Advocacia Popular: Uma Latente Necessidade em Alcântara

 

   Marcos Maurício Souza[1]

 

 

Sumário: 1. Introdução; 2. CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara): Uma Perspectiva de Progresso; 3. A Resposta dos Remanejados ao Intuito Real do Projeto; 4. Por uma Defesa dos Direitos Fundamentais Através da Atuação da Advocacia Popular; 5. Conclusão; Referências.

 

 

RESUMO

Este trabalho apresenta os problemas sociais dos moradores do município de Alcântara, vítimas do planejamento do projeto de implantação do CLA(Centro de Lançamentos de Alcântara). Fato que demanda a necessidade de uma advocacia popular, abordado e fundamentado por meio de uma análise, política e jurídica, desenvolvidas com base em dados empíricos, livros e depoimentos colhidos.

 

PALAVRAS-CHAVE

Alcântara; CLA; STR; Justiça e Advocacia Popular

 

 

  1. 1.                  INTRODUÇÃO

     Os avanços tecnológicos ocorridos em uma determinada região sempre trazem consigo expectativas de crescimento nas taxas de qualidade de vida da população e esperanças para toda a sociedade local. Entretanto, fatores outros existem que se mostram lesivos no decorrer da implantação de novas formas de produção, promovendo mudanças nas relações sociais existentes.

                   Necessidades antes impensáveis, tornam-se urgentes de serem sanadas. E este é o caso da população rural de Alcântara - MA, que, após a implantação do CLA passou por diversas transformações. Direitos e deveres que antes desconheciam passaram a ter importância primordial no cotidiano dessas populações.

                   Para tanto, precisam primeiro conhecer a realidade que os cerca e como eles próprios estão nela inseridos e, então, compreenderem o papel que lhes cabe para, por fim, terem ciência de suas seguranças legais previstas constitucionalmente e também através de leis específicas. Dessa forma, torna-se necessário uma advocacia popular no município, para que esses tais Direitos sejam garantidos nesse novo cenário cultural e econômico que se instalou na cidade.

   

  1. 2.                  CLA (Centro de Lançamentos de Alcântara): Uma Perspectiva de Progresso

A instalação do Centro de Lançamentos de Alcântara segue de um projeto mais ambicioso, definido como Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), fundamentada na existência de maiores pesquisas no setor aeroespacial e a conquista uma autonomia no setor tecnológico. Destes argumentos, a instalação do CLA pelo MAer em conjunto com a COBAE(Comissão Brasileira de Atividades Espaciais), no planejamento, e pelo GICLA(Grupo para Implantação do Centro de Lançamentos de Alcântara), na instalação, tornou um fato real e concreto; assim, conhecido como o mais ambicioso projeto científico que um país em desenvolvimento já planejou.

Em seguida, o MAer se engajou em obter o apoio local e passou a utilizar por meio do discurso da “letargia”(CHOAIRE, 1996, p. 59), que desde o séc. XIX para cá, Alcântara, passou por um período de insuficiência econômica pela falta de investimentos, trazendo consigo um formato de capitalismo primitivo, baseado na subsistência. Dessa forma, fundamenta o projeto CLA, na transformação da pacata Alcântara, satisfazendo-a pelo progresso e o desenvolvimento e estruturando-a com investimentos na educação, saúde, na conservação do patrimônio, na geração empregos, garantias no fornecimento de energia elétrica, distribuição de água, implantação de um sistema de telefonia e assim por diante; ocasionados em benefícios que o projeto concederia na finalidade de aprovação da opinião pública a respeito do que seria ter um projeto dessas proporções e a suas vantagens a respeito dela dentro da população alcantarense.

Grande parte desses projetos não saiu do papel, não passou de promessas que na intenção dirimir focos de tensão foram prometidos a população; num primeiro momento, as opiniões eram a favor da implantação do projeto no município, nas palavras do pesquisador César Choaire, em seu livro “Alcântara vai para o Espaço”, evidencia:

Os moradores mais otimistas chegaram a considerar o CLA como uma “nova Prefeitura, disposta a fazer o que nunca fez a Prefeitura local”. Evidentemente que, no princípio, embora as opiniões tenham se dividido, o início dos trabalhos serviu para dirimir as dificuldades decorrentes. (p. 73)

Para tanto, alguns projetos tiveram compromisso com a comunidade, não com a finalidade de beneficiá-las, mas devido à necessidade de o projeto possuir tal estrutura. Utilizaram-nas como meio de barganha para formação da opinião pública favorável ao projeto, forneceram de energia elétrica; distribuíram de água; implantaram um sistema de telefonia; fizeram “a construção de um píer para atracação de lanchas do CLA, que transportam seus funcionários e técnicos; a construção da rodovia Alcântara-Itaúna, necessária como única via terrestre de acesso para transporte de equipamento” (CHOAIRE, 1996, p. 72). Admite-se que realmente são benefícios ao município, porém utilizados por um discurso mascarado, quando a intenção latente é promover o projeto.

