I. Introdução

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, em decisão unânime, considerada histórica, reconheceu a adoção de crianças por casais homossexuais.
A decisão foi da Quarta Turma do STJ, que negou recurso do Ministério Público do Rio Grande do Sul contra decisão em que a Justiça gaúcha reconheceu a adoção de uma criança por duas mulheres.
O Tribunal entendeu que nesses casos, deve-se atender sempre o interesse do menor, prevalecendo seu bem-estar.
O relator do caso, o ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o artigo 1.622 do Código Civil não impede a adoção por pessoas do mesmo sexo, desde que vivam em união estável.
"Esse julgamento é muito importante para dar dignidade ao ser humano, para o casal e para as crianças". (Luis Felipe Salomão).

II. O conceito de Adoção
O instituto da adoção é abordado pelos autores como uma medida que visa oferecer ao adotando uma família, inserindo-o em um lar que lhe proporcione uma vida digna.
A autora Maria Helena Diniz, conceitua o instituto como:
"Adoção é o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família na condição de filho, pessoa, que, geralmente, lhe é estranha."

Para Caio Mário da Silva Pereira a adoção é:
"O ato jurídico pelo qual uma pessoa recebe outra como filho, independentemente de existir entre elas qualquer parentesco consangüíneo ou afim."

Pontes de Miranda aborda o tema caracterizando a adoção como:
"É o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação."

Já o autor João Seabra Diniz, atualmente, aborda o tema com uma visão moderna e conceitua a adoção como sendo:
"a inserção num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo esse o caso, não podem ou não querem assumir o desempenho de suas funções parentais, ou são pela autoridade competente, considerados indignos para tal."
Observando o exposto pelos referidos autores, é possível perceber que o instituto da adoção, modernamente, é vista como uma medida que visa oferecer ao adotando um ambiente familiar favorável a seu desenvolvimento, atendendo suas necessidades para que a criança possa se sentir acolhida, e esteja apta a ter uma vida normal em sociedade.

III. Estatuto da Criança e do Adolescente

O Estatuto da Criança e do Adolescente permite que a adoção seja vista como um instituto protetivo, assegurando à criança sua proteção e uma vida em família que lhe traga benefícios.
É possível observar no ECA os princípios do Melhor Interesse da Criança e da Convivência Familiar.
O chamado Princípio do Melhor Interesse da Criança está no artigo 43 do Estatuto garante que a adoção será concedida somente se forem realmente percebidas vantagens ao adotando.
"Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos."
O Princípio da Convivência Familiar está consagrado no artigo 19 e estabelece:
"Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes."

Ambos os princípios reafirmam a adoção como medida de proteção ao menor, que terá suas necessidades atendidas e uma convivência familiar e social que lhe trará reais vantagens garantindo-lhe uma vida digna.

IV. Constituição Federal

A Constituição Federal, também pode ser vista como instrumento para garantir o direito à adoção, não fazendo distinções entre os adotantes, como podemos ver nos artigos abixo citados.

Em seu artigo 3º, inciso IV dispõe:

"Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
...
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

No artigo 5º, pode-se observar o Princípio da Igualdade:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;"

E o artigo 227 consagra o Princípio da Proteção Integral:
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão."

V. Conclusão
Tomando como base os referidos artigos da legislação brasileira, é possível admitir que, mesmo em uma união entre duas pessoas do mesmo sexo, tendo elas um lar duradouro, onde cumpram com os seus deveres e convivam num ambiente digno e tranqüilo, não se pode negar real vantagem ao adotando, sendo mais benéfico à criança ter uma família à continuar vivendo em situações precárias.
A adoção não existe para satisfazer a vontade daquele que pretende adotar. O instituto pretende, acima de tudo, encontrar uma família adequada para a criança.
Deve-se pensar no futuro do adotando, pensar nas suas necessidades, no carinho que irá receber das pessoas que desejam adotá-lo, independente de sua opção sexual, que poderão lhe proporcionar uma vida digna, para que ela seja incluída na sociedade e possa ter uma família, não ferindo dessa maneira o Princípio da Dignidade de Pessoa Humana.
O que realmente deve prevalecer é o bem estar do adotando, considerando as condições de vida no novo lar.
A Professora Maria Berenice em seu artigo fala sobre a possibilidade de analogia entre adoção entre casais homossexuais e a união estável. De acordo com seu entendimento, se o ordenamento jurídico brasileiro possibilita, tanto o casamento civil como a união estável, analogicamente, um casal homossexual tem a mesma possibilidade de adotar uma criança que um casal heteroafetivo.
Segundo a professora::
"Negar a realidade, não reconhecer direitos só tem uma triste seqüela: os filhos são deixados a mercê da sorte, sem qualquer proteção jurídica. Livrar os pais da responsabilidade pela guarda, educação e sustento da criança é deixá-la em total desamparo. Há que reconhecer como atual e adequada a observação de Clovis Bevilaqua ao visualizar um misto de cinismo e de iniqüidade, chamando de absurda e injusta a regra do Código Civil de 1916 que negava reconhecimento aos filhos adulterinos e incestuosos." (DIAS, 2003, p. 269/275

VI. Julgados

Já são muitos os julgados reconhecendo a adoção de crianças por casais homossexuais, entendendo que a opção sexual do casal em nada irá interferir no amor e carinho que estes dispensarão à criança.

