AINDA NOS FALTA “O BOM COMBATE”

 

Eis aí que saiu o que semeia a semear. E quando semeava, uma parte das sementes caiu junto da estrada, e vieram as aves do céu, e comeram-na. Outra, porém, caiu em pedregulho, onde não tinha muita terra. Mas saindo o sol a queimou, e porque não tinha raiz, se secou. Outra igualmente caiu sobre os espinhos, e cresceram os espinhos, e estes a afogaram. Outra enfim caiu em boa terra, e dava fruto, havendo grãos que rendiam a cento por um, outros a sessenta, outros a trinta. O que tem ouvidos de ouvir, ouça. (Mateus, XIII:1-9)  

 

Caro leitor, aqui abro espaço para uma discussão doutrinário-científica de cunho social e, quiçá, psicológica e que na sua importância se constitui, oportunamente, em espaço aberto para uma reflexão filosófica (Filosofia Espírita). 

Trata-se, portanto, de iniciar um pensar sobre “o bom combate” apresentado por Paulo de Tarso, em o Livro II de Timóteo 4:7, quando convicto do tempo próximo do seu desencarne e reflexivo quanto aos seus feitos e o muito, ainda, necessário a ser realizado, confessa: Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.

Longe de se tratar de uma aliança com o ócio, Paulo revela uma sensibilidade para a historicidade que se confunde com o tempo passado, presente, e futuro, dos cristãos. Deste modo preconiza a importância e a necessidade do verdadeiro cristão, do seu primeiro ao seu último dia no corpo carnal, se preparar para COMBATER O BOM COMBATE.

Muito embora a crença do ócio eterno se vitalize em conformidade a uma dinâmica inatista e inerte pelos oportunistas religiosos, comparando  a vida a um destino sagaz, o dinamismo humano suscita algo que se contrapõe a esta hipótese. Afinal, como pude ouvir em Seminário Espírita realizado no Grupo Espírita Bezerra de Menezes: É fácil carregar Jesus no peito. Difícil é colocar o peito a serviço de Jesus.

O que se vem percebendo, inexoravelmente, é uma tentativa primária de fechar os olhos para as coisas de Deus, ignorando o combate e tornando as dificuldades meros acontecimentos divinos sem o controle da ação humana, dirimindo-se da real responsabilidade de seres atuantes no processo de melhora e progresso planetário. Vale lembrar que já vivemos este comportamento em tempos passados quando nossos combates se valiam da aceitação pacífica e da acomodação de atos.

Ao Espírita não lhe cabe mais imaginar, ou mesmo a idéia, quanto à necessidade de possuir talentos especiais, mediunidade especial, para enxergar seus defeitos, colocando-os a prova diária no afã de combatê-los para benefício, primeiramente, de si mesmo, bem como de todos os que permeiam o seu campo magnético-fluídico.

Temos nos acovardado em nome de uma cobrança meramente social, nos escondendo no casulo no aguarde de temporada favorável ao nascimento.

Onde estão os Espíritas de Itaperuna?

É chegado o momento de produzirmos o bom combate e acordarmos da hibernagem volupiosa que há séculos nos afasta da verdade e que nos aproxima da instabilidade de caráter. Instabilidade esta que se funda no ditame emocional do ser humano e que consiste especificamente na instabilidade do próprio EU, da sua persona, perdida em meio a um conjunto de “notórios” de cunho material e imediatista.

Não é necessário esperar ter olhos de Nince para enxergarmos o que consiste no mero “olhos de ver” e percebermos o quão temos marcado passos quando o assunto se conduz na direção do pensamento dicotômico do servir a dois deuses (Capítulo XVI do Livro O Evangelho Segundo o Espiritismo).

Antagonicamente nos abraçamos aos calabouços de nossas memórias inconscientes e, sem vasculharmos nossos “eus” espirituais, nos acercamos de desculpismos primários no afã de mascararmos as nossas imperfeições morais, que nos credenciam as atitudes ignorantes em tempos que nos rotulam seres modernos e contemporâneos.

Falta a nós, a coragem para travarmos o nosso maior combate. Um combate que não se trava em despreparo, na se trava em desarmonia, afinal este combate se faz de nós conosco mesmos.

Sem a maior sombra de dúvidas, O Evangelho Segundo o Espiritismo nos conduz ao alerta e chama a atenção para uma possibilidade ímpar de releitura dos nossos atos manifestos, uma possibilidade que se fundamenta na célebre frase encontrada no importante Templo dedicado ao deus Apolo, denominado Delfos, na Grécia e eternizada por Sócrates, conduzindo-nos à reflexão comedida de nós mesmos em profusão e em essência: “Conhece-te a ti mesmo”.

