O governo federal brasileiro investe bilhões de reais em atendimento assistencial e essa opção se reflete na iniciativa privada. A Filantropia Empresarial é compensatória, imediatista, adotada por decisão individual, se limita a favorecer parcelas de segmentos da população por caridade e não requer gerenciamento. Pinto (2005) afirma que a filantropia tende a gerar dependência, o que reduz a qualidade da contribuição social das ações adotadas, enquanto que Responsabilidade Social é uma tendência mundial com consequências mais complexas que as ações assistenciais.
A Responsabilidade Social Empresarial (RSE) é abrangente e sintonizada com as estratégias da empresa, tem princípios, requer gerenciamento e convencimento de como devem ser as relações da organização com seus diversos públicos, e sua finalidade é o fomento à cidadania. No universo das grandes empresas do país, Educação é a política pública que mais tem sido priorizada, de acordo com o Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE). O censo GIFE 2004 registra que 87% dos associados investem em projetos educacionais, 54%, em cultura e artes, 48%, em desenvolvimento comunitário e 43%, em assistência social.
Em 2008, o GIFE reunia 112 empresas de grande porte, o que representa menos de 0,02% das empresas no Brasil, conforme estimativa sobre esse número total do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). E nesse universo mais amplo, o empresariado brasileiro é menos responsável e mais filantrópico.
O alinhamento do empresariado com o governo brasileiro, em relação à prioridade do atendimento assistencial, filantrópico, gerador de dependência, não emancipador e não fomentador de cidadania é facilmente percebido no estudo sobre a evolução da ação social das empresas privadas no Brasil, publicado pelo IPEA em 2006. A Pesquisa Ação Social das Empresas é a primeira investigação com dados comparativos no tempo para o universo das empresas brasileiras formais com um ou mais empregados, localizadas em todas as regiões do país, nas capitais e no interior dos estados, da participação do setor empresarial em atividades sociais voltadas para as comunidades mais pobres. Esse mapeamento da atuação social das empresas de todos os portes, setores e regiões do Brasil compreende dados de 1999 a 2001 e de 2004 e 2005, uma série histórica sobre o comportamento das empresas na área social, permite, de maneira inédita, acompanhar a evolução da iniciativa privada, identificar o que fazem as empresas, como atuam e por quais motivos, além de perfilar atendimento e operacionalização das ações no país.

