Agora, só falta você

 

                                                                                                                          Por: Ivani de Araujo Medina

 

Não sei de quanto cada vida humana necessita por um período de setenta anos, por exemplo. Devem existir estudos, mas desconheço as implicações e as toneladas de resíduos que se produzem individualmente. Fraldas descartáveis, latas de leite em pó, embalagens e frascos de remédios, produtos e embalagens descartáveis de toda espécie, energia elétrica, lixo radioativo, lâmpadas, dejetos, rede de esgoto, aterros sanitários, chorume, contaminação de lençóis freáticos, moradia, meio de transporte, malhas viárias, pneus etc. tudo isso em constante crescimento. É o progresso? Duvido. Mais parece uma doença na pele do planeta. A pele é o maior órgão do corpo e sensível a muitas doenças fatais.

Somos penetras nessa festa. Não fazemos parte do sistema do planeta, ou seja, não participamos da grande roda da vida como os demais viventes da cadeia alimentar. Interferimos nela em nosso favor e nos impomos à natureza terrena com violência. Felizmente, hoje, a preocupação com o meio ambiente já não é vista como excentricidade de alguns gaiatos e ateus. O cientista Carl Sagan lutou muito e bravamente para que esse entendimento mudasse. Promoveu reuniões com industriais, chefes de Estado e religiosos para tratar do assunto. Obteve um sucesso relativo na época, mas, só hoje podemos perceber o muito que devemos a ele. Sujeito de coragem foi Sagan. Defendeu a mais clara e objetiva ação pelo futuro da própria espécie com clareza serenidade. Essa luta já foi tratada com desdém: “Ah, isso é bobagem, é a tal da ecologia que esses idiotas vivem pregando.” É incrível, mas ouvi isso algumas vezes. Os mais jovens desconhecem alguns detalhes dessa etapa na luta pelas conquistas humanas. Sério era salvar a alma, o planeta que se danasse porque a alma ia para o céu.

Não existe mais dúvida de que a descontrolada proliferação humana é o pior de tudo para todos e para a própria Humanidade, por fim. É hora de dizer que “Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra, [...] (Gn. 1 - 28)” era só para os judeus. Foram eles que inventaram isso. Um povo ainda pequeno precisava crescer para se garantir diante dos mais fortes. Ao tomarem o Antigo Testamento dos seus detentores, os gregos, deram início a essa confusão político-religiosa, que colabora com a destruição do planeta e ameaça o futuro da nossa espécie. Quanto mais gente pior. Não dá para sofismar.

Certa vez, pedi a um conhecido meu, partidário do livre crescimento da Humanidade, que me apontasse um único benefício que a presença da espécie humana trouxe ao planeta. Fazendo-se de desentendido, começou pela penicilina. Tentou uma falácia que não deu certo. A idéia de que tudo o que é bom para a Humanidade é o correto, está com o prazo de validade vencido. O Bem da Humanidade não pode ser exclusivista porque, aqui, as formas de vida são interdependentes, até aquelas que a penicilina mata. A curiosa teoria de Gaia diz que o planeta é um ser vivo como qualquer outro, e assim deve ser compreendido. Portanto, é preciso um novo e abrangente discernimento. Não, por causa desta teoria, sim, pela experiência e pelo conhecimento acumulados nas últimas décadas.

Parece-me que a Filosofia poderia ser mais útil na assimilação de uma nova consciência. Se esse amor à sabedoria se caracteriza pelo estudo, cuja intenção é ampliar incessantemente a compreensão da realidade, deveria se juntar ao esforço dos homens da ciência. Mas, não é o que acontece. A ciência era parte da filosofia. Por que estão separadas? Porque um dia a Filosofia passou a ser uma serva da religião, ou melhor, de uma cultura religiosa. Lembro-me de Sagan, num dos filmes da série “Cosmos”, criada por ele e a esposa, Ann Druyan, para a televisão, e apresentada em 1980, identificando Platão como o inspirador desse afastamento.

É interessante se perceber como as explicações mais simples não caem no gosto das pessoas com tendência mística, e elas não são poucas. A imperfeição humana é o argumento predileto para descartar o inequívoco, ainda que apresentado como possibilidade. Ora, nem sempre uma possibilidade anula necessariamente a outra. Entretanto, quando se tem um ideal a defender tal comportamento é inevitável. A impressão que dá, é que se não for algo complicado, ininteligível, não tem graça. “Os nossos sentidos são falhos e a nossa inteligência nos ilude.” “A mente humana nunca desvendará esses mistérios”. “Deus sabe o que faz” etc.

Muitas inteligências de brilho deixam-se arrastar pelos “mistérios”. Isso nada tem a ver com o potencial intelectual do indivíduo, como zombam alguns. É um erro se menosprezar a inteligência religiosa, basta olhar para o mundo e constatar a força que ela tem. Sejamos práticos, esse negócio de “está cientificamente provado” e nada são a mesma coisa sem um bom motivo, ou seja, algo que toque fundo no coração das pessoas. A religião sabe disso e a ciência não é dada às emoções. Fosse possível contemplar cada corrente de pensamento com um planeta, o problema estaria resolvido. Mas o planeta é um só.

Vamos lá, Filosofia, agora, só falta você.