O presente artigo tem por escopo a análise do instituto da Ação Popular enquanto instrumento de controle dos atos lesivos ao Patrimônio Público, bem como sua relação de incidência sobre a Moralidade Administrativa. No ordenamento jurídico vigente, prevalece o entendimento de que a Ação Popular é o instrumento adequado para atacar ato ilegal e lesivo aos cofres públicos, da mesma forma quando ocorrer violação ao Princípio Constitucional da Moralidade Administrativa, constituindo, esta última, uma inovação em termos de direito positivado. Dessa feita, analisa-se, também, se o Princípio da Moralidade Administrativa pode ser utilizado como fundamento autônomo para propositura da Ação Popular e, por conseguinte, em relação aos pressupostos da referida Ação, verifica-se a questão da exigência da ilegalidade, como causa de pedir, ao lado da lesividade.

A ação popular é um dos instrumentos de participação política do cidadão na gestão governamental. Se a ação é uma forma de participação política, então se pode dizer que seu exercício é também o exercício de um direito, o de participação, e não apenas o exercício de uma garantia (ação judicial). Assim, embora tenha a natureza jurídica de ação judicial, consiste, em si mesma, numa forma de participação política do cidadão.
Revela-se um instrumento de participação direta do cidadão nos negócios públicos.
Por meio da ação popular se exerce a função de responsabilizar o gestor da coisa pública. É incontestável que a função de fiscalização e controle da gestão da coisa pública se insere na esfera do poder político, que, nas democracias, é atributo do povo. Só isso já é bastante para demonstrar que é exercida pelo próprio titular do poder que a fundamenta.

INTRODUÇÃO

Este trabalho pretende apresentar como a ação popular surgiu e vem se consolidando no cenário nacional como um instrumento da democracia em defesa dos interesses que ultrapassam o individualismo, ou seja, se fazem coletivos.

Vários Princípios Constitucionais terminaram positivados com o advento da Carta Magna de 1988, o que desencadeou uma maior preocupação com o erário, assim como a adoção de meios eficientes destinados a protegê-lo.

A Ação Popular o instrumento jurídico apropriado para atacar ato ilegal e lesivo aos cofres públicos, destacando-se, ainda, por sua forte relação de incidência sobre a Probidade e Moralidade Administrativas.

Os estudos estão voltados à defesa judicial dos interesses públicos, difusos coletivos e individuais homogêneos, como aqueles ligados ao meio ambiente, ao consumidor, ao patrimônio público e social, ao patrimônio cultural, às crianças e adolescentes, às pessoas idosas e às pessoas portadoras de deficiência.

O conhecimento desse direito à ação popular guardado por nossa Constituição é pontual para os cidadãos, pois ao tomar decisões na suposta defesa do interesse público, nem sempre os governantes fazem o melhor para a coletividade

O presente artigo abordará o instituto da Ação Popular, que se apresenta como uma das primeiras e principais conquistas da democracia participativa brasileira, tendo em vista que a Lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), outorgou a qualquer cidadão a possibilidade de acesso ao Poder Judiciário, na defesa não de um direito subjetivo próprio, mas, de um interesse público, posto que, anteriormente à criação do supracitado instrumento, quem se incumbia de zelar pelos interesses públicos era o próprio Estado.

E como tais representantes foram escolhidos pelo próprio povo, é de suma importância para a democracia contar com esse instrumento de fiscalização. Onde os interesses do Estado ou dos governantes tentem coincidir com o bem geral da coletividade.

            Faz-se um breve histórico da origem das ações populares e como ela chegou ao Brasil, em seguida são expostas alguns conceitos mais amplos – que ao decorrer do trabalho são mais aprofundados. É visto no desenvolvimento deste artigo a finalidade; o objeto; as fontes (formais e normativas); garantias constitucionais; classificação e requisitos das ações populares. Em seguida, é mostrado como elas vêm se consolidando como instituto de democracia direta – reforçada por jurisprudências e a palavra de respeitados doutrinadores sobre o tema. A questão se todos os brasileiros são parte legítima para propor ação popular será respondida ao desenvolver do artigo.