Ações das empresas
Aumentou no Brasil a proporção de empresas que investem em ações sociais, porém, o valor total investido não aumentou na mesma medida e caiu o percentual correspondente ao Produto Interno Bruto (PIB), registra a pesquisa do IPEA.
A participação empresarial passou de 59% em 2000 para 69% em 2004, e foi generalizado o crescimento na proporção de empresas que declararam realizar algum tipo de ação social para a comunidade, ocorreu por região, por setor de atividade econômica e por porte. Dentro do universo de empresas no país, estimado em 871 mil formais lucrativas com um ou mais empregados, cerca de 600 mil empresas atuam voluntariamente em prol das comunidades, de acordo com estatística expandida da amostra da segunda edição da pesquisa. Comparando com a primeira edição, são quase 140 mil empresas a mais.
Apesar do aumento no número de empresas que investem na área social, o valor permaneceu inalterado em cerca de R$ 4,7 bilhões. E esse valor, que em 2000 correspondeu a apenas 0,4% do PIB do país à época, representou ainda menos em 2004, foi correspondente a 0,27% do PIB brasileiro naquele ano - é ainda parte bastante pequena da soma de todas as riquezas aqui produzidas.
As empresas continuam a concentrar seus investimentos em Assistência Social e Alimentação, no entanto, a prioridade foi invertida, deixou de ser em assistência (41%, era 54%) e passou a ser em alimentação (52%, era 41%). O estudo destaca também o crescimento das ações em Saúde (+ 7%), Lazer e Qualificação Profissional (+ 12%).
Além do perfil do atendimento privado ainda ser predominantemente emergencial, concentrado em alimentação e assistência, e com aumento em Saúde, as políticas públicas de Educação e Meio Ambiente merecem parca atenção do empresariado, apesar de serem de estratégicas para a gravidade da situação educacional no Brasil e da questão ambiental no mundo. Educação deixou de ser a terceira prioridade para as empresas e cresceu pouco a proporção de ações educacionais (apenas + 4%). Meio Ambiente já não estava antes entre as cinco principais prioridades e passou a ser a última, diminuiu a proporção de ações ambientais por parte das empresas.
O mapeamento do IPEA elenca as principais ações desenvolvidas pelas empresas em 2000 e 2004 no país: Alimentação (subiu de 41% para 52%), Assistência Social (caiu de 54% para 41%), Saúde (subiu de 17% para 24%), Educação/alfabetização (subiu de19% para 23%), Lazer/recreação (subiu de 7% para 19%), Desenvolvimento comunitário e mobilização social (caiu de 19% para 18%), Esporte (caiu de 17% para 15%), Qualificação Profissional (subiu de 2% para 14%), Cultura (caiu de 14% para 13%), Segurança (caiu de 13% para 7%) e Meio ambiente (caiu de 9% para 7%). Grandes empresas teem maior capacidade de investimento, direção profissional, exigências mais rígidas de mercado e interesses econômicos para seguir as tendências mundiais de responsabilidade social e ambiental. Muitas operam no Brasil sob orientação de matriz estrangeira. Algumas agregam a seus negócios o valor de suas ações responsáveis, como é o caso da Natura, a estratégia se estende até sua publicidade e forja a imagem de sustentabilidade da empresa que se comprova em produtos, relações com comunidade, funcionários e sociedade. Outras usam suas ações socioambientais como apelo promocional de venda, como é o caso da Coca Cola, que mantém um instituto e elege uma semana para faturar divulgando que os recursos serão destinados para que a empresa invista nos projetos que apóia. Uma parte divulga sua atuação com requinte e em todos os meios de massa para, ao que parece, esconder da sociedade impropriedades nos negócios, como é o exemplo da Petrobras com seu diesel cheio de enxofre que é vendido no país sem respeito às leis, aos cidadãos e ao ambiente, e com seus critérios obtusos para escolher beneficiários de seus investimentos em áreas classificadas como de responsabilidade.
Conforme adverte a socióloga Anna Maria Peliano, RSE é mais que ação social, pois está ligada à atitude ética e transparente da empresa com seus diversos públicos. Só dinheiro não resolve, assim como o Estado não pode repassar suas obrigações para a iniciativa privada.

Demagogia Filantrópica
As empresas atuam, essencialmente, por meio de doações (apenas 3% criam ou desenvolvem projetos), ainda predomina a atuação na vizinhança (apenas 15% declararam atuar dentro das próprias empresas ou de suas filiais e 5% em outros municípios) e aumentou eventualidade do atendimento (menos empresas atuando habitualmente, redução de 16%).
A filantropia ainda é maior o impulso da ação social empresarial, apesar de ter caído a proporção de empresas do país que realizam atividades sociais por motivos humanitários (de 76% para 57%). O segundo maior motivo das empresas continua a ser atender aos habitantes das proximidades do negócio (38%).
A edição 2005 da pesquisa Responsabilidade Social das Empresas - Percepção do Consumidor Brasileiro, iniciativa do Instituto Akatu e do Instituto Ethos, apontou uma "grande oportunidade de diferenciação para as empresas dispostas a arriscarem seus projetos de compromisso com o bem-estar social e proteção ao meio ambiente", pois o que o consumidor espera das empresas é Responsabilidade Social (88%). Em seu lançamento, Ricardo Young, do Instituto Ethos, ressaltou que as "empresas devem estender a sua cota de responsabilidade num tecido social mais consistente, mais até que as empresas de países desenvolvidos, que tem a economia mais consolidada. Empresas com estratégia empresarial, se não levam em conta a cidadania, estão longe da realidade do consumidor".

