INTRODUÇÃO

É sabido que após o advento da Constituição Federal de 1988, no âmbito do Direito de Família, já não mais prevalece o conceito de entidade familiar como sendo tão somente aquela concebida sob as bênçãos do matrimônio e cuja finalidade precípua é a procriação de filhos. Nos últimos anos ocorreram grandes mudanças no conceito da relação familiar. O poder familiar, que antes era exercido exclusivamente pelo pai, hodiernamente, é isonômico entre os cônjuges.
E como vivemos em uma sociedade que está em constante processo de transformação, não há como negar que essa evolução tem refletido bastante no contexto social, uma vez que é fato notório e inconteste que a família vem apresentando cada vez mais diferentes formas de organização, a exemplo da união estável, das relações familiares mono-parentais etc. E é exatamente dentro desse quadro transformativo que a união homossexual vem se afirmando como mais uma modalidade de família e lutando incansavelmente por sua equiparação à união estável heterossexual e pleiteando a aferição de todos os direitos inerentes a esta.
Cumpre ressaltar que a história da homossexualidade tem seu registro desde os tempos primórdios da existência da humanidade, frisando-se que durante o período em que a Igreja Católica dominou e influenciou boa parte da cultura humana, a homossexualidade passou a ser mal vista pela sociedade, sendo considerada para alguns uma verdadeira aberração e para outros, uma espécie de doença; resultando na propagação do preconceito, o qual infelizmente tem perdurado até os dias de hoje.
Dessa forma, não restam dúvidas de que há restrições no tocante aos direitos dos companheiros homossexuais, a exemplo da falta de previsão legal para a adoção.
Em sendo assim, esta monografia versará sobre a adoção por parceiros homossexuais no Direito brasileiro, sendo pertinente frisar que é inconcebível ao Direito esquivar-se à tutela dos direitos dos pares homoafetivos, sob pena de infringir princípios constitucionais sagrados a saber: a dignidade da pessoa humana, a não-discriminação e a igualdade de todos perante a lei, assim como sob pena de ofensa à garantia do bem estar social e de seu alicerce de sustentação, ou seja, a justiça.
Enfim, o que se almeja é demonstrar a viabilidade da adoção por parceiros homossexuais, como uma opção saudável de família para uma criança, posto que o fator decisivo para a formação do caráter de uma infante não está relacionado à orientação sexual de quem vai educá-la e sim ao afeto e proteção que esta criança terá ao ser presenteada com uma família, uma vez que não será mais uma das vítimas das ruas marginalizadas da vida.
Quanto à estrutura dessa monografia, no primeiro capítulo será abordada a evolução dos modelos de família, demonstrando-se as mudanças ocorridas no conceito da relação familiar desde a antiguidade aos dias atuais. Face aos novos modelos de família, nada convencionais, trazidos pela Constituição de 1988, será abordada a questão da união homossexual que vem lutando pelo seu reconhecimento como entidade familiar. Assim sendo, será feito um enfoque histórico da homossexualidade, abordando-se a possibilidade jurídica de inserção das uniões homoafetivas entre os novos modelos familiares reconhecidos pela Magna Carta de 1988, espelhando-se inclusive no direito estrangeiro.
O segundo capítulo enfocará os princípios constitucionais ligados à proibição de discriminação por orientação sexual, dentre eles os princípios da dignidade humana, da não-discriminação e da igualdade de todos perante a lei, com o propósito de mais uma vez demonstrar a possibilidade dos homossexuais auferirem os mesmos direitos conferidos aos heterossexuais, como a união estável e a adoção.
No terceiro capítulo será analisada a questão central desta monografia, ou seja, a adoção por parceiros homossexuais. Primeiramente, será feito um histórico da adoção, abordando-se toda sua evolução legislativa no Brasil. Também serão delimitados os requisitos exigidos para a adoção. Por fim, será demonstrada a viabilidade moral, psico-social e jurídica da adoção por parceiros homossexuais.










1. EVOLUÇÃO DOS MODELOS DE FAMÍLIA

1.1. Origem histórica
Duas são as teorias clássicas que nos permitem explicar a organização da família: a matriarcal e a patriarcal. Pela teoria matriarcal, a origem da família estava associada à endogamia, vez que as relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (VENOSA, 2006, p.03).
Se a mulher passasse a pertencer apenas a um homem, esta era castigada, uma vez que a monogamia implicava na violação da lei sagrada da tribo (ENGELS, 1997, p.31 e ss).
Dessa forma, era praticamente impossível a identificação do pai quando a mulher dava a luz. Como a filiação somente era possível ser identificada através da mulher, esta se tornou a figura central da tribo, gozando de total respeito e poder. A criança sempre ficava ao lado da mãe, que a alimentava e educava o que nos permite afirmar que a família teve de início um caráter matriarcal (VENOSA, 2006, p.03).
Caio Mário da Silva Pereira (2006, p.24) entende que essa estrutura endogâmica não era homogênea em todas as tribos.
Assim sendo, com base na teoria matriarcal, podemos rechaçar a falsa crença de que desde que o mundo existe a figura masculina sempre gozou de superioridade em relação à feminina, uma vez que, pelo ao menos, em determinado período da história da humanidade, a mulher teve seu apogeu, sendo esta intitulada a pessoa mais importante da tribo, porquanto detentora de poderes superiores ao homem.
A endogamia fez da mulher a figura central da tribo, mas as relações endogâmicas não proliferaram por muito tempo entre esses povos.
Sílvio Venosa aponta alguns fatores como sendo responsáveis pela primeira manifestação da exogamia na tribo, dentre eles, as guerras e a carência de mulheres, que levaram os homens a manter relações com mulheres de outras tribos. Daí o homem parte para relações individuais com exclusividade, originando-se a monogamia (2006, p.03).
Em oposição à teoria matriarcal, surge a teoria patriarcal, baseada na monogamia, e cujo meio de produção econômico da família estava associado às pequenas oficinas construídas nos próprios lares, uma vez que a família é que trabalhava para sua subsistência (VENOSA, 2006, p.04).
Esta teoria coloca o pater (pai) como figura central da organização familiar, sendo este ao mesmo tempo, detentor dos poderes político (administração dos negócios da família), religioso (culto aos antepassados) e de julgamento (poder de decidir o destino de seus subordinados). Sendo o pater a autoridade máxima do clã, somente ele possuía o direito de propriedade, exercia sobre os filhos direitos de vida e de morte e também exercia total controle sobre sua companheira, a qual não possuía direitos de espécie alguma (PEREIRA, 2006, p.26).
Na relação patriarcal, a família exercia um papel importantíssimo, vez que esta era a responsável pela perpetuação do culto familiar, o qual só se concretizava por intermédio do homem, fruto do casamento religioso, o que nos permite afirmar que o casamento estava intimamente ligado à continuação desse culto e não ao desejo de que duas pessoas apaixonadas resolvessem se unir em nome do amor. Assim sendo, o fundamento da relação patriarcal era sem sombra de dúvidas a religião doméstica e o culto aos antepassados (VENOSA, 2006, p.05).
Foi exatamente dessa idéia religiosa e do princípio da autoridade patriarcal que o poder do Império Romano nasceu (PEREIRA, 2006, p.27).
Também podemos afirmar que foi especificamente o modelo patriarcalista que inspirou a edição do nosso Código Civil de 1916.
Conforme relatado, o poder do pater era praticamente absoluto dentro da família, mas com o passar do tempo, este poder foi sendo restringido, tanto que no séc. IV, o Imperador de Roma, Constantino, consolidou a família nas bases do Cristianismo, impondo-se o direito da cidade sobre o direito doméstico (PEREIRA, 2006, p.27).
Mas a adoção do catolicismo pouco modificou a estrutura patriarcalista; embora nossa sociedade ainda continue nestes moldes, certo é que hoje o homem já não exerce mais a liderança absoluta em casa (FIÚZA, 2006, p. 940).
Faz tempos que o patriarcalismo ocidental vem perdendo sua força, principalmente após as revoluções modernas e a vitória da liberdade de pensamento nos países democráticos, sendo o fator crucial a Revolução Sexual de 1960 (FIÚZA, 2006, p. 940).

1.2. Concepção moderna de família
Faz tempo que a sociedade não mais se espelha na idéia de família concebida sob as bênçãos do matrimônio, projetada única e exclusivamente para a procriação de filhos e transmissão do patrimônio.
É fato inconteste que após a Revolução Industrial, em decorrência de fatores de ordem econômica, política e social, a família tem apresentado diferentes formas de organização (VENOSA, 2006, p. 06 e ss).
Podemos apontar alguns fatores determinantes na nova estruturação da família moderna, quais sejam: o ingresso do homem e da mulher no mercado de trabalho com a conseqüente equiparação jurídica de ambos, erradicou a idéia tradicionalista de família exclusivamente patriarcal; a vinda de boa parte da população rural para os grandes centros urbanos em busca de melhores condições de vida associada aos problemas sociais típicos desses centros, alterou a composição e a finalidade das famílias; o amor e o prazer sexual tornaram-se o fundamento da família moderna, não havendo mais a necessidade da união segundo os moldes tradicionais do casamento. Dessa forma, o casamento com a finalidade de geração de filhos e sucessão patrimonial deixa de ser o alicerce de sustentação da família contemporânea.
Assim entendem Chemin e Sesarino in CARVALHO & MIRANDA (2007, p.119):
Nos dias atuais encontramos a mulher consideravelmente desvinculada da idéia de casamento unicamente para procriação, sem necessariamente o desejo de ter um filho, mas assumindo seu prazer, seja com um parceiro em uma união estável e amparada pelos padrões legais,seja em envolvimentos passageiros e/ou não tão formais. É o período de atividade sexual assumida e desejada. Um filho deixa de ter o lugar mais importante na subjetividade materna, e a mulher passa a apropriar-se cada vez mais de seu próprio corpo em um momento de estreita ligação com a liberdade e a igualdade.

Como muito bem enfocado por Jane Justina Maschio (2002):
A liberação sexual, sem dúvida, em muito contribuiu para a formação desse novo perfil de família. Não há mais necessidade do casamento para uma vida sexual plena. Algumas pessoas se encontram, se gostam, se curtem por algum tempo, mas cada qual vive em sua própria casa, em seu próprio espaço. O objetivo dessa união não é mais a geração de filhos, mas o amor, o afeto, o prazer sexual. Ora, se a base da constituição da família deixou de ser a procriação, a geração de filhos, para se concentrar na troca de afeto, de amor, é natural que mudanças ocorressem na composição dessas famílias. Se biologicamente é impossível duas pessoas do mesmo sexo gerarem filhos, agora, com o novo paradigma para a formação da família ? o amor, em vez da prole ? os "casais" não necessariamente precisam ser formados por pessoas de sexo diferentes.

Em matéria política de âmbito constitucional, várias foram as mudanças ocorridas no conceito da entidade familiar nos últimos tempos.
Dentre as inovações trazidas pela Carta Constitucional de 1988, podemos citar: o instituto do Poder Familiar, o qual antes era conferido apenas ao homem e hodiernamente é comum entre homem e mulher, uma vez que a Carta Magna igualou juridicamente ambos; a união estável entre homem e mulher passou a ser reconhecida como entidade familiar, sendo também reconhecidas como entidades familiares a família mono-parental, a biparental com ou sem casamento; o reconhecimento da legitimidade a qualquer filho, seja ele adulterino, incestuoso, adotivo, já que as Constituições anteriores a de 1988 condicionavam a idéia de família à de casamento, só reconhecendo legitimidade aos filhos havidos da relação matrimonial.
Todas essas inovações constitucionais têm refletido bastante no contexto social, e é exatamente dentro desse novo paradigma das novas formas de organização da família, é que a união homossexual vem se auto-afirmando como mais uma modalidade familiar e lutando por sua equiparação à união heterossexual.

