Adoção Homoafetiva e o Papel da Psicologia Junto ao Direito

1- Resumo

O presente artigo trata da influência e interdicisplinaridade entre o Direito e a Psicologia, notadamente nos quesitos relacionados à adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos. É preciso ter a psicologia como base para responder questões que a letra fria da lei não consegue responder. Quais as consequências psicológicas e sociais para criança ou adolescentes que é adotada por casal homoafetivo? Como a sociedade enxerga tal fato? Qual a necessidade de um acompanhamento psicológico especial para o adotado e para os adotantes? A Psicologia vem suprir o Direito com todas essas respostas ou mostrando os caminhos que devem ser percorridos para obtê-las. Principalmente por meio dos estudos e laudos os psicólogos darão a base teórica que deverá ser utilizada pelos tribunais para decidir sobre as questões da adoção homoafetiva e suas consequências.

2- Palavras Chave

Família, adoção, homoafetiva, crianças e psicologia.

3- Introdução

A família vem sofrendo alterações em sua estrutura com o passar do tempo e com a evolução da sociedade. Até pouco tempo, a família era compreendida  somente através do casamento. Consistia numa  união de homem e mulher que tinha por objetivo a perpetuação da família, concentração e transmissão do patrimônio. O casamento é uma das instituições mais antigas do mundo, e com o tempo sofreu larga influência social e religiosa.

É importante salientar que o próprio Estado se estruturou de modo a proteger a existência da família. No caso brasileiro cabe destacar o artigo 226 da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” É preciso dizer que conceituar família hoje é algo complexo devido a própria evolução do instituto. Podemos citar como conceito de família o texto do artigo 226, § 4º da Constituição Federal: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”

Fica claro no texto da Constituição a expressão descendentes, os quais nada mais são do que os filhos. Na vigência do Código Civil de 1916 a legislação constava a existência a de filhos legítimos, os quais tinham origem no casamento legalmente constituído, e os filhos ilegítimos, provenientes das relações extra conjugais. Com o advento do Código Civil de 2002 todos os filhos foram “equiparados”. Hoje filho é filho.

Os filhos são uma parte fundamental da família e para aqueles que não conseguem ou podem ter um filho por meios naturais existe o processo de adoção. Adoção nada mais é do que a colocação de uma criança ou adolescente em família substituta, criando uma filiação civil, sempre se levando em consideração o melhor interesse e bem-estar do menor. O fato a ser discutido aqui é: como a evolução das famílias deveria alterar a adoção. Antes um casal homoafetivo não era considerado família e hoje já é. Essa nova realidade trás mudanças no instituto da adoção e quanto aos reflexos dessa nova realidade na vida daquela criança ou adolescentes. Nesse ponto é fundamental a presença do psicólogo para trazer para a letra fria da lei as consequências psíquicas e sócias da adoção por casais homoafetivos.

4- Desenvolvimento

É fato que a sociedade de modo geral não é a favor da adoção por casais homoafetivos. Um dos pontos dessa ideia pode ser atribuída ao desenvolvimento histórico da sociedade brasileira. A grande influência do cristianismo, principalmente o catolicismo romano, prega um conceito de família tradicional, que seja homem (pai), mulher (mãe) e crianças e adolescentes (filhos).

Mesmo com a evolução da legislação, da cultura e dos estudos, principalmente, psicológicos, a cerca dos aspectos positivos e negativos da adoção por casal homoafetivo a opinião geral é de que ela não deva ocorrer. Ou mesmo na possibilidade de acontecer já se discutiu e ainda se discute a necessidade um procedimento especial de adoção para os casais homoafetivos. Tal pensamento fere o principio do melhor interesse do menor, pois a muito é claro para a psicologia que a figuras de pai e mãe não estão ligadas ao sexo e sim a outros fatores. A hipótese levantada de que uma criança com dois pais ou duas mães seria prejudicada socialmente não procede.

Como veremos a frente os conceitos de pai e mãe não estão ligados ao sexo. E se a adoção tem por objetivo “dar” um pai e uma mãe a quem não possui um é errado negar a criança ou ao adolescente uma família. Diante da incapacidade do Direito determinar os efeitos, defeitos e vantagens da adoção homoafetiva é preciso buscar na Psicologia auxilio para ajudar o operador do direito a entender essa questão além na previsão legal.

5- Discussão

     Pode-se dizer que a adoção na espécie humana ocorre de forma generalizada e independe de sua orientação sexual. Afinal, ninguém "nasce" pai ou mãe e, embora "nascer-se filho" seja uma verdade, a paternidade, a maternidade e a filiação não são tidos como procedimentos necessariamente biológicos, naturais ou instintivos para o ser humano. Conforme alguns estudos de cunho sociológico, antropológico, psicanalítico, entre outros, nos revelam. A condição paterna ou materna é algo adquirida, formada, logo, pode-se dizer que toda família se forma a partir de um processo de adoção (de identidade; papel).

     Dessa forma assim considerada, a adoção por casais de quaisquer orientação sexual não enseja diferença em relação à feita por casais heteroafetivos. Se assim o é, não há necessidade também de uma diferenciação do procedimento de adoção para esses casais e muito menos de proibição, pois o importante é garantir a estabilidade da vida da criança a ser adotada, num lar preparado e acomodado ao seu melhor interesse e proteção. A não-necessidade de um procedimento diferenciado se evidencia através dos ensinamentos do psicanalista francês Jacques Lacan, especialmente em sua obra "Nota sobre a criança". Segundo os ensinamentos deste, a família conjugal se mantém ao longo do desenrolar da história humana porque traduz a ideia irredutível da "transmissão de uma constituição subjetiva", implicando a relação com um desejo que não seja anônimo".

