Introdução

 

Em meados de 45, após o fim da Segunda Guerra Mundial e a saída de Getúlio Vargas do poder, ocasionando uma grande euforia e agitação em todos os setores da sociedade brasileira; surgi no país um novo grupo de poetas. Essa poesia ulterior deixará de lado as preocupações políticas, ideológicas e culturais assumidas pelos poetas da década de 30. O rigor formal do texto passa a ser elemento fundamental na poesia nacional.

Diversas vertentes dentro desse novo cenário prismático, que objetiva a chamada aventura da linguagem, se abrirão para suprir essa nova concepção sincrônica de se fazer poesia. Dentre as vertentes assumidas por esta geração de 45, como é conhecida hoje, há de se destacar a Poesia Neo-Clássica, e o Movimento Concretista, com os irmãos Campos e Décio Pignatari.

É nesse cenário transitório e eclético que surge o poeta Alberto da Costa e Silva. Filho do poeta piauiense Da Costa e Silva, Alberto produzirá um material diverso, além de poeta é ensaísta, memorialista, diplomata e um dos africanólogos mais respeitados do país. Na poesia, produto de interesse neste trabalho, Da Costa e Silva produzirá um trabalho de caráter Neo-Clássico, intrinsecamente ligada à sua relação com o pai, que constrói a tríade da sua temática poética: infância/amor/morte.

Da Costa e Silva, pai, sofrera de depressão profunda, doença que em meados de 40 ainda não havia sido diagnosticada pelos médicos, por isso, envolto a um silêncio profundo se absteve do mundo muito cedo e seu filho, poeta tema deste trabalho, ficara como responsável de seus cuidados. Como o próprio Alberto da Costa e Silva relembra em uma entrevista a Tenório (1994, p.1), em Bogotá: "Yo fui una especie de marcenero Zimmer, que cuidaba de su padre. Lo que quiero decir es que me crie en un dialogo con el silencio de mi padre, la infancia de un huérfano que no era huérfano". É desta relação que nasce a matéria poética Dacostiana.

A poesia Dacostiana se singularizará por ter um caráter elegíaco diferenciado a outros demiurgos da elegia. Sua temática o constrói e não o inverso. A elegia se realizará, como tal, porém, a estrutura possibilitadora desse caráter, elegíaco, será o diferencial neste poeta. Keats, Proust, Wordworth, todos esses elegíacos fazem parte da biografia de Alberto da Costa e Silva, mas enquanto aqueles tentam perdurar uma verdade/beleza concreta, Alberto busca algo não real, na infância. Entretanto a morte, a dor, o diálogo com o silêncio é o que encontra e, só assim, sua obra ganha um caráter elegíaco.

 

 

Elegia

Antes de adentrarmos mais profundamente no processo criador do poeta, que resulta em seu caráter elegíaco, se faz necessário explanar sobre o conceito de Elegia ao qual trabalharemos.

O conceito deste gênero que se encontra presente neste estudo não se identifica com a da Antiga Grécia, que inicialmente foi definida pelo metro especifico e que teve como principais representantes os poetas gregos Calino de Éfeso Tirteu e Mimnermo, (século VII a.C.). As poesias oriundas destes primeiros poetas eram elegias que incitavam os guerreiros à luta, portanto, não possuía o caráter Moderno e, conseqüentemente, difere-se também do respaldo teórico usado neste trabalho.

Nossa abordagem toma como elemento básico para desenvolvimento do tema, o conceito de Elegia, sendo esta um gênero a tratar de temas tristes de forma terna que teve um dos seus primeiros textos escrito por Calímaco, poeta alexandrino, com seu Os cabelos de Berenice.A Elegia a qual nos interessa é esta que trata de assuntos infelizes do próprio autor. Gênero este tão bem desenvolvido e aperfeiçoado por Pierre de Ronsard, Camões, Edmund Spenser, Thomas Gray, John Keats, Proust e Willian Wordworth, sendo estes dois últimos de maior importância comparativa para o presente trabalho.

