ADOÇÃO HOMOAFETIVA NO BRASIL: e a possibilidade de constar no registro civil de nascimento do adotando, o nome dos dois pais ou das duas mães.

 

 Jeová Azevedo Cirino[1]

 

RESUMO: O presente artigo abordará a falta de legislação específica no que diz respeito à inclusão do nome dos adotantes, sendo estes casais homoafetivos, no registro civil de nascimento do adotando. Mesmo havendo discriminações quanto a formação da família homoparental, o presente artigo busca evidenciar que a entidade homoparental também deve ser vista como uma das formatações familiares dignas de tutela pelo Estado, a abordagem será feita tendo como base preceitos previstos em leis, Constituição Federal e principalmente pela doutrina, através de uma breve conceituação do que seria adoção, bem como seu conceito histórico. Entretanto, com o objetivo de fundamentar o presente estudo realizou-se uma vasta e criteriosa pesquisa bibliográfica e jurisprudencial acerca do assunto em tela.

Palavras chave: Adoção. Casais homoafetivos. Registro de nascimento.

 

 INTRODUÇÃO

 

Quando se trata de adoção feita por casais homossexuais, surge a curiosidade sobre o registro civil de nascimento, ou seja, de que forma ele será preenchido no que diz respeito ao nome dos pais ou das mães, diante desta problemática, este estudo procurará mostrar o que a doutrina e a jurisprudência têm dito a respeito.

Uma vez que vivemos em uma sociedade preconceituosa, procuraremos levantar dentro da polêmica que este tema traz o despertar em todos e uma reflexão no que se refere à aceitação de tal adoção, tendo como base para mudança na legislação em geral, possibilitando, no futuro, a legalização das adoções realizadas por pares homoafetivos relacionada com o registro civil de nascimento.

1.1  CONCEITO DE ADOÇÃO

Apesar de haver vários conceitos a respeito do tema, há um consenso entre os autores no que diz respeito ao caráter de ficção jurídica que tal instituto apresenta.

Portanto, verifica-se ser o instituto da adoção um ato jurídico solene pelo qual alguém recebe em sua família, na qualidade de filho, pessoa a ela estranha.

Destaca-se a apresentação feita por Maria Helena Diniz, onde faz referência a definições formuladas por vários autores, estabelecendo assim um conceito:

Adoção é o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

 Verifica-se a necessidade de retirar o caráter contratual da adoção, que era representado pelo ato praticado entre adotante e adotado, passando a ser regulado pelo poder público o qual ficará responsável pela assistência aos atos da adoção.

Nesse momento, a adoção passa a representar uma matéria de interesse público, com destaque para a observância do princípio do melhor interesse da criança, respaldado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como também pela Constituição Federal.

Portanto, o instituto da adoção merece ser tratado com muita atenção, haja vista ser o meio capaz de inserir no aconchego familiar uma criança desamparada socialmente, seja por abandono, maus tratos ou qualquer situação que a coloque sem proteção social e afetiva.

1.2  CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO

Com a necessidade de dar continuidade à família, naqueles casos de pessoas sem filhos, surge o instituto da adoção. Tal instituto era utilizado como forma de perpetuar a família, impedindo assim a extinção da mesma.

Há relatos de que, tanto no Código de Hamurabi como no de Manu, a adoção era utilizada entre os povos, mas foi no direito romano, que esse instituto encontrou ordenamento e que consegue se expandir.

Quando se trata da adoção no período medieval, constata-se que caiu em desuso, sendo ignorada pela Igreja, uma vez que esta considera que a família cristã repousa no sacramento do matrimônio.

Com o surgimento do Código de Napoleão de 1804 a questão relacionada com a adoção ganha evidência, saindo do esquecimento.

Dessa forma, após passar por diversas mudanças o instituto da adoção passou a ser reconhecida como de grande importância, pois se transformou em um instituto que tem como principal objetivo ajudar as pessoas.

Esse caráter humanitário diz respeito a preocupação dispensada não apenas a dar filhos a casais impossibilitados de tê-los, mas também oferecer a um maior número de menores que se encontram desamparados a possibilidade de ter um lar.

1.3  ADOÇÃO NO BRASIL

A falta de regulamentação do instituto da adoção no Brasil, fazia com que os juízes utilizassem o direito romano, para tentar suprir as lacunas existentes.

Dessa forma, o Código Civil de 1916 regulou a adoção observando princípios básicos do direito romano, principalmente o que tratava da continuidade da família, onde era entregue aos casais estéreis os filhos que não puderam ter.

No ordenamento brasileiro, surge a expressão “legitimação adotiva” com o advento da Lei n. 4.655, de 2 de Junho de 1965, a qual proporcionou maior proteção ao menor abandonado, no momento em que apresenta como vantagem, estabelecer um vínculo de parentesco de primeiro grau, em linha reta, entre adotante e adotado.

Este posicionamento pois fim a situação dos adotantes que se viam frequentemente na eventual possibilidade de partilharem o filho adotivo com a família biológica, o que resultava na prática ilegal de casais, os quais acabavam registrando filhos alheios como próprio, passando a impressão de que havia sido feita uma adoção, quando na realidade o que tinha acontecido era uma adoção simulada ou adoção à brasileira, como define a jurisprudência.

Na atualidade a adoção de crianças e adolescentes rege-se por uma lei específica a de n. 12.010, de 3 de agosto de 2009. Que trouxe várias inovações dando maior celeridade ao processo de adoção.

