A G A S A L H A N D O  C O B R A S 

     Consta de uma história muito antiga, um episódio envolvendo um tropeiro e um animal nada sociável. Enquanto percorria um longo trecho numa dessas manhãs geladas que somente os estados sulinos podem apresentar, o peão deparou com uma víbora “entanguida” pelo intenso frio que assolava aqueles rincões. Condoído pela situação penosa do réptil, apanhou-a e a colocou junto ao corpo sob sua vestimenta. A ingenuidade do pobre benfeitor não o deixou perceber que aquele gesto seria o último de sua vida. Com efeito, ao se ver aquecida pelo calor do corpo do peão, o peçonhento animal pregou-lhe uma picada sem a menor complacência. Desnecessário dizer que, longe do socorro médico, o infeliz estradeiro não mais veria os horizontes das manhãs nevoentas de seu amado pampas.
   Este relato – se ficção ou não – nos leva a episódios extremamente grotescos, quando uma casta de privilegiados, servindo-se de sua posição, se volta contra os cidadãos que, à custa do cumprimento de um dos mais nobres direitos – e deveres – fê-los galgar o tão almejado posto de legisladores da “Pátria amada”. Nesses atos de traição, que vem sendo gestados e executados pelos “defensores” da ordem e da decência, a analogia da história serve como parâmetros para avaliar as atitudes de nossos “dignos” representantes. Sem a menor ética e sem o mínimo respeito para com quem os elegeu, fazem desfilar um corolário de atitudes mercenárias que vem tendo lugar, ao mesmo tempo em que “enriquecem” grandes espaços em nossos meios de comunicação. Legislar em causa própria tornou-se a tônica que denigre o nome de uma casa de lei, martirizando o tão sofrido povo da verdejante terra tupiniquim.
   Nestes últimos dias, quando a manta que acoberta as atrocidades de um grupo de indivíduos que não se prima pela decência, fez mais uma dobra em sua textura, ficando plausível o quão desastroso tem sido agasalhar víboras sob surradas indumentárias de um povo acostumado – já – com os desatinos que o cargo propicia. Sem a menor dúvida, a caretice que toma conta do ambiente palaciano não deixa que a miséria seja extirpada do seio de famílias que, segundo a lei, “são todos iguais”. Bela “iguardade”, diria um literato de cordel!  Tão vil foi a tentativa de se investirem contra o erário público, que a instância máxima de jurisdição federal barrou-lhes a insana tentativa. Malgrado essa medida, não contente com os extremos gastos que um representante do congresso aufere à nação – quase cem mil reais mensais – a matéria voltou ao plenário para, numa segunda tentativa, engordar os já polpudos salários.

   Esse estado calamitoso, ao lado da corrupção que grassa no meio público, parece não ter fim. Diariamente casos e mais casos locupletam os meios de comunicação, dando conta de que esse câncer tem corroído os recursos da nação. Ainda que venham à tona os casos escabrosos, a triste metástase permanece no organismo extremamente debilitado de um país que carrega às constas, desde o império, o estigma do legislar em causa próprio, bem como da corrupção de barba branca. Enquanto isso o povo, de memória curta, continua aquecendo víboras para, mais tarde, receberem mortíferas picadas.