ALGUMAS LINHAS SOBRE O MANDADO DE INJUNÇÃO PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE

Integrante do rol de remédios constitucionais, o mandado de injunção, previsto no artigo 5º, LXXI, da Constituição Federal, é, nos dizeres do eminente mestre José Afonso da Silva, “um remédio ou ação constitucional posto à disposição de quem se considere titular de qualquer daqueles direitos, liberdades ou prerrogativas inviáveis por falta de norma regulamentadora”.[1]

Muito ao contrário do que postulava Lassalle, as normas constitucionais não são meros pedaços de papel – ein Stück papier, no original[2] – mas postulados jurídicos eficazes, dotados de força normativa (ainda que mínima).[2] – mas postulados jurídicos eficazes, dotados de força normativa (ainda que mínima).[3]

Em verdade, as normas Constitucionais, pela principiologia que lhes é imanente, são criadas para surtir efeito, de modo que sua ineficácia por ausência de regulamentação, antes de constituir indiscutível afronta ao corpo normativo que sustenta todo o ordenamento jurídico, representa violação à norma pressuposta fundamental (Grundnorm).[4]

Tratando-se de eficácia e força normativa de texto constitucional, a palavra de ordem é a credibilidade. Assim como ocorre com o valor monetário conferido à moeda, os governados precisam acreditar que aquele conjunto de enunciados jurídicos que chamamos de Constituição tenha cogência e efetividade prática para que as normas que dele constem de fato sejam eficazes. Esse fenômeno foi estudado pelo jurista alemão Konrad Hesse e nomeado de Wille zur Verfassung, o desejo (ou vontade) de Constituição.[5]

Dentro da linha de raciocínio proposta, eventual falta de efetividade de dispositivos constitucionais é extremamente nociva ao ordenamento jurídico, pois implica corrosão da credibilidade constitucional, sustentáculo do próprio diploma normativo.

Destarte, o mandado de injunção, ao lado de outras ações constitucionais (como a ação direta de inconstitucionalidade por omissão – doravante ado), visa conferir efetividade às disposições da Lei Maior, a promover o exercício de direitos subjetivos impedido pela omissão legislativa, ou seja, pela ausência de norma regulamentadora da prerrogativa jurídica.

O ministro Gilmar Mendes, com absoluta propriedade, define o que deve ser entendido por omissão legislativa:

Tal como tem sido frequentemente apontado, essa omissão tanto pode ter caráter absoluto ou total como pode materializar-se de forma parcial. Na primeira hipótese, que se revela cada vez mais rara, tendo em vista o implemento gradual da ordem constitucional, tem-se a inércia do legislador que pode impedir totalmente a implementação da norma constitucional.[6]

De bom alvitre lembrar que a norma constitucional autoaplicável – os direitos e garantias previstos no artigo 5º da Constituição Federal, por exemplo – não cabe mandado de injunção, porque esta ação só tem valia para mitigar omissões que inviabilizem direitos não implementados por falta de regulamentação, o que só ocorre nos casos das normas programáticas.[7]

As normas programáticas, como bem define José Afonso da Silva, ao lado das normas instituidoras de princípio, são espécie do gênero das normas de eficácia limitada.[8] Além dos efeitos que somente ocorrerão caso sobrevenha regulamentação, as normas programáticas possuem eficácia mínima, pois servem de vinculação jurídica ao legislador, que não poderá editar norma contrária ao direito estabelecido pelo constituinte, além de servirem de standard normativo para futura interpretação jurídica.[8] Além dos efeitos que somente ocorrerão caso sobrevenha regulamentação, as normas programáticas possuem eficácia mínima, pois servem de vinculação jurídica ao legislador, que não poderá editar norma contrária ao direito estabelecido pelo constituinte, além de servirem de standard normativo para futura interpretação jurídica.[9]

   Sintetizando o pensamento exposto, o eminente jurista português J. J. Gomes Canotilho assim leciona:

As normas constitucionais programáticas têm ainda efeito <<derrogatório>> ou <<invalidante>> dos actos normativos incompatíveis com as mesmas, devendo, porém, precisar-se (e isso nem sempre é fácil) em que medida as normas programáticas servem de limite negativo às leis consagradoras de disciplina contrária.   Para além desses “efeitos directos”, deve reconhecer-se que as normas-tarefa e normas-fim pressupõem, em larga medida, a clarificação conformadora efectuada pelas autoridades com poderes político-normativos. [10]

Por muito tempo o mandado de injunção era virtualmente inútil, haja vista que o Supremo Tribunal Federal, em sucessivas decisões, adotava posição conservadora em relação aos limites e efeitos dessa ação. Essa postura ficou conhecida na doutrina como teoria não concretista.[11]

No entanto, a mais alta Corte jurisdicional do país, embalada pelo ativismo judicial que, dentre diversos fatores, também decorreu de composição de ministros mais progressistas, mudou completamente a orientação jurisprudencial sobre o tema, de arte a adotar, em decisão histórica proferida em 2007, a teoria concretista do mandado de injunção.[12]

A partir de então, o writ em comento passou a ter aplicabilidade prática, sendo utilizado com frequência para pleitear direitos ainda não regulamentados.

