“Adorareis em espírito e em verdade”

(trecho do livro que estou escrevendo)

Não é difícil em grupos de oração, retiros ou em cultos evangélicos ouvirmos a seguinte expressão: “Adoremos em espírito e em verdade”, mas será que realmente sabemos o que isso significa? Sabemos adorar em espírito e em verdade? Ou somos apenas induzidos a fazermos aquilo que nos pedem sem meditar no sentido real das palavras?

Ainda citando o encontro de Jesus com a Samaritana Ele lhe fala que “os verdadeiros adoradores adorarão em Espírito e em verdade” e que “Deus é espírito e os que o adoram devem adorá-lo em Espírito e em verdade” [1]; mas afinal o que vem a ser esta afirmação?

Adorar em espírito e em verdade vai muito além de, por exemplo, orarmos em línguas; é uma união de eventos que leva todo o nosso ser a um encontro íntimo e pessoal com Deus.

Na oração em línguas é o Espírito Santo de Deus que ora em nós e nos leva a essa experiência mística e carismática:

... o espírito vem em nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis[2]... Pois se eu oro em línguas é meu espírito que faz a oração, mas a minha mente não participa. Vou orar com meu espírito e orar também com minha mente...[3]

Para a nossa adoração ser consistente é preciso que nos manifestemos a Deus com nossas próprias palavras.

Quando São Paulo diz orar também com a mente podemos entender: orar também com a razão, e orar com a razão é entender aquilo que se está fazendo; não quer dizer que a oração em línguas não é válida, pelo contrário é extremamente necessária, porém nada melhor do que expressarmos por nós mesmos aquilo que sentimos em relação a Deus, e depois de expressarmos nosso sentimento e com a alma em êxtase e já sem palavras, então o Espírito Santo nos leva a uma nova experiência: é Ele que ora em nós por gemidos inefáveis.

A Palavra a respeito da oração em línguas nos ensina que o Espírito vem em nosso auxilio quando já não mais sabemos como nos expressar. Quando faltam as palavras o Espírito Santo eleva o nosso ser até a presença de Deus por meio da manifestação da oração em línguas, então, nossa alma fala a Deus tudo aquilo que por nós mesmos não conseguimos expressar.

Não existe aqui uma afirmação de que é errado orar em línguas na adoração, mas é preciso, num primeiro momento, com as próprias palavras exaltar a Deus sempiterno, ou seja, assim como um namorado recita palavras de amor a sua amada devemos também manifestar ao amado de nossa alma todo nosso sentimento de amor, de gratidão e de adoração. Para, num segundo momento, deixarmo-nos sermos conduzidos pelo Espírito Santo que ora em nós e por nós.

A bondade de Deus é tão imensa que até para adorá-lo Ele nos ajuda dando-nos o recurso da oração em línguas, mas existe uma regra que precisa ser respeitada: 

“Da mesma forma, o espírito vem em nossa fraqueza. Pois não sabemos o que pedir nem como pedir; é o próprio Espírito que intercede em nosso favor, com gemidos inefáveis” [4]

A oração em línguas está vinculada a nossa limitação humana. O Espírito de Deus age em nós, como já foi dito e repetimos a fim de afirmar, quando já não sabemos mais como nos expressar. Ela é válida, eficiente e eficaz porque é dom de Deus.

Com a ajuda de Paulo podemos entender melhor o que Jesus quis nos dizer. Adorar em verdade significa para nós usar do nosso conhecimento, da nossa razão; é orar “também com minha mente[5]. É preciso saber o que se está fazendo.

No dicionário o verbete verdade nos da seguinte explicação: 1- o que está de acordo com o real; 2- procedimento sincero, sem fingimento. Ou seja, é preciso se aproximar de Deus sabendo quem Ele é; é necessário ter consciência e convicção do ato que está sendo realizado: Deus é meu Senhor, é meu criador, é o meu Salvador, e por isso eu estou adorando-O; É expressar a Deus todo sentimento de gratidão por ter nos criado, por cuidar de nós, por nos salvar; é reconhecê-LO como sendo o único Deus e Senhor; e depois ter um coração totalmente puro, sem fingimento, livre de intenções ou obrigações. É um ato real e não um simbolismo.

Na Sagrada Escritura, no Novo Testamento, a palavra verdade está relacionada a Jesus Cristo: Ele é a Verdade, “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida”, adorar em verdade é adorar a Jesus Cristo.

Na Santa ceia após abençoar e dizer as palavras de consagração do pão e do vinho Jesus nos disse: “Fazei isto em memória de mim”. Não é um faz de conta é uma realidade. A adoração seja ela a Jesus sacramentado seja ela a Deus Pai no silêncio do “quarto” é um ato real, verdadeiro.

Adora-se porque se sabe o que se está fazendo e a quem se faz. Adora-se o Deus criador feito homem que veio ao mundo para nos salvar. Adorar em verdade é, ainda, fazê-lo sem interesses, apenas de coração; por amor, por reconhecimento de que sem Ele não existiríamos ou teríamos deixado de existir.

Orar em Espírito pode ser para nós uma expressão mais simples de ser entendida. Quando diante de Deus; quando frente ao Santíssimo Sacramento, prostrados, O reconhecemos como sendo o verdadeiro Senhor; quando manifestamos nossa fé e começamos a louvá-lo e agradecê-lo por tudo, não apenas por aquilo que realiza em nossa vida particular, mas por toda criação, pela salvação que nos concedeu, pela manifestação plena de Seu amor para conosco, por sua presença entre nós, por ter nos dado a graça de crer mesmo sem nunca tê-lo visto. Cantamos em sua presença, recitamos palavras de amor, então nosso coração se expande, a alma enche-se de alegria e entramos em êxtase. Isto é adorar em espírito. Dizem os estudiosos da vida de Dom Bosco (são João Bosco) que neste instante ele levitava, bastavam alguns minutos na presença de Deus para que sua alma e todo seu ser entrassem em sintonia com o Pai.

Quando atingimos este ponto, ou seja, entramos nessa sintonia é que estamos prontos para entrarmos num ato espiritual mais profundo, estamos prontos para vivermos uma experiência mística e carismática na oração e adoração. Nosso espírito e a nossa alma elavam-se até Deus, acontecesse em nós uma efusão e nos unimos plenamente ao Espírito Santo; é neste momento que oramos no espírito e o Espírito de Deus ora em nós. Adoramos não apenas com a razão, mas com o coração, com a alma. Oramos em línguas de fogo. E quando assim o fazemos nossa razão permanece ativa, consciente, daquilo que se esta fazendo e orando.

Todo nosso ser, cada célula, louva a Deus e O adora reconhecendo-O como único Senhor. Então podemos afirmar “adoramos em Espírito e em verdade”.

 

ANDERSON BITTAR - professor de Filosofia e

 membro da RCC da diocese de Campo Mourão



[1] João 4, 23-24

[2] Romanos 8, 26-27

[3] Corintios 14, 14-15

[4] Romano 8, 26

[5] Coríntios 14, 15