ability) e habilidade (skilful) - de um homem tido como retardado que domina perfeitamente 15 idiomas, e é capaz de ler textos em todos esses, como se estivem em sua língua nativa, mas não detém a habilidade de usar essas línguas socialmente. Ou seja, ele tem a capacidade linguística de diversos idiomas, mas não a habilidade de usá-los contextualmente. "We now have narrowed down the expression ?knowledge of language? to mean knowledge of rules which govern pronunciation, Word formation and sentence formation, in addition to knowledge of words.(Id. 04)

A capacidade linguística está estritamente dependente do funcionamento das faculdades mentais. Isso fica claro, quando o sujeito passa por traumas ou acidentes cerebrais, e sua capacidade pode ser afetada ou perdida, e depois recuperada. Ou pela evidência que nenhuma pessoa tem capacidades idênticas de produção, conforme afere Chomsky (1989, 28): "Duas pessoas podem partilhar exatamente o mesmo conhecimento da língua, mas podem diferir marcadamente na capacidade para por em uso tal conhecimento."

Há uma propriedade comum ao homem que permite adquirir e utilizar-se de uma língua, mesmo em sua particularidade e com todas as influências do social. Há algo de inato que permite ao homem ter línguas.

Há o fato importante de que nenhum falante nativo usa uma sentença: João está apaixonado pelo tijolo. Os gerativistas vêm explicar esse fato a partir da noção de faculdades mentais que independe de inteligência e que podem ser afetados quando outras faculdades mentais são afetadas. É o caso de quem sofre uma lesão cerebral. As diversas faculdades mentais que tem existência autônomas se organizam em uma estrutura modular na mente humana, o que permite aos homens usarem as suas capacidades diversas. Entre elas, a da língua. O que é ratificado ainda com Ouhalla: "The human mind is said to have a modular structure, where each faculty has an autonomous existence from the others, although the ability of humans to use their language normally involves an interaction between all of these autonomous modules." (1999, 05)

Fica evidente, dessa forma que o homem tem a capacidade de criar um número infinito de sentenças a partir de um número finito de regras e de léxicos, tidos pelos gerativistas como um sistema computacional que permite essa geração infinita de sentidos.

A tese da Gramática Gerativa é que as sentenças são geradas por procedimentos subconscientes (como um programa de computador). Esses procedimentos fazem parte da nossa mente. O objetivo da sintaxe é propor um modelo para estes procedimentos (capacidade). "Certos aspectos da mente/cérebro podem ser proveitosamente estudados tendo como modelo sistemas computacionais de regras que formam e modificam representações e que são usados na interpretação e na ação." (Chomsky, 1989, 25)

O tipo de conhecimento que o falante nativo possui e utiliza para dar sentido às suas falas é inconsciente e este não tem acesso direto e nem pode ensiná-lo. Essa é uma evidência que a estrutura linguística é inata, e que por isso permite que o homem desenvolva uma Língua Externa, pois este conhecimento é inconsciente e inacessível para o falante. E que atua como um sistema computacional que permite que o mesmo produza um número infinito de sentenças a partir de um número finito de regras.

"The creative aspect of human language provides the strongest evidence that knowledge of language is essentially knowledge of rules, a computational system which makes it possible to generate an infinite number of sentences from a finite number of rules together with the lexicon." (grifo do autor) (Ouhalla, 1999, 05)

É essa a ideia principal que alimenta a teoria gerativa e propõe a condição inata da estrutura linguística, uma vez que é óbvio a impossibilidade de uma criança de 3 anos, idade em que ela já domina as formas da língua, ter ouvido e aprendido todas as possibilidades e formas da língua à qual está inserida. A hipótese é que essa aquisição é possível porque ele já nasce com uma gramática interna, à qual a língua se adapta. Isto também é percebido pelas observações que mostram que as crianças fazem hipóteses de uso, mesmo sem ninguém as ensinar. Elas tentam afixos com palavras que não os recebem, regularizam formas irregulares, etc. Se não houvesse algo interior e anterior isso não seria possível.

Independente de onde nasça o homem, haverá qualquer propriedade da mente/cérebro que permitirá que ele distinga e nomeie os objetos e seres que o rodeia. Essa propriedade inata e comum à espécie pode ser chamada de Gramática Universal, que caracteriza a capacidade e habilidade linguística do sujeito.

"A GU deve ser vista como uma caracterização da faculdade da linguagem geneticamente determinada. Pode-se encarar esta faculdade como um "mecanismo de aquisição da língua particular pela interação com a experiência vivida, ou ainda como um mecanismo que converte a experiência num sistema de conhecimento atingido: conhecimento de uma ou de outra língua." (Chomsky, 1989, 23)

O conhecimento de uma língua inclui o conhecimento de gramáticas de regras universais ou específicas, ou seja, o conhecimento de gramática. Diferentemente das gramáticas de línguas, a Gramática Universal não vem propor regras fechadas a serem seguidas, mas hipóteses que devem ser testadas dentro de uma língua específica e em outras línguas. A GU é tida como um componente de sistema amplo de regras que inclui as regras de língua específica e tem como função descrever as regras de funcionamento da língua humana. "UG is instantiated as a component of larger systems of rules which include language-specific rules. In other words, UG is instantiated as part of English, Berber, Japanese, etc. Thus, to be able to isolate the properties of UG when analyzing data from individual language." (Ouhalla, 1999, 09)

A tarefa do linguista, portanto, é descrever o conhecimento que o homem tem de sua língua. O linguista tenta reconstruir, via análise de dados, o que há na mente do falante, formulando assim uma teoria. "The task the linguist can be described as an attempt to characterize in formal terms the knowledge that humans have their language. (id, ib.)