            O objetivo do presente trabalho é defender e reforçar a ideia de que as ações populares é um instituto disponível a todos os cidadãos; instituto este que o ajudará na fiscalização e na intervenção de causas de interesse público, seja ele difuso e/ou coletivo.

1. AÇÃO POPULAR: BREVE HISTÓRICO

As origens da ação popular confundem-se com o próprio surgimento, em Roma, do habeas corpus, pois, temos uma sequência evolutiva dos instrumentos de garantia do cidadão contra os abusos do administrador arbitrário.

Sempre a ação popular teve decisão com efeito a ser estendido a todos os cidadãos. O efeito erga omnes da sentença na ação popular já era reconhecido no Direito Romano. A razão da derrogação aos princípios gerais, afirma que ela consistia em que o autor, nas ações populares, agia como se fosse representante do público, para obter a condenação a uma pena pecuniária ou a uma prestação que devia ser paga uma única vez e em relação à qual não era admissível mais do que um só julgamento, afirmação essa que reitera, dizendo que o direito, a cuja tutela provia a ação popular, era pré-estabelecido e único, por modo que, uma vez exercido, verificava-se a consumação processual da ação.

            Na Inglaterra, desde cedo existiu uma preocupação de frear o absolutismo real, com os princípios de não poder legislar sem o Parlamento, de não demitir ou movimentar juízes ou dar-lhes ordens, de suprimir os órgãos que se limitavam a delegados do rei, de sujeitar-se o rei às mesmas normas que incidem sobre todos os cidadãos.

No direito anglo-americano, ao lado das ações ordinárias, surgiram remédios extraordinários que, após a independência dos EUA, passaram a integrar o seu próprio direito. São eles: a) o writ of habeas corpus, para impedir a prisão ou detenção ilegal; b) o mandamus, para obrigar a praticar ato decorrente de lei; c) o quo warranto; d) o prohibition; e) o certiorari; f) o writ of injunction, para praticar (mandatory injunction) ou não praticar (prohibitori injunction) atos.

Esses institutos influenciaram nosso direito, que a partir deles desenvolveu o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, enfim, quase que todos os instrumentos constitucionais de garantia dos direitos individuais e coletivos.

2. HISTÓRICO DA AÇÃO POPULAR NO BRASIL

É restrito o interesse da história das ações populares no direito brasileiro. O resumo histórico, que apresentarei aqui, tem apenas a finalidade de assinalar suas variações na legislação brasileira.

           A partir da criação do mandado de segurança na Constituição de 1934, a proteção do cidadão contra atos ilegais de autoridades públicas ganhou grande desenvolvimento.

Essa proteção inicia-se com o habeas corpus, impeditivo da violência ilegal ou abusiva contra o livre movimento das pessoas, e com o mandado de segurança, que protege direito líquido e certo contra a ilegalidade ou abuso de poder de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público, passa pelo mandado de segurança coletivo, pelo habeas data para obter informações de arquivos ou registros administrativos, pelo mandado de injunção, pela ação de inconstitucionalidade, e pela ação de responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos, pelas ações para reparar danos ecológicos (Const. Fed. art. 225, § 3º), a expropriação de terras de culturas ilegais (Const. Fed. art. 243) e encerra-se com a ação popular ampla e abrangente.

A ação popular, nascida no Direito Romano, encontrou, pela vez primeira, assento constitucional no Brasil, através da Constituição de 1934, art. 113, nº 38: "Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a declaração de nulidade ou anulação dos atos lesivos do patrimônio da União, Estados ou dos Municípios". Veio a ser regulada, porém, muito mais tarde, pela Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965. A legitimação ativa pertence a qualquer cidadão, isto é, a qualquer eleitor (art. 1°), facultado aos demais cidadãos habilitarem-se como litisconsortes ou assistentes do autor (art. 6°, § 5°).

Registre-se que tanto a ação popular quanto a ação civil pública foram agasalhadas pela Constituição de 1988, no art. 5°, inc. LXXIII.

A novidade introduzida em nosso Direito consistiu em permitir a renovação da ação se a improcedência resultar de deficiência de prova. Em outras palavras, valerá a sentença erga omnes sempre que procedente a demanda, ou improcedente, sempre, nesse caso, que o juízo não for afetado por deficiência probatória, hipótese em que poderá renovar-se a ação.