 

 

Discussão

Embora de caráter rememorativo, a poesia de Da Costa e Silva não toma ares de dramaticidade nem de sentimentalismo. A corrosão do rememorar é perene e condicional para a vida, como disse Carpinejar (2004), "Ser corroído pelos objetos significa habita-los". A lembrança, embora descrita como um quadro de pintura verbal, não torna a poesia elemento estático, "o fluir é intrínseco à sua obra":

 

Sofrer esta infância, esta morte, este início.

As cousas não param. Elas fluem, inquietas,

Como velhos rios soluçantes. As flores

Que apenas sonhamos em frutos se tornaram

(Da Costa e Silva, 1979:27).

 

Este fluir inquieto transporta o passado ao presente, evitando o recordar apenas como sentido estático e passivo de vivência. O que se lê nessa poesia Dacostiana é a presentificação do passado.

A obra de Alberto da Costa e Silva, intrinsecamente ligada à sua experiência pessoal de vida, tem sua gênese justamente na infância. O nascimento da poesia Dascostiana infere-se no trágico processo de morte do pai. Dificilmente encontramos um poema em seus trabalhos que não remontem à infância, e é exatamente neste ponto que se concentra o nosso trabalho: ao versar a infância, o poeta objetiva cantar seu refúgio, porém ao buscar essa infância, como abrigo em contrapartida a uma infância real de outrora, o poeta encontra o dialogo com a solidão, a morte prematura, ou seja, sua elegia diferentemente de Proust ou Wordworth, tem seu núcleo nervoso de criação na frustração de uma busca.

Como o próprio Alberto declarou em entrevista a Tenório (1994, p.3): "Yo creo que esta tentativa permanente que hago para rehacer el tiempo de mi niñez está ligada a un profundo deseo de haberla vivido de otra manera". O que torna coerente em se afirmar que Da Costa e Silva não se diferencia no resultado elegíaco de seu trabalho poético em frente a autores como Proust, Keats ou Wordworth, mas sim naquele ponto fundamental de uma obra poética, o centro criativo:

 

A morte retorna as cousas da infância tangível

no velho corpo que repousa

tão tranqüilo

o antigo perfil plácido e fixo

na fragilidade de um azul desolado

(Da Costa e Silva, 1979:23)

 

Nos versos acima, o poeta confessa que a morte retorna às cousas da infância tangível, assim: a infância, centro de seu trabalho poético, a substância se encontra na morte. O poeta se refugia à infância, mas é a morte que abre a porta. Há um ponto, porém muito importante nessa fase de criação do poeta, que irá intermediar os dois pontos já citados, infância e morte, e, conseqüentemente, completar a tríade que perpassa toda produção literária do poeta diplomata: o amor.

É somente na busca por esse último elemento que a tríade temática, complexa, dos poemas se harmoniza e toma caráter singular entre os elegíacos contemporâneos:

 

Os potros cavalgados por meninos

Fazem os luares e as manhãs, e morrem

Nas luas novas e, ao morrer, persistem

Na solidão do sonho de quem dorme,

 

E, se agonizam com a lua, exaustos

Não se apagam das cousas, continuam,

Como a infância no amor e o amor na morte.

(Da Costa e Silva, 1979:45).

 

Nos versos predecessores, vemos claramente a junção dos termos, a reiteração temática, paroxismo do processo criativo Dacostiano e o que irá caracterizar sua identidade temática. A infância sendo imagem quimérica, sinônima de amor, e o amor que traz de volta a infância e, por isso, intermédia essa relação infância/morte, pois a morte resplandece amor eretorna à infância.

Torna-se ainda mais sugestiva a idéia proposta acima, quando focalizamos o objeto instigador da criação poética: o pai enfermo. O amor se refaz na morte(Da Costa e Silva, 1979:38):

 

morto, és tão puro que te tornas menino.

 

Aqui, está parte fundamental de nossa proposta. Ao se tornar menino, ou seja, retornar à infância, este objeto temático se torna amor novamente, transformação essa propiciada pela morte. Assim a busca da infância é, nada mais, do que a busca pelo amor, porém a infância real, e na poesia Dacostiana real e lírico são atados por uma teia de sintaxe discursiva impossível de se desgrenhar, apresenta-se em dor. Assim, o texto de Da Costa e Silva se torna elegíaco, pois versa seus tumores e estupros passados, não que o poeta, conscientemente deseje cantar sobre tais fatos, sua elegia é o resultado do quimérico xreal.

