AÇÃO POPULAR E CIDADANIA


Embora esse remédio constitucional, voltado à defesa do patrimônio público, seja utilizado, não raras vezes, de forma abusiva, trata-se de verdadeira expressão da cidadania.

A ação popular foi introduzida a partir da Carta Política de 1934, em seu artigo 113, inciso XXXVIII. A Carta Magna de 1937 desamparou o instituto, não se referindo, portanto à ação popular em seus dispositivos. Já a Constituição de 1946, em seu artigo 141, § 38, restabeleceu o remédio, de forma ainda mais vasta do que previsto na Constituição de 1934, uma vez que resguardava, além da União, Estados e Municípios, as entidades autárquicas e sociedades de economia mista. A Constituição de 1967 manteve o instituto em seu artigo 150, § 31, não especificando, porém as entidades cujo patrimônio deveria ser protegido pela ação popular, não englobando, assim, as sociedades de economia mista e as empresas públicas.

A Constituição Federal de 1988 contempla a ação popular em seu artigo 5º, inciso LXXIII, o qual dispõe que: "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência".

Observa-se, ainda, a existência da Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, regulamentando a ação popular, devendo esta norma adequar-se aos preceitos fundamentais estatuídos pela CF/88, haja vista o advento desta ser posterior àquela.

A ação popular é um dos remédios constitucionais, ou seja, garantias constitucionais, assim como o habeas corpus, o mandado de segurança (individual e coletivo), o mandado de injunção, a ação civil pública e o habeas data, que visa a tornar efetivo o exercício dos direitos fundamentais.
Para que essa ação possa ser proposta, deve haver ilegalidade na formação ou no objeto do ato, que se busca atacar, bem como seja este lesivo ao patrimônio público, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural ou à moralidade administrativa, referindo-se esta ilegalidade tanto ao patrimônio das entidades estatais, quanto das entidades autárquicas ou ainda sociedades de economia mista.
Com relação aos fins da ação popular, pode ser preventivo (antes da consumação do ato), repressivo (depois da consumação do ato, visando a reparar) e supletivo. Merece destaque o caráter supletivo, onde há a possibilidade de propositura de ação popular com base na omissão das pessoas jurídicas responsáveis. Afirma Hely Lopes Meirelles que "a ação popular pode ter finalidade corretiva da atividade administrativa ou supletiva da inatividade do Poder Público nos casos em que devia agir por expressa imposição legal. Arma-se, assim, o cidadão para corrigir a atividade comissiva da Administração como para obrigá-la a atuar, quando sua omissão também redunde em lesão ao patrimônio público".
A natureza da ação popular está prevista no art. 11 da Lei nº 4.717/1965, sendo de natureza condenatória, pois serão condenados a perdas e danos os responsáveis pelo ato lesivo, bem como seus beneficiários, sendo que havendo sentença favorável ao autor da ação popular, esta imporá aos réus o ressarcimento de todas as custas, tanto judiciais como extrajudiciais, bem como ao pagamento dos honorários advocatícios em benefício da parte autora da ação.
A competência para conhecer a ação, processá-la e julgá-la é determinada pela origem do ato impugnado (art. 5º da Lei nº 4.717/1965), sendo o procedimento ordinário, regido pelo Código de Processo Civil.
Há, ainda, os sujeitos da ação.
Acerca da legitimidade para ajuizar a ação popular, além da polêmica relativa à idade mínima (Nelson Nery Jr. e outros) para estar em juízo, pois se adquire a plena capacidade civil a contar dos dezoito anos, merece ênfase o debate existente com relação à propositura desta ação pelos estrangeiros. O entendimento clássico, no sentido de que a ação popular somente pode ser proposta por cidadão brasileiro, pessoa física, com seus deveres e direitos políticos em dia, estando restrita, assim, a legitimidade para propor a ação popular, ao cidadão brasileiro no pleno exercício de seus direitos políticos, excluídos os estrangeiros, portanto.
No entanto, há uma corrente moderna dos doutrinadores que se opõem àquela dita acima, sustentando, com fulcro na Constituição Federal de 88, cujo advento é posterior à mencionada lei, e lastreados em visão mais ampla do que seja cidadania, a possibilidade de estrangeiro aforar a ação popular. Isso porque o remédio constitucional em análise, ao se atrelar à noção de cidadania, abrange todos aqueles que, sujeitos à soberania nacional, encontram-se aptos a contrair direitos e deveres, sem limitar à condição de nacional, portanto, e tendo como foco a salvaguarda do interesse coletivo.
Considera-se, por fim, que, em sendo a ação popular um remédio constitucional à disposição do cidadão para a defesa do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural, independentemente das divergências sobre a legitimidade para propor a ação, sua presença no ordenamento jurídico pátrio justifica-se, alçado à garantia de quilate constitucional, tendo em vista o bem jurídico tutelado: a defesa do interesse coletivo e a consolidação da cidadania.

Bibliografia:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, ação popular .. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
BITTENCOURT, Marcus Vinicius Corrêa. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008.