Crônica - Adiando a morte do Maia

E ali estava eu, defronte à loja do Maia esperando que ele saísse, esperei por uma hora e nada. Estava irritado, o sol estava escaldante, meu humor de uma frieza mórbida e seca. De repente, qual não foi minha surpresa: o Maia sai, mas não sai sozinho, está acompanhado de minha mulher. E como eu iria matá-lo na presença da minha mulher? Tudo menos isso. Sei que sou corno. Sou mesmo e daí? Sou mesmo conformado! Mas ninguém pode acusar-me de ser um insensível. Posso suportar tudo, menos que me chamem insensível.

Um amigo, tentando dissuadir-me do meu propósito: Matar o Maia! Falou-me das intempéries que um conhecido seu sofreu na prisão. E eu com isso?! Sou homem, e homem não sofre o que sofri calado, não. Aquilo fora mesmo um absurdo a ser pago com sangue. E sangue do Maia, ora essa!

Os vi sair - minha mulher e ele. Entraram em meu carro. O Maia estava ao volante, a Cláudia sentou-se no lado do carona e passou o braço em volta do seu pescoço e beijou-lhe demorada e apaixonadamente. Assistia àquela cena perguntando-me: Como o Maia fora capaz de tal ato? Estudamos juntos, fizemos faculdade, dividimos apartamento, ele foi quem me apresentou à Cláudia... Como pôde fazer aquilo? Confesso que não entendo. Não havia alternativa: tinha mesmo que matá-lo!

A Claudinha era uma santa. Amava-me com todas as forças, era um poço de candura e meiguice. Não merecia ouvir as barbaridades que o Maia lhe disse na noite anterior. Contudo, era incapaz de fazer-lhe algum mal a alguém. Eu que deveria cobrar vingança por tamanha afronta. Afinal, ele conseguiu destruir todo o respeito e consideração que nutria pela sua pessoa. O que havia agora era ódio. Ódio profundo!

Não me importava de vê-lo ali a beijar a minha esposa, tampouco saber que ambos estavam indo para um motel de segunda no meu carro e que a conta seria paga pela nossa empresa como despesas de viagens a negócios. - tenho quer admitir o Maia era um cara esperto - nada disso tirava-me o sono, no entanto. Mas ele chamar minha Claudinha de safada na frente de todo o primeiro escalão da empresa só porque ela disse que me amava e não me abandonaria nem por ele nem por nada...

E disse-lhe mais: "– Amo o Maia, não pelo que tem, mas pelo que ele é! Saiba que meu marido me ama, manda-me flores, presentes, viajamos todas as férias, é gentil, meigo e amável. Nunca me xingou ou levantou a voz para mim, tá ouvindo? Nunca!" – contou-me um amigo.

Ela me ama. Eu a amo também, não resta dúvida! E quem ama protege. Por isso não poderia admitir que o grosso do Maia a tratasse assim.    

Isso não posso admitir.

Vi os dois subirem a Avenida do Descobrimento na direção do trevo do Cabral, terei que adiar a morte do Maia. Quem sabe amanhã... Minha Cláudia não suportaria ver sangue, pedaços de gente espalhado pelo asfalto. Se manchasse o estofado do carro ela não me perdoaria, se soubesse que fui eu quem matou aquele desgraçado infeliz era capaz de morrer de desgosto. Afinal ela me amava.

Agora me recordo: a mulher do Maia não é lá muito bonita. Mulher do interior. Morou muito tempo numa fazenda dos avós, estudou pouco, é igrejeira, de olhar cabisbaixo e submisso; calada, sem aquelas vaidades indispensáveis às mulheres. Se tivesse casado com uma mulher sem graça como aquela eu também teria uma amante como a Cláudia.

Ó mulherzinha sem sal.