 

  1. 3.                  A Resposta dos Remanejados ao Intuito Real do Projeto

                   O discurso do MAer, com o tempo foi perdendo forças aos grupos de pressão estabelecidos frente ao projeto espacial, entes como o STR(Sindicato dos Trabalhadores Rurais); CPP(Comissão Pastoral dos Pescadores); FASE(Federação dos Órgãos de Assistência Social e Educacional) e a própria igreja católica, assumiram a postura de fazer valer o progresso e o desenvolvimento do município prometido pelo CLA. O STR, apoiado pela igreja, coordenou as reivindicações ao CLA e ao desenvolvimento do “Projeto Junto Venceremos” no intuito assessorar juridicamente e politicamente a comunidade quanto às conseqüências que o projeto geraria.

                   A intenção do STR não era opor ao projeto, é fato que o CLA geraria desenvolvimento para ao município, como para todo o Brasil; trata-se de um projeto que daria ao país o status de potência no setor de pesquisas e tecnologias aeroespaciais; o problema é somente a forma como se daria a efetivação do decreto Nº 7.820, assinado pelo então governador João Castelo, no dia 12 de setembro de 1980; autorizada a desapropriação correspondente a quase a metade de toda a área do município, cerca de 52000 hectares, atingindo, de acordo com os dados do STR de 1987, aproximadamente 10 mil pessoas, perto de duas mil famílias. Nestes dados, o STR passara a pressionar diretamente ao MAer para que tomasse uma posição sobre o problema, que por tanto tempo deixou de ser mencionado pelo discurso desenvolvimentista na região, ocultando sua real intenção.

                   Após a declaração da construção das agrovilas para a recolocação dos remanejados, novos problemas surgiram; o tamanho ofertado pelo MAer no tamanho das glebas de terra passaram ao foco do problema; mas enquanto a discussão se assentava no tamanho dos lotes, mudanças ocorriam nas relações sociais existentes, valores e costumes passaram por transformações na qual, em sua dissertação de mestrado pelo curso de Ciências Sociais da UFMA, Ana Tereza Ferreira Rocha fundamenta:

 As famílias transferidas compulsoriamente para a agrovila Peptal eram originárias

das localidades de Santa Rosa, Peptal, Paulo Marinho e Camaleão. Apesar de distintas, em virtude de aspectos relacionados com suas origens, redes de parentescos, sistemas de trocas e festas religiosas, elas podem ser pensadas articuladamente, como se compusessem uma unidade sociológica. Tal compreensão deve-se não somente aos processos sociais que asseguravam a circulação de bens e serviços, mas também à relação com os recursos naturais entre os diferentes povoados, ancoradas, sobretudo, nas relações de parentesco e

compadrio.(p. 33)

                   É fato que mudanças existiram nas relações sociais decorrentes do novo projeto e a luta por direitos passaram a se tornar cada vez mais próximo dentro comunidade, os remanejados passaram a exigir cada vez mais por justiça; era evidente a carência jurídica no município, traduzida pela demanda real por uma advocacia popular, que por este motivo será aprofundado neste artigo.

 

  1. 4.                  Por uma Defesa dos Direitos Fundamentais Através da Atuação da Advocacia Popular

O encontro do acadêmico de direito com as experiências do povo, certamente abre-lhe os olhos para a urgência das necessidades deste de resguardar seus direitos fundamentais, em especial coletivos, mais básicos. Esse choque é fundamental para motivar o estudante a buscar o estudo da prática jurídica coletiva, além de logo convencer-lhe do que afirma Castanheira Neves, quando diz que o direito é “normativamente inadequado e institucionalmente ineficiente”. ( NEVES apud ALFONSIN, p. 5)

Em países que adotam sistemas jurídicos como o nosso, constantemente perde-se de vista a ligação existente entre o poder judiciário e a sua imanência no poder constituinte originário (povo) . Isso ocorre porque, ao contrário do que acontece nos poderes legislativo e administrativo, os componentes do judiciário não são eleitos por voto popular, mas por meio de concurso de provas e títulos. Dessa forma, esquece-se que todo poder emana do povo na forma do art. 1º, parágrafo único da constituição federal. Quando essa relação direta torna-se imperceptível até mesmo aos olhos dos operadores do direito, nosso sistema corre o risco de não deter-se à sua função precípua que é a garantia das liberdades e dos direitos individuais e coletivos, exercida na pacificação de conflitos através de sua função jurisdicional.

Como conseqüência, por inúmeras vezes vemos o direito utilizado como arma de defesa dos interesses das classes dominantes. Assim ocorre, por exemplo, no caso a que se prende este estudo. De fato, os operadores do direito (advogados, juízes, promotores et coetera) e também os legisladores, em sua maioria, estão atrelados à essa classe, seja por questões econômicas, favores, e até mesmo por costumes e identificação cultural. Portanto, intencional ou inconscientemente, tornam-se tendenciosos a defender os interesses da elite em detrimento dos interesses populares das camadas menos privilegiadas.