Podemos distinguir, ou comparar, a forma final do processo criativo em Da Costa e Silva: sua poesia tem o caráter Proustiano, quando tenta recuperar sua infância. Para Marcel Proust, como para Alberto, o que permanece é o que se foi. A memória catalisa os sentidos; porém sua poesia tem um caráter Wordworthiano, no sentido de recuperação das paisagens. Da Costa, evoca seu rio de lembranças por meio das reses e campinas de sua puerícia.

Segundo Junqueira (1984), é em Menino a Cavalo que Alberto da Costa e Silva alcança o nervo da linguagem poética e de sua nobre sensibilidade. "Menino a Cavalo é um dos mais perfeitos e poderosos poemas que já se escreveram em nossa língua", afirmou Antonio Carlos Villaça (1979, p.10). É, sem dúvida, o melhor poema para exemplificar nossas considerações: a tentativa de refúgio na infância, a frustração da infância real e a busca por paisagens.O adulto revê-se menino ao lado do pai enfermo, que também é criança no papel, e os dois cavalgam em rumo a uma direção sem rumo em que o menino (qual menino?) sempre volta a chorar, a cavalo:

 

A mão de meu pai sobre o papel desenha,
quase num só traço, o menino a cavalo.

Sai de sua mão a mão com que lhe aceno,
e vai sobre o papel o menino a cavalo

 

Choro sobre o colo do triste, e órfão, e cego,

Para tudo o que atado estava à vida, vivo,

 

Mas sem sonho e sem carne, a falar-me sem nexo

Sobre um céu e um sol de que foi desterrado,

 

Mas que punha ao redor do menino a cavalo.

 


O rosto longo e só, rasgado pelas rugas,
o olhar a rever o que perpétuo tinha,

o que nunca me disse, em seu pensar cortado
do dia em que vivia (no seu convívio raro

com a cadeira de braços, o pijama, os seus pássaros,
a cinza e a rotina de estar morto, acordado),

no papel ele unia a mão que desenhava
à mão com que acenava ao menino a cavalo,

neste adeus em que estou, desde então, ao seu lado,
o menino que volta, a chorar, a cavalo.

(Da Costa e Silva, 1979:130).

 

 

Referências

ARAÚJO BASTOS, Mário Vitor F. Sobre Wordworth. Centro de Estudos

Comparativos.Lisboa, 1995. Disponível em www.fl.ul.pt. Acesso em:

28 de junho. 2006.

CARPINEJAR, Fabrício. Um memoralista do assobio. Jornal Rascunho, 2004. Disponível

em http://www.carpinejar.blogger.com.br/2004_01_01_archive.html. Acesso

em 01 de março. 2006.

DA COSTA E SILVA, Alberto. As Linhas da Mão. Rio de Janeiro: DIFEL, 1979.

FERREIRA, Izacyl Guimarães. A Tecelagem de Alberto da Costa e Silva. Jornal de

Poesia, 2004. Disponível em http://www.revista.agulha.nom.br/izacyl8.html. Acesso em 28 de maio. 2006.

FERREIRA, Izacyl Guimarães. Prefácio à edição espanhola da Antologia de Alberto da

Costa e Silva. Lima, 1986.

JUNQUEIRA, Ivan. À sombra de Orfeu. Rio de Janeiro. Editorial Nórdica, 1984.PAULO

PAES, José Paulo. Tempero do exotismo. Jornal de Poesia, 1986. Disponível em http://www.revista.agulha.nom.br/1jpaulo01c.html. Acesso em 25 de maio. 2006.

TENORIO, Harold Alvarado. Entrevista com Alberto da Costa e Silva. La Prensa,

Cultura, Enero. Bogotá, 1994.

VILLAÇA, Antonio Carlos. "Da Costa, poesia e infância". In: DA COSTA E SILVA,

Alberto. As linhas da mão. Rio de Janeiro. DIFEL, 1979, pp. 5-10