Água de lastro e os impactos à biodiversidade: a origem de uma verdadeira invasão ao ecossistema costeiro

Bruno de Oliveira Dominici[1]

Everton Carvalho Rodrigues[2] 

Sumário: Introdução; 1 Noções gerais sobre a água de lastro; 2 Impactos causados à biodiversidade; 3 Âmbito nacional de defesa ambiental e a Convenção sobre a Diversidade Biológica; Conclusão; Referências. 

RESUMO 

Este artigo científico aborda a temática a respeito da água de lastro e os efeitos impactantes da mesma à biodiversidade, pois ao ser indevidamente utilizada pelas embarcações, acarreta numa bioinvasão de espécies exóticas no meio ambiente e consequentemente afronta o bem estar das espécies marítimas nativas. Sob perspectiva de solucionar tal problemática e defender a plenitude do meio ambiente, será analisado o escopo da defesa ambiental nacional, assim como, alguns preceitos da Convenção sobre a Diversidade Biológica. 

PALAVRAS-CHAVE

Água de lastro. Bioinvasão. Convenção sobre a Diversidade Biológica. Espécies exóticas. Impacto ambiental.

INTRODUÇÃO 

Hodiernamente, pouco tem se discutido sobre a água de lastro, porém os impactos ambientais causados pelas espécies marinhas exóticas advindas conjuntamente com ela podem causar grandes danos ao meio ambiente. Tal bioinvasão, poderia causar o desequilíbrio ou a destruição de um ecossistema inteiro e por consequência afetar também os seres humanos.

O presente artigo visa analisar de forma dialética, os impactos ambientais causados pela água de lastro e de que modo esse assunto é tratado pelas leis brasileiras, principalmente o NORMAM-20 que regula o tema no Brasil, que determina que a água de lastro seja despejada antes da chegada nos portos, porém a debilidade da fiscalização dos órgãos ambientais propicia que milhares de novas espécies marinhas sejam depositadas cotidianamente no litoral brasileiro.

Desta forma, torna-se questionável que este assunto seja tão pouco divulgado, o que impede a participação popular e viola o direito fundamental à um ambiente ecologicamente equilibrado.

Para tanto, é necessário o esclarecimento sobre o que seja água de lastro, os impactos ambientais causados por ela, a sua regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro e em uma Convenção internacional e, por fim, elucidar uma interpretação sobre a forma com que a água de lastro é tratada pelas leis brasileiras. 

1 Noções gerais sobre a água de lastro 

O termo “lastro” designa o material presente no interior dos navios, mais precisamente no casco, que serve para aumentar o calado da embarcação, matendo-a equilibrada e para compensar a perda de peso causada pelo consumo de combustível e o descarregamento de mercadorias durante a viagens oceânicas. Atualmente os navios mais modernos utilizam a água como lastro, daí o termo “água de lastro”. Geralmente, antes de saírem dos portos, os navios captam uma grande quantidade de água, o que também pode ser feito durante a viagem para compensar a perda de combustível, ou se deslastrar no porto de destino para compensar o excesso de peso. Além de água, anteriormente eram utilizados outros matérias como lastro, assim como informado por Lamonica e Santos: 

Em tempos pretéritos, os cascos dos navios eram feitos de madeira e o lastro sempre foi essencial à segurança e à eficiência deles, isso para manter o equilíbrio da embarcação. Porém, mesmo assim, por ser sólido, causava certa instabilidade aos navios, especialmente com o movimento de embarque e desembarque da carga nos portos. No Brasil colonial, as embarcações oriundas de Portugal, em busca de açúcar e de madeira, eram lastreadas com pedras; as então chamadas pedras portuguesas, posteriormente, serviam na construção civil. Porém, outros materiais sólidos, como areia, correntes, madeiras, também eram colocados nos porões dos navios para servirem como lastro. Só a partir de 1870, com a melhoria da estrutura dos navios, começou-se a utilizar água do mar nos tanques como lastro; entretanto, é provável que, somente durante e após a 2º Guerra Mundial, a água de lastro tenha começado a circular em grandes volumes, aumentando em altas proporções a introdução de espécies exóticas por essa via (LAMONICA; SANTOS, 2008, p. 143). 