Surge, neste momento, uma questão. Renovar-se a ação por quem?

A exclusão do efeito de coisa julgada para a sentença de improcedência por insuficiência de provas constitui a adoção de uma espécie, até então desconhecida em nosso Direito, visto como a mesma circunstância não enseja, em outras ações civis, a reiteração da demanda.

Com a extensão do objeto da ação popular, na lei regulamentadora do seu objeto, os tradicionais interesses legítimos e os direitos coletivos passaram a ter proteção satisfatória.

O recente movimento surgido no mundo ocidental para proteção dos direitos coletivos repercutiu fortemente no direito brasileiro, que, além de lhes dar guarida na legislação ordinária, veio assegurá-los constitucionalmente. E o fez de modo muito eficaz, porque já lhes deu os procedimentos existentes, de mandado de segurança e de ação popular.

A Ação Popular foi, sem dúvida, o primeiro remédio processual concebido pelo direito positivo brasileiro com nítidas feições de tutela dos interesses difusos. Com efeito, através dela, qualquer cidadão está legalmente credenciado a promover a anulação dos atos lesivos ao patrimônio de entidades públicas ou de instituições ou fundações de qualquer natureza para cuja criação ou custeio concorra o tesouro público. Além dos bens de expressão pecuniária, a ação popular protege também outros interesses não suscetíveis de dimensão monetária, como os bens e direitos de valor artístico, estético ou histórico, o que mais ressalta a sua feição de remédio tutelar dos interesses difusos.

3. DEFINIÇÕES INICIAIS

3.1. Ação Popular

É interessante expormos as definições sobre o que se entende por “ação popular” e sobre os interesses difusos e coletivos. Pois, esse conhecimento servirá como base para uma posterior explanação.

O doutrinador Hely Lopes Meirelles assim define ação popular:

Ação popular é o meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter invalidação de atos ou contratos administrativos – ou a estes equiparados – ilegais e lesivos do patrimônio federal                , estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestaduais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público.[1]

A natureza das ações populares é questão das mais discutidas em doutrina. As fontes dão margem a dúvidas, pois as têm como procuratórias e penais, mas apresentam casos que não se enquadram nessa conceituação. Bofante afirma que

Ações populares se dizem aquelas ações penais instituídas para defesa de um interesse público, que qualquer cidadão tinha direito de promover; e eram conferidas, de preferência, àquele que, pelo ato ilícito, fossem prejudicados, mesmo em um interesse privado, ou àqueles que fossem mais idôneos.[2]

Hely Meirelles entende que ação popular é instrumento de defesa da coletividade, sendo o beneficiário da ação não o autor, mas a coletividade, o povo. Enquanto que os doutrinadores Alexandre de Moraes e José Afonso da Silva, ensinam que a ação pertence ao cidadão que, em nome próprio e na defesa de seu próprio direito, poderá ingressar em juízo.

Há, portanto, duas teses: a) uma que entende que as ações populares, têm a natureza procuratória, agindo o autor procuratório nomine, na defesa de um interesse público; b) outra, segundo a qual o autor agia, a um tempo, para a tutela de um interesse próprio e do interesse público.

A segunda visão sobre a natureza da ação parece mais sensata, visto que o cidadão se torna titular da ação, que defende em nome próprio e da democracia, um direito que é seu: fiscalizar a gestão do patrimônio público, exercendo, assim, participação na vida política do Estado e contribuindo para a coletividade como um todo.

3.2. Interesses Difusos

Direitos ou interesses difusos

São espécies do gênero interesses metaindividuais - interesses coletivos lato sensu – e ocupam o topo da escala de indivisibilidade e falta de atributividade a determinado indivíduo ou grupo, sendo a mais ampla síntese dos interesses de uma coletividade, verdadeiro amálgama de interesses em torno de um bem da vida. [1] 

Algumas características do interesse difuso:

- Quanto ao sujeito: Não existe vínculo jurídico entre os sujeitos afetados e a lesão dos respectivos interesses, que se agregam eventualmente, por força de certas condições como, por exemplo, o fato de habitarem certa região, consumirem determinado produto, compartilharem pretensões semelhantes, trabalharem no mesmo ambiente, etc.

