Uma das minhas propostas ao escrever estes artigos é a de discutir de forma mais sistemática assuntos que se relacionam perfeitamente com o universo do jovem. Engana-se quem pensa que eles fundamentam suas vidas nos jogos online e nas baladas. Os jovens encontram-se confusos e precisam de orientação… sobretudo quando se trata da maneira como lidar com o próprio corpo e com doenças silenciosas. Cuidar da saúde, buscar ajuda de um médico e tratar-se no tempo correto é uma necessidade urgente e a época em que eles estão na escola é a mais fácil de atingi-los.

Educação Preventiva nas Escolas

Existem basicamente três modelos de prevenção: o amedrontador, o de educação continuada e o de redução de danos.

O modelo amedrontador utiliza-se de métodos que buscam assustar o público-alvo por meio de, por exemplo, palestras com exibição de fotos de pessoas muito doentes, feridas, magras, desfiguradas; divulgação de óbitos; exagero e/ou ênfase nos sintomas etc.

O modelo de educação continuada baseia-se na formação de multiplicadores, de sorte que o público-alvo possa trabalhar por si só, a partir das informações recebidas, dando continuidade ao trabalho. Este modelo pressupõe a criação de mecanismos que possam combinar sensibilização com atualização constante das informações; que levem cada multiplicador a ser sujeito de seu processo; que permitam a construção do programa de prevenção de forma coletiva, possibilitando a troca não só de informações, mas também de angústias, êxitos e fracassos. Neste modelo, o trabalho coletivo tem maiores possibilidades de sucesso, sendo por isso o mais adequado para se desenvolver em escolas.

O modelo de redução de danos trabalha a prevenção buscando reduzir as situações de risco mais constantes para um determinado público-alvo, embora não trate de todas as situações de risco à saúde. O melhor exemplo de uso deste modelo na prevenção de AIDS é o da troca de seringas entre usuários de drogas injetáveis.

AIDS na Escola

Discutir AIDS na escola é uma oportunidade ímpar de resgatar a permanente discussão em torno de seu papel e de sua concepção pedagógica, bem como de redescobrir sua própria comunidade.

Mudanças de postura só são possíveis com a contínua discussão/reflexão sobre temas que possam ser tabu numa comunidade ou que possam gerar discriminações. Na escola, no entanto, esta ação contínua exige preparo e calma: os resultados não são imediatos e o processo de envolvimento da comunidade escolar às vezes é muito mais lento do que se imagina. É preciso reduzir as expectativas e ter claro que se está lidando com temas complicados do ponto de vista de nossa herança cultural. Quanto mais próxima estiver a escola da realidade de sua comunidade, mais facilmente elaborará as estratégias de sensibilização e envolvimento dos indivíduos num programa de prevenção.

A escola é, por definição, um espaço de socialização do saber, sendo frequentemente, no Brasil, o único espaço em que a criança pode receber e trocar informações. Algumas vezes, porém, a escola está mal preparada e divulga informações mal-elaboradas, distorcidas e carregadas de preconceitos, principalmente no que concerne à AIDS - por tratar-se de uma doença nova, é bastante natural que muitos professores se sintam despreparados para abordar as questões com as quais a epidemia os confronta. Por outro lado, infelizmente, a ação preventiva não tem sido alvo das atenções e do empenho que deveria merecer em um país como o nosso. No caso da AIDS, este fato pode vir a ter consequências mais graves.

Ninguém - pessoa ou instituição - vai resolver o problema da AIDS sozinho. O trabalho dirigido para o controle e a prevenção da epidemia ultrapassa os limites da escola e abrange necessariamente a família e a comunidade. A família, muitas vezes, desconhece o assunto ou prefere evitá-lo por vergonha, medo, desconfiança, falta de abertura com os filhos. O mesmo ocorre, aliás, com professores e funcionários de escolas.

De pouco servirá um programa de informação e esclarecimento dirigido aos alunos, se os próprios professores, funcionários e pais de alunos não estiverem minimamente esclarecidos ou, ao menos, garantirem apoio ao programa. Uma criança que recebe na escola uma informação correta sobre a AIDS, mas é confrontada em casa, ou até mesmo em sala de aula, com pais e professores mal-informados ou com informações contraditórias frequentemente divulgadas pela televisão e pela imprensa, permanecerá confusa, continuando vulnerável aos perigos de infecção. No entanto, se bem-informada e segura de si, a criança pode ser um ótimo multiplicador no espaço familiar, desde que tenha uma atmosfera doméstica que lhe permita abordar a questão.

Por isso, antes de organizar um programa de prevenção na escola, é importante reunir a comunidade escolar e falar abertamente do assunto. Em virtude de cada escola conhecer a comunidade à qual presta serviço e sua problemática específica e de cada Conselho de Escola e/ou APM ter características próprias que devem ser levadas em conta na discussão sobre a AIDS, compete à escola decidir a melhor maneira de apresentar a questão.

Para nos protegermos da infecção pelo HIV, somos obrigados a repensar e a modificar alguns de nossos comportamentos mais íntimos. A experiência mostra, contudo, que a difusão de informações corretas não é suficiente para convencer as pessoas a alterar comportamentos profundamente arraigados em nossa cultura, sendo assim importante saber que serão necessários vários anos de trabalho para se conseguir um resultado preventivo efetivo. Campanhas isoladas, projeções de vídeos e realização de palestras podem ajudar, mas dificilmente serão suficientes para levar à adoção de comportamentos preventivos.

A AIDS trouxe um novo desafio para nossa sociedade, um desafio que deve ser enfrentado coletivamente, pois o que está em pauta são realidades sociais e culturais que determinam nosso comportamento e que exigem tempo para sua transformação. Assim, a prevenção da AIDS passa necessariamente por um debate democrático sobre assuntos delicados. Conversar e informar sobre práticas e comportamentos sexuais adequados para reduzir o risco de infecção não significa, contudo, interferir nos valores de uma pessoa ou tentar impor-lhe determinados comportamentos; significa, sim, oferecer opções e criar condições para que as informações possam ser interiorizadas e utilizadas individualmente sempre que necessário. Considerando-se que cada indivíduo deve ter liberdade para decidir livremente sobre os comportamentos preventivos que pretende adotar, o debate sobre a AIDS deve ser livre, científico e democrático. A adoção de posturas repressivas e o recurso ao medo, além de não serem adequados ao mundo que queremos, serão sempre contraproducentes. A pedagogia moderna sabe disso.

A AIDS nos obriga a um confronto com nossos medos e preconceitos. O conhecimento científico demonstra que, ao contrário do que muitos ainda pensam, a presença de alunos, professores e funcionários com HIV não representa perigo de infecção para os demais. A divulgação sistemática desse conhecimento permite eliminar o medo, ajuda a evitar a discriminação e os preconceitos e possibilita uma reflexão serena sobre o assunto. Uma escola que ignora o que já foi provado pela ciência e discrimina pessoas que estão com HIV/AIDS é uma escola tomada pelo obscurantismo e pela ignorância sobre a realidade da epidemia.

Nas palavras de Herbert DANIEL, "pode-se dizer, sem recorrer a qualquer metáfora, que a nossa sociedade está doente de AIDS. Doente de pânico, de desinformação, de preconceitos, de imobilismo diante da doença real. Medidas eficazes contra a epidemia de HIV passam por medidas concretas de combate ao vírus ideológico. Isto significa: informação correta, ações eficientes, desmistificação do medo, esvaziamento dos preconceitos, exercício permanente da solidariedade".