Como foi possível perceber a lastração dos navios não é uma coisa nova, o que representa um fator de grande relevância para segurança das embarcações, desde as primeiras embarcações de grande porte até os dias de hoje. Segundo Cisneiros (2010, p.4), a agua do mar passou a ser usada como lastro por ser mais facilmente encontrada e o processo de carregamento e escoamento, é mais rápido do que o método utilizado com pedras ou madeiras que demandava um maior tempo para realização do lastramento dos navios. Conjuntamente com a água de lastro também se incluem os resíduos sedimentados nos cascos dos navios, algas, pequenos peixes e microrganismos, que são sugados para dentro dos navios de forma acidental durante o processo de captação da água. 

2 Impactos à biodiversidade 

A globalização é um processo cada vez maior, que une países distantes no plano geográfico. Devido a isto, as relações comerciais existentes entre países diferentes estão cada vez mais frequentes, necessitando do aumento de vias para o transporte de mercadorias, sendo que cerca de 80% do transporte mundial de cargas é feita por meio de navios (PEREIRA; BRITANI; BOTTER, 2008, p.1). Estes navios para navegarem, como já informado, utilizam do lastro para manter a segurança da embarcação, embora não seja amplamente divulgado, a água de lastro é responsável por graves danos ambientais ao ecossistema marinho, que afeta também o ser humano que depende deste ecossistema para a sua subsistência.

Como exposto, quando os navios sugam a água para servir de lastro, conjuntamente adquire peixes, algas, microrganismos e alguns patógenos, que são despejadas em local diferente de seu habitat natural, por isso chamada de exóticas. “As espécies invasoras podem, por exemplo, devorar, competir por alimento e abrigo ou transmitir doenças às espécies nativas, ameaçando sua existência” (COSTA, 2011). Quando encontram condições de ambiente semelhantes ao local de origem, essas espécies afetam as espécies típicas, seja com a introdução de um patógeno que prejudica a vida das espécies nativas ou a alteração da cadeia alimentar, devido a inserção de um novo predador, que poderá dizimar várias espécies que ali vivem e se reproduzir de forma desordenada por não haver, por sua vez, o seu predador natural.

De acordo com a jornalista Brant (2010) o siri exótico Charybdis hellerii passou a competir por alimentos e abrigos com as espécies de siri locais, levando a diminuição das espécies e assim, afetando os seres humanos que vendiam e consumiam estes crustáceos.

 

A introdução de espécies exóticas não somente ocasiona sérios problemas a alguns animais nativos, comopode chegar ao extremo de ameaçar ecossistemas inteiros. Os principais vetores, no ambiente marinho, são água de lastro de navios, as incrustações e a importação de espécies exóticas para cultivo e aquariofilia. NoBrasil, um dentre os diversos casos graves conhecidos é o da introdução de Charybdis hellerii, um siri de origem indo-pacífica, sem valor comercial, que está prejudicando a pesca de espécie nativa correspondente na Bahia. Ele também já foi observado nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo (TAVARES & MENDONÇA Jr. apud AMARAL; JABLONSKI, 2005, p. 48)

 

Uma espécie de bioinvasor que afeta diretamente o ser humano são as microalgas Alexandrium tamarense, presentes no Paraná e no Rio Grande do Sul, que:

 

produz uma substância chamada ficotoxina, que pode contaminar moluscos e crustáceos, consumidos por humanos. Há risco de intoxicação, diarreia, náusea, vômito, amortecimento da boca e dos lábios, fraqueza, dificuldade de fala e até parada respiratória. Porém, ainda não há registro desse tipo de impacto no Brasil (BRANT 2010).  

 

Embora, não haja registro de infecções causadas por este bioinvasor, é preciso ressaltar há riscos, por isso devem ser adotadas medidas preventivas para impedir a proliferação das espécies estrangeiras.

A ANVISA realizou um estudo em 9 portos brasileiros colhendo para análise 99 amostras de agua de lastro presentes em alguns navios, sendo que nos resultados:

 

foram detectados todos os indicadores microbiológicos pesquisados, tendo os resultados comprovado a presença de bactérias marinhas cultiváveis em 71% das amostras de água de lastro analisadas, variando de 1.000 até 5,4 milhões de bactérias por litro de amostra. Também foi evidenciado transporte de vibrios (31%), coliformes fecais (13%), Escheria coli (5%), enterococos fecais (22%), Clostridium perfrigens (15%), colifagos (29%), Vibrio Cholarae OI (7%) e de V. cholarae não-OI (23%) e mamostras de água de lastro e (21%) em amostras de plâncton. 12 cepasem 7 amostras foram identificadas como V. C. OI-El. TOR, sendo 2 toxigênicas (BRASIL, 2002, p. 4).

