ESTUDO DE CASO

 

ACORDOS COLETIVOS DE TRABALHO[1]

 

José Muniz Neto[2]

 

  1. 1.                  DESCRIÇÃO DO CASO

 

A empresa ABC Confecções LTDA fora acometida por uma severa crise financeira, a impossibilitando de manter seus postos de trabalho sem que fosse realizada uma redução nas suas despesas, dentre as quais se incluem os salários de seus empregados. Mediante esta situação, celebrou acordo coletivo de trabalho juntamente com o sindicato dos trabalhadores na indústria da confecção do seu município, com o escopo de transigir uma redução salarial de 30% (trinta por cento) sobre o vencimento de todos os seus empregados, indistintamente. A vigência do acordo se estenderia de 1 de junho de 2013 a 31 de maio de 2015.

Destaca-se que os valores remuneratórios mensais das categorias atuantes na mencionada empresa dispõem-se da seguinte forma: R$ 5.000,00 para o gerente-geral, R$ 4.000,00 para cada um dos quatro gerentes de produção, R$ 3.000,00 para cada um dos dez chefes de unidades, R$ 2.000,00 para cada um dos vinte operadores de máquinas especiais e R$ 1.000,00 para cada um dos duzentos e um operários em geral.

No que concerne aos acordos coletivos, relevante se faz tecermos comentários sobre esta fonte do direito do trabalho. Este é instrumento útil pelo qual os sindicatos, no uso de suas atribuições, podem atuar diretamente com o empregador visando à adequação das normas trabalhistas à situação de seus empregadores, bem como alcançar melhorias aos empregados submetidos a esta negociação. Estes acordos são fundados, assim, no princípio da autonomia privada coletiva.

Regulamenta-os a CLT no seu art. 611, §1º:

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho.

§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.

Por fim, cumpre-nos destacar a natureza jurídica deste instrumento adotado pelo direito do trabalho. Segundo os ensinamentos de xxx, a natureza jurídica estabelecida é contratual, decorrendo assim a necessidade de um acordo de vontades como requisito de validade[3]. No mesmo sentido a OJC 2.

  1. 2.                  IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DO CASO

2.1              Descrição da decisão possível

2.2              Argumentos capazes de fundamentar a decisão

2.2.1        O acordo coletivo é ilegal:

  • Limitação ao acordo coletivo definidor de redução salarial: a Constituição Federal, no seu art. 7º, prevê a irredutibilidade salarial, a qual pode sofrer flexibilização através de negociações coletivas. Não obstante a tal possibilidade, tais reduções devem estar devidamente fundamentadas, demonstrando, assim, alguma melhoria ocasionada por tal flexibilização. No presente estudo de caso, no que concerne à redução dos salários dos operários em geral, a redução de 30% reduziria seus vencimentos de R$ 1.000,00 para R$ 700,00, valor este inferior ao salário mínimo vigente no ano de 2014, o qual é de R$ 724,00, conforme o Decreto 8.166/2013. De acordo com os ensinamentos de Luciano Martinez, “a redução das parcelas salariais mediante negociação coletiva não pode aviltar o salário mínimo ou qualquer outra vantagem protegida pelo texto constitucional como direito mínimo”[4]. Assim, o acordo infringe a carta magna, restando clara e evidente sua inconstitucionalidade.
  • Alteração ilícita do contrato de trabalho: segundo o que prevê o art. 468 da CLT, nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
  • Do Salário Mínimo: Dispõe a CLT no seu art. 117 que “será nulo de pleno direito [...] qualquer contrato ou convenção que estipule remuneração inferior ao salário mínimo estabelecido na região, zona ou subzona, em que tiver de ser cumprido”. Tal norma infraconstitucional tem guarida no que fora demonstrado pelo art. 7º da CF, servindo de limitador, núcleo intangível dos direitos do trabalhador. Complementando tal entendimento, o art. 118 disciplina que o trabalhador que tiver seu salário reduzido à importância inferior ao salário mínimo terá direito a buscar jurisdicionalmente o complemento deste mínimo existencial. Por fim, o art. 120 deixa claro e evidente que a conduta do empregador de onerar exponencialmente o vencimento do empregado constitui ilícito, estabelecendo que aquele que assim agir será passível de multa. No mesmo sentido entende a jurisprudência:

