ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI


CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

Do ponto de vista da Psicologia , a adolescência é uma fase que, além das modificações do corpo humano, é caracterizada pela definição de identidades, através de mudanças na fixação do caráter e da afirmação da personalidade do indivíduo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, com fundamento da Doutrina da Proteção Integral, bem como nos critérios médicos e psicológicos, considera o adolescente como pessoa em desenvolvimento, prevendo que assim deve ser compreendida a pessoa que possui entre 12 e 18 de idade.

Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosa no Código Penal ou em leis especiais, passa a ser chamado de ?adolescente infrator?, e não de ?menor?, como as legislações anteriores previam, bem como ainda diversos meios de comunicação insistem em se referir, com manchetes do tipo ?menor assalta criança?.

O adolescente infrator é inimputável perante as cominações previstas no Código Penal, ou seja, não recebe as mesmas sanções que as pessoas que possuem mais do que 18 anos de idade, vez que a inimputabilidade penal está prevista no art. 227 da Constituição Federal, que fixa em 18 anos a idade de responsabilidade penal e no art. 27 do Código Penal, critério de política criminal que varia entre os países .

Apesar de ser inimputável, o adolescente infrator é responsabilizado pelos seus atos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através das medidas sócio-educativas.

Em pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, constatou que entre os adolescentes infratores, o maior índice de atos infracionais é praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre 16 e 17 anos:






Quanto a idade:



Desta forma, a adolescência está estabelecida objetivamente com início aos 12 anos e término aos 18 anos, sendo que a maior parte dos atos infracionais é cometida por adolescentes infratores do sexo masculino:

Quanto ao sexo:





ADOLESCENTE NÃO COMETE CRIME E SIM ATO INFRACIONAL

O ato infracional é uma ação praticada por um adolescente, correspondente às ações definidas como crime cometidas pelos adultos, e está definido no art. 103 , do ECA.

No direito penal, o delito constitui uma ação típica, antijurídica, culpável e punível. Já o adolescente infrator, embora inegavelmente causador de problemas sociais graves, deve ser considerado como pessoa em desenvolvimento, analisando-se aspectos como sua saúde física e emocional, conflitos inerentes à idade cronológica, aspectos estruturais da personalidade e situação sócio-econômica e familiar.

Sobre os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais, vão desde a influência dos amigos, o uso de drogas, a evasão escolar, até a pobreza. Verifica-se que a influência de amigos, o uso de drogas e a pobreza são as razões principais para a prática delituosa e se equilibram em termos numéricos. As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de drogas.

No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos infracionais.

É o que aconteceu com o personagem ?Busca-pé", do filme Cidade de Deus, que entre a oportunidade de estudar, e os atrativos da rua, acabou sendo influenciado pela segunda opção, assim como a grande maioria dos adolescentes.

Quanto a Escolaridade:



Depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem atuar com maior urgência.

Quanto a renda familiar:


Quanto ao envolvimento com drogas:

O tema dos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes é polêmico e abrangente. A vinculação entre infração e pobreza, no sentido do que a infração é atribuída à pobreza dos grupos de origem dos adolescentes, à desagregação familiar, ao fracasso escolar, à falta de regras e limites, leva a considerá-los infratores mais por esses aspectos do que pelas infrações que cometeram. O sentimento de medo, de insegurança e de apreensão em relação a eles, nos diferentes espaços sociais, é fruto da elaboração coletiva e do poder da informação midiática. Desta forma não são as práticas infracionais que suscitam alarme e destroem a tranqüilidade pública, mas o pobre e o negro que ainda permanecem no imaginário coletivo como figuras perigosas para a ordem pública.
O sentimento de insegurança, as propostas de estratégias de punição e maior controle social, aumentados pelo descaso dos órgãos públicos responsáveis pelas políticas sociais de atendimento aos adolescentes, provocam um superinvestimento penal, que se torna o único instrumento apto a enfrentar as práticas infracionais e serve para generalizar ainda mais a insegurança que inevitavelmente se propaga entre os grupos colocados em posições inferiores na escala social ( Wacquant, 2001 ).
Temos a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989), ratificada pelo Brasil em 1990, que, nesse mesmo ano, promulgou a Lei Federal nº 8.069, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente. Seria interessante estudar e pesquisar o que há por baixo de toda a polêmica e rejeição ao ECA. Um exemplo disso é a atitude e a crítica por parte de prepostos da segurança devido ao fato de que o ECA se tem demonstrado um meio de contenção da arbitrariedade policial.
A problemática de crianças e de adolescentes em conflito com a lei questiona profundamente a cultura da violência, isto é, a ruptura dos nexos sociais pelo uso da força e apela para a erradicação da violência pela construção da cidadania. O Sistema de garantia de Direitos de todos nós, brasileiros está desarticulado de tal forma que não funciona, nos restando apenas o medo. Diante disso tudo, o que não se pode aceitar não são somente as manifestações de violência, mas a submissão e aceitação dessa realidade.
Vejamos abaixo a letra de um "rap" e depoimentos de adolescentes descrevendo seu envolvimento com essa realidade que está tão próxima de nós:
O Dilema do Decente Malandro