 

Com base nos dados supracitados, a bioinvasão causada pela água de lastro não causa danos somente ao meio ambiente marinho, mas afeta também o departamento sanitário, pois os microrganismos presentes nela podem causar grandes epidemias. Um bom exemplo é o vibrião colérico, que vários pesquisadores afirmam que foi transportado por meio da água de lastro da Indonésia para o Peru e assim, se disseminou por todos os países da América Latina (JURAS, 2003, p.4).

A água de lastro representa um perigo mundial, que necessita de grande atenção, por isso a seguir será visto como a lei brasileira trata deste grande problema.

 

3 Âmbito nacional de defesa ambiental e a Convenção sobre a Diversidade Biológica

 

Sob a ótica do aparato ambiental, em território nacional, a fim de realizar o controle jurídico sobre a questão da água de lastro, existem as normas da Autoridade Marítima para Trafego e Permanência de Embarcação em Águas sob jurisdição Nacional. Tais normas apresentam um controle institucional aos sujeitos a quem se dirige, bem como os procedimentos a serem realizados e visam sobretudo a fiscalização, porém trata-se de um sistema que possui uma certa fragilidade no que tange a sua eficácia no combate a entrada de organismos vivos através da água de lastro dos navios (NORMAN-20, s.d.). Os autores Oliveira e Machado (2009) posicionam-se na crítica da ausência de mecanismos preventivos às bioinvasões, pois segundo eles um “suporte institucional bem desenhado para a questão das espécies exóticas deveria sempre priorizar a prevenção e a minimização de introduções indesejadas, levando em consideração as melhores práticas, por constituírem a primeira linha de defesa”. Em continuidade às críticas sobre os instrumentos legais e as agências reguladoras:

 

A principal característica da legislação brasileira correlata é o paradoxo. Este é resultante da existência de diversos instrumentos legais e normativos e a inexistência de arcabouço consolidado que trate especificamente da problemática das espécies exóticas invasores em território nacional. Há uma dispersão dos instrumentos legais e normativos aplicáveis à matéria, que tratam da conservação do meio ambiente, da aquicultura, da saúde e da fiscalização sanitária. Quase sempre são instrumentos instituídos com independência, que estabelecem procedimentos, regras e responsabilidades institucionais, terminando por estimular conflitos interinstitucionais, conforme será discutido na sessão seguinte deste artigo. Alguns desses instrumentos são empregados para a caracterização de infrações administrativas, cíveis e criminais e, consequentemente, a aplicação das sanções cabíveis (OLIVEIRA; MACHADO, 2009).

 

A Convenção sobre a Diversidade Biológica firmou-se em acordo mundial sob a perspectiva de garantir o uso sustentável e a conservação da diversidade biológica concretizando um sistema de defesa ambiental pautado em um conjunto de ações e regras para os países que a seguem. O documento da Convenção sobre a Diversidade Biológica foi assinado em 5 de junho de 1992, por 156 países, que assumiram o dever de preservar e proteger a diversidade biológica presente em seus territórios, contudo cada país deve agir conforme suas condições sócio-políticas e econômicas (MILARÉ, 2007, p. 1148).

Portanto, faz-se mister que cada país siga o dever de preservação e defesa do meio ambiente, nesta esteira os impactos causados pela água de lastro utilizada de forma indevida pelas embarcações nas vias costeiras deveriam ser objetos de aplicação de normas e regras que possuíssem o intuito de deter a inserção de espécies exóticas em áreas costeiras de diversos países. Considerando os preceitos adotados pela Convenção sobre a Diversidade Biológica, um monitoramento da utilização da água de lastro nas embarcações deveria ser implementado nas legislações de cada nação seguidora desta convenção (MILARÉ, 2007, p. 1148-1149).