Se o paralelismo entre a gramática do linguista e a gramática mental não abarcarem uma mesma sentença, o linguista tem que revisar o seu modelo de gramática para que acomode aquela sentença particular. Daí porque os dados do linguista podem ser dados de introspecção e idealizáveis, porque os dados de observação não dão conta da análise e não podem ser generalizáveis.

Ouhalla explica porque no gerativismo, os dados de análise podem ser idealizáveis e de introspeção: "the speech is usually affected by performance factors such as false stars, hesitation, memory lapses, and so on, all of which are extraneous to language itself, and therefore should be purged from the data to be analyzed." (Ouhalla, 1999, 09) Ou seja, utilizar-se das condições de produção na análise gerativa pode desvirtuar o objetivo de análise estrutural a que se dispõem a Gramática Gerativa. Outro estágio na história da gramática gerativa veio com o desejo de atingir a adequação descritiva com o resultado de generalização que é o desejo de atingir a explanação adequada.

Há palavras que ganham significados pela extensão de conhecimento de cada pessoa, mas que cabe a peritos dar-lhes referência. Isso parece o sentido denotativo das palavras. O conotativo referencial do dicionário, do perito, e o do contexto social. Sendo assim, o estudioso da língua deve mesmo trabalhar com uma língua abstrata. "Na língua de um dado indivíduo, muitas palavras são semanticamente independentemente num sentido especial: a pessoa deixará à responsabilidade de "peritos" precisar ou fixar a sua referência." (Chomsky, 1989, 38)

A Língua Externa é concebia como o comportamentalismo que entende a língua independentemente das propriedades mente/cérebro. Poderíamos dizer que essa LE é o construto social de interação. A língua I, por outro lado, trata da noção de estrutura presente na mente do falante, o que permite que "desenvolva" uma Língua Externa. Por exemplo, a capacidade de produzir e compreender frases novas, que apenas sigam a estrutura. Dessa forma, apenas o gerativismo trata da Língua Interna.

"Conhecer a língua L é uma propriedade de uma pessoa H; uma das tarefas das ciências do cérebro é a de determinar aquilo que existe no cérebro de H que é responsável pela existência desta propriedade." (id, 41) A língua tem uma relação necessária com a mente/cérebro do homem. Dessa forma, a GU deve estudar essa relação R (L-H).

Uma pessoa tem uma língua se sua mente/cérebro está num estado EL (externo da língua) já que a língua I é comum a todos os homens. O conhecimento deriva de um estado inicial E0 converte a experiência em estável EE que incorpora a língua I. "A faculdade da linguagem é um sistema distinto da mente/cérebro, com um estado inicial E0 comum à espécie (numa primeira aproximação, com excepção de casos patológicos, etc.) e aparentemente exclusiva dessa espécie no que diz respeito aos aspectos essenciais." (id, 44)

A partir dessa última citação, podemos ver como o gerativismo aborda a questão da aquisição de língua. A disponibilidade de uma estrutura inata, Língua Interna, que permita ao homem (espécie) ao ter contato com uma Língua Externa possa desenvolvê-la e dominar as suas regras particulares, sejam fonológicas, semânticas ou sintáticas. Pois, quem conhece uma língua, conhece o sistema de regras que permite atribuir significado ao som.

A proposta do gerativismo, como pudemos ver até esse ponto, é compreender o funcionamento dessas faculdades mentais e como elas atuam na aquisição e competência linguísticas. "A teoria da mente visa determinar as propriedades do estado inicial E0 e de cada um dos estados EL da faculdade da linguagem e as ciências do cérebro procuram descobrir os mecanismos do cérebro que são realizações físicas desses estados." (id, 56) Ele trata de ciências do cérebro que tem com função explicar as propriedades e os princípios da língua na mente.



Referências Bibliográficas

CARNIE, Andrew. Syntax: a generative introduction. 2 ed. New York: Blackwell Publishing, 2007.

CORNEILLE, Jean-Pierre. Linguística estrutural: seu alcance e seus limites. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.

CHOMSKY, Noam. O conhecimento da língua como objecto de investigação. In: __________O conhecimento da linguagem:sua natureza, origem e uso. Trad. Ana Bela Gonçalves e Ana Teresa Alves. Lisboa: Caminho, 1994.

OUHALLA, Jamal. Introducting Trasnformational Grammar: from principles and parameters to minimalism. 2 ed. New York: Oxford University Press, 1999.