Idanir Ecco[1]

Tenho o direito de ter raiva,

de manifestá-la, de tê-la como motivação

para minha briga tal qual tenho o direito de amar,

de expressar meu amor ao mundo [...].

A minha raiva, minha justa ira,

se funda na minha revolta

em face da negação do direito de "ser mais",

inscrito na natureza dos seres humanos.

(Paulo Freire)

Catilinária é nome feminino. Portanto, considerando a classe gramatical, na língua portuguesa, é um substantivo. Todos os iniciados no estudo gramatical concordam com tal obviedade.

Para ampliar a compreensão conceitual do substantivo em questão, no entanto, há que se "mergulhar" na História, mais precisamente, na História Antiga Romana. E que mergulho profundo: 2072 anos!

O período histórico compreendido entre 133 a 27 a.C. é um dos mais conturbados da história romana. Roma dominava o mar mediterrâneo e seu entorno. A expansão e o domínio do território romano efetuaram-se pela força ou pelo temor impostos pelo exército. Este período corresponde à pax romana ("a paz romana") gerada pelas armas e pelo autoritarismo. No entanto, o Senado era palco de graves acontecimentos que ditavam os rumos da história do mundo antigo. Um deles, em 63 a.C., foi a conspiração, contra o Senado romano, de Lúcio Sérgio Catilina (108-62 a.C.), um influente político romano que, naquele ano, tramava um golpe de estado, com várias pretensões, dentre elas, tomar o poder e incendiar Roma.

O conluio foi descoberto. E Marco Túlio Cícero (103- 46 a.C.), orador venerado, escritor, advogado e político romano, apoiado pela antiga magistratura romana, que lhe deu poderes especiais, denunciou a conspiração armada em Roma e desmascarou Catilina, em pleno Senado, com quatro discursos que entraram para a história com a denominação de "Catilinárias". Eis um trecho, facilmente encontrado nos livros de história: Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? Quamdiu etiam furor iste tuus nos eludet? Quem ad finem sese effrenata iactabit audacia? (Até quando, enfim, ó Catilina, abusarás da nossa paciência? Por quanto tempo ainda esse teu rancor nos enganará? Até que ponto a -tua- audácia desenfreada se gabará-de nós?).

Por conseguinte, a palavra que etimologicamente deriva do latim, catilinária, oratio catilinário que significa discurso sobre, contra Catilina, designou as fortes acusações feitas contra o referido conspirador, em discursos proferidos porCícero. E, por extensão, significa, imprecação, acusação enérgica e eloqüente.

Na atualidade, Ezequiel Theodoro da Silva, em Raiva e Revolta em Educação, (Autores Associados), brinda-nos com uma catilinária. Opto em transcrevê-la, no seguimento do texto, a título de exemplificação, considerando o significado do termo em questão:

Que saiam do magistério os professores sem compromisso! Que sumam das escolas os peudo-educadores! Que desapareçam os safados fazedores de bico nas salas de aula! Que desçam aos infernos os prepostos e pelegos do sistema! Que se suicidem os que conduzem ao suicídio cognitivo e emocional das crianças! Que sujem, de vez, os que instalam a mediocridade no sistema educacional! Que sejam perseguidos oficialmente os assassinos do ensino! Que se sintam superados os sucateadores do conhecimento! Que sacudam as escolas para que dali sejam expulsos os acomodados e alienados! Que sejam execrados os afeitos à saliva insossa! Que soçobrem, de vez, as mãezinhas assistencialistas! Que suspendam os sublimadores das vontades de transformar e transformar-se! Que sejam silenciadas as cobras criadas da falsa educação! Que se pense em termos de consciência de classe e jamais em termos de voluntarismo inútil! Que suba aos céus e seja disseminada a idéia de que no magistério não cabe a ignorância! (SILVA, 1998, p. 36).

A paciência histórica é uma das virtudes que devemos cultivar. Mas isso não significa indiferença, passividade diante da barbárie, diante da desumanização, diante do desrespeito, diante da corrupção... denotados em diferentes cotidianos. Oxalá que, na atualidade, inúmeras catilinárias sejam proferidas no momento certo, no lugar certo e na hora certa.



[1] Mestre em Educação UPF/RS e Professor da URI Campus de Erechim/RS. E-mail: [email protected]