Não é fácil vida de menor..."
"...me sinto uma pedra jogada num canto..."
"...acho que até Deus se esqueceu de mim..."
"Os outros pensam que a gente não presta..."
"...pensam que a gente tem uma pedra no lugar do coração, e não é isso..."
"A gente é humano também..."
"...um ser vivo, um homem...decente em algumas coisas, em outras não..."
"... e como os outros... rouba, mas também faz outras coisas..."
"... todo mundo rouba uma coisinha ou outra, daqui e dali..."
"Rico é um explorador..."
"... quando rouba, paga advogado não acontece nada...o pobre a polícia mata..."
"... a polícia faz o mesmo que nós... vai a nossa procura não por nós mesmos, mas por causa do dinheiro..."
"... o Governo também rouba, não rouba?".
"Não gosto de ser chamado de ?infrator?... quero sair dessa e desse jeito a gente volta a roubar..."
" ... a gente sai daqui mais revoltado..."
" A recuperação se dá na troca de idéias..."
"E, quando a gente quer se regenerar, a gente tá marcado... às vezes, por nada, roda outra vez..."
"A gente tem a sorte marcada..."
"Vai ver que fomos cagados!"

ADOLESCENTE E POLÍCIA:
"Quando [a polícia] pegava a gente na rua liberava: ?Vá embora, vá!?... Deu dinheiro um dia, ele não pega mais não....pega os outro com droga, aí os outro dá as droga a ele e pede pra liberar. Aí ele vai libera e fica com as droga pra vender na rua dele."
"Rapaz, chegou um tempo aí a polícia... Tá eu de frente da casa de meu amigo, a polícia vinha com um batalhão de choque um pelo lado e outro pelo outro de frente com a casa assim, eu não podia correr. Aí me pegou, me colocou dentro do carro, eles ia me matar e aí me levaram pra uma bocada. E me levou pra uma bocada, um terreno baldio bem longe dos pessoal, não tinha vizinhança. Aí eles ia me matar porque tinha um mascarado com um porrete na mão e quatro polícia. Aí esse chegou foi que chamou todos lá pra frente, começou a conversar, conversar foi que levaram a cloncusão de me colocar no mesmo lugar. Sabe por quê? Por causo de que na hora que ele me pegou tinha muita gente que viu, um bocado de pessoal que viu ele me pegando. Se ele me matasse, aí ia ter testemunha."
"... quando a polícia ia me pegar, eu aí vultava na frente deles. Aí a polícia não conseguia me pegar. A polícia só me pegou umas três vez. Esses tempo todo que eu venho roubano, a polícia só conseguiu me pegar umas três vez, porque uma foi dormino e as outras foi eu de bobeira imaconhado. Aí foi que os homem me pegou. Mas os homem nunca conseguia me pegar porque eu aí vultava na frente deles."
"A polícia espanca. A polícia espanca... A polícia me prendeu, me colocou na delegacia e quando chegou lá me tirou e me deu um bocado de pau... Me espancou com um pedaço de cabo de enxada, com esses pedaços de tauba, com chute, com perna ... Falava "Vai lá dá queixa pro juiz". E a gente era de menor. Como é que vai? Falava: "Vai dá queixa para o juiz, falar que a gente lhe bateu, você é de menor. Depois a gente pega e lhe mata". Quem ia falar nada? ...Vai que numa hora desses eles encontra, né, e a pessoa fala demais? Quem sabe? Quem fala demais um dia para de falar... Quem vai querer dá queixa de um polícia e aí ele..."
"Uma hora assim de noite ele se encontra com um polícia... Um polícia assim tomado... Que os policial só anda bebo, drogado e a porra. E vai que encontra e o policial mete bala? Rapaz... Polícia é mais que os outros. Eles mata e não tem lei pra eles não".
"... (A polícia) já pegou um bocado de vez. Pega e larga. Já pegou dinheiro pra soltar a gente..A gente pega os dinheiro dos outro ... aí a gente: "Toma esse dinheiro aqui e larga gente". aí ele pega e larga a gente".