1.3. Conceito de homossexualidade
O vocábulo homossexualismo foi criado em 1869 pelo médico húngaro Benkert (CHEMIN & SESARINO in CARVALHO & MIRANDA, 2007, p.129).
A palavra homossexualismo deriva do prefixo grego hómos que significa semelhante e do prefixo latim sexu que significa relativo ou pertencente ao mesmo sexo.
Convém ressaltar,que em tempos passados, o termo homossexualismo se referia a uma espécie de doença, especificamente um distúrbio mental, constante inclusive da lista mundial de patologias. Hodiernamente, não se justifica mais a utilização da expressão "homossexualismo", pois esta denota o sentido de doença. Ademais o Código Internacional de Doenças (CID) deixou de considerá-lo patologia, e substituiu o sufixo ?ismo? por ?dade?, razão pela qual o termo homossexualismo passa agora a ser homossexualidade.
Assiste razão Maria Aparecida S. M. Diniz (2008) ao afirmar que "[...] o sufixo anterior remetia a uma interpretação equivocada e sem qualquer comprovação nos estudos médicos". De fato não se justifica tratar como doente um indivíduo só pelo simples fato de ser homossexual, pois implicaria, acima de tudo, em ofensa gravíssima à dignidade do ser humano.
Segundo o Dicionário Aurélio (2004), o termo homossexual é "relativo à afinidade, atração e/ ou comportamentos sexuais entre indivíduos do mesmo sexo."
Segundo a Wikipédia (2009):
Homossexualidade (grego homos = igual + latim sexus= sexo) refere-se ao atributo, característica ou qualidade de um ser ? humano ou não ? que sente atração física, emocional e estética por outro ser do mesmo sexo. Como uma orientação sexual, a homossexualidade se refere a "um padrão duradouro de experiências sexuais, afetivas e românticas principalmente entre" pessoas do mesmo sexo; "o termo também refere-se a um indivíduo com senso de identidade pessoal e social com base nessas atrações, manifestando comportamentos e aderindo a uma comunidade de pessoas que compartilham da mesma orientação sexual."

Para Enézio de Deus Silva Júnior, "[...] a homossexualidade independe de vontade ou opção, assim como a heterossexualidade, sendo uma extensão emocional/sentimental do ser humano" (2005, p.125). Se a pessoa nasceu inclinada à homossexualidade, ou se mais tarde, esta se tornou sua orientação sexual, cumpre frisar que essas situações não devem ser consideradas relevantes para se caracterizar a homossexualidade como anomalia ou perversão.
Chemin e Sesarino in Carvalho e Miranda (2007, p.129), nos afirmam que Freud não considerava a homossexualidade anomalia ou perversão. Para o pai da psicanálise, esta não trazia benefícios, mas não poderia ser classificada como doença, sendo apenas uma variação do desenvolvimento sexual.

1.4. Visão histórica da homossexualidade
1.4.1. Visão bíblica
É fato verídico que a homossexualidade sempre existiu na história da humanidade, sendo encontrada desde os povos mais antigos. No entanto, a Bíblia Sagrada repudia a prática homossexual, conforme se pode observar em Levítico (18:22 e 20:13) quando nos diz que "[...]Não se deite com um homem, como se fosse com mulher: é uma abominação" ;"O homem que se deita com outro homem, como se fosse mulher, está cometendo uma abominação, os dois serão réus de morte, e o sangue deles cairá sobre eles mesmos [...]" (BRAGA, 2006).
Não há dúvidas de que o fundamento de rejeição aos homossexuais pelas grandes religiões monoteístas como o islamismo, o judaísmo e o cristianismo está no fato de que o sexo homossexual é considerado contrário às leis naturais (GWERCMAN, 2004, p.50).
O fato é que a Igreja sacralizou a união heterossexual como a única aceitável, posto que somente esta é capaz de atender à finalidade precípua do casamento, ou seja, a procriação.

1.4.2. A homossexualidade na Idade Antiga
A homossexualidade era praticada tanto pelos povos selvagens quanto pelos povos civilizados, tais como: gregos, egípcios, romanos e assírios. A prática homossexual era considerada normal entre esses povos (MASCHIO, 2002).
Consoante Jadson Dias Correia (apud MASCHIO, 2002) a homossexualidade se revelou de forma mais intensa na Grécia, fazia parte da cultura das classes nobres e sua prática estava relacionada à transmissão de nobreza, intelectualidade, sabedoria, além de contribuir para a estética corporal, ética comportamental, e o militarismo. O autor ainda nos afirma que o relacionamento homossexual na Idade Antiga era considerado mais nobre que o heterossexual.
Já em Roma, a homossexualidade não era praticada de forma tão intensa quanto na Grécia, pois os romanos jamais poderiam figurar na posição passiva da relação, cabendo apenas às mulheres e aos escravos, já que os romanos eram educados para serem parceiros ativos na relação homossexual (BRAGA, 2006).
Dos imperadores de Roma, apenas o Imperador Cláudio era completamente heterossexual, sendo o Imperador Júlio César o que mais se destacou na homossexualidade (BRAGA, 2006).

1.4.3. O relacionamento homossexual na Idade Média
Se durante a antiguidade a homossexualidade era considerada uma prática normal, símbolo inclusive de nobreza entre os seus praticantes, durante a Idade Média, a situação era totalmente adversa, pois em virtude do grande poderio alcançado pela Igreja Católica, a homossexualidade passou a ser encarada como uma anomalia, e ou perversão.
Segundo Chemim e Sesarino in CARVALHO & MIRANDA (2007, p.129), na Idade Média a homossexualidade era considerada como uma doença causada por falha genética e capaz de reduzir o empenho mental.
Sendo assim, os homossexuais passaram a ser perseguidos pela Igreja, e com o surgimento do Tribunal da Santa Inquisição no ano de 1231 por Gregório IX, a punição tornou-se ainda mais rigorosa, pois os homossexuais passaram a ser punidos com pena de morte.

1.4.4. A homossexualidade na Idade Moderna aos dias atuais
Na Idade Moderna, a homossexualidade ainda continuava sendo repudiada, pois era concebida como algo contrário à lei divina, vez que não poderia atender ao fim específico da reprodução. "O fato é que [...] cristãos, judeus, mulçumanos, entre outros, pressupõem a geração de filhos como uma aliança afetiva e heterossexual, sendo inaceitável a concepção homossexual" (BRAGA, 2006).
Nos dias atuais, em nosso ordenamento, a homossexualidade não é mais considerada uma anomalia e muito menos perversão, a expressão homossexualismo não se encontra mais inserida no CID (Classificação Internacional das Doenças) e na APA (Associação Americana de Psiquiatria). Não existem comprovações científicas que apontem a homossexualidade como sendo um distúrbio mental.
Como bem enfocado por Renato Posterli (1996) apud Chiarini Júnior (2003):
É oportuno, agora, ressaltar que homossexualismo deixou de ser doença. Á décima revisão da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), da Organização Mundial de Saúde, exclui, depois de quase vinte anos, o homossexualismo como doença.'...o então presidente do Conselho Federal de Medicina, psiquiatra Ivan Moura Fé, afirmou que ''muitas vezes, os próprios pais levam os filhos homossexuais ao médico, porque acreditam que eles são doentes; a situação deixa os profissionais confusos, já que não é encontrado nenhum sinal que indica a existência de uma anomalia.''" mais adiante, conclui que "É, comprovadamente, uma opção de vida."

Em nosso país não há mais punição para os homossexuais tal como acontecia na Idade Média, no entanto, em alguns países como a Grécia e a Irlanda, existe punição, pois nesses países a homossexualidade é considerada ilícito penal.
Embora os homossexuais tenham se libertado da punição, não se libertaram do preconceito implantado pela Igreja na época da Idade Média, e que lamentavelmente tem se perpetuado até os dias atuais.
Apesar de todo o preconceito, nas últimas décadas, os homossexuais através de movimentos como as "paradas gays" vêm lutando incansavelmente perante a sociedade, pelo reconhecimento das uniões entre parceiros do mesmo sexo, equiparando-as às uniões heterossexuais.
Cumpre ressaltar que em decorrência de princípios constitucionais sagrados, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade de todos perante a lei, no novo ordenamento jurídico não são mais admitidas discriminações em relação às opções sexuais das pessoas.

1.4.5. A expressão homoafetividade Hodiernamente, as relações homossexuais estão recebendo uma nova intitulação pela doutrina brasileira. Como são relações marcadas essencialmente pelo afeto, o qual "[...] é o fator mais relevante na atração que uma pessoa sente pelo mesmo sexo" (DIAS, apud DINIZ, 2008), tais relações estão sendo intituladas relações homoafetivas, vocábulo este introduzido em nossa doutrina pela Desembargadora Maria Berenice Dias. Sem dúvidas alguma, o novo vocábulo valoriza o afeto, o elemento mais importante da relação homossexual, eis que consoante Aline Verônica (2009) a relação homossexual "[...] não se trata apenas de uma relação de cunho sexual: é, sobretudo, um vínculo criado pela afetividade, pelo carinho, pelo desejo de estar com o outro numa convivência harmônica, duradoura e marcada pelo afeto." A nova expressão certamente expressa de forma mais digna e valorativa a condição sexual da pessoa homossexual.

1.5. União entre pessoas do mesmo sexo
Após o advento da Constituição Federal de 1988, a concepção tradicional de família, ou seja, aquela projetada exclusivamente para a procriação de filhos, já não prevalece mais no ordenamento jurídico brasileiro. As inovações trazidas pela Magna Carta inseriram um novo paradigma, no qual a família tem apresentado diferentes formas de organização bem eqüidistantes dos moldes tradicionais.
Todas essas inovações repercutiram de forma muito intensa na sociedade, motivando os pares homossexuais a lutar pelo reconhecimento de suas uniões como entidades familiares, não havendo dúvidas de que essas famílias têm se propagado cada vez mais na nossa sociedade, mantendo um relacionamento saudável. Podemos citar como exemplo de relacionamento homossexual saudável, a união dos militares do Batalhão da Guarda Presidencial do Exército de Brasília, os soldados Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de Araújo, os quais se tornaram figuras célebres em nossa sociedade, por serem os primeiros parceiros militares a assumir sua homossexualidade em rede nacional.
Em entrevista à Revista Época (2008, p.112), o soldado Laci afirma: "[...] Nós somos um casal e mantemos uma relação estável há mais há mais de dez anos" Ele diz mais: "Até no cartão de crédito nós temos o outro como dependente [...]". Fernando seu companheiro completa dizendo: "É tudo como um casal normal"

1.5.1. Aspectos jurídicos da união entre pessoas do mesmo sexo
Nosso ordenamento jurídico não reconhece a união homossexual como entidade familiar.
Torna-se pertinente frisar que é inconcebível ao Direito, esquivar-se à tutela dos interesses dos pares homossexuais, sob pena de infringir seus principais pilares de sustentáculo, quais sejam: o bem estar social, a igualdade de todos perante a lei e, sobretudo a justiça. Compete ao Direito acompanhar e, sobretudo tutelar as evoluções ocorridas no contexto social, no sentido de reconhecer legitimidade às uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Consoante Chiarini Júnior (2003), "[...] tais uniões são, sob o ponto de vista jurídico, legítimas e, portanto, devem ser protegidas pelo Poder Judiciário, e por toda a sociedade."
Assim sendo, não há mais justificativas ante a inércia de nossos ilustres legisladores, uma vez que as uniões homossexuais por força da analogia podem perfeitamente serem inseridas no instituto da entidade familiar, lembrando-se mais uma vez que a família já não possui mais a finalidade precípua da geração de filhos.
Nas lições de Eliete A. Ferreira (2008):
Essas uniões, assim como as tidas convencionais se fundam no afeto e na mútua assistência entre os pares. Os preconceitos de ordem moral não podem justificar a omissão do Estado. Presentes os requisitos legais como vida em comum, coabitação, laços afetivos, divisão de despesas, não há como se negar e deixar de reconhecer às uniões homoafetivas os mesmo direitos dispensados às demais uniões. Em face da omissão do constituinte e do legislador, o juiz deve cumprir com sua função de dizer o Direito, valendo-se da analogia para sanar as lacunas da lei.