"ADOÇÃO DE ADOLESCENTE COM DESTITUIÇÃO DO PÁTRIO PODER ? O pedido inicial deve ser acolhido porque o Suplicante demonstrou reunir condições para o pleno exercício do encargo pleiteado, atestado esse fato, pela emissão de Declaração de Idoneidade para a Adoção com parecer favorável do Ministério Público contra o qual não se insurgiu no prazo legal devido, fundando-se em motivos legítimos, de acordo com o Estudo Social e parecer psicológico, e apresenta reais vantagens para o Adotando, que vivia há 12 anos em estado de abandono familiar em instituição coletiva e hoje tem a possibilidade de conviver em ambiente familiar, estuda em conceituado colégio de ensino religioso e freqüenta um psicanalista para que possa se adequar à nova realidade e poder exercitar o direito do convívio familiar que a CF assegura no art. 227. JULGADO PROCEDENTE O PEDIDO NA INICAL. 1ª VARA DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE DO RIO DE JANEIRO ? PROCESSO Nº 97/1/03710-8/ JUIZ SIRO DARLAN DE OLIVEIRA. Julgado em 20 de agosto de 1998."

"ADOÇÃO - Pedido efetuado por pessoa solteira com a concordância da mãe natural - Possibilidade - Hipótese onde os relatórios social e psicológico comprovam condições morais e materiais da requerente para assumir o mister, a despeito de ser homossexual - Circunstância que, por si só, não impede a adoção que, no caso presente, constitui medida que atende aos superiores interesses da criança, que já se encontra sob os cuidados da adotante - Recurso não provido. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - Apelação Cível n. 51.111-0 ? CÂMARA ESPECIAL - Relator: OETTERER GUEDES - 11.11.99 - V.U.)"

"Adoção cumulada com destituição do pátrio poder. Alegação de ser homossexual o adotante. Deferimento do pedido. Recurso do Ministério Público.
1. Havendo os pareceres de apoio (psicológico e de estudos sociais), considerando que o adotado, agora com dez anos, sente agora orgulho de ter um pai e uma família, já que abandonado pelos genitores com um ano de idade, atende a adoção aos objetivos preconizados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e desejados por toda a sociedade. 2. Sendo o adotante professor de ciências de colégios religiosos, cujos padrões de conduta são rigidamente observados, e inexistindo óbice outro, também é a adoção, a ele entregue, fator de formação moral, cultural e espiritual do adotado. 3. A afirmação de homossexualidade do adotante, preferência individual constitucionalmente garantida, não pode servir de empecilho à adoção de menor, se não demonstrada ou provada qualquer manifestação ofensiva ao decoro, e capaz de deformar o caráter do adotado, por mestre a cuja atuação é também entregue a formação moral e cultural de muitos outros jovens. Votação:Unânime Resultado: Apelo improvido TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Acórdão: Apelação Cível ? Processo 1998.001.14332 Relator: Desembargador Jorge Magalhães Julgamento: 23.03.1999 ? Nona Câmara Cível"


VII. Referências Bibliográficas
BRASIL, Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
BLUM, Melissa de Matos. Adoção Homoafetiva. Disponível em http://www.advogado.adv.br/estudantesdireito/direitodecuritiba/melissademattosblum/adocaohomoafetiva.htm - Acesso em 24/05/2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. Vol. 5, 23ª ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a Reforma do CPC e com o Projeto de Lei nº 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008.
DINIZ, Maria Aparecida Silva Matias. Adoção por pares homoafetivos. Uma tendência da nova família brasileira. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1985, 7 dez. 2008. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12059>. Acesso em: 24 maio 2010.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil ? Direito de Família. Vol. 5, 16ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007
PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito de Família. Vol. III, 3ª ed., São Paulo: Max Linomad, 1947.
PEDROSO, Silvia Coutinho - A possibilidade jurídica da adoção por pares homoafetivos. Disponível em http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=3843 . Acesso em 10/05/2010.
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: www.tjrs.jus.br