- Quanto ao objeto: É indivisível, a satisfação de um sujeito implica satisfação de todos, assim como a lesão, isto é, o dano, ao afetar um, afeta todos e vice-versa.

- Duração: efêmera, em função da inexistência, entre seus titulares, de vínculo jurídico básico, de modo que a ligação entre eles é difusa, não individualizável a priori.

3.3. Interesses Coletivos
 

Direitos e interesses coletivos metaindividuais possuem maior afinidade com a tutela processual trabalhista, em razão das características desse ramo do direito, “em que as organizações de trabalhadores sempre exerceram influência marcante, mesmo quando não reconhecidas pelo Estado[1]

Os interesses coletivos, no seu sentido amplo, podem ser confundidos com os direitos de solidariedade, abrangendo assim, todas as espécies de direitos metaindividuais.

            Características:

- Quanto aos sujeitos: Dizem respeito ao homem socialmente vinculado e não isoladamente considerado. Não se trata da pessoa tomada à parte, mas, sim, como

Membro de grupos autônomos e juridicamente definidos, tal como o associado do sindicato, o profissional vinculado a uma corporação, acionista de uma grande sociedade anônima, condômino de edifício de apartamentos, etc. Interesses coletivos seriam, pois, os interesses afectos a vários sujeitos não considerados individualmente, mas sim por sua qualidade de membro de comunidades menores ou grupos intercalares, situados entre o indivíduo e o Estado. [2]

- Quanto ao objeto: é indivisível, mas, seus titulares, embora tratados coletivamente, são determináveis, passíveis de identificação, à medida que se encontram vinculados, entre si ou com a parte contrária, por meio de relação jurídica base. [3]

Ex.: trabalhadores da empresa “Z” têm direito a meio ambiente de trabalho em condições de salubridade e segurança. Se esse grupo de trabalhadores objetiva a eliminação dos riscos à vida, à saúde e à segurança, emerge aí o interesse coletivo do grupo (transindividual), de natureza indivisível (eliminando-se os riscos, todos serão beneficiados indistinta e simultaneamente), cujos titulares (o grupo dos trabalhadores da empresa Z) estão ligados entre si (empregados da mesma empresa) e com a parte contrária (empregador), através de uma relação jurídica base (vínculo organizacional, no primeiro caso, e relação empregatícia, no segundo).

4. FINALIDADE DA AÇÃO POPULAR

A finalidade da ação popular é conferir ao indivíduo um meio, democrático e direto, de fiscalização e controle da gestão pública. Poderá ser utilizada de dois modos: preventivo ou repressivo.

Será preventiva se visar impedir a consumação de um ato lesivo ao patrimônio público, sendo a ação proposta antes da prática do ato ilegal ou imoral.

Será repressiva quando visar a reparação em dano já causado ao patrimônio público, sendo proposta a ação após a ocorrência da lesão.

Embora geralmente a ação popular seja proposta com o intuito repressivo, visando a reparação de um dano já causado ao bem público, existem situações que estão a desejar propositura da chamada ação popular preventiva. Isso porque, no âmbito de sua proteção, encontram-se certos valores que, uma vez violados, dificilmente poderão ser reparados. É o caso, por exemplo, da destruição de bens de valor histórico-cultural.

5. OBJETO DA AÇÃO POPULAR

O objeto da ação popular é, genericamente, o ato ilegal e lesivo ao patrimônio público. A ação popular visa anular ato ilegal ou lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, à comunidade, à sociedade em geral, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e cultural ou ao consumidor.

A expressão “ato” deve aqui ser entendida na sua concepção ampla, abrangendo a lei, o decreto a resolução, portaria, os atos administrativos típicos, o contrato e muitas outras manifestações do Poder Público, e de seus entes delegados que tenham efeitos concretos lesivos ao patrimônio público.

Enfim, qualquer manifestação lesiva da Administração, danosa aos bens e interesses da comunidade pode ser reprimida por meio da ação popular. Ademais não há necessidade de que o dano seja efetivo, bastando a sua potencialidade lesiva. Tanto pode ser reprimida por meio da ação popular a efetiva celebração e execução de um contrato lesivo ao patrimônio público, quanto à publicação de edital tendencioso, fraudulento, que potencialmente poderia levar ao favorecimento de certa empresa, com ofensa aos princípios da livre concorrência e da moralidade.