1.4  ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Haja vista que a homossexualidade está presente na história desde a antiguidade, mesmo assim nossa legislação ainda não garantiu os efeitos jurídicos a essas uniões, como também a doutrina majoritária revela que essas uniões não constituem entidades familiares constitucionalmente protegidas.

Contudo, observa-se que é no âmbito do judiciário que tais uniões recebem seu reconhecimento. Dias (2009, p. 187) enfatiza que “não se pode deixar de reconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem diversidade de sexos, atendam a tais requisitos. Tem vínculo afetivo, devem ser consideradas entidades familiares”.

Mesmo a lei não tendo regulado as uniões homoafetivas, o poder judiciário não pode desprezar a realidade social, acarretando com isso a violação de direitos constitucionalmente assegurados a todo cidadão, independentemente da sua orientação sexual. Torna claro pena jr. (2008, p. 36) “as uniões homoafetivas são uma realidade, não podendo a sociedade silenciar esse fato e aceitar que, ainda, exista privação da liberdade individual”.

O que tem acontecido, diante da falta de legislação que regulamente os efeitos jurídicos das uniões homoafetivas, é a aplicação do princípio da analogia em relação ao reconhecimento da união estável, ou seja, as regras destas devem ser aplicadas àquelas, uma vez que preenchem os requisitos jurídicos e fáticos desse instituto.

1.5  REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO

De acordo com o levantamento possibilitado por esta pesquisa a respeito de tão polêmico tema, observa-se não haver no ordenamento jurídico vigente nenhuma exigência formal que impeça que no assento de nascimento de uma pessoa constem dois pais ou duas mães.

Alguns doutrinadores não aceitam a possibilidade de que haja tal assento, tendo como base a Lei 6.015 de 1973, que dispõe sobre Registros Públicos, a qual veta a possibilidade do registro de dois pais ou duas mães no mesmo assento. Sobre o assunto em tela temos um esclarecimento feito por Carvalho, que ressalta:

“o primeiro e mais utilizado argumento, referente à impossibilidade de realização do registro porque a lei de registros públicos veda, data máxima vênia, é o mais simplório possível. Isso porque, como admitir que uma norma de 1973, quando vigente outra ordem jurídica constitucional, onde não se falava em princípio do melhor interesse da criança, paternidade socioafetiva e nem mesmo famílias constituídas sem a existência de casamento, venham a impor uma solução a essa situação. Nesse caso, o correto é procedermos a um interpretação constitucional desta lei, para que, assim agindo, e aplicando o princípio do melhor interesse da criança, aditamos como possível a realização do ao, se este for benéfico para a criança”. (CARVALHO, 2008)

Ainda seguindo a linha de que não há na legislação vigente que seja empecilho quanto ao assento do nome dos pais ou das mães no registro de nascimento, Maria Berenice Dias, elucida que:

“a resistência não se justifica nem por razões registrais. A determinação legal de que, no assento de nascimento, sejam os adotantes inscritos como pais, ocorrendo simples substituição da filiação biológica, não pode servir de justificativa para se sustentar a impossibilidade de adoção por duas pessoas do mesmo sexo. Não há nenhum empecilho de que constem como pais no registro de nascimento dois homens ou duas mulheres. Ainda que se presuma que a lei não tenha cogitado tal possibilidade, a adoção por um par homossexual é cabível”. (DIAS, 2002)

Portanto, fica evidente que tal discussão ainda irá se prolongar por muito tempo, mas o que não se pode esquecer, é a observância do princípio do melhor interesse da criança.

2. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Não se pode desconsiderar a possibilidade das famílias homoparentais serem introduzidas no meio social como um novo modelo de construção familiar, tendo em vista que, no ordenamento jurídico vigente, nenhuma exigência formal proíbe que haja no assento de nascimento de uma pessoa o nome dos pais ou das mães.

No entanto, observa-se a grande resistência em aceitar a homoparentalidade como entidade familiar, tudo isso fundado apenas na orientação dos adotantes, mostrando assim o preconceito existente, como também o apego a concepções morais.

Entretanto, o judiciário não pode fechar os olhos para tal arranjo familiar, pois assim como as demais, devem ser vistas como “uma das maneiras possíveis de viver em sociedade, trocando cuidados, afetos e compartilhando o cotidiano” nas palavras de Zambrano (2007, p. 151).

Portanto, conclui-se este artigo com o sentimento de ter contribuído para a redução do preconceito existente com as famílias homoparentais, até porque estas tem demonstrado que são dignas de tutela por parte do Estado, onde preenchem todos os requisitos exigidos de uma entidade familiar.

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. LEI 6.015. disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6015compilada.htm> Acessado em:01/092015

CARVALHO, Roberto Ribeiro Soares de. A possibilidade de registro de dois pais na certidão de nascimento da criança: Uma reflexão civil-constitucional. In: IBDFAM. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/artigos/autor/Roberto%20Ribeiro%20Soares%20de%20Carvalho>. Acessado em: 01/09/2015

DIAS, Maria Berenice. Adoção Homoafetiva. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/pt/homoafetividade.dept> Acessado em: 01/09/2015

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17. Ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V. 5.

 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família, 12. Ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

PENA JR., Moacir César. Direito das pessoas e das famílias: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008

ZAMBRANO, Elizabeth. Adoção por Homossexuais. In: SOUZA, Ivone Maria Candido Coelho de (org.). Direito de Família, diversidade e multidisciplinaridade. Porto Alegre: IBDFAM, 2007



[1] Graduando do curso de Direito – Faculdade Maurício de Nassau - Campina Grande – Pb, E-mail: [email protected]