Estratégias Empresariais
Aumentou nas empresas a informalidade do atendimento (menos empresas integram ações sociais em suas estratégias, de 68% passou para 57% as que realizam como estratégia), a responsabilidade pela realização de ações sociais ainda é dos donos (tendência de maioria mantida, em 56% é decisão do dono e em 23% é decisão da diretoria), as parcerias são limitadas (57% não contam com parceiros, 31% contam com parceiros e entre as que fazem parcerias quase 60% são empresas com mais de 500 funcionários) e a participação dos empregados continua baixa (caiu de 34% para 31%).
De maneira expressiva, cresce a atuação impulsionada pelo atendimento a demandas de entidades governamentais ou comunitárias (de 33% para 47%) e de campanhas públicas como enchente, seca, fome (de 14% para 22%). Por outro lado, caiu a proporção de empresas que atuam pelo motivo de aumentar a satisfação dos empregados (de 25% para 20%).E aumentar a produtividade e melhorar a qualidade do trabalho são, notadamente, motivos menores para as empresas investirem em ações sociais, mantidos em último lugar e com queda na proporção (de11% para 6%).
A pesquisa Responsabilidade Social das Empresas - Percepção do Consumidor Brasileiro (Akatu e Ethos) registrava em 2005 que para o consumidor brasileiro as empresas socialmente responsáveis devem: tratar os empregados de forma justa (24%), proteger o meio ambiente (11,1%) e criar empregos e dar suporte a economia (17,5%).

Desdobramentos Sociais
O foco ainda é o público infantil. 62% da atuação empresarial na área social são destinadas a Crianças, essa proporção foi mantida nas duas edições da pesquisa. As mudanças destacadas são crescimento da atuação com foco em Idosos (de 23% para 39%), em Portadores de doenças graves (de 7% para 17%) e na Comunidade em geral (de 27% para 31%), e a queda acentuada no atendimento a Famílias, era o segundo foco e passou a ser o penúltimo (caiu de 40% para 15%).
A maioria das empresas continua focando Crianças como seu público prioritário, o que seria indicativo da "persistência de um entendimento generalizado entre os empresários do País de que esse grupo etário é o mais vulnerável, necessitando, portanto, de uma atenção especial". Mais empresas atuando em benefícios dos Idosos e dos Portadores de doenças graves, além do crescimento de ações para Jovens (de 25% para 30%) e da redução das ações para Família, indicaria maior definição, por parte das empresas, da população alvo de seu investimento. E o mapeamento do IPEA mostra que esse novo perfil referente ao foco tem coerência com as ações das empresas no Brasil. Relacionados os dados, é possível supor que a maior proporção de empresas que passaram a atuar em Alimentação, Lazer e Qualificação Profissional atende proporcionalmente mais a Comunidade em geral e Jovens, assim como atividades de Saúde é provável que tenham sido direcionadas "em boa medida para os idosos e os portadores de doenças graves".
O investimento governamental em assistencialismo, de quase R$ 6 bilhões, é maior que o de empresas em ações sociais em 2005, apesar de não garantir ganhos em termos de capacidade de escolha por maior e melhor educação, qualificação profissional, planejamento familiar, alimentação nutritiva (menos consumista, mais consciente). Cabe ao poder público o planejamento estratégico da execução de políticas públicas sociais e a viabilização do atendimento das necessidades dos diversos segmentos da população, e não somente tutelar grande parcela da população com assistência financeira mantenedora de miséria e ignorância.
A empresa que segue os princípios de responsabilidade socioambiental administra e executa políticas públicas da maneira como deveria se comportar o Estado. O papel da instituição Estado não se substitui, mas, é tempo da eficiência da sustentabilidade influenciar as ações governamentais. Oded Grajew, do InstitutoEthos de Empresas e Responsabilidade Social, que reúne 991 associadas, explica que somente políticas públicas são capazes de universalizar o atendimento e promover justiça social. Entre elas, Educação é considerada a chave do sucesso por Fernando Rossetti, do GIFE.