REDUÇÃO SALARIAL ILEGAL. DISPENSA INDIRETA CONFIGURADA. I - Só pode haver redução salarial no plano coletivo, por meio de acordo ou convenção coletiva de trabalho regularmente formalizado; mesmo que, de início, o empregado concorde com a diminuição do salário, a redução no âmbito individual é nula, pois fere o princípio da inalterabilidade lesiva e o da irredutibilidade salarial, a teor do art. 468 da CLT e art. 7º, VI, da CF. II - Consumada a redução salarial ilegal, corolário lógico é a caract (TRT-15 - RO: 34340 SP 034340/2005, Relator: EDISON DOS SANTOS PELEGRINI, Data de Publicação: 22/07/2005)

  • Do percentual ilegal da redução salarial: o art. 503 da CLT estabelece que as reduções salariais serão lícitas quando devidamente justificadas e não superiores a 25% dos vencimentos do empregado. Ora, no caso analisado a empresa ABC propôs a redução salarial de 30% para todos os empregados daquela industria, todavia, como demonstrado pelo dispositivo legal mencionado, tal acordo é ilícito para todos os empregados, não se limitando sua ilicitude aos operários. Além desta disposição da CLT, fazendo uma análise sistemática do ordenamento, a Lei 4.923/65 elenca no seu art. 2º, além citada limitação ao percentual de redução dos salários, a observância ao prazo máximo de três meses, prorrogáveis por mais três meses. Desta feita, resta demonstrada a total ilegalidade do acordo analisado, uma vez que estabelece como prazo de redução o período de um ano. Neste sentido, a jurisprudência:

RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. HORAS IN ITINERE A SEREM PAGAS. A flexibilização das relações de trabalho mediante norma coletiva encontra limitação nas garantias mínimas já asseguradas por lei. No caso em tela, as horas in itinere discutidas gozam de previsão legal desde 2011, quando foi inserido o § 2º no art. 58 da CLT. Recurso de revista não conhecido. (TST- RR 1298002920075090562 129800-29.2007.5.09.0562. Relator(a): Augusto César Leite de Carvalho; Julgamento:    09/11/2011; Órgão Julgador:     6ª Turma; Publicação: DEJT 18/11/2011). (grifei)

2.2.2        O acordo coletivo é legal

  • Da função dos acordos coletivos: como enunciado pelo mencionado art. 611, §1º, é facultado aos Sindicatos transigirem acordos coletivos com uma ou mais empresas para estabelecer condições de trabalho no âmbito dos pactuantes, atendendo, portanto, o analisado acordo coletivo aos ditames legais que o rege.
  • Do prazo do acordo coletivo: dentre as correntes que se aplicam a esta questão, o TST adota atualmente a teoria da aderência limitada por revogação, também chamada de ultratividade. Ensina Ricardo Resende que esta consiste numa posição equidistante entre as demais correntes, de forma que as normas coletivas se manteriam em vigor, mesmo que expirada a negociação, até que outra negociação coletiva sobrevenha e a substitua[5]. No mesmo sentido dispõe a Súmula 277 do Tribunal Superior do Trabalho, a qual aduz que “As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho”.
  • Permissão constitucional da redução salarial: conforme disposto no inciso VI do art. 7º da CF, o salário será regido pelo princípio da irredutibilidade salarial, exceto quando disposto em acordo ou convenção coletiva, podendo estas estabelecer a redução dos vencimentos dos empregados. Como sustenta Camila Ettrich[6], tal flexibilização é prevista por dois motivos específicos, quais sejam a autonomia coletiva e a manutenção dos postos de trabalho, face ao risco de falência das empresas por questões financeiras.
  • Da ponderação entre a irredutibilidade salarial X manutenção dos postos de trabalho: como mencionado na descrição do caso, a empresa ABC Confecções passara por uma grave crise financeira, podendo desembocar, inclusive, na sua falência e consequente extinção dos empregos daqueles envolvidos no acordo coletivo. A manutenção dos valores salariais torna insustentável a manutenção das atividades da empresa, de forma que o acordo coletivo, naqueles termos, consistiu no melhor para ambas as partes. Elucida Lopes que o bem principal protegido pelo ordenamento jurídico nas relações trabalhistas é o emprego, haja vista já demonstrada sua essencialidade não só para os trabalhadores individualmente, mas também para toda a sociedade que se utiliza dos produtos e serviços disponibilizados a partir destas relações empregatícias[7].
  • Não recepção constitucional dos limites para redução salarial: como dito anteriormente, a Constituição Federal adotou a possibilidade de flexibilização das normas trabalhistas, contudo não há nenhuma legislação que regulamente esta questão. Ocorre que a doutrina majoritária trabalhista entende que os mencionados arts. 503 da CLT e 2º da Lei 4.923/65 não foram recepcionados pela carta magna, pela simples aferição do que dispõe o seu art. 7º. Ademais, a própria jurisprudência do TST, pela leitura da OJ Transitória nº 73, permite aos órgãos representativos de classe bastante autonomia para assim preencher as lacunas da lei e, mais importante do que isso, adequar cada vez mais as normas trabalhistas ao caso concreto[8].