Admite-se a propositura da ação popular contra as chamadas omissões ilegais do Poder Público, em que, devido inatividade do gestor público, quando tinha a obrigação legal de agir, houve dano à coisa pública

            Como se vê, a ação popular pode ser proposta para corrigir a ação estatal (finalidade corretiva do Poder Público), bem como para obrigar, para exigir uma atuação do gestor público (finalidade complementar à inatividade do Poder Público).

6. GARANTIA CONSTITUCIONAL DO DIREITO À AÇÃO POPULAR

A ação popular brasileira é um instituto também de direito processual, como qualquer ação judicial. Criação constitucional, seu fundamento é o inc. LXXIII do art. 5º da Constituição Federal.

A garantia desse direito não está no inc. XXXV do art. 5º, que só protege o direito de ação que vise à composição de pleito fundada em lesão de direito pessoal (pessoa física ou jurídica). Ora, a ação popular não postula tutela de interesse pessoal, mas a proteção do patrimônio público e de interesses difusos. A “essência das ações populares” consiste no objetivo, ao que mira o autor a propô-la, de reivindicar, não direito seu individual, porém, um direito que respeita à comunidade, à universalidade de que ele faz parte. A garantia da ação popular acha-se fundamentada no próprio inc. LXXIII do art. 5º, e também nos princípios informadores do regime político-constitucional brasileiro, especialmente os referentes à fonte primária do poder político, dos quais deflui a ideia de que vivemos num Estado Democrático de Direito, onde ao cidadão cabe o poder fiscalizador da gestão dos negócios públicos e coletivos. Nesses mesmos princípios também seria fundada qualquer ação popular corretiva que porventura seja criada por lei ordinária. 

7. REQUISITOS DA AÇÃO POPULAR

Para intentar a demanda popular, é necessário que o cidadão que interponha, antes, recurso administrativo, gracioso ou hierárquico, visando à anulação do ato lesivo ao patrimônio público?

A decisão de primeira instância, confirmada pelo Tribunal de Justiça de S. Paulo, doutrinou da seguinte forma:

A lei dispõe que o cidadão pode pleitear perante o Poder Judiciário a anulação do ato administrativo, depois que o agente hierarquicamente mais graduado – o Governador do Estado – haja se pronunciado sobre o recurso, nos termos do art. 3º das Disposições Constitucionais do Estado.[1]

Em suma, é desnecessário que o cidadão requeira a anulação ou a revogação administrativa do ato impugnado, para os fins de propositura da demanda popular.

Será que pode se considerar o autor popular como um defensor de interesse próprio?

É inegável que o cidadão, eleitor e participante do sistema de organização do poder público, tem interesse pessoal em que a gestão do patrimônio da coletividade, incluindo o patrimônio cultural, a moralidade administrativa e o meio ambiente equilibrado, se embase nos princípios da legalidade e da probidade. Mas é manifesto que ele não é o interessado direto ou imediato relativamente ao bem protegido pelo exercício da ação popular.

O interesse que move o cidadão aqui, pode configurar aquela espécie de interesse instrumental que serve de meio para obter-se um provimento jurisdicional favorável ao interesse direto da coletividade. Pode-se denominar de interesse individual na modalidade e coletivo na finalidade.

A lesão aos patrimônios individuais é meramente hipotética, por isso não pode confundir o patrimônio defendido na demanda popular com os patrimônios particulares dos membros da coletividade.

Concebida a ação popular como instituto de democracia direta, a posição o autor deixa de oferecer dificuldade, visto ser o cidadão o titular do poder democrático. Enfim, o autor, que intenta a ação popular, exerce o direito primário decorrente da soberania popular, de que ele é titular, como qualquer outro cidadão.

Como se vê, a demanda pode ser proposta por qualquer cidadão em defesa dos interesses coletivos, buscando a probidade administrativa dos gestores públicos. Sendo assim, trata-se de uma forma de participação democrática direta de participação dos cidadãos na administração pública.

A ação popular é um meio constitucional