ACESSIBILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA VISUAL: GARANTIA DO DIREITO FUNDAMENTAL À IGUALDADE

 Patrícia Nunes Guimarães¹ (IC)

 1. Unidade de Ensino Superior Dom Bosco– Curso Direito

Palavras-chave: Pessoa com deficiência. Acessibilidade.Igualdade social

                                           Resumo

Realiza-se um estudo investigativo a cerca da possibilidade real de inclusão digital das pessoas portadoras de deficiência visual no Brasil. Desenvolvem-se critérios de conscientização para um direito
que vê ser reconhecido e respeitado por todos, o direito à acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência. Destacam-se a tecnologia como um facilitador da inclusão social das pessoas portadoras de deficiência visual, como indivíduos iguais perante a lei e, portanto, garantidores do livre exercício tecnológico, podendo inclusive ser punível qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, como assegura a Constituição Federal.

Introdução

Sabe-se da discriminação sofrida pelos portadores de deficiência em geral, devido às suas limitações físicas ou psicológicas, que vem sendo alvo de muitos preconceitos. Por isso, as pessoas portadoras de deficiência, em especial os deficientes visuais, objeto de estudo deste trabalho, tem se esforçado bastante para superar as dificuldades impostas pela sua limitação e pela sociedade.

O enfoque deste artigo é a inclusão digital das pessoas portadoras de deficiência visual, em meio a problemáticas atuais, debate-se o tema como uma realidade não muito distante da realidade brasileira. Toma-se como base o Direito Constitucional e outras matérias de cunho pedagógico e educacional, devido à extensão e interdisciplinaridade do assunto proposto.

Antes de dar inicio à contextualização do tema é necessário um questionamento. Qual a garantia de que o direito dos deficientes visuais são reconhecidos e respeitados? Eles são válidos, vigentes e eficazes? Como eles podem ser interpretados de um ponto de vista hermenêutico?

Resultados e Discussão

Segundo Ferrajoli “A teoria garantista propõe a doutrina laica da separação entre validade ejustiça, direito e moral e entre o ponto de vista externo na valoração do ordenamento.” 1 Para Ferrajoli2,
deve-se interpretar separadamente a validade de um direito perante uma sociedade e sua vigência e eficácia do ponto de vista jurídico. Compreendendo na esfera da validade o que é conceituado como moral e na esfera da vigência normativa, o que é definido como sendo juridicamente eficaz. E quando há falha nas garantias? De acordo com Cadermatori A obrigação de o juiz aplicar o direito vigente se vê abalado no Estado de direito caracterizado por Constituições rígidas, eis que quando as leis forem vigentes, porém, mostrarem-se inválidas, não existe para o juiz a obrigação jurídica de aplicá-las. O fato de uma lei ter sido sempre aplicada apenas significa que ela é eficaz e não diz nada a respeito de sua efetiva validade. 3 Para Cadermatori4 existe também uma separação entre lei vigente e eficaz e lei inválida. E nesse ponto, a rigidez constitucional não deve se opor aos costumes e tradições de uma sociedade dinâmica, que cada vez mais se torna participativa, ao ser responsável pela elaboração de fontes infraconstitucionais. Segundo Yamamoto, na história da humanidade, as pessoas com deficiência eram “castigadas” pelos membros comuns da sociedade - “homem normal” - por razões sócio-culturais. As civilizações mais antigas, tais como: a egípcia, hebraica, grega e romana, ou eliminavam (em sua maioria), ou assimilavam as pessoas com algum tipo de deficiência. Quando eliminados - geralmente, os povos se justificavam com o fato da pessoa não possuir condições para sua própria sobrevivência, para obter alimentos e se proteger contra os perigos naturais.