Travar o bom combate, na busca incessante de empreender novos passos em busca de Deus. Afinal mamon nunca esteve tão ligado à leitura humana na modernidade tecnológica.

E, afinal, por que temos tanta dificuldade para iniciarmos o combate?

Tomei a liberdade para eleger cinco características, dentre tantas, que acabam por favorecer-nos o discernimento, muito embora sem uma ordem digna de assertiva. Vejamo-nas:

1-Distanciamento e descumprimento das Leis Morais (Leis de Deus);

2-Apego aos bens materiais (Materialismo);

3-Adormecimento espiritual;

4-Estado Esquizofrênico e as cobranças sociais;

5-Vontade (travar O Bom Combate).

 

O poema “O BICHO” escrito por Manoel Bandeira é bastante apropriado para o instante filosófico criado e que muito me compraz transcrevê-lo para conhecimento de conjunto pelo leitor:

 

“Vi ontem um bicho

Na imundície do pátio

Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,

Não examinava nem cheirava:

Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,

Não era um gato,

Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem”.

 

O poema, sem sombra de dúvidas, sustenta uma série de analogias cabíveis em torno da constituição humana que na contemporaneidade vem se enquadrando em uma atmosfera egocêntrica, capaz de retratar o produto do distanciamento das Leis Morais (conjunto de princípios ou regras relativos à conduta humana) regidas por Deus, pelo homem:

 

Lei de Adoração – Mostra o sentimento inato que todos os viventes possuem da divindade.

Lei do Trabalho – É uma necessidade. A necessidade é a consciência de que os falta algo. Não se deve confundir trabalho com emprego. Alguns trabalham e não têm emprego; outros têm emprego e não trabalham.

Lei de Reprodução – Relativo à reencarnação. Mostra a necessidade de purificação do Espírito.

Lei de Conservação – Depois da vida, todos sentimos intuitivamente a necessidade de progredir e aperfeiçoar.

Lei de Destruição – A destruição é necessária para que novos corpos apareçam, mais inteligentes e mais argutos. É a renovação e melhoria dos seres vivos.

Lei de Sociedade – Todos os indivíduos têm responsabilidade para com os outros seres humanos. Os mais fortes devem ajudar os mais fracos; os mais inteligentes, os menos.

Lei de Progresso – Há uma inexorabilidade. Quer estejamos encarnados ou desencarnados, todos estaremos sujeitos à lei do progresso.

Lei de Igualdade – Embora todos os Espíritos tenham partido de um mesmo ponto, uns progrediram mais do que os outros. A desigualdade refere-se apenas ao mérito.

Lei de Liberdade – Quanto maior for a obediência à lei de Deus, maior a liberdade dos seres humanos.

Lei de Justiça, Amor e Caridade – É a mais importante, porque resume as leis anteriores.

 

Listadas elas inspiram um pensar e um agir tonificado pela harmonia, pela humildade, pela caridade e, sobretudo e de modo resumido, pelo amor.

 

O apego descabido aos bens materiais encontra-se brilhantemente desenvolvido no capítulo XVI da obra básica O Evangelho Segundo o Espiritismo, Servir a Deus e a Mamon, ao que sugiro a sua leitura completa.

 

O Adormecimento Espiritual sugere, do mesmo modo, uma leitura prévia denominada Parábola: “Os Trabalhadores da Última Hora” (S. MATEUS, cap. XXII, vv. 1 a 16 – O Evangelho Segundo o Espiritismo – capítulo XX)., assim transcrita:

 

“O reino dos céus é semelhante a um pai de família que saiu de madrugada, a fim de assalariar trabalhadores para a sua vinha. - Tendo convencionado com os trabalhadores que pagaria um denário a cada um por dia, mandou-os para a vinha. - Saiu de novo à terceira hora do dia e, vendo outros que se conservavam na praça sem fazer coisa alguma, - disse-lhes: Ide também vós outros para a minha vinha e vos pagarei o que for razoável. Eles foram. - Saiu novamente à hora sexta e à hora nona do dia e fez o mesmo. - Saindo mais uma vez à hora undécima, encontrou ainda outros que estavam desocupados, aos quais disse: Por que permaneceis aí o dia inteiro sem trabalhar? - É, disseram eles, que ninguém nos assalariou. Ele então lhes disse: Ide vós também para a minha vinha.