O Brasil aderiu à Convenção sobre a Diversidade Biológica em 1992, e seguindo o art. 6 desta convenção, o Brasil instalou através do Decreto 4703, de 21 de maio de 2003, o Programa Nacional de Diversidade Biológica (PRONABIO) e a Comissão Nacional da Biodiversidade por meio do Decreto 4339, em 22 de agosto de 2002, objetivando a promoção da integralidade e conservação da biodiversidade e a utilização de modo sustentável de seus componentes (MILARÉ, 2007, p.1149).

 

CONCLUSÃO

 

É possível afirmar que todo este transtorno ocasionado pelo uso indevido da água de lastro ainda atormenta a plenitude da biodiversidade e infelizmente a solução para tal questão ainda não se concretizou firmemente a ponto de deter a bioinvasão nas áreas costeiras onde as embarcações fazem o processo de lastração e deslastração. Contudo, existe uma forte fragilidade na fiscalização e monitoramento dos devidos responsáveis pelos efeitos danosos causados aos ecossistemas afetados. Nesta esteira é crucial que as nações adotem uma legislação mais severa e invistam em estudos que visem restaurar o meio ambiente afetado.

REFERENCIAS:

AMARAL; Antônia Cecília Z.; JABLONSKI, Sílvio. Conservação da biodiversidade marinha e costeira no Brasil. Revista Megadiversidade: Belo Horizonte, vol. 1, nº 1, 2005. Disponível em: <http://www.conservation.org.br/publicacoes/megadiversidade/08_Amaral_Jablonski.pdf>. Acesso em: 15 de maio de 2011.

BOTTER, Rui Carlos; BRITANI, Hernani Luiz; PEREIRA, Newton Narciso. Uma abordagem sobre água de lastro. 2008. Disponível em: <http://www.ipen.org.br/downloads/XXI/083_PEREIRA_NEWTON_NARCISO.pdf >. Acesso em: 15 de maio de 2011.

BRANT, Danielle. Nove espécies ameaçam mares do Brasil. Revista ECO 21. Rio de Janeiro, ed. 160, 2010. Disponível em: <http://www.eco21.com.br/textos/textos.asp?ID=2182>. Acesso em: 14 de maio de 2011.

BRASIL. Água de lastro. ANVISA. Projetos GGPAF. 2002. Disponível em: <http://www.anvisa.gov.br/divulga/public/paf/agua_lastro3.pdf>. Acesso em: 13 de maio de 2011.

CISNEIROS, Juan Carlos Montoya. Redução dos impactos ambientais causados pelo transporte marítimo. 2010. Disponível em: <http://www.ipen.org.br/downloads/XXI/182_Montoya_Juan_C_.pdf>. Acesso em: 16 de maio de 2011.

COSTA, Henrique Caldeira. O nome dos bichos. 4 de março de 2011. Disponível em: <http://chc.cienciahoje.uol.com.br/colunas/o-nome-dos-bichos/deslizando-pelo-litoral>. Acesso em: 15 de maio de 2011.

JURAS, Ilídia da A. G. Martins. Problemas causados pela água de lastro. Consultoria Legislativa, 2003. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/documentos-e-pesquisa/publicacoes/estnottec/pdf/211161.pdf>. Acesso em: 17 de maio de 2011.

LAMONICA; Maurício Nunes. SANTOS, Julio Gustavo da Silva. Água de lastro e bioinvasão: introdução de espécies exóticas associada ao processo de mundialização. Revista Vértices, Campos dos Goytacazes, vol. 10, nº1, 2008. Disponível em: <http://www.essentiaeditora.iff.edu.br/index.php/vertices/article/view/40/32>. Acesso em: 14 de maio de 2011.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5 ed. Rest. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

NORMAN-20/ DPC: Gerenciamento da água de lastro de navios. s.d. Disponível em: < https://www.dpc.mar.mil.br/normam/N_20/N_20.htm>. Acesso em: 15 de maio de 2011.

OLIVEIRA, Anderson Eduardo da Silva; MACHADO, Carlos José Saldanha. Quem é quem diante da presença de espécies exóticas no Brasil? Uma leitura do arcabouço institucional-legal voltada para a formação de uma Política Pública Nacional. Revista Ambiente & Sociedade, v. XII, n. 2, p. 373-387, jul.-dez., 2009.



[1] Aluno do 4º período vespertino do curso Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

[2] Aluno do 4º período vespertino do curso Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco