Como reivindicações morais, os direitos humanos nascem quando devem e podem nascer, ou seja, para Piovesan "os direitos humanos não nascem todos de uma vez nem de uma vez por todas" e ainda, "os direitos humanos não são um dado, mas um construído, uma invenção humana em constante processo de construção e reconstrução... fruto da nossa história, de nosso passado, de nosso presente, fundamentado em um espaço simbólico de luta e ação social". Isso que dizer que os direitos humanos compõem a nossa resistência, na medida em que traduzem "processos que abrem e consolidam espaços de lutas pela dignidade humana realçam, sobretudo, a esperança de um horizonte moral, pautado pela gramática da inclusão, refletindo a plataforma emancipatória de nosso tempo" (PIOVESAN, 2005, p, 46-47).
No mesmo sentido, Boaventura de Souza Santos (2003, p. 56) afirma que a exigência do reconhecimento das diferenças e da redistribuição permite a realização da igualdade nas diferenças. Ainda acrescenta:

...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.

É nesse cenário que as Nações Unidas aprovam, em 1965, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, ratificada hoje por 167 Estados, dentre eles o Brasil (desde 1968).
Desde seu preâmbulo, essa Convenção assinala que qualquer "doutrina de superioridade baseada em diferenças raciais é cientificamente falsa, moralmente condenável, socialmente injusta e perigosa, inexistindo justificativa para a discriminação racial, em teoria ou prática, em lugar algum". Adiciona a urgência de adotar-se todas as medidas necessárias para eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e manifestações e para prevenir e combater doutrinas e práticas racistas (PIOVESAN, 2005, p, 46-47).
O artigo 1º da Convenção define a discriminação racial como

...qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica, que tenha o propósito ou o efeito de anular ou prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício em pé de igualdade dos direitos humanos e liberdades fundamentais.

Mesmo com essa definição há quem afirme que em nosso país não existem racismo, preconceitos e discriminações. Tais afirmações nos levam a refletir sobre fatos que cotidianamente vêm trazendo como conseqüência a exclusão de grande parcela da sociedade brasileira dos bens culturais e sociais como também verdadeiramente nos afasta do ideal de sociedade.
O Senador Abdias Nascimento assim afirmou em sua justificação ao projeto de lei ao Senado n.º 52, de 1997, em que pretendia definir como crime a prática de racismo e discriminação e, ao mesmo tempo, disciplinar a prática de instrumentos da Ação afirmativa:
Embora goste de se autoproclamar uma ?democracia racial?, o Brasil está longe de ser o paraíso das relações raciais que o discurso oficial ainda teima em apresentar. Com efeito, pesquisas quantitativas realizadas nas últimas décadas têm revelado uma realidade de desigualdades e discriminação pelo menos tão grave quanto ? e freqüentemente pior que ? a de países como os Estados Unidos e a África do Sul, reconhecidos por todos como exemplos negativos nesse campo de relações humanas (www6.senado.gov.br)

Atualmente o crime de racismo no Brasil é inafiançável e imprescritível, porém a distancia entre a Lei e sua aplicabilidade é algo tão grosseiros que o Artigo Quinto da Declaração Universal dos Direitos Humanos e parece algo inatingível, ou seja, "o reconhecimento e a igualdade perante a Lei", ou ainda "a efetiva e justa reparação perante a Lei," dos Artigos Sexto e Sétimo. Cabe, então nos perguntarmos até onde os direitos referidos são realmente universais? Ou ainda, o preâmbulo da Constituição quem o escreveu foi algum parnasiano?


REFERÊNCIA


GOMES, Nilma Lino. Educação, Identidade Negra e Formação de Professores/as: Um Olhar Sobre o Corpo Negro e o Cabelo Crespo.
GOMES, Nilma Lino. Educação, Identidade Negra e Formação de Professores/as: Um Olhar Sobre o Corpo Negro e o Cabelo Crespo.
LIMA, Ivaldo Marciano de França. Ensino da História da África no Brasil: Caminhos e Descaminhos de uma Luta Contra o Racismo Velado. Revista Novas Idéias, v-1. 2008.
PIOVESAN, Flavia. Ações Afirmativas da Perspectivas dos Direitos Humanos. Cadernos de Pesquisa, vol. 35, p 43-55. 2005.
Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica. BRASÍLIA ? DF- 2003.