No caso em análise, os direitos sociais da coletividade de Alcântara estão sendo feridos por conta de interesses econômicos de uma elite supostamente pautada na legalidade. Acordos foram firmados e garantias fixadas para que a estrutura pudesse resgurdar o bem-estar das comunidades desapropriadas; porém, o que de fato ocorreu é que essas promessas foram feitas apenas com o intuito de pacificar os discursos contrários à implantação, bem como os possíveis movimentos insurgentes, e não com a real intenção de serem cumpridas.

Toda a transgressão dos direitos fundamentais dessas comunidades foi realizada sob a justificativa da legalidade, daí a necessidade da consolidação de uma advocacia popular que possibilite uma prática jurídica insurgente emancipatória por parte das comunidades afetadas e das entidades que buscam defendê-las, com o escopo de garantir a defesa dos direitos humanos básicos dessa sociedade.

A função do advogado popular é a de lutar por uma causa, de lutar contra o monismo jurídico e caminhar em busca da transformação da estrutura da sociedade. Dessa forma, garantir que as organizações populares menosprezadas e oprimidas pelo “possuidores” do direito resguardem seus direitos e garantias fundamentais. “Assim, advogado popular pode ser entendido, como aquele que trabalha para coletividades com o objetivo de facilitar o acesso à justiça” (RIBAS, 2009, p. 122).

Valendo-se do uso alternativo do direito ou mesmo da busca por um direito alternativo, a advocacia popular pode assistir aos movimentos sociais para, juntos, encontrarem uma maneira de tutelar seus direitos coletivos fundamentais. Nesse sentido, afirma Benedito Calheiros Bomfim: “Desse desencontro entre a lei e o direito, entre os códigos e a justiça, nasce o Direito Alternativo, que nada mais é que a aplicação da lei em função do justo, sob a ótica do interesse social e das exigências do bem comum” (BOMFIM, 1999)

Empiricamente encontramos algumas entidades que, mesmo precariamente, prestam assistência às comunidades alcantarenses afetadas pela implantação do CLA, por exemplo, o STR e atualmente o Movimento dos Atingidos pela Base Espacial - MABE. Porém, nenhuma possui a configuração necessária para encaixar-se nos critérios de uma atuação de advocacia popular.

Entendemos que os problemas enfrentados pelas comunidades rurais de Alcântara devem ser resolvidos com a urgência que o caso exige, visto que arrasta-se desde a década de 80. E para isso, a atuação da advocacia popular junto às entidades de mobilização política dos atingidos e também da própria comunidade faz-se extremamente necessário. Dessa forma, a consolidação de uma prática popular insurgente poderá defender os direitos humanos fundamentais dessa comunidade, bem como emancipá-la da tutela de um monismo jurídico opressor.

 

  1. 5.                  CONCLUSÃO

             O município de Alcântara, afetado pelo ambicioso projeto científico do MAer, o CLA, por décadas, conflitos foram travados entre a comunidade local e o projeto, quem mais efetivamente se preocupou com os assuntos do município o STR na busca por direitos básicos tolhidos pelo projeto. Famílias de pescadores e agricultores mais se prejudicaram com o novo contexto instalado; perderam direito de utilizar o mar como fonte de sustento, aconteceu de serem removidos compulsoriamente das terras mais férteis da península, e todo o restante da comunidade, incluindo alguns povoados formados por remanescentes de quilombos, foram abalados em sua cultura originária, perderam grande parte de suas peculiaridades culturais centenária consolidada alheia aos anseios capitalistas.

                   Portanto, atesta-se a necessidade de uma assistência prestada por advogados populares no município de Alcântara, para que juntos possam trilhar o caminho que os levará ao encontro da prestação jurídica justa, da tutela de seus direitos, em suma, do acesso à justiça.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ROCHA, Ana Tereza Ferreira. A Festa Inacabada: A implantação do Centro de Lançamento de Alcântara e a constituiçao de sujeitos liminares. Programa de Pós- Graduação em

Ciências Sociais da UFMA. São Luís: 2007. Dissertação de Mestrado.

 

ALFONSIN, Jaques Távora. Sujeitos, tempo e lugar da prática jurídico-popular emancipatória que tem origem no ensino do direito. P. Alegre, 20 p.(texto digitado)

 

BOMFIM, Benedito Calheiros. O uso do Direito Alternativo, disponível em http://www.solar.com.br.

 

RIBAS, Luis Otavio. Direito insurgente e pluralismo jurídico: assessoria jurídica de movimentos populares em Porto Alegre e no Rio de Janeiro (1960-2000). 2009. 148 f. tese ( mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.

 

CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

 

 



[1] Advogado ([email protected])