DISPERTANDO PARA O DIREITO ECONÔMICO

 

 

JOEL JOANINO DE CAMPOS JUNIOR

 

 

O conhecimento é uma tarefa árdua que envolve dedicação e disciplina. No direito devemos nos preocupar em indagar questões que repercutem na vida das pessoas almejando sempre condições mais benéficas, certos que a emancipação vem através do conhecimento.

Neste trabalho faremos uma análise do panorama geral dos crimes contra o sistema financeiro tentando buscar a repercussão jurídica e social contrapondo-as de forma a refletir sobre os impactos em nossa sociedade.

            O Estado liberal é marcado por avanços e retrocessos. A criação desse paradigma trouxe a liberdade ao povo que estava cansado de viver oprimido pelo absolutismo, porém a abstenção do estado gerou grande desigualdade social e a proliferação da miséria. Assim, repudiando o liberalismo como modelo de gerenciamento das relações sociais, o francês Lacordaire declarou que “entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta.”

Diante desse contexto, se fez necessário uma mudança de estado, surge então o estado social, o estado paternalista, com isso houve um grande crescimento da máquina estatal. O estado passa a ser provedor não mais das garantias de liberdades individuais como também os chamados direitos de segunda geração, direitos de igualdade. O descrédito do estado social veio com o reconhecimento de sua incapacidade de prover todas as garantias prometidas. O estado social é um estado pesado, caro, os seus gastos superam e muito suas receias. Como toda empresa que gasta mais do que arrecada vai à falência com o estado não poderia ser diferente. Assim, o estado social fale fazendo necessário uma nova mudança de paradigma.

            Nesse sentido, surge o estado democrático de direito, um estado que se legitimou com o povo, um estado fundamentado na maioria pluralista e no respeito aos direitos da minoria. Esse se caracteriza pelo grande respeito da opinião pública, por assegurar a participação da sociedade civil e pela garantia de que o ordenamento jurídico não pode desviar dos anseios de seus destinatários.

            Em meio a esse cenário surge o movimento neoliberal que se caracteriza pela mínima participação do estado na economia, abertura econômica para as multinacionais, redução do estado empresário, flexibilização trabalhista entre outras não menos importantes.

Junto a esse movimento veio grandes empresas, verdadeiras potências econômicas, que são capazes de falir uma nação.

            Nesse diapasão, mister se faz a intervenção do estado regulamentando a economia com o viés administrativo, tributário e penal,

            Feita essa breve retrospectiva, oportuno agora discorrer sobre os crimes de colarinho branco. O mais comum desses crimes é a remessa ilegal de dólares para o exterior. Não há grande comoção social a respeito desse tipo de crime. A sociedade de forma geral não reconhece as mazelas provocadas por eles, afinal não há repercussão na mídia! Porém tais crimes são muito piores que um furto ou roubo de celular, pois nos crimes contra a ordem econômica toda a coletividade sofre diretamente. A evasão de divisas, a sonegação fiscal, insider trading, e outros crimes do colarinho branco retiram da sociedade os investimentos em saúde, educação, redistribuição de renda e como conseqüências freiam ou até mesmo retrocedem o desenvolvimento social.

            Um discurso comum é a critica que se faz ao sistema penal brasileiro. O garantismo penal está se tornando uma ferramenta para criticar a pouca construção legislativa a cerca da tipificação penal dos crimes econômicos.

            A professora Daniela Villani Bonaccorsi em artigo intitulado como ’A ofensa aos princípios constitucionais garantidores nos crimes econômicos de perigo’ entende que:

 

 

As mutações sociais desencadeadas pela globalização econômica e pelo capitalismo neoliberal derramaram efeitos no âmbito penal, de tal modo que a criminalidade tradicional, caracterizada pela lesão a bens ou interesses de cunho individual, cede espaço a crimes que atingem bens jurídicos coletivos e transindividuais.

Esta proliferação de novos crimes, inúmeros caracterizados como crimes de perigo abstrato, não têm encontrado amparo em princípios axiológicos ou um modelo garantista, mas numa ampliação da intervenção penal, com tendências preventivas e, muitas vezes, abusivas.

 

 

            A intenção da autora foi evidenciar que o nosso discurso jurídico penal não está baseado nos moldes do garantismo penal e que as construções legislativas baseadas no discurso preventivo violam alguns princípios penais.

            Nesse mesmo sentido, BRODIT citado por Daniela afirma que: “o reconhecimento da existência de um núcleo inviolável de direitos, constituído

pelos direitos fundamentais, cuja tutela é a prioridade máxima do Estado e que não podem ser suprimidos nem mesmo a pretexto de atender à vontade da ampla maioria.