FUTURO:
"Nem todos pensam em mudar de vida. Alguns pensam em sair daqui e aprontar de novo... Parece que não tem nada em mente, quando sai daqui vai é roubar, vai é matar. Muitos que já saíram daqui já morreram... Muitos que já saiu daqui já morreu, já ta morto e a porra."
"Acho que eles têm que dar uma oportunidade ao adolescente quando o adolescente sai de um lugar desse. Tem que ganhar algum emprego assim, porque muitas das vezes um adolescente ta aqui dentro porque lá fora quando ele desenhava arrumar algum emprego e não arrumava. E aí, ele tinha que roubar. Portanto, eles tinha que dá uma chance ao adolescente, sabe? Esperar o adolescente ir embora, conseguir um emprego para o adolescente, pronto. E aí se ele quiser roubar, aprontar, aí o problema agora é dele. Mas tem que... O adolescente tem que sair daqui de dentro com seu... Com os pessoal ajudando ele. Que aí o cara vai sair daqui se não tiver nada pra fazer, o cara vai roubar de novo."
"Vida de roubo, de ladrão. Vida de ladrão é essa. Um dia se dá bem, um dia se dá mal. Pra ladrão nada é fácil porque um dia ele sempre vai... Se não é preso, ele morre."

CONCLUSÃO

Sabe-se que os fatores de risco apresentados acima, isoladamente, dificilmente levariam um adolescente a praticar ato infracional ou a se delinquir. Condições socioculturais (macrossistema e exossistema) associam-se a condições pessoais (microssistema e mesossistema), por exemplo, da seguinte maneira: viver em condições de pobreza, em comunidades sem lazer, em escolas ruins, sem perspectiva futura de trabalho, podem associar-se ao envolvimento com colegas agressivos, que por sua vez, poderão levar à prática infracional.

O desenvolvimento humano é resultado da interação entre diversos fatores, sejam eles de risco ou de proteção, presentes no meio social (cultura, comunidade, família). Adolescentes que crescem em uma família na qual o pai passa mais tempo com o carro do que com os filhos (consumo), que constantemente se agridem (violência doméstica), em que as escolas se mostram em más condições de conservação, em que os professores não são motivados e não sabem lidar com os alunos que apresentam problemas (escola) e em que não há opções de lazer (comunidade), têm maior probabilidade de se envolver em atos infracionais.

O adolescente na sociedade contemporânea é tido como pessoas difíceis de serem compreendidos e na maioria das vezes são estigmatizados como foco de grandes problemas sociais.

Pesquisas realizadas constatam que o atual sistema de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, encontram-se muito distante do que a lei prevê. Assim também o sistema policial inadequado ao ECA, a precariedade das investigações, dos laudos e levantamentos sociais e familiares, conduzem muitas vezes ao recolhimento em instituições. É importante conhecer os motivos pelos quais os adolescentes respondem pelas práticas de atos infracionais, a natureza e as circunstancias, pois é o primeiro passo para a criação de políticas públicas que correspondam a real necessidade destes adolescentes. (ALMEIDA, 2002)

O menor infrator deve ser socializado, deixando de ser meramente punido, o objetivo primeiro é de se investigar as responsabilidades dos responsáveis e entidades, com a previsibilidade de sanções não apenas para estas entidades e responsáveis como também para a sociedade e para o próprio estado, seja por ação ou omissão.

A convivência familiar é de grande necessidade, determinando se o afastamento, apenas em casos de extremo. A proteção ao jovem infrator deve caminhar para torná-lo um cidadão digno de convivência, banindo certos comportamentos que não agrada a sociedade e se tornam assim responsabilidades de todos. A psicologia tem um papel fundamental na recuperação do jovem infrator assim como os demais órgãos, busca garantir a dignidade humana e a proteção do menor infrator contribuído para que este possa expressar seus desejos e ajudá-lo a encontrar através do diálogo a verdade jurídica considerando as diversas reflexões no tratamento.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

FALEIROS, Vicente de Paula. Violência contra a infância. In Sociedade e Estado. Brasília: UnB, v. 10 (2), p.475-490, jul/dez.1995.

TRAUS, Martha B. Violência na Vida dos Adolescentes. São Paulo: Best Seller/ Círculo do Livro, 1994.

ZALUAR, A., ALBUQUERQUE, C e NORONHA, J.C. Pobreza não gera violência. Ciências Hoje, Rio de Janeiro, v. 20, n. 115.1995.

WACQUANT, L. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BOBBIO, N. O problema da guerra e as vias da paz. São Paulo: Editora UNESP, 2003.

OLIVEIRA, Maria Cecília Rodrigues de. O processo de inclusão social na vida de adolescentes em conflito com a lei: Dissertação (Mestrado) - Curso de Psicologia, FFCLRP, Ribeirão Preto/sp, 2002.

ALMEIDA, Eloísa Machado de. Adolescentes suspeitos ou acusados da autoria de atos infracionais em São Paulo: Convênio Ilanud/Febem-SP/PAJ - infância e juventude, Revista Brasileira de Ciências Criminais v.10, n.38 (abr./jun. 2002), p.165-209

1º Fórum de Debates Sobre os Direitos da Criança e do Adolescente (1998: Belo Horizonte) Família, Trabalho e Infração ? Belo Horizonte: PUC Minas, 1999.


Sites de pesquisa:


http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos

http://jus2.uol.com.br/doutrina

http://www.google.com.br