2.3              Descrição dos critérios e valores envolvidos em cada decisão

2.3.1        Da ilegalidade do acordo coletivo

  • Irredutibilidade salarial;
  • Salário mínimo enquanto mínimo existencial;
  • Alteração ilícita do contrato de trabalho, uma vez que traz prejuízos à categoria dos operários em geral;
  • Percentual abusivo de redução salarial.

2.3.2        Da legalidade do acordo coletivo

  • Acordos coletivos como meios de adequação da norma trabalhista ao caso concreto;
  • Legalidade do prazo do acordo coletivo;
  • Permissão constitucional da redução salarial quando fundamentada;
  • Ponderação entre a irredutibilidade salarial X manutenção dos postos de trabalho;
  • Não recepção constitucional dos limites para redução salarial;
  • Flexibilização das normas trabalhistas.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho. Decreto- Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 24 de setembro de 2014.

___________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.  Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 de setembro de 2014.

___________. Lei nº 4.923, de 23 de dezembro de 1965. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4923.htm. Acesso em: 24 de setembro de 2014.

 

ETTRICH, Camila da Gama. O princípio da irredutibilidade salarial e as limitações à execução do artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2011. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/36537/000818073 .pdf?sequence=1. Acesso em: 24 de setembro de 2014.

 

HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook)

 

LOPES, Otavio Brito. Limites Constitucionais à Negociação Coletiva. Vol 1. N. 9. Brasília: Revista Jurídica Virtual, Presidência da República, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_09/neg_coletiva_Otavio.htm. Acesso em: 24 de setembro de 2014.

 

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. (ebook)

RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 4ª. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. (ebook)

 

 



[1] Sinopse de Case Institucional apresentado à disciplina Direito Coletivo do Trabalho do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Aluno do 8º período noturno do Curso de Direito da UNDB.

[3] HINZ, Henrique Macedo. Direito coletivo do trabalho. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 180 (ebook)

[4] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. P. 673 (ebook)

[5] RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. 4ª. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014. P.5330 (ebook)

[6] ETTRICH, Camila da Gama. O princípio da irredutibilidade salarial e as limitações à execução do artigo 7º, inciso VI, da Constituição Federal. Trabalho de Conclusão de Curso. Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 2011. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/ handle/10183/36537/000818073.pdf?sequence=1. Acesso em: 24 de setembro de 2014. P. 34

[7] LOPES, Otavio Brito. Limites Constitucionais à Negociação Coletiva. Vol 1. N. 9. Brasília: Revista Jurídica Virtual, Presidência da República, 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_09/neg_coletiva_Otavio.htm. Acesso em: 24 de setembro de 2014.

[8] ETTRICH, Camila da Gama. Op cit. P. 44-53