            Noutro vértice, deve-se levar em consideração que a nossa constituição em seu próprio preâmbulo se destina a assegurar não só o exercício dos direitos individuais, mas também os direitos sociais e desenvolvimento. Nesse sentido o artigo 192 da nossa carta mor afirma que o nosso sistema financeiro é estruturado a fim de promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade.

            Ferrajoli também citado por Daniela afirma que “Temos assistido a uma crescente antecipação de tutela, mediante a configuração de delitos de perigo abstrato, com caráter hipotético e muitas vezes improvável do resultado lesivo e pela descrição aberta e não taxativa da ação”.

Data vênia ao doutrinador, mas não podemos deixar de levar em consideração que as normas reguladoras da economia exigem um dinamismo maior que as outras áreas do direito. A economia exige um grande dinamismo em sua regulação sob pena de desacelerar o crescimento econômico o que seria prejudicial a toda coletividade.

Na visão da autora supracitada afirma que apesar da proteção constitucional da ordem econômica a proteção penal seria cabível quando houvesse proteção ao bem jurídico dessa forma ressalta que: “Há inobservância ao Princípio da Ofensividade na incriminação de condutas que não trazem a possibilidade concreta de dano, porque não basta uma constatação meramente formalista do delito, mas uma relevância quando o bem jurídico passa a ser concretamente afetado.”

Por outro lado, de acordo com o jurista alemão Robert Alexy, em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, o conceito de norma jurídica, entendida como o significado de um enunciado normativo identificado pela expressão de uma modalidade deôntica (dever ser), abrange tanto as regras quanto os princípios, porque ambos dizem o que deve ser. (Teoria dos Direitos Fundamentais, São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 87)

Assim, de um lado teríamos o princípio da ofencividade como uma razão para a não intervenção penal quando não for constatada a possibilidade concreta de dano, e, de outro, proteção da ordem econômica como uma razão para a criação de tipos penais de mera conduta.

Considerados isoladamente, os mencionados princípios conduzem a uma contradição. Se houvesse apenas o princípio da ofencividade a não intervenção penal na economia quando não trouxesse a possibilidade concreta de dano seria obrigatória. Se houvesse apenas o princípio da proteção da ordem econômica a medida acima seria proibida, sendo obrigatória a criação de tipos penais de mera conduta.

Se considerarmos os princípios e as regras como razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécies muito diferentes, poderíamos identificar, no caso em tela, dois princípios, ou melhor, duas razões para juízos concretos de dever-ser antagônicos.

Portanto, para a solução dessa tensão faz-se necessário uma profunda análise do caso concreto a fim de se estabelecer as condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro.

            Dessa forma, entendo que para o melhor desenvolvimento social e econômico da coletividade não é necessário a observância do princípio da ofencividade haja vista que isso poderia gerar um retardo no plano econômico e social.

Conclusão

 

 

O presente trabalho teve como objetivo provocar uma reflexão crítica a cerca dos crimes do colarinho branco. Em momento algum foi objetivo nosso abordar o tema de forma exauriente, pelo contrário, com nossa visão bastante apaixonada buscamos criticar os males que nossa insipiente legislação econômica provoca. Certo de que de nosso dever de operador do direito não se restringe apenas ao bom manuseio das ferramentas jurídicas, mas acima de tudo zelar pelo desenvolvimento de nossa consciência coletiva buscando sempre a reflexão que nos faça crescer coletivamente.

“Desperta tu que dormes!”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros Editores, 2008. p.87

 

 

BONACCORSI, Daniela Villani. A ofensa aos princípios constitucionais garantidores nos crimes econômicos de perigo. FMD PUC Minas, Belo Horizonte. Disponível em <http://www.fmd.pucminas.br/Virtuajus/1_2009/Docentes/A%20ofensa%20aos%20principios%20constit.pdf>. Acesso em 06 maio 2012.

 

 

 

FERRAZ, Leonardo de Araújo. Da teoria à crítica princípio da proporcionalidade: uma visão com base nas doutrinas de Robert Alexy e Jürgen Habermas. Belo Horizonte: Dictum, 2009. 189 p. Apresentada anteriormente como Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Programa de Pós-Graduação em Direito

 

 

FORNAZARI JUNIOR, Milton. Evasão de divisas: breves considerações e distinção com o crime de lavagem de dinheiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 14, n. 2015, 6 jan. 2009 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/12160>. Acesso em: 5 maio 2012.