Justificavam-se, também, pela crença e pelo misticismo, pois as tribos acreditavam que a deficiência era um sinal da presença de divindades negativas.5 De acordo com Eduardo Jannone da Silva Ao longo da história, duas hipóteses norteiam o tratamento social destinado às pessoas portadoras de deficiência: a exclusão- por serem consideradas graves empecilhos, são exterminadas ou excluídas do convívio social e inclusãoquando protegidas para alcançar a simpatia dos deuses ou por reconhecimento do esforço nas guerras. 6 Percebe-se que, desde épocas remotas já existia um isolamento das pessoas portadoras de deficiência e do indivíduo sem deficiência, o dito “homem normal”, as razões estão expressas em capítulos da história de todas as partes do mundo, razões de contexto social e cultural. Mas até que ponto a sociedade tem o direito de castigar ou eliminar alguém, se valendo de um único critério: “ser diferente”? Será que um portador de deficiência física não possui condições de sobreviver sozinho? Ou ainda, de conseguir seu próprio alimento? Na lei brasileira, considera-se pessoa portadora de deficiência aquela que, segundo o Decreto n. 914/93 e a Lei n. 7853/89 apresenta, em caráter permanente, perdas ou anomalias de sua estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.

Porém, em 1999 surge o decreto 3.298, que dispõe sobre a política nacional para a integração da pessoa portadora de deficiência e consolida normas de proteção, assegurando o exercício de direitos
individuais e sociais, como: educação, saúde, trabalho, desporto, turismo, lazer, previdência social, assistência social, transporte, edificação pública (infraestrutura), habitação, cultura, amparo à infância e maternidade, dentre outros decorrentes da Constituição Federal e das leis, que propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico. Segundo o Decreto 3.298/99, deficiência permanente é aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos tratamentos. De acordo com este decreto ainda, defini-se “incapacidade”,como sendo uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptadores, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

No caso específico da deficiência visual, o decreto 3.298/99 define como cegueira os casos em que a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; Em que a baixa visão significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; E os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou ainda, se houver ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores; A Lei 7.853/89 também cita expressamente em seu Art 2°, IV, alínea “c” que deve haver na área
de recursos humanos “c) o incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em todas as áreas do conhecimento relacionadas com a pessoa portadora de deficiência;” Isso chama-se acessibilidade, ou como disposto no tema do presente trabalho, Inclusão digital. Depois desta lei, surge a lei 10.098/00 que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Esta lei define acessibilidade como: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços, mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação, por pessoa portadora de deficiência ou com mobilidade reduzida; a lei 10.098/00 conceitua ainda ‘barreiras”, como sendo: qualquer entrave ou obstáculo que limite ou impeça o acesso, a liberdade de movimento e a circulação com segurança das pessoas.

Conforme indica Yamamoto, a concepção clínica da deficiência visual é necessária em questões de reconhecimento dos direitos legais, administrativos e de elegibilidade da pessoa que se encontra nesta situação. A deficiência visual abrange indivíduos que possuem, desde uma visão fraca, passando por aqueles que somente conseguem distinguir luzes, mas não formas, até aqueles que não conseguem perceber sequer a luz. Porém, para fins de discussão, dividem-se estes indivíduos em dois grandes grupos: o dos que possuem pouca visão, conhecidos como os de visão subnormal, e o dos que são legalmente cegos. Uma pessoa é classificada como legalmente cega quando sua acuidade visual é 20/200 ou pior após a correção, ou quando seu campo de visão é menor que 20 graus. 11 Não há um conceito ou expressão definida, porém a nossa legislação optou por usar os termos “pessoa portadora de deficiência”, o qual vem sendo discutido para uma possível substituição por “pessoa portadora de necessidades especiais”. A explicação segundo Olney Assis e Lafayette Pozzoli é
que deficiência, muitas vezes, não implica um grau de inferioridade a ponto de a pessoa merecer tratamento diferenciado; Pessoa portadora de deficiência ressalta desvantagem em relação a outras
pessoas, porque perene e permanente, enquanto pessoa portadora de necessidades especiais destaca mera desvantagem circunstancial. 12

Nesse sentido, Antonio Rulli Netto menciona também que algumas palavras empregadas para denominar estas pessoas acabam tendo conotações pejorativas, preconceituosas, por realçaram que se trata de pessoa diferente, opondo-se aos preceitos que se propugna hodiernamente, que é a integração destas pessoas à sociedade, objetivando salvaguardar seu direito à dignidade. 13