     O desejo não-anônimo seria a força motriz que impele uma pessoa a dizer "quero que essa criança seja meu filho" ou "quero que essa criança seja minha filha", uma vez que quando alguém decide tornar-se pai ou mãe, um verdadeiro sentimento de adoção ali nasce e ele é específico. O que se deve analisar, portanto, não é a orientação sexual dos membros daquele casal, e sim até onde vai o nível de consciência daquela pessoa e a profundidade de sua responsabilidade, se há ali um desejo não-anônimo capaz de dizer seu nome e de sustentar as funções paterna e materna para com a criança.

     Ainda perfilhando a obra de Lacan, este diz que a função de mãe é aquela de "que seus cuidados tragam a marca de um interesse particularizado, mesmo que pela via de suas próprias faltas"; e, do pai, "que seu nome seja o vetor de uma encarnação da Lei no desejo". Ao descrever esses papéis, entretanto, percebe-se que Lacan não os direciona a um homem ou a uma mulher. Para ele, o campo da anatomia quanto da distribuição desses papéis é irrelevante e a sexualidade é irrelevante nesse cenário.

     A função materna está associada, em Lacan, aos cuidados com o infante e almeja que esses cuidados comportem uma particularidade, mesmo que baseada nas faltas de quem cuida. A mãe, por experimentar uma falta, pode vir a querer uma criança para corresponder a esse sentimento de vazio e daí viria a responsabilidade que a tornaria interessada nos cuidados dispensados à "sua" criança.

     Nesse mesmo sentido, a função paterna não é fria, não é meramente a transmissão de um nome. Tal nome seria um vetor, o desejo de responder pela nomeação de um filho não é sem Lei. A personificação desta Lei no espaço faz a efetiva consideração de uma criança como filho(a) não ser anônima, pois aquele infante não será mais uma "criança qualquer", pois traduz o nome, a linhagem do pai, a marca de sua família.

     Se, a partir da Psicanálise, poderemos afirmar que “função materna” e “função paterna” não correspondem, necessária e biunivocamente, a uma mulher e a um homem, é porque a correspondência dessas funções com a sexualidade de quem responde por cada uma delas processa-se por contingência: para Lacan, elas não seriam dissociáveis do desejo e da particularidade de quem as encarna, não estariam separadas do encontro – sempre marcado por algum tipo de casualidade, de contingência – entre os sexos.

6- Conclusão

 Na pluralidade das soluções da constituição subjetiva de uma criança, temos relatos cotidianos de que não há uma norma universal para a “criação correta” de crianças: erros e acertos podem acontecer tanto numa família constituída tradicionalmente por seus pais biológicos quanto em “famílias recompostas”, “famílias monoparentais”, “famílias de criação” etc. No entanto, por que tenderíamos a atribuir a função do pai a um homem; a função da mãe a uma mulher; e o par familiar a um casal heteroafetivo? Há, sem dúvida, razões históricas, sociais, culturais e psíquicas em jogo nesse tipo de atribuição, mas a tendência de fazermos destas razões uma necessidade tem a ver também com uma espécie de temor que temos da dimensão do imprevisto e do que nos parece incalculável ou sem avaliação prévia possível.

     A questão, portanto, não é impedir a adoção de crianças por parte de casais homoafetivos por “temermos moralmente” ou “não conseguirmos avaliar científica e precisamente” o que poderá acontecer com elas, e, assim, por preferirmos o conforto do que supomos necessário, porque já é conhecido. Ora, é uma desumanidade atroz e anônima criar filhos sem disposição para enfrentar o que é da ordem do imprevisto.

     Sem dúvida, haverá particularidades e especificidades na adoção de crianças por casais homoafetivos, inclusive porque não se trata de uma experiência ainda comum. Entretanto, dar um amparo jurídico e legal a esse tipo de adoção poderá ser um fator importante para que ela não seja recusada por ser pouco comum. Além disso, particularidades e especificidades não são uma exclusividade da adoção de crianças por casais homoafetivos: a Psicanálise ensina-nos que o particular e o específico são elementos decisivos para a “transmissão de uma constituição subjetiva” promovida por uma família (formada a partir de um casal homoafetivo ou de um casal heteroafetivo), para a formação de “um lar” e para a criação de “uma vida” dignos desses nomes.

7- Referências

ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. 4. ed. São Paulo: Método, 2009.

Autor não especificado. Adoção: um Direito de Todos e Todas. Conselho Federal de Psicologia (CFP). Acessado às 13:30 do dia 15/10/2013 e disponível em: http://www.pol.org.br/pol/export/sites/default/pol/legislacao/legislacaoDocumentos/cartilha_adocao.pdf.

BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 6 Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

BRASIL, Código Civil, Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

BRASIL, Código Civl, Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. (Legislação revogada)

BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.

BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Vol. 6 – Direito de Família. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

NADER, Paulo. Curso de Direito Civil – Direito de Família – Vol. 5. 4. Ed. São Paulo: Forense, 2010.