Maria Berenice Dias (2001, p.80) nos diz que as uniões homossexuais são relações familiares semelhantes ao casamento, e que a única diferença existente em ambos é aquela quanto à possibilidade de gerar filhos.
O argumento de que as uniões homossexuais não podem ser reconhecidas legalmente, inclusive por força constitucional, já que a lei só reconhece legitimidade à união estável entre homem e mulher , é refutável, uma vez que conforme consagrado pela Magna Carta, somos todos iguais perante à lei, sendo vedada discriminações de qualquer natureza.
Como bem explanado por Jane Maschio (2002):
Assim é que se de um lado se estabelece que "o casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual homem e mulher se unem." (5) e se se reconhece, para efeitos da proteção do Estado, a união estável entre homem e mulher como entidade familiar, não é menos verdade que a mesma Carta Constitucional consagra a igualdade de todos, vedando qualquer tipo de discriminação.

Por fim, nítido está que não há razões de ordem constitucional totalmente incontestáveis que sejam suficientes a embargar a união homossexual.
O Estado Brasileiro deveria tutelar as uniões homoafetivas, a exemplo de países como a França, Argentina, Holanda, Islândia, Noruega, Suécia, Espanha, dentre outros.
Segundo Maschio (2002) importante passo dado pelo Estado através de seu órgão de seguridade social, o INSS, rumo ao reconhecimento da união homossexual como união estável, foi a Instrução Normativa nº 20/2000 baixada pelo INSS através da Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, regulamentando benefícios previdenciários para os companheiros homossexuais.
Também cumpre enfatizar que consoante Maria Aparecida S. Matias Diniz (2008), a Lei 11.340/2006, conhecida por "Lei Maria da Penha", reconhece como família, a união de pessoas parentas ou não que vivam sob o mesmo teto, independente de sua orientação sexual (grifou-se); o que nos permite a inclusão da união homossexual entre as modalidades de família. Conforme o artigo 2º in verbis:
Art. 2º Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social (grifo nosso)

A propósito já existem julgados de alguns tribunais, que equipararam a união homoafetiva à união estável heterossexual, conforme o transcrito abaixo:
AÇÃO ORDINÁRIA - UNIÃO HOMOAFETIVA - ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO - REQUISITOS PREENCHIDOS - PEDIDO PROCEDENTE. - À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. - O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. - A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito. (TJMG-Apelação Cível n°1.0024.06.930324-6/001(1). 7ª Câmara Cível. Relatora Des. Heloísa Combat. Publicado em 27 de julho de 2007)

Diante dessas pequenas inovações, podemos afirmar sem sombras de dúvidas, que a união homossexual pode ser inserida entre as modalidades de família.
É uma pena que o projeto de Lei nº 1.151/95 da ex-deputada Marta Suplicy, conhecido por "Projeto de parceria civil registrada entre pessoas do mesmo sexo", no tocante ao reconhecimento da união homossexual como entidade familiar, não tenha logrado êxito.
Conforme Maschio (2002) "[...] no novo contexto social não são mais admitidas discriminações em relação às opções sexuais das pessoas, senão por questões de ordem ética, por força de disposição constitucional."
Em sendo assim, compete ao Estado tutelar os interesses dos pares homossexuais sob pena de ofensa a princípios constitucionais consagrados pela Magna Carta.
Ante as considerações acima expostas, passaremos ao estudo pormenorizado desses princípios sagrados no capítulo seguinte.





















2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
2.1. Conceito de princípio
A palavra princípio se originou do latim principium, significa início, começo, ponto de partida de algo. Essa expressão foi introduzida na linguagem filosófica por Anaximandro, com o significado de fundamento, causa (KILDARE, 2006, p.436).
Consoante Pinho (2002, p.56) "[...] princípios fundamentais são as regras informadoras de todo um sistema de normas, as diretrizes básicas do ordenamento jurídico constitucional brasileiro." [...]
De acordo com José A. da Silva (2004, p.92) os princípios "[...] são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [...] núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais".
Segundo Bonavides (2005, p.261) na fase jusnaturalista os princípios são concebidos como "axiomas jurídicos" ou normas estabelecidas pela reta razão, derivadas da lei divina e humana. Ainda nas lições do autor, na fase positivista os princípios são concebidos como normas subsidiárias que adentram nos Códigos, enquanto que na fase pós-positivista, são considerados verdadeiros direitos.
Assim sendo, podemos equiparar os princípios constitucionais a verdadeiros alicerces, nos quais se sustentam todas as demais normas jurídicas, vez que são as normas basilares, os preceitos fundamentais propulsores de todo o ordenamento jurídico brasileiro. Não há como o nosso sistema normativo subsistir sem a observância desses preceitos fundamentais. Sua observância deve obrigatoriamente vincular tanto o legislador quanto o aplicador da lei.
Alguns doutrinadores concebem as regras e princípios como espécies de normas. Para Bonavides os princípios são dotados de normatividade, então as normas compreendem regras e princípios (2005, p.288).
Mas consoante o mestre Paulo Bonavides, a eficácia das regras está restrita apenas às situações por elas reguladas, enquanto que os princípios por possuírem maior grau de abstração atuam de forma bem mais ampla dentro do sistema jurídico (2005, p.288).
Para José Afonso da Silva, as normas se diferenciam dos princípios. As normas são preceitos que ao mesmo tempo em que permitem às pessoas e entidades a realização de certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, às submetem às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem (2005, p.91).
Nas lições de Oliveira (2000, p.51) tanto os princípios quanto as normas, integram o ordenamento jurídico, são consideradas normas aquelas que encerram princípios, assim como as que encerram preceitos. O autor preconiza que há diferença apenas entre normas-princípios e normas-preceitos.
Oliveira considera "[...] norma-preceito espécie que tutela situações subjetivas, não tão valoradas e prestigiadas pelo sistema constitucional como as normas-princípios, que significam verdadeiros traços gerais" (2000, p.51).
Ainda consoante Oliveira (2000, p.52) "[...] os princípios constitucionais têm aplicação imediata, sendo alguns, como o do art. 1º, par. único da CF, de eficácia plena."
De fato, em nosso ordenamento jurídico, os princípios constitucionais possuem maior grau de valoração que as demais normas, pois sua aplicabilidade é geral, vez que alcança de forma mais ampla quaisquer situações, inclusive aquelas já regulamentadas pelas normas infraordinárias.
Em casos de colisões de princípios, estas serão resolvidas pelo critério de peso, preponderando o de maior valor no caso concreto, já que ambas as normas jurídicas são consideradas igualmente válidas (PINHO, 2002, p.58).
Em se tratando de conflitos de regras, estas serão resolvidas na dimensão da validade, em que a aplicação de uma regra importará na não-aplicação da outra. Conflitos de regras serão resolvidos pelos critérios tradicionais de interpretação: hierárquico, cronológico e especialidade (PINHO, 2002, p.58).
José Afonso (2004, p.95) aponta a necessidade de distinção entre os princípios constitucionais fundamentais e os princípios gerais de Direito Constitucional.
Os princípios constitucionais integram o Direito Constitucional Positivo, são normas-fundamentais maculadas das decisões políticas fundamentais acolhidas pelo legislador na Magna Carta, enquanto que os princípios gerais fazem parte da teoria geral do Direito Constitucional, sendo objeto de estudo dessa disciplina por enfocarem temas atinentes à dogmática constitucional (AFONSO DA SILVA, 2004, p.95).
Sem sombras de dúvidas, é majoritário na doutrina o posicionamento da superioridade dos princípios constitucionais em relação às demais normas legais, sendo estes considerados as normas ápices do ordenamento jurídico brasileiro. Assim cumpre colacionarmos o posicionamento de grandes mestres do Direito Constitucional brasileiro.
De acordo com Bonavides (2005, p.288) é possível a demonstração da superioridade e da hegemonia dos princípios constitucionais na pirâmide normativa:
Supremacia que não é unicamente formal, mas sobretudo material, e apenas possível na medida em que os princípios são compreendidos e equiparados e até mesmo confundidos com os valores, sendo, na ordem constitucional dos ordenamentos jurídicos, a expressão mais alta da normatividade que fundamenta a organização do poder.

Segundo Rodrigo César Rebello Pinho (2002, p.57):
Os princípios constitucionais foram expressamente inseridos no Texto Constitucional, a norma infraconstitucional que viole qualquer um deles, previstos expressamente ou de forma implícita, é inconstitucional e, portanto, deve ser retirada do mundo jurídico. A violação de uma norma legal que contenha um princípio é, muitas vezes, mais grave que a de um dispositivo legal específico, pois ofende uma regra fundamental informadora de todo um sistema jurídico.

Em termos de classificação, consonte José A. da Silva (2004, p.92 e ss.), com base em Canotilho, os princípios constitucionais classificam-se em duas categorias:
a) Princípios político-constitucionais: são aqueles resultantes de decisões políticas fundamentais concretizadas em normas confrontadoras do sistema constitucional positivo e estão previstos nos arts 1º a 4º do Título I da Constituição Federal.
b) Princípios jurídico-constitucionais: são aqueles princípios constitucionais gerais informadores da ordem jurídica nacional, decorrentes de certas normas constitucionais, não raro constituindo-se desdobramentos dos princípios fundamentais, como os princípios da isonomia, da legalidade, da autonomia individual, dentre outros.
Neste capítulo, tendo em vista o tema adoção por parceiros homossexuais a ser desenvolvido no decorrer do presente trabalho, e com vistas a uma melhor compreensão acerca do assunto, nos interessa mais precisamente o estudo pormenorizado de apenas três princípios constitucionais, a saber: o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da isonomia e o da não-discriminação.
Passaremos, pois à análise desses princípios.

2.2. Princípio da dignidade da pessoa humana e homossexualidade
A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu Título I, traz entre os princípios fundamentais da nação brasileira, a dignidade da pessoa humana, conforme o artigo in verbis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana [...]

Nas lições de Alexandre de Moraes (2006, p.16) "[...] a dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas". O autor ainda nos diz que:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

No mesmo diapasão Vecchiatti (2008) diz que:
O princípio da dignidade da pessoa humana garante a todos a mesma dignidade pelo simples fato de serem pessoas humanas, só admitindo a relativização da dignidade de uns em relação à de outros por força do aspecto material da isonomia. Isso porque a dignidade humana constitucionalmente consagrada garante a todos o direito à felicidade [09], na medida em que a realidade empírica demonstra que a própria existência humana destina-se a evitar o sofrimento e a buscar aquilo que acreditamos nos trará a felicidade.

Chimenti (2006, p. 34) nos diz que:
A dignidade da pessoa humana é uma referência constitucional unificadora dos direitos fundamentais inerentes à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o conforto existencial das pessoas, protegendo-as de sofrimentos evitáveis na esfera social.

Interpretando-se o princípio da dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, constatamos que se trata de direito personalíssimo da pessoa humana, a qual independentemente de sua condição física, social, econômica, sexual etc tem o direito de ser respeitada, não podendo servir de meio de discriminação em virtude de suas características pessoais que lhe conferem individualidade.
Carvalho (2006, p. 464) aduz que:
A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana (em todo o homem e em toda a mulher se acham presentes todas as faculdades da humanidade), é irrenunciável e inalienável, e constitui elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado [...]