Conclusão

Como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, a Cidadania é princípio norteador de direitos fundamentais, sociais e individuais homogêneos. Todos os direitos difusos têm como base a
cidadania e é ela que fundamenta também o bem-estar social de todos, inclusive do portador de deficiência. Cidadania é tida então como uma condição, que implica no direito a ter direitos, os quais são construídos para cidadãos e por cidadãos. Uma das coisas que dificulta o exercício da cidadania é a ausência da noção de contrato social, devido essa ausência não há o reconhecimento do outro como sujeito portador de direitos e nem noção de igualdade humana. Pelo contrário, existe uma intolerância com os diferentes (exclusão). Além disso, somos parte de uma sociedade altamente hierarquizada (pessoa X indivíduo). A questão do “Você sabe com quem está falando?” como cita Da Matta 14, ainda está impregnada no senhoril da sociedade. E os livres ainda são mais escravos de um sistema burocrata e elitista, que acaba por constituir uma servidão invisível cercada de regras e preconceitos. Todas essas falhas de garantias abordadas até aqui geram uma permanente dualidade entre o país real ( aquele em que se vive) e o país formal( aquele para o qual se vive, coberto de leis e selado pela Constituição Federal), o resultado é um distanciamento entre os níveis institucional e social. O papel do Estado é exigir justiça e ser imparcial, mas principalmente dar oportunidades a todos. No caso dos portadores de deficiência visual eles acabam por ficar em dois extremos, são vistos como vítima e tidos por compaixão ou são tratados com hostilidade devido a sua limitação e colecionam frustrações de oportunidades que lhes foram tomadas. A intolerância é vista como ameaça universal e esta voltada principalmente para os grupos sociais vulneráveis e os economicamente desfavorecidos. Por isso é necessário gerar conhecimento, evitando assim que a ignorância perpetue a intolerância. É importante analisar a integração social como um fator de incentivo e garantia dos direitos fundamentais positivados na Constituição Federal. Assim, como cita Telma Rostelato “O grau de dificuldade para a integração social é que definirá quem é ou não portador de deficiência. Com isso, importa salientar que a mencionada falha não estaria no indivíduo, mas no seu relacionamento com a sociedade, uma vez que, é imprescindível a socialização não apenas para a integração do indivíduo na sociedade, mas também, para a continuidade dos sistemas sociais. [...] logo se a pessoa portadora de deficiência não for integrada à sociedade, ela estará excluída deste todo, e a exclusão é rechaçada no nosso ordenamento.”15 Convém destacar que sem integração social não há socialização, e quando existe falha no relacionamento entre indivíduo e sociedade é porque direitos e garantias fundamentais estão sendo deixados de lado. Por isso, a inclusão digital é uma das formas de abordar a integração social, fazendo com que a pessoa portadora de deficiência visual seja inserida no contexto da sociedade, podendo ocupar cargos e funções que necessitem destes meios de informática, além de fazer valer seu direito fundamental à igualdade, cidadania e dignidade humana. Pois, além de direitos fundamentais, temos um extenso rol de direitos sociais e humanos que amparam a inclusão digital da pessoa portadora de deficiência como uma garantia do direito à igualdade.

Referências

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. São Paulo: RT, 2002
CADEMARTORI, Sérgio. Estado de Direito e Legitimidade: uma abordagem garantista. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1999.

YAMAMOTO, Hitomi. Unidade de Referência e Recursos para a Educação Especial – Da Elaboraçãoe do Acesso aos Materiais Didáticos ao Aluno com Deficiência Visual. Dissertação de Mestrado
apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação do Setor de Educação da Universidade Federaldo Paraná, Brasil, 1995.

SILVA, Eduardo Jannone da. Tutela Jurídica do Direito à Saúde da Pessoa Portadora deDeficiência. Curitiba: Juruá, 2009.

ASSIS, Olney Queiroz; POZZOLI, Lafayette. Pessoa Portadora de Deficiência: direitos e garantias. 2.Ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2005. p. 235-236

RULLI NETO, Antonio. Direitos do Portador de necessidades especiais. São Paulo: Fiuza, 2002. p. 34

DA MATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1990

ROSTELATO, Telma Aparecida. Portadores de deficiência e prestação jurisdicional. Curitiba: Juruá,2009.