Ao cair da tarde disse o dono da vinha àquele que cuidava dos seus negócios: Chama os trabalhadores e paga-lhes, começando pelos últimos e indo até aos primeiros. - Aproximando-se então os que só à undécima hora haviam chegado, receberam um denário cada um. - Vindo a seu turno os que tinham sido encontrados em primeiro lugar, julgaram que iam receber mais; porém, receberam apenas um denário cada um. -Recebendo-o, queixaram-se ao pai de família, - dizendo: Estes últimos trabalharam apenas uma hora e lhes dás tanto quanto a nós que suportamos o peso do dia e do calor..

Mas, respondendo, disse o dono da vinha a um deles: Meu amigo, não te causo dano algum; não convencionaste comigo receber um denário pelo teu dia? Toma o que te pertence e vai-te; apraz-me a mim dar a este último tanto quanto a ti. - Não me é então lícito fazer o que quero? Tens mau olho, porque sou bom?

Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos, porque muitos são os chamados e poucos os escolhidos.

 

Desprovido da preocupação de refletir e mesmo dissecar as partes do texto em processo analítico das muitas verdades acostadas a alegoria, Jesus oferece aos Espíritas em verdade – “reconhece-se o verdadeiro espírita pela transformação moral, e pelos esforços que faz para dominar suas más inclinações” – a oportunidade de bem empregar esta última hora. Contudo é preciso abandonar o homem velho, extirpado por Paulo na estrada de Damasco, ao dizer que já não seria mais ele quem vivia, mas o Cristo, numa clássica demonstração de libertação do homem velho, cheio de mazelas e vícios morais.

 

Augusto Cury, na obra O futuro da humanidade, promove um pensar sobre o estado esquizofrênico, vivido pelo homem que paga um alto preço por viver fora do modelo social. Fora do paradigma existente sucumbe o ardor das flagelações e cobranças impostas pela sociedade. E por não se calçar em solo fértil se esvai qual areia que escorre entre os dedos.Joana de Angelis, na obra O homem integral – psicografado pelo médium Divaldo Pereira Franco, aborda a temática alusivo aos problemas diretamente ligados a constituição e formação da humanidade tecnológica e moderna.

 

Como último item para análise, A vontade, penso que está diretamente ligado ao que pude ler e perceber no texto de Leandro Diniz, que o fragmentei para proposição:

 

A diferença entre o desejo e a vontade. Percebi essa ligeira diferença ao ver um poema de Adélia Prado, curtinho, que diz assim:


“Eu não quero a faca e o queijo, eu quero a fome”
Por sei lá que cargas d´água aconteceu. Ali estava algo inquietante. A fome é desejo, instinto, comemos quando estamos com fome para satisfazer nosso organismo. Mas “quero a fome” é algo a mais. Querer a fome é querer comer, com apetite.
A vontade está explícita nesse ponto mesmo. Vontade é um querer com apetite. Essa vontade se expressa fora do âmbito do desejo, que é impulsivo, já a vontade é querer,querer.

 

Portanto, se ainda nos falta vencer o “bom combate”, é porque temos nos distanciado da vontade e do real desejo de transformar o casulo do homem velho no qual estamos impregnados, pela bela borboleta que com esforço se liberta em nome da grandiosidade da vida.

   Após esta leitura, aproveite para rever os seus paradigmas e conceitos, surpreenda-se fazendo algo contrário ao seu homem velho. Visita alguém que esteja  necessitado da palavra amiga, passe a conviver melhor com os seus familiares, construa o seu tempo de um modo mais natural e menos mecânico. Cometa absurdos, sem excesso, em nome do Cristo e por si próprio, preconizando a sua evolução.

Tenho a certeza de que  você se sentirá mais feliz e útil. Afinal, quer Deus que todos nós nos sintamos felizes e comprometidos com a tarefa do viver  em plenitude.

Se recuse a ser apenas um cristão. Procure, acima de tudo querer ser um Espírita, um bom espírita, em  harmonia com Deus.

 

 

Referência Bibliográfica

 

KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo: contendo a explicação das máximas de Jesus Cristo, sua concordância com o Espiritismo e sua aplicação às diversas situações da vida. Trad. J. Herculano Pires, 62 ed.São Paulo – LAKE, 2006.

 

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. São Paulo, FEESP, 1972.

 

Leis Morais:

http://www.ceismael.com.br/artigo/artigo104.htm

 

Eu não quero a faca e o queijo, eu quero a fome:

http://www.overmundo.com.br  

 

CURY, Augusto. O futuro da humanidade: a saga de Marco Pólo. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.