Traçadas, ainda que de maneira sintetizada, as linhas gerais do instituto em testilha, passemos ao estudo de seu manejo como instrumento de tutela do meio ambiente.

Segundo Celso Fiorillo, a redação do artigo 5º, LXXI, da Lei Maior pode incutir no leitor a ideia de que o mandado de injunção se restringe à defesa de “direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”. Porém, acrescenta o referido autor, a análise detida do texto revela que o writ alberga “todo e qualquer direito constitucional, seja ele difuso, coletivo ou individual (puro ou homogêneo)”.[13]

Desse modo, eventual violação ao meio ambiente que se perfaça através da ausência de norma reguladora, pode ensejar a propositura de mandado de injunção pela parte interessada, cabendo lembrar pontuar que seus efeitos, via de regra, são inter partes, mas podem ter eficácia ultra partes ou erga omnes, quando for “inerente ou indispensável ao exercício do direito, da liberdade ou da prerrogativa objeto da impetração”[14].  

Questão de revelo é o rito é a ser adotado para a tramitação do mandamus.

Antes da vigência da recente Lei n. 13.300, em vigor desde 24 de junho de 2016, o mandado de injunção, em decorrência do disposto no artigo 24, p. único, da Lei n. 8038/90, seguia o rito da Lei do Mandado de Segurança (Lei n. 12.016/09).

Contudo, mesmo diante da determinação normativa expressa, alguns doutrinadores, por todos Celso Fiorillo, defendiam que o procedimento a ser adotado em mandado de injunção na seara ambiental seria o próprio das ações coletivas ambientais (microssistema das ações coletivas), formado basicamente pela “conurbação” das disposições das Leis 7.347/85 (LACP) e 8.078/90 (CDC).

A escassez de mandados de injunção para a tutela de direitos ligados ao meio ambiente não permitiu que a jurisprudência se manifestasse acerca da divergência doutrinária em espeque. Com efeito, após a vigência da Lei n. 13.300/06, o tema foi pacificado, pois este diploma regulamentou o procedimento a ser adotado nos mandados de injunção individuais e coletivos, não deixando dúvidas, portanto, acerca do procedimento a ser adotado nas ações relacionadas a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Apenas a título de exemplo, para melhor visualizarmos a possibilidade de impetração do mandado de injunção para tutela ambiental, poderíamos imaginar a hipótese em que, por falta de regulamentação, determinada atividade econômica estivesse causando degradação ambiental e afetando a sadia qualidade de vida de moradores do entorno.

Outrossim, o conceito de meio ambiente é amplo, estando sob seu pálio os ambientes artificiais, culturais e trabalhista, razão pela qual tem-se por amplo o espectro de casos que ensejariam a propositura do mandamus.

Comunga desse entendimento Luís Paulo Sirvinskas:

O mandado de injunção, ainda pouco usado em nossos dias, é outro instrumento processual que pode ser utilizado para fazer obstar ato lesivo ao meio ambiente previsto no art. 5, LXXI, da CF. Tal remédio poderá ser impetrado na falta de norma regulamentadora de dispositivo constitucional previsto no art. 225 da CF, cuja falta está tornando inviável o exercício do direito.[15]

Por fim, o procedimento do mandado de injunção tem certa semelhança com aquele adotado pela Lei do Mandado de Segurança, com a previsão dos requisitos essenciais da petição inicial (art. 4º da Lei n. 13.300/16), a notificação da parte impetrada para apresentar informações no prazo de 10 (dez) dias (art. 5º, I), a oitiva do Ministério Público (art. 7º) e, em sede de decisão, caso reconhecida a mora legislativa, a determinação de prazo razoável para que o vácuo normativo seja suprido (art. 8º, I) ou o estabelecimentos das condições em que o direito pleiteado deverá ser exercido (art. 8º, II).

Questão interessante é a possibilidade de o relator do writ, após o trânsito em julgado, poder estender aos casos análogos (por decisão monocrática – art. 9º, § 2º, da Lei n. 13.300/16).

Assim como ocorre nas relações continuativas, a decisão de mérito do mandado de injunção pode ser revista a qualquer tempo e a pedido de qualquer interessado, “quando sobrevierem relevantes modificações das circunstâncias de fato ou de direito” (art. 10, caput).

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