Imagem junto às comunidades atendidas
O mapeamento do IPEA revela recuo acentuado do percentual de empresas que realizam ações sociais com o objetivo de melhorar sua imagem (de 26% para 14%). Também houve queda na proporção de empresas que percebe como resultado de sua atuação social a melhoria de sua imagem (de 26% para 19%). Assim como melhorar a imagem não é o impulsionador da ação social, tampouco é percebido como resultado dela.
A Pesquisa Responsabilidade Social Empresarial - Percepção do Consumidor Brasileiro, na edição 2006 e 2007 (Akatu e Ethos), aponta que o principal desafio das empresas que incorporam os princípios da RSE em suas práticas é enfrentar a desconfiança do consumidor em relação à atuação empresarial. Informações muito fragmentadas sobre as práticas da empresa em RSE e a distância entre expectativas da sociedade e percepção do que as empresas estão fazendo geram desconfiança do brasileiro em relação às empresas. Superar o desafio de se comunicar adequadamente com seu público, informando consumidores sobre suas ações de responsabilidade e a sustentabilidade de seus produtos e serviços, é distinguir a atuação empresarial como baseada em valores e princípios éticos consistentes, ao contrário de mera "tentativa de manipulação da imagem mercadológica da empresa", esclarece Helio Mattar, do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente.

Conclusão
A sociedade brasileira tem pouco acesso ao que faz o empresariado em termos de responsabilidade socioambiental para o país. Dados disponíveis indicam que grandes, médias, pequenas e micros empresas investem sem tanto vínculo com os princípios da Responsabilidade Social Empresarial, seguindo a tendência assistencialista do governo federal, distantes da percepção do que querem os consumidores, com imagem e atuação mais filantrópica que responsável.
A iniciativa privada, de alguma maneira, acaba por reproduzir a conduta pública. Se os governos são corruptos e corruptores, pouco técnicos e mal planejadores da execução de políticas públicas, se desmoralizam instrumentos legais de proteção ambiental, se priorizam o assistencialismo, é mais difícil para o empresariado estabilizar suas condutas a princípios de sustentabilidade.
É deveras preocupante a tímida a atuação empresarial nas políticas públicas de Educação e Meio Ambiente no Brasil. Reduzir a pobreza não se limita a prover alimentos. Educação se constitui em imprescindível recurso para empregabilidade que, por sua vez, sustenta as condições dignas de acesso à alimentação. Os investimentos empresariais devem ser relevantes financeiramente e também em seus impactos, para tanto não basta investir mais recursos, é essencial empreender gestão de responsabilidade nas empresas e gestão de políticas públicas nas administrações do país, de estados e municípios, coordenação dos desdobramentos sociais necessários como resultados de planejamento estratégico privado e público.
É importante a sociedade conhecer, compreender e cobrar os princípios da RSE que o empresariado deve seguir, que merecem ser constantemente repetidos: contribuir para o desenvolvimento sustentável, respeitar os direitos humanos, estimular a geração de capacidade local, criar oportunidades de emprego, não procurar nem aceitar isenções sobre normas ambientais, de saúde, segurança e higiene, trabalhistas, fiscais e outras regulamentações e abster-se de qualquer ingerência imprópria nas atividades e políticas locais.
O perfil brasileiro de atendimento e operacionalização de responsabilidade socioambiental precisa ser caracterizado como eficiente, estratégico, fomentador de cidadania, resultante do pensamento ético interno que gera retorno para funcionários, fornecedores e sociedade, e influir no fator de competitividade, com reconhecimento por toda sociedade. Para isso, o empresariado tem que incorporar valores que configuram o comportamento ancorado pelos princípios da Responsabilidade Social Empresarial, redefinindo papel e função das empresas para produzir valor econômico e também valores social e ambiental para o país. Sejam grandes, multinacionais, nacionais, médias, pequenas ou micro, as empresas no Brasil podem e precisam fazer mais e melhor, nesse sentido, questões sociais e ambientais devem ser incluídas, estrategicamente, em todos os níveis de decisão da iniciativa privada.

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