Enézio de Deus Silva Júnior (2008) enfocando a questão da orientação sexual assevera:
Esse traço da personalidade (a orientação afetivo-sexual, qualquer que seja ela: heterossexual, bissexual ou homossexual) é considerado - pela melhor doutrina constitucionalista e pela jurisprudência pátria - um direito fundamental, personalíssimo de todo indivíduo, extraído da leitura e da interpretação sistemática do art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, do art. 3º, incisos I e IV, com o caput do art. 5º da Lei Maior.

Carvalho (2006, p. 462) consoante pensamento kantiano afirma que:
A dignidade da pessoa humana significa ser ela, diferentemente das coisas, um ser que deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo,e não para a obtenção de algum resultado. A dignidade da pessoa humana decorre do fato de que, por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e guiar-se pelas leis que ela própria edita: todo homem tem dignidade e não um preço, como as coisas, já que é marcado, pela sua própria natureza, como fim em si mesmo, não sendo algo que pode servir de meio, o que limita consequentemente, o seu livre arbítrio [...]

Nesse sentido é que convém frisar que os homossexuais em virtude de sua condição sexual adversa aos padrões tradicionais da sociedade, não podem ser rebaixados como se fossem coisas, servindo simplesmente de objeto para as outras pessoas, pois em respeito ao princípio constitucional da dignidade humana, as pessoas homoafetivas não podem servir de meio de ridicularização perante aqueles que não aceitam suas orientações sexuais.
Desrespeitar ou prejudicar qualquer ser humano em função de sua orientação sexual implica certamente em ofensa gravíssima à dignidade da pessoa, vez que a condição sexual, é característica pessoal do ser humano, faz parte de sua individualidade, o que lhe permite expressá-la como bem quiser, pois é senhor de sua própria vida.
Matos in Rodrigo da Cunha Pereira (2005, pg. 84) diz que "[...] não se deve considerar a orientação sexual como elemento depreciativo da conduta do sujeito, uma vez que tal fator é determinante de sua personalidade."
Assim sendo, o Estado na qualidade de tutor da sociedade deve propiciar a todos, inclusive aos pares homossexuais, condições efetivas que atendam aos seus interesses, como por exemplo, o reconhecimento da união estável e da adoção, com respaldo nos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da não- discriminação em decorrência de sexo e ou preferência sexual, visando sempre o bem estar social e a justiça.

2.3.Princípio da igualdade e homossexualidade
Entre os fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito, além do princípio da dignidade da pessoa humana, também encontra-se sacramentado o princípio da igualdade ou isonomia. Consagrado no capítulo atinente aos direitos e garantias fundamentais, no art 5º da Constituição Federal brasileira, o princípio da isonomia visa garantir a igualdade de todas as pessoas perante a lei, conforme transcrito no artigo in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...]

Cumpre frisar que a igualdade que se visa garantir é aquela que se verifica desde o momento da elaboração da norma (igualdade formal), até sua aplicação prática (igualdade material), o que nos leva a concluir que, tanto no momento da criação quanto no momento da aplicação da lei não pode haver diferenciações. Vejamos o entendimento de grandes mestres constitucionalistas brasileiros:
Consoante Chimenti (2006, p.64):
O princípio da isonomia deve ser considerado sob duplo aspecto: o da igualdade na lei e o da igualdade perante a lei. Igualdade na lei constitui exigência destinada ao legislador, que, na elaboração da lei, não poderá fazer nenhuma discriminação. Aliás, a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI). A igualdade perante a lei pressupõe que esta já esteja elaborada e se traduz na exigência de que os Poderes Executivo e Judiciário, na aplicação da lei, não façam qualquer discriminação [...]

Nas lições de Alexandre de Moraes (2006, p.32):
O princípio da igualdade consagrado pela Constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que encontram-se em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.

Consoante Pinho (2002, p.96):

São destinatários do princípio da igualdade tanto o legislador como os aplicadores da lei. A igualdade lei é voltada para o legislador, vedando-se a elaboração de dispositivos que estabeleçam desigualdades entre as pessoas, privilegiando ou perseguindo algumas. A igualdade perante a lei é voltada para os operadores do direito, que não poderão utilizar critérios discriminatórios na aplicação da lei, estabelecendo tratamento desigual para pessoas que se encontrem nas mesmas condições.

Também cumpre ressaltar que o princípio da igualdade preconizado pela lei não admite que pessoas que se encontrem em situações idênticas sofram nenhum tipo de discriminação. Este princípio veda que a lei trate de forma específica e não razoável a pessoas diversas; frisando-se que tratamentos diferenciados somente são compatíveis com a Constituição quando justificáveis, na medida em que houver proporcionalidade ao fim visado (MORAES, 2006, p. 32).
Como bem enfocado por Bastos (2001, p. 190):
[...] o princípio da igualdade vai mais longe. Ele não se limita a proibir desequiparações em função de uns poucos critérios. O vício da inconstitucionalidade pode incidir em qualquer norma desde que não dê tratamento razoável, eqüitativo, aos sujeitos envolvidos [...] Toda vez que uma lei perde o critério da proporcionalidade ela envereda pela falta de isonomia [...]

Segundo Pinho (2002, p.95), o tratamento diferenciado válido decorre de duas situações: a) quando já estabelecido pela própria Constituição, como por exemplo, na hipótese da aposentadoria com menor idade e menos tempo de contribuição para as mulheres (art. 40, III, e 201, § 7º); b) quando há a existência de um pressuposto lógico e racional que justifique a desequiparação efetuada, sempre em consonância com os valores tutelados pela Constituição, como nas hipóteses de assentos reservados para gestantes, idosos e deficientes físicos nos transportes coletivos, preferência para essas mesmas pessoas em filas de bancos etc.
Nas palavras de Chimenti (2006, p.64):
Doutrina e jurisprudência já assentaram o princípio de que a igualdade jurídica consiste em assegurar às pessoas de situações iguais os mesmos direitos, prerrogativas e vantagens, com as obrigações correspondentes, o que significa tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, nos limites de suas desigualdades, visando garantir o equilíbrio entre todos.

Diante das considerações acima, é fato inconteste que a Magna Carta ao preconizar a igualdade de todos perante a lei e, sobretudo ao vedar discriminações de qualquer natureza em relação às pessoas, também está protegendo os homossexuais, uma vez que não há distinção entre pessoas homossexuais e heterossexuais. (grifou-se)
Como bem enfocado por Chimenti (2006, p. 65):
Do princípio da igualdade decorrem ainda: [...] o princípio da igualdade sem distinção de sexo e de orientação sexual, que visa proteger o sexo feminino e os homossexuais, que sempre estiveram discriminados. Só são permitidas as diferenciações feitas pela própria Constituição em favor das mulheres.

Torna-se pertinente ressaltar que os homossexuais são tão cidadãos como os heterossexuais, são pessoas dignas como qualquer outro ser humano, merecedoras de respeito por parte de todos, mas infelizmente o que se constata na realidade é o preconceito se perpetuando cada vez mais em torno dessas pessoas. A sociedade os marginalizou, taxando-os como inferiores e o que é mais lastimável é a inércia do Estado, uma vez que inexiste tutela legal que ampare os interesses dos parceiros homoafetivos.
Conforme Bezerra da Silva (2007):
Os homossexuais brasileiros são titulares de direitos inalienáveis, cumpridores das leis, eleitores e contribuintes de impostos, mesmo assim ainda são vistos como cidadãos inferiores, não adquirindo proteção legal para suas relações de afeto, como é garantida aos demais [...]

Enfim, não há razões de ordem lógico-racional que justifiquem a discriminação das pessoas homoafetivas, uma vez que conforme explanado anteriormente no 1º tópico deste trabalho, as pessoas não podem ser diferenciadas em razão de características pessoais próprias que lhes conferem sua individualidade, como é o caso da orientação sexual dos pares homoafetivos.
Nossa legislação resta morosa no tocante aos direitos dos homossexuais, deveria em respeito à dignidade da pessoa humana e à igualdade de todos perante a lei, assegurar aos homossexuais os mesmos direitos que são garantidos aos heterossexuais, como a união estável, a adoção etc.
Neste sentido convém colacionar o posicionamento de AMARAL (apud ALINE VERÔNICA, 2009):
[...] um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é (mas não parece) 'promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação'. [...] O Legislativo pode e deve colaborar mais quando falamos em direitos de homossexuais. [...] Agora deve apressar a aprovação do projeto de lei que criminaliza a homofobia, que vai considerar crime agir com preconceito em relação aos homossexuais, tal como ocorre em relação aos negros. Deveria também dar atenção especial e colocar em votação o projeto de lei que regula a 'união estável' entre pessoas do mesmo sexo, que aguarda na fila há mais de uma década.

Por fim, torna-se relevante enfatizar que enquanto o Estado nada fizer de concreto para tutelar os direitos dos parceiros homossexuais, jamais conseguirá construir uma sociedade justa e solidária, tal como preconizado no artigo 1º da Constituição Federal, entre os objetivos da República Federativa do Brasil.

2.4. Princípio da não- discriminação e homossexualidade
A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 3º, elenca os objetivos da República Federativa do Brasil, conforme o artigo in verbis:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ressalta-se que os objetivos a serem cumpridos pelo Estado Democrático brasileiro se resumem essencialmente na garantia do bem estar social, não podendo o legislador em circunstância alguma, se esquivar dessa finalidade.
Neste sentido Chimenti (2006, p.40):
Os objetivos descritos no art. 3º da Constituição Federal constituem comandos-valores que têm por finalidade o bem-estar social, ou seja, são normas de natureza programática que devem ser observadas pelos governantes na elaboração e na execução de suas políticas. Contudo, embora de eficácia limitada, vinculam o legislador infraconstitucional aos seus comandos, impedindo deliberações contrárias às suas orientações.

Cumpre enfatizar que o princípio da não-discriminação é uma extensão dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade, uma vez que, todo cidadão nos moldes da Magna Carta é igual ao seu semelhante, donde se conclui que à luz dessa igualdade, não são admitidas discriminações de qualquer espécie, sob pena de ofensa à dignidade que o ser humano já carrega consigo desde o momento de seu nascimento.
Consoante Gomes (2001, pg.18) "[...] discriminar nada mais é do que insistir em apontar ou em inventar diferenças, valorizar e absolutizar essas diferenças, mediante atividade intelectual voltada à legitimação de uma agressão ou de um privilégio."
Vale ressaltar que conforme já explanado no tópico anterior, as diferenciações/discriminações somente são justificáveis quando fundadas em motivos de ordem lógico-racional, segundo o critério da razoabilidade, conforme os ensinamentos do mestre Alexandre de Moraes (2006, p. 32).
Assim sendo, não são admitidas restrições discriminatórias que atentem contra as liberdades individuais das pessoas como, por exemplo, a opção sexual (grifou-se), pois estas possuem o direito de expressar sua individualidade da maneira como bem aprouverem, não estando legitimado o Estado a interferir naquilo que lhes é particular, próprio.
Nas lições de Pinho (2002, p. 99):
A Constituição veda expressamente distinções com fundamento na origem, raça, sexo, cor, idade, estado civil e deficiência física. Todavia, essas cláusulas não são taxativas, mas meramente exemplificativas, pois o próprio art. 3°, IV, adota uma fórmula genérica de ampla abrangência: "quaisquer outras formas de discriminação". Entre estas, podemos apontar, por exemplo, distinções em razão de religião, convicção política e opção sexual. (grifo nosso)

Vejamos o entendimento de Aline Verônica (2009):
Percebemos que diante da valorização da dignidade da pessoa humana como elemento fundamental do estado democrático de direito não poderá haver qualquer discriminação baseada em características pessoais individuais, repelindo-se, dessa forma, qualquer restrição à liberdade sexual do indivíduo, não se podendo admitir, portanto, desrespeito ou prejuízo em função da sua orientação sexual.

Assim concluímos que a Magna Carta em seu artigo 3º, inciso IV, ao proclamar a promoção do bem de todos sem preconceito de qualquer natureza, inclusive em relação ao sexo, está vedando não somente a discriminação sexual bem como a discriminação em decorrência da opção sexual da pessoa, o que nos permite concluir que os homossexuais também estão protegidos pela Constituição.
Mas lamentavelmente o que é perfeitamente perceptível na realidade é o preconceito se arraigando cada vez mais no seio da sociedade, e o Judiciário nada fazendo no sentido de proporcionar a essa parcela tão discriminada da população, meios que lhes garantam viver nas mesmas condições de dignidade que qualquer outro cidadão brasileiro.
A inércia do Estado em tutelar os interesses dos pares homoafetivos corrobora o nosso entendimento de que a própria justiça incentiva o preconceito que norteia a homossexualidade.
Segundo Mário Bezerra da Silva (2007) "[...] a finalidade da Instituição Estado é a preservação dos direitos de seus cidadãos, heterossexuais ou homossexuais e não apoiar qualquer forma de preconceito irracional das massas."
Como bem explanado por GWERCMAN (2004, pg.49) "[...] se o Estado faz diferença entre pessoas por causa da orientação sexual, como devemos entender o princípio expresso na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de que todos somos iguais perante a lei?"
Sem dúvidas, a justiça brasileira é lastimável, resta deficiente a aplicação prática dos princípios constitucionais explicitados neste capítulo, uma vez que os homossexuais até o presente momento ainda não são beneficiários dos direitos garantidos por esses preceitos constitucionais, pois a eles são negados e ou omitidos, direitos que aos heterossexuais são conferidos, a exemplo da união estável, da adoção etc.
As uniões homossexuais, conforme já explicitado no capítulo antecedente, podem ser reconhecidas como entidades familiares, pois aplicando-se a analogia, concluímos que essas uniões atendem perfeitamente aos requisitos necessários para a configuração da união estável, não devendo o elemento "mesmo sexo", ser considerado diferencial crucial de exclusão dessas uniões dos requisitos exigidos pela nossa legislação.
Ainda que não se leve em consideração a analogia, os princípios constitucionais por serem as normas ápices de nosso ordenamento jurídico não permitem que as uniões homoafetivas sejam excluídas da tutela estatal.
Então se é possível o reconhecimento legal das uniões homossexuais como entidades familiares, uma vez presentes os requisitos exigidos pela legislação brasileira para a caracterização da união estável, podemos afirmar que também é perfeitamente possível a adoção por parceiros do mesmo sexo.
Passaremos então ao estudo da adoção no capítulo seguinte.





















3. ADOÇÃO POR PARCEIROS HOMOSSEXUAIS
3.1.Conceito de adoção
Consoante Rodrigues (2006, p.340) a "[...] adoção é o ato do adotante pelo qual traz ele, para sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha."
Nas lições de Diniz (2006, p. 498):
A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

Segundo o mestre Sílvio Venosa (2006, p. 279) "[...] a adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural". Para o autor, a adoção moderna seria um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas, fazendo com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico.
A adoção antes de tudo é sem dúvidas alguma, um ato humanitário, de amor, pelo qual o adotante estabelece um vínculo afetivo e jurídico (parentesco civil) com aquele, que a princípio lhe é um estranho, o qual a partir de uma sentença judicial adquirirá o status irrevogável de filho legítimo do adotante, passando a gozar de todos os direitos inerentes à filiação.
Como a adoção cria uma nova situação jurídica, que confere ao adotado a condição de filho legítimo do adotante, a natureza jurídica da sentença que a defere, é constitutiva (VENOSA, 2006, p.284).

3.2. Evolução histórica do instituto da adoção
A adoção foi muita utilizada na antiguidade como forma de perpetuação do culto familiar, uma vez que se alguém viesse a falecer sem deixar descendentes, não haveria quem continuasse com o culto dos deuses-lares. A adoção era bastante utilizada entre os hebreus, gregos e especialmente os romanos (VENOSA, 2006, p.281).
Rodrigues (2006, p.336) aduz que no direito romano, a adoção tinha como característica principal proporcionar prole civil àqueles que não a tinham consangüínea. A adoção visava sempre imitar a natureza.
Consoante Venosa (2006, p.281) "[...] o adotado assumia o nome e a posição do adotante e herdava seus bens como conseqüência da assunção do culto".
Assim sendo, podemos verificar desde os tempos primórdios da humanidade a preocupação dos legisladores com o instituto da adoção; embora esta representasse uma possibilidade civil de se conceder filhos àqueles que não puderam obtê-los pelas vias naturais, é de se ressaltar que acima de tudo, a adoção possuía um objetivo maior, qual seja, manter viva a tradição patriarcal do culto aos familiares, de modo a não permitir a extinção da família.
Ainda consoante Venosa, duas eram as modalidades de adoção previstas no Direito Romano: a adoptio e a adrogatio. A adoptio, forma de adoção de direito privado, consistia na adoção de um sui iuris, que era pessoa capaz, emancipada e até mesmo um pater famílias, que abandonava publicamente o culto doméstico originário para assumir o culto do adotante, tornando-se seu herdeiro (2006, p.282).
A adrogatio, forma mais solene de Direito Público, abrangia não só o próprio adotando, mas também sua família, filhos e mulher, não sendo permitida ao estrangeiro e somente se formalizava após a aprovação pelos pontífices, e em virtude de decisão perante os comícios. O Estado tinha interesse na adoção, pois se não houvesse quem continuasse com o culto familiar a família poderia ser extinta (VENOSA, 2006, p.282).
Tanto na adoptio quanto na adrogatio, o adotante deveria ter 60 anos de idade e não poderia ter filhos naturais, devendo o adotante ter também 18 anos a mais que o adotado (VENOSA, 2006, p. 283).
Dessa forma, podemos constatar claramente o excessivo rigor com o qual os legisladores da antiguidade regulamentavam o instituto da adoção, vez que certamente arbitrária e injusta a concessão da adoção tão somente aos maiores de 60 anos e sem prole natural, o que nos faz lembrar inclusive o Código de 1916.
É de se ressaltar que na fase mais moderna do Direito Romano, com Justiniano, surgiram duas formas de adoptio: a plena, realizada entre parentes e a minus plena, realizada entre entranhos, sendo que em ambas o adotado conservava os direitos sucessórios da família natural. A mulher não podia adotar no direito antigo, somente na fase imperial e com autorização do Imperador é que ela podia adotar (CHAMOUN apud VENOSA, 2006, p. 283).
Nessa modalidade de adoção, embora esta fosse "plena", a adoção não se consumava de forma plena, uma vez que o adotado não desvinculava totalmente seus laços de consangüinidade com sua família biológica, não entrando, portanto na esfera sucessória do adotante, já que conservava direitos e deveres em relação à sua família originária.
Na Idade Média, devido às novas influências religiosas e também ao Direito Canônico, a adoção deixa de ter aplicação. Na Idade Moderna, o instituto ressurge com a majestosa Revolução Francesa, sendo inserido no Código Napoleão de 1804 (VENOSA, 2006, p.283).
Na Idade Contemporânea, o instituto da adoção passou por diversas fases, antes de ser regulamentado pelo ECA ( Estatuto da Criança e do Adolescente) e pelo Código Civil de 2002. A adoção foi disciplinada pelo Código Civil de 1916, e posteriormente pelas leis 3.133/57, 4.655/65 e 6.697/79.
Visando a uma melhor compreensão do instituto da adoção na legislação hodierna, torna-se necessário remontarmos ao passado, pois as bases de nossa legislação atual no tocante ao instituto da adoção se espelharam nos modelos da antiguidade, da legislação de 1916 e nas que lhe sucederam, porém com algumas alterações.
Segundo Rodrigues (2006, p.336) o Código de 1916 disciplinava a adoção [...] como "instituição destinada a dar filhos, ficticiamente, àqueles a quem a natureza os havia negado."
Pelo antigo Código, a adoção só era deferida às pessoas maiores de 50 anos, e sem filhos legítimos ou legitimados. Sílvio Rodrigues afirma que "[...] entendia o legislador que ao atingir essa idade, o casal já descoroçoara de ter filhos, sendo ademais provável que não viesse a tê-los" (2006, p.336).
De acordo com o Código Civil de 1916 (artigos 368 a 378), o adotante deveria ser 16 anos mais velho que o adotado e este deveria ter mais de 18 anos de idade, e se o adotante fosse casado, seu casamento deveria ter duração superior a 5 anos.Os estrangeiros podiam adotar sem restrições de espécie alguma, duas pessoas só poderiam adotar se fossem marido e mulher, o tutor ou curador só poderiam adotar depois de prestadas as contas, e a adoção só seria possível se fosse através de escritura pública.
Cumpre ressaltar que a legislação de 1916 se restringia tão somente à possibilidade de adoção dos maiores de 18 anos, e que o vínculo de consagüinidade do adotado em relação à sua família natural não se rompia o que havia era apenas uma transmissão de pátrio poder do pai natural ao pai adotivo (RODRIGUES, 2006, p.337).
Dessa forma, nos moldes da legislação anterior ao Código de 2002, o adotado não se desvinculava totalmente de sua família originária, e acaso o adotante possuísse filhos naturais, o adotado não possuía direitos à sucessão hereditária (RODRIGUES, 2006, p.337).
A legislação de 1916 no tocante à adoção era certamente deficiente, vez que condicionava o instituto da adoção tão somente à finalidade precípua de dar filhos àqueles que não podiam concebê-los segundo as leis naturais.
Hodiernamente, a adoção possui dupla função em nosso sistema jurídico, pois ao mesmo tempo em que concede o direito à maternidade ou paternidade àqueles que não puderam obtê-las pelas vias naturais, concede ao adotado condições dignas de sobrevivência, ou seja, condições materiais e morais, vez que nos moldes da Magna Carta de 1988, o filho adotivo é considerado filho legítimo do adotante, podendo, pois, usufruir de todos os direitos inerentes ao filho nato.
Consoante Diniz (2006, p.499) a adoção:
[...] é uma medida de proteção e uma instituição de caráter humanitário, que tem por um lado, por escopo, dar filhos àqueles a quem a natureza negou e por outro lado uma finalidade assistencial, constituindo um meio de melhorar a condição moral e material do adotado.

Várias foram as inovações trazidas pelo legislador no campo da adoção após a edição do Código de 1916, dentre elas podemos citar a Lei 3.133/57, a Lei 4.655/65, o Código de Menores (Lei 6.697/79), a Lei 8.069/90 (ECA), o Código Civil de 2002 (arts.1618 a 1629) e a Lei 12.010/09.
A Lei 3.133 de 08/05/57 trouxe profundas transformações ao instituto da adoção que segundo Sílvio Rodrigues (2006, p.337) resultou inclusive na alteração do conceito desse instituto.
Segundo o autor, a adoção deixou de ter apenas a função de trazer para a família do adotante, pessoa estranha, na condição de filho, para ter uma finalidade assistencial, ou seja, a de melhorar a condição do adotado (RODRIGUES, 2006, p.337).
A Lei de 1957 passou a permitir a adoção por pessoas de 30 anos com ou sem prole natural, no entanto negava o direito sucessório ao adotado quando o adotante tivesse filhos naturais.
A Lei nº 4.655 de 02 de junho de 1965 conferiu legitimidade à adoção no sentido de que estabelecia um liame de parentesco de 1º grau, em linha reta entre adotante e adotado, de modo que esse parentesco era igual ao que liga o pai ao filho consangüíneo (RODRIGUES, 2006, p.337).
A Lei 6.697 de 10/10/79 (Código de Menores) substituiu a legitimação adotiva pela adoção plena, sendo que até pouco tempo atrás vigorava no Brasil dois tipos de adoção: a simples e a plena (RODRIGUES, 2006, p.338).
A adoção simples era regida pelo Código de 1916 e pela Lei nº 3.133/57, a qual criava um parentesco civil entre adotante e adotado, no entanto esse parentesco era revogável bastando tão somente a vontade das partes, e não rompia o vínculo consangüíneo do adotado com sua família natural, persistindo, portanto os direitos e deveres do adotado em relação à sua família originária (RODRIGUES, 2006, p.338).
A adoção plena foi introduzida em nosso país pela lei 6.697/79. Nessa modalidade de adoção, o adotado passou a ser considerado filho legítimo do adotante, rompendo-se com todos os laços consangüíneos, exceto quanto aos impedimentos matrimoniais. Essa modalidade de adoção é irrevogável (DINIZ, 2006, p.500).
Consoante Diniz (2006, p.500) a lei 6.697/79 foi revogada pelo ECA ( Lei 8.069/90), no entanto a nomenclatura "adoção plena" foi mantida por atender aos princípios e aos efeitos da adoção regulada pelo ECA, e por já ser utilizada desde os tempos de Justiniano.
Enfim, com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção que antes era concebida tão somente como o instituto destinado a conceder prole civil àqueles impossibilitados de obtê-la pelas leis naturais, passa por uma evolução crucial, posto que muito mais que a concessão de prole civil, o Estatuto garante ao adotado o direito à sucessão hereditária, independente do adotante possuir ou não filhos naturais.
No sistema atual do ECA, não há mais distinção entre adoção simples e plena, sendo a adoção dos menores de 18 anos uma só, gerando todos os efeitos da antiga adoção plena (VENOSA, 2006, p. 291).
Também cumpre ressaltar que nos moldes da Constituição Federal de 1988, não existe mais a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, pois a Magna Carta igualou todos os filhos independentemente de sua origem.
Atualmente o instituto da adoção é regulamentado pela Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) com as devidas alterações decorrentes da nova lei de adoção, Lei 12.010/09, sancionada pelo Presidente da República em 29/07/09.
É de se ressaltar que a nova lei de adoção alterou alguns dispositivos do ECA e suprimiu os dispositivos do Código Civil previstos nos artigos 1618 a 1629 relativos à adoção.
Quanto à aplicabilidade do ECA, o que deve ser observado é que a adoção dos menores de 18 anos deve ser concedida pelos Juizados da Infância e Juventude, já que é competência exclusiva destes, consoante os procedimentos do Estatuto, enquanto que a adoção dos maiores de 18 anos deve ser requerida nas Varas de Famílias.
No entanto a Lei 12.010/09 ao revogar os dispositivos do Código Civil referentes ao instituto da adoção, deu nova redação aos então revogados artigos 1618 e 1619, prescrevendo no artigo 1618 que a "[...] adoção de crianças e adolescentes será deferida na forma prevista pela Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente."
Pela redação nova dada ao artigo 1619, "[...] a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente."
Assim sendo, podemos concluir que a adoção dos maiores de 18 anos também será regida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.
Enfim, uma vez analisada toda a evolução histórica da adoção desde a antiguidade até as legislações atinentes ao instituto adotivo que sucederam ao Código de 1916, passaremos ao estudo desse instituto segundo os ditames da legislação civil atual.

3.3. Requisitos para adoção consoante as alterações introduzidas pela Lei 12.010/09 no ECA
Primeiramente cumpre enfatizar que a lei somente confere o direito de adoção àquela pessoa que atende a todas as formalidades que ela especifica. Dentre as formalidades, podemos citar:
a. A adoção somente será deferida à pessoa maior de 18 anos, independentemente de seu estado civil. Assim sendo, tanto os solteiros (seja homem ou mulher) quanto os casados, os divorciados e aqueles que vivem em união estável possuem o direito à adoção. No caso da união estável deve ser comprovada a estabilidade familiar. Quanto aos divorciados, separados judicialmente ou ex-companheiros, a lei permite a adoção conjunta, desde que o estágio de convivência com a criança tenha se iniciado na constância do período de convivência e que haja acordo quanto à guarda e à visita dos filhos, devendo também ser comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. É possível ainda, que um dos cônjuges ou concubinos adote o filho do outro, neste caso os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge, ou companheiro, e de parentesco entre os respectivos parentes são mantidos. (adoção unilateral)
b. A adoção deverá ser precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente pelo prazo fixado pela autoridade judiciária, exceto se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo, ressaltando-se que a simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do país, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias.
c. O adotante há de ser pelo ao menos 16 anos mais velho que o adotado.
d. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando, sendo dispensado o consentimento na hipótese dos pais da criança ou adolescente serem desconhecidos ou destituídos do poder familiar. Tratando-se de maior de 12 (doze) anos, será necessário seu consentimento, o qual deve ser colhido em audiência.
e. O tutor ou curador só podem adotar o tutelado ou curatelado uma vez prestadas e quitadas as contas da administração.
f. A adoção deverá ser deferida pelo Poder Judiciário através de sentença de natureza constitutiva, pois é necessário processo judicial com a intervenção inclusive do Ministério Público, até mesmo em caso de adoção de maiores de 18 anos. É vedada a adoção por procuração tal como era feita no Código Civil de 1916, vez que hodiernamente a adoção não depende tão somente da manifestação de vontade dos interessados, mas, sobretudo da chancela do Estado, eis que se trata de interesse público que ao Estado compete tutelar. Uma vez transitada em julgado, a adoção é irreversível, não podendo mais o adotante se desvencilhar do encargo de pai a que foi submetido.
A adoção também poderá ser deferida na hipótese de o pretendente falecer durante o processo adotivo antes de ser prolatada a sentença, é a chamada adoção póstuma, a qual terá seus efeitos retroativos à data do óbito.
O art 42§ 1º do ECA proíbe o ascendente de adotar seu descendente e quem quer que seja de adotar um irmão.
Enfim, uma vez estando de posse da sentença que deferiu a adoção, o adotante adquire para sempre a qualidade de pai ou mãe do adotado, assumindo o encargo da responsabilidade paternal/maternal até que o filho complete a maioridade civil.

3.4. Efeitos da adoção
Vários são os efeitos produzidos pela sentença que defere a adoção, ressaltando-se que a referida sentença só produzirá efeitos após o trânsito em julgado da mesma, exceto quanto à adoção póstuma, caso em que terá efeito retroativo à data do óbito.
Consoante Aline Verônica (2009), o principal efeito da sentença de adoção é a sua irrevogabilidade.
O fato é que uma vez deferida a adoção, o adotado rompe definitivamente seus laços de consangüinidade com sua família original, passando, pois à condição definitiva de filho legítimo daquele que o adotou, o que lhe confere a legitimidade para suceder ao adotante em todos os direitos patrimoniais inerentes a este.
Uma vez na condição de filho legítimo, ao adotado são assegurados todos os direitos como também são impostos todos os deveres em relação ao adotante. O mesmo se pode dizer do adotante que também adquirirá direitos e ao mesmo tempo assumirá deveres em relação ao filho.

3.5. Principais inovações trazidas pela Lei 12.010/09- Nova Lei de Adoção
A nova lei de adoção (Lei 12.010/09) aprovada em 15/07/09 pelo Senado Federal e sancionada pelo Presidente da República na data de 29/07/09, entrará em vigor 90 dias após a sua publicação no Diário Oficial da União.
As novas regras alteram em parte o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e revogam dispositivos do Código Civil de 2002 relativos à adoção, no entanto mantêm em vigor o Estatuto.
A nova lei certamente adentra de forma positiva em nosso ordenamento jurídico, vez que alarga o conceito de família, e visa exclusivamente desburocratizar os processos de adoções, possibilitando que crianças e adolescentes sejam adotados o mais rápido possível, evitando dessa forma, sua permanência prolongada nas instituições de abrigo.
Assim sendo, determina que o prazo máximo que o menor poderá permanecer nas casas de abrigo será de 02 anos, havendo a necessidade de a cada 06 meses ser realizado um estudo avaliativo que justifique o porquê da permanência da criança na instituição.
Então, passados dois anos, o juiz é obrigado a decidir se o menor já pode ser adotado, ou se deve voltar para sua família. Esse prazo deve ser cumprido por todas as pessoas diretamente envolvidas no processo de adoção.
A novel legislação também fixa o prazo de 02 anos para nos casos de violência e abandono, ser destituído o poder familiar dos pais.
Ainda possibilita às entidades que tenham programas de acolhimento institucional, excepcionalmente e em casos de urgência, receber crianças e adolescentes sem a prévia determinação da autoridade competente, desde que obrigatoriamente comuniquem o fato em até 24 h ao Juizado da Infância e da Juventude.
O novo instituto exige que seja ouvida a opinião da criança durante o processo de adoção, e que os irmãos devam ser adotados pela mesma família. Também permite ao adotado conhecer seus pais biológicos ao completar a maioridade.
Quanto às mães que desejam abandonar os filhos, estas terão o devido amparo legal e toda a assistência para entregá-los à adoção.
Ao ampliar o conceito de família, a Lei 12.010/09 obriga os parentes mais íntimos (tios e avós) a se responsabilizar pela criança na falta dos pais. A nova lei prioriza o convívio familiar, porquanto a criança somente será encaminhada a uma instituição de abrigo, na impossibilidade de manutenção desta em sua família.
Prescreve a criação de um cadastro nacional e estadual de crianças e adolescentes a serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção. Prevê inclusive um cadastro de pessoas residentes no estrangeiro que tenham interesse na adoção, mas que somente serão consultados na inexistência de postulantes nacionais habilitados. Também prescreve que haja uma preparação prévia dos futuros pais ou acompanhamento familiar nos processos de adoção.
Determina ainda a novel legislação que crianças indígenas e quilombolas sejam adotadas dentro de suas próprias comunidades.
Enfim, estas foram algumas das principais inovações trazidas pela Lei 12.010/09.

3.6. Da adoção por parceiros homossexuais
Questão polêmica e controvertida, ainda não consubstanciada juridicamente em nosso sistema normativo é a adoção por parceiros homossexuais. Várias são as questões que norteiam esse instituto, sejam de ordem moral, psico-social, legal, relativas ao melhor interesse da criança etc.
É fato verídico que o principal fundamento de rejeição aos homossexuais tem suas origens na religião, vez que há repúdio quanto à prática sexual entre pessoas do mesmo sexo, já que esta é totalmente incapaz de atender ao fim específico da procriação (GWERCMAN, 2004, p. 50).
Assim sendo, a religião encarregou-se de propagar em nossa sociedade a falsa idéia de que os homossexuais são verdadeiras aberrações, seres de conduta contrária às leis cristãs, portanto pessoas diferentes dos heterossexuais; daí a dificuldade de aceitação pela sociedade dessa parcela tão marginalizada.
GWERCMAN (2004, p.50) aduz que "[...] Enxergar os homossexuais como iguais é uma novidade radical na realidade dos heterossexuais [...]". O fato é que até os dias atuais a sociedade ainda não conseguiu se livrar da falsa crença de que homossexuais são diferentes de heterossexuais, porquanto inconcebível a esta a possibilidade de adoção por essas pessoas.
Apesar de todo o preconceito que envolve os parceiros homoafetivos, é fato inconteste a isonomia de todos os seres humanos perante as leis civis e também divinas. Assim sendo, se os heterossexuais possuem o direito de constituir família por que os homossexuais não poderiam tê-lo?
Se biologicamente é impossível aos homossexuais a constituição de uma família com prole, então será perfeitamente possível pelas vias jurídicas, uma vez que o instituto da adoção existe para conceder filhos àqueles a quem a natureza os negou. E além do mais se somos todos iguais perante a lei, qual a razão de se negar às pessoas homossexuais o direito à adoção?

3.6.1. Adoção homossexual e moralidade
Sob o ponto de vista moral, aqueles que não são a favor da adoção por parceiros homossexuais alegam ser os relacionamentos homossexuais contrários à religião, à moral e aos bons costumes da sociedade. Na verdade são pessoas conservadoras, incapazes de aceitar com naturalidade algo que foge aos padrões convencionais da sociedade da qual fazem parte, vez que tudo o que é inovador assusta e até mesmo confunde.
Infelizmente tem-se uma visão estereotipada dos indivíduos homossexuais, estes são concebidos como verdadeiras aberrações no seio social, são vistos como pessoas de vida desregrada. Há uma generalização na qual o comportamento extravagante de uns poucos é atribuído aos demais, quando na verdade não é bem assim.
Ressalte-se que muitos heterossexuais possuem conduta desabonadora, vivendo no mundo violento das drogas, do álcool, da promiscuidade. Dessa forma, não se pode atribuir radicalmente a homossexuais comportamento duvidoso que regra geral pode ser praticado por qualquer pessoa.
Como bem enfocado por Pinto (2002):
Não é a orientação sexual que determina se o indivíduo apresenta conduta que possa prejudicar o desenvolvimento de um menor sob seus cuidados, até porque muitos heterossexuais têm como rotina a dita vida desregrada atribuída a gays e lésbicas.

A adoção por pares homossexuais é inconcebível à sociedade, pois acredita ser o ambiente homoafetivo prejudicial ao desenvolvimento da criança, vez que esta poderia ter futuramente problemas de identificação sexual, inserção social etc.
Cumpre salientar que antes de ser deferida a adoção, adotante e adotado são submetidos a rigoroso estudo sócio-psicológico, cuja finalidade é avaliar se realmente há a possibilidade do adotado integrar de forma definitiva o lar homossexual, sem prejuízo de seu desenvolvimento sadio.
Porquanto, é lógico que nenhum juiz deferirá a adoção a parceiros homossexuais, não em decorrência da orientação sexual dos mesmos, mas quando o ambiente familiar não for adequado ao desenvolvimento sadio do adotado, como na hipótese dos parceiros viverem de forma desajustada, promíscua. Aliás, o próprio art. 29 do ECA permite que seja indeferida a colocação em família substituta em que a pessoa revele, por qualquer modo, incompatibilidade com a natureza da medida, ou não ofereça ambiente familiar adequado.
Consoante Pinto (2002) "[...] se o adotante é cumpridor de seus deveres e apresenta virtudes desejáveis em qualquer cidadão, não é por ser homossexual que há de se recusar a colocação em família substituta".
Dessa forma, ante a possibilidade sob o aspecto da moralidade de se conferir legitimidade às adoções por parceiros homoafetivos, faremos um enfoque na área psico-social.

3.6.2. Aspectos psico-sociais da adoção por parceiros homoafetivos
Sob o ponto de vista psico-social, a maioria das pessoas não confere credibilidade à adoção por pares homoafetivos sob o fundamento de que a criança ficaria confusa quanto à sua identidade sexual, o que poderia levá-la futuramente a ter inclinações homossexuais tal como seus pais. Alegam também que a criança poderia ter problemas psicológicos o que dificultaria a sua inserção social e que seria vítima do repúdio e ou escárnio no meio em que vive.
Primeiramente torna-se pertinente frisar que até o presente momento não existem registros de pesquisas científicas que atestassem que crianças que vivem em lares homossexuais possuem problemas psicológicos de alto grau a tal ponto de não conseguirem conviver socialmente bem como problemas de identidade sexual, como na hipótese do filho espelhar-se no modelo sexual de seus pais.
Lôbo (2008, p.69 e ss.) nos afirma que "[...] pesquisas científicas têm concluído que a orientação sexual dos pais não importa para o desenvolvimento da criança e do adolescente".
Foi realizado nos Estados Unidos um estudo com oitenta e oito adolescentes de diversas raças, sexos e rendas, sendo metade desses adolescentes criados por mulheres e a outra metade por casais heterossexuais. Não foi constatada nenhuma diferença quanto à auto-estima, integração, rendimento escolar e tipo de relações (LÔBO, 2008, p.69).
Matos in CUNHA PEREIRA (2006, p.83) afirma que pesquisas realizadas pela Associação Americana de Psicologia indicam que "[...] não há um único estudo que tenha constatado que as crianças de pais homossexuais e de lésbicas teriam qualquer prejuízo significativo em relação às crianças de pais heterossexuais."
Não existem razões lógicas que justifiquem a estigmatizada visão de que crianças criadas por pessoas homoafetivas poderiam se tornar homossexuais futuramente, uma vez que se tal assertiva condizesse com a realidade, pessoas heterossexuais somente teriam filhos heterossexuais e não homossexuais.
Como bem explanado por Maschio (2002):
[...] se a afirmação de que os filhos imitam os pais fosse uma verdade inexorável, como se explica que crianças, geradas, criadas e educadas por casais heterossexuais, se descubram e se proclamem mais tarde homossexuais? Esse tipo de argumento é preconceituoso, discriminatório e infeliz. Se o velho jargão "tal pai, tal filho" fosse absoluto, filhos de gênios seriam gênios; de alcoólatras, alcoólatras, de psicopatas, psicopatas, e assim por diante. Felizmente, a realidade está aí para infirmar tais argumentos. Na verdade, a ciência não sabe o que determina a preferência sexual de uma pessoa.

A única dificuldade que a criança poderia encontrar seria em relação ao preconceito social que lamentavelmente ainda persiste. Mas nem por isso, a adoção deve ser indeferida sob o argumento de que a infante seria vítima do escárnio social, pois compete ao Estado proteger a instituição da família, livrando-a de quaisquer formas de discriminação.
Infelizmente até o presente momento, as adoções por parceiros do mesmo sexo ainda não são regulamentadas pelo ordenamento jurídico brasileiro; assim sendo, quando forem levados ao Judiciário pedidos de adoções envolvendo pessoas homossexuais, deve o aplicador da lei conferir legitimidade a essas adoções, face à analogia e aos princípios constitucionais já analisados na presente monografia. Somente assim o preconceito que envolve os parceiros homoafetivos terá condições de ser banido de nossa sociedade.
Se o Estado permanecer inerte e nada fizer no sentido de tutelar as adoções por pessoas do mesmo sexo, estará ele próprio ratificando o preconceito que a sociedade insiste em difundir.
A partir do momento em que o Judiciário reconhecer como legítimas essas adoções, a sociedade aos poucos se acostumará resultando na aceitação dessa nova realidade, e aquilo que antes de lhe soava como uma aberração será encarada como algo normal.
Não há dúvidas de que a adoção por pessoas homossexuais pode ser perfeitamente uma alternativa saudável de família para uma infante, pois é melhor a menor viver em um lar homoafetivo a viver perambulando em meio à violência marginalizada das ruas ou até mesmo a viver abrigada em uma instituição.
O fato é que por mais que essas instituições ofereçam as melhores condições para que uma criança seja abrigada decentemente, não é a mesma coisa que um lar, uma família, pois a instituição carece do elemento essencial que a criança mais precisa em sua formação, e esse elemento se chama AMOR. O amor que pode ser encontrado em um ambiente homoafetivo.
É de se enfatizar que hodiernamente não há mais a necessidade da família adotiva imitar a família biológica, vez que o elemento caracterizador do ato humanitário da adoção é certamente o afeto, não constituindo mais elementos determinantes desse instituto a figura conjunta do pai com a mãe.
Assim cumpre colacionarmos as nobres palavras de Rolf Madaleno (2008, p.500 e ss.):
A filiação não é apenas exercida por vínculos de sangue e tampouco é a principal, pois antes dos laços sanguíneos deve se fazer presente o envolvimento afetivo e o desejo nato de querer ser pai ou mãe, no exercício cotidiano da função parental e esta independe do vínculo genético, mas somente da sincera e desejada construção de alianças afetivas, como independe de opção sexual de quem adota. (grifo nosso)

Em sendo assim, uma vez demonstrada a possibilidade psicológica da adoção por parceiros homossexuais, passaremos à analise desse instituto sob o aspecto legal.

3.6.3.Possibilidade jurídica da adoção por parceiros homossexuais
No tocante à legislação brasileira é de se ressaltar que não há vedação expressa para a adoção por parceiros homossexuais, uma vez que tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) devidamente alterado pela Lei 12.010/09, quanto a Constituição Federal, não estabelecem como requisito elementar para a adoção a orientação sexual do requerente. O fato é que a Magna Carta ao consagrar em seu art. 5º a igualdade de todos perante a lei, está vedando qualquer tipo de discriminação em relação às pessoas, inclusive no que diz respeito à orientação sexual do indivíduo, pois em nenhum momento a Constituição veda o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo.
Assim sendo, pode-se afirmar que inexiste vedação legal expressa para a adoção por parceiros homossexuais.
Nas lições de Pinto (2002) "[...] inexistindo vedação legal expressa, não se pode exigir que um indivíduo, por ter orientação sexual destoante da convencional se prive do direito de adotar se assim a lei não o determina."
Consoante Aline Verônica (2009):
[...] visto que a Constituição Federal prega em um de seus princípios fundamentais a proibição a qualquer tipo de discriminação, percebe-se que a tese de que o homoafetivo tem direito à adoção não é afastada, pois a Carta Magna não a discriminou. O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, também não apresenta nenhuma restrição à possibilidade de adoção por homossexuais, visto que, não faz menção à orientação sexual do adotante [...]

Dias (2004) aduz que:
Como a lei se nega a emprestar juridicidade às relações homoafetivas, por óbvio não há nenhuma previsão legal autorizando ou vedando a adoção. Ainda que se presuma que o Estatuto da Criança e do Adolescente não tenha cogitado da hipótese de adoção por um casal homossexual, possível sustentar que tal ocorra, independentemente de qualquer alteração legislativa. O princípio que deve prevalecer é o do melhor interesse do infante, e não há motivo legítimo para retirar de uma criança a possibilidade de viver com uma família. Se os parceiros ? ainda que do mesmo sexo ? vivem uma verdadeira união estável, é legítimo o interesse na adoção, havendo reais vantagens em favor de quem não pode ficar ao desabrigo de direitos.

Enfim, é fato inconteste que o ordenamento jurídico brasileiro não proíbe expressamente a adoção por pessoas homossexuais solteiras; no entanto a legislação infraordinária impõe empecilhos no que diz respeito à adoção conjunta de parceiros homoafetivos.
Ocorre que em face das alterações promovidas no ECA (art. 42 § 2º) pela Lei 12.010/09, para a adoção conjunta é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. Mas lamentavelmente, só é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher.
Conforme já explicitado nos capítulos anteriores, mais uma vez torna-se pertinente frisar que as uniões estáveis homoafetivas podem ser equiparadas às uniões heterossexuais, vez que na ausência da lei, deve o juiz aplicar a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito (art. 2º LICC).
De acordo com Lôbo (2008, p. 68), as uniões entre pessoas do mesmo sexo seriam entidades familiares constitucionalmente protegidas, uma vez preenchidos os requisitos de afetividade, estabilidade, ostensibilidade e finalidade de constituição de família. Ainda consoante o autor "[...] a norma de inclusão do art. 226 da Constituição apenas poderia ser excepcionada se houvesse outra norma de exclusão explícita de tutela dessas uniões."
O Estado se recusa a tutelar as adoções por pares homoafetivos, vez que tem a falsa crença de que a criança não se desenvolverá sexualmente, pois poderá ter problemas de identificação sexual no futuro, bem como problemas de inserção social.
Conforme já explicitado em item anterior neste capítulo, nada justifica essa estigmatizada visão; segundo Maria Berenice Dias (2004) "[...] a insistência em rejeitar a regulamentação da adoção por homossexuais tem por justificativa indisfarçável preconceito."
Como não há vedação constitucional expressa para a adoção por pares homoafetivos, é de se concluir que esta pode ser aplicada em nosso ordenamento, uma vez que consoante o inciso II do art. 5 º da Constituição Federal "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
Lôbo (2008, p.69) nos diz que "[...] sobre a adoção, não há impedimento constitucional para que duas pessoas do mesmo sexo, que vivam em relação afetiva, possam adotar a mesma criança".
Convém ressaltar que a única ressalva que a lei faz no tocante à adoção é a possibilidade de indeferimento desta quando houver incompatibilidade da pessoa com a natureza da medida ou quando o ambiente familiar não for adequado (art.29 do ECA).
É de se frisar que conforme já demonstrado em tópicos anteriores deste capítulo, o ambiente homoparental não se reduz à promiscuidade, a tal ponto de se tornar ambiente impróprio ao desenvolvimento sadio de infantes, vez que é perfeitamente possível homossexuais manterem conduta idônea relacionando-se com parceiro fixo.
Também torna-se pertinente enfatizar que o artigo 43 da Lei 8.069/90 (ECA) permite a adoção quando esta resultar em reais vantagens para o adotado. Pergunta-se: A adoção por parceiros homossexuais pode oferecer vantagens para uma criança?
É lógico que esta adoção pode oferecer reais vantagens ao adotado. Ao se admitir a adoção por parceiros homossexuais, será menos uma criança a viver em orfanatos ou no ambiente promíscuo e marginalizado das ruas, pois a infante ganhará um lar, uma família, podendo usufruir de todos os direitos inerentes à condição de filha de ambos os pais.
Ressalte-se que se apenas um dos companheiros pleitear a adoção, já que existe previsão legal para os solteiros adotarem, se o que adotou for viver com seu companheiro, a criança adotada, em caso de separação dos amásios, não terá direitos de espécie alguma em relação àquele que não a reconheceu como filha.
Nesse sentido Dias (2004) diz que:
Nessa situação, quem é adotado por um só dos parceiros não pode desfrutar de qualquer direito com relação àquele que também reconhece como verdadeiramente seu pai ou sua mãe. Ocorrendo a separação do par ou a morte do que não é legalmente o genitor, nenhum benefício o filho poderá usufruir. Não pode pleitear qualquer direito, nem alimentos, nem benefícios de cunho previdenciário ou sucessório. Sequer o direito de visita é regulamentado, mesmo que detenha a posse do estado de filho, tenha igual sentimento e desfrute da mesma condição frente a ambos.

Consoante Silva (2006, p. 117):
A inadmissibilidade da adoção de crianças por casais homossexuais prejudica o menor, principalmente quanto ao aspecto patrimonial, pois sendo filho, passa a ter todos os direitos pertinentes à filiação, guarda, alimentos e sucessórios, que ao invés de ter em relação a duas pessoas, terá apenas em relação ao adotante.

Assim sendo, de modo a assegurar o melhor interesse da criança, em especial no que diz respeito aos direitos sucessórios a que a infante faria jus nesta situação, por que não poderá o Estado reconhecer legitimidade às adoções requeridas por parceiros homossexuais?
Consoante Lôbo (2008, p.53) o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente segundo a Convenção Internacional dos Direitos da Criança significa que o menor deve ter seus interesses tratados com prioridade pelo Estado, pela sociedade e família, tanto no momento da elaboração quanto da aplicação de seus direitos nas relações familiares, sempre tendo como norte sua dignidade.
Se a adoção por pares homoafetivos atender a todos os requisitos exigidos em lei e uma vez concedido o aval psico-social, não haverá razões de ordem lógica suficientes a justificar uma possível negativa por parte do Judiciário, porquanto tal negativa restaria totalmente ilegítima, uma vez que estaria encoberta pelo preconceito.
É preferível a uma infante viver em um lar homossexual onde terá amor e proteção a viver em orfanatos e ou em meio à violência e promiscuidade das ruas; somente assim estará assegurado o princípio do melhor interesse da criança.
Como até o presente momento, a relação homossexual ainda não é regulada em nosso sistema normativo, por força da analogia, esta relação deve ser regulamentada pelas normas de direito de família que tutelam as relações heterossexuais.
Como bem enfocado por Castilho Júnior (2003):
Pela analogia, conclui-se que é possível equiparar a adoção por homossexual à adoção por heterossexual, posto que o único elemento discrepante é a orientação sexual do adotante, o qual não é o elemento essencial da adoção, de forma que ambas são exatamente iguais (o que leva a concluir que, na realidade não existe qualquer lacuna no direito, estando devidamente legislado o direito dos homossexuais à adoção).

Enézio de Deus Silva Júnior (2009) sustenta que com o advento da nova lei de adoção (Lei 12.010/09), houve uma extensão do conceito de família, o qual deve ser interpretado em consonância com os artigos 1º, inc.III e 226 da Constituição Federal.
Em sendo assim, argumenta o autor ser possível o deferimento de adoções a pessoas que se declarem homossexuais, haja vista não haver nenhum óbice na novel legislação quanto a essa possibilidade.
Aduz o autor que se inexiste lei federal que regulamente especificamente as uniões homoafetivas, deve o aplicador da lei se valer do instituto da analogia para suprir a lacuna então existente, comparando-se a união homoafetiva à união estável heterossexual, de modo que seja possibilitado aos parceiros homossexuais o direito à adoção.
Ressalte-se que a certidão de nascimento do menor deverá mencionar os nomes dos pais ainda que de sexo idêntico, de modo que este possa usufruir de todos os direitos sucessórios a que faz jus na condição de herdeiro legítimo e além do mais, a Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) não impede que conste no registro de nascimento da criança o nome de dois pais ou duas mães.
O importante é que desde cedo a criança seja informada da situação social na qual está inserida de modo que sua adaptação a essa nova realidade se dê o mais rápido possível.
Embora as adoções por parceiros do mesmo sexo não sejam regulamentadas pelo sistema normativo brasileiro, vários pronunciamentos jurisprudenciais têm se manifestado a favor dessas adoções.
Segundo Rolf Madaleno essas jurisprudências têm se focalizado no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, no princípio da igualdade, na não admissão de qualquer forma de discriminação em relação à orientação sexual dos adotantes, e na assertiva de que as relações entre marido e mulher, ou entre conviventes de sexos opostos não são as únicas formas de organização familiar (2008, p.499).
Assim cumpre colacionarmos a seguinte jurisprudência do Tribunal do Rio Grande do Sul:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. ADOÇÃO. CASAL FORMADO POR DUAS PESSOAS DE MESMO SEXO. POSSIBILIDADE. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70013801592, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 05/04/2006)

Em sendo assim, podemos afirmar ser realmente possível a adoção por pares homoafetivos, lembrando-se mais uma vez que crianças criadas por pessoas homossexuais possuem desenvolvimento tão sadio quanto aquelas que vivem com heterossexuais.

3.7. Adoção homossexual e Direito Comparado
Primeiramente há que se ressaltar que não há justificativas plausíveis ante a inércia de nossos nobres legisladores no tocante à falta de tutela legal para a adoção por pares homoafetivos, principalmente em comparação a outros países nos quais já se pode constatar o devido amparo legal para essa modalidade inovadora de adoção.
A adoção por parceiros do mesmo sexo já é reconhecida em vários países como a Holanda, Noruega, Suécia, França, Israel, Canadá, Estados Unidos à exceção da Flórida, dentre outros (ALINE VERÔNICA, 2009).
Se países de 1º mundo já reconhecem legitimidade a esse instituto por que o Brasil não poderia fazê-lo?
Assim sendo, ante a evolução jurídica e, sobretudo social do conceito de família, o que nos permite inserir a relação homoafetiva entre as modalidades de relação familiar, torna-se imprenscindível ao Estado propiciar aos pares homoafetivos a aferição de todos os direitos inerentes à entidade familiar, inclusive a adoção.
É de se ressaltar que a falta de previsão legal para a adoção por parceiros homossexuais acarreta sérias conseqüências que entram em atrito com a própria Constituição, vez que desrespeita a isonomia entre os seres humanos ao excluir o direito de adoção aos parceiros homossexuais, pois todo ser humano possui o direito fundamental de constituir uma família.
Porquanto, deveria o Brasil também se espelhar nos modelos dos países que já aceitam esse instituto e legalizar a adoção homossexual, ratificando-se dessa forma a isonomia, a dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança.



















CONSIDERAÇÕES FINAIS

Hodiernamente, face às mudanças ocorridas no conceito de família, seja sob a ótica legal ou social, podemos certamente inserir a união homoafetiva entre as modalidades de família. Dessa forma, torna-se imperativo ao Direito legalizar tais uniões, patrocinando os interesses dos parceiros homossexuais, ressaltando-se que nos dias atuais não há mais nada que justifique a inércia legislativa.
Ficar alheio aos interesses dos companheiros homoafetivos resulta na violação de princípios constitucionais sagrados alicerçados na dignidade da pessoa humana, na isonomia de todos perante a lei e na vedação de qualquer tipo de discriminação.
Assim sendo, compete ao Estado a tutela dos interesses dessas pessoas, estendendo-se a essa parcela tão marginalizada da população, os mesmos direitos que aos heterossexuais são conferidos, como por exemplo, o reconhecimento da união estável e a adoção.
Foi demonstrado neste trabalho que a união homoafetiva é perfeitamente passível de ser reconhecida legalmente em nosso ordenamento jurídico, eis que encontra-se amparada em princípios de ordem constitucional incontestáveis bem como no instituto da analogia.
Ademais, considerando-se que cada vez mais cresce no Judiciário o número de demandas envolvendo cidadãos homossexuais pleiteando adoções, deve o Direito, face à lacuna na lei, se valer do instituto da analogia e da aplicação prática dos princípios da dignidade humana, da igualdade e da não-discriminação.
No entanto, é de se ressaltar que a possibilidade de equiparação da união estável entre pessoas do mesmo sexo à heterossexual, pode não estar no âmbito da visão e compreensão do julgador, se este for adepto do conservadorismo, o que certamente colocaria em risco a dignidade do adotando e o interesse do menor, já que a discriminação seria o dispositivo da sentença do magistrado. Dessa forma, não se deve rechaçar a possibilidade de criação de um ordenamento jurídico próprio que regule as adoções por parceiros do mesmo sexo.
Como restou comprovado na presente monografia, hodiernamente não há mais a necessidade da família do adotado imitar a biológica, assim como o fato de uma criança possuir dois pais ou duas mães, não resultará na perda de identidade de gênero, a tal ponto de influir em sua opção sexual, bem como não prejudicará seu desenvolvimento sadio.
Ao se admitir a adoção por parceiros homossexuais, será menos uma criança a viver em instituições de abrigo ou no ambiente promíscuo e marginalizado das ruas, pois a infante ganhará um lar, uma família, podendo usufruir de todos os direitos inerentes à condição de filha de ambos os pais.
Como há possibilidade de apenas um dos homossexuais pleitear a adoção, e ir viver com a criança adotada ao lado de seu parceiro, em caso de uma possível separação, a infante, não poderá usufruir nenhum direito em relação ao outro companheiro, restando dessa forma, prejudicado o seu melhor interesse.
Portanto, em respeito aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, em especial ao da isonomia, o qual proíbe discriminações de qualquer natureza (inclusive em relação a sexo, preferência sexual etc) e respaldando-se, sobretudo no melhor interesse da criança, é de se admitir a adoção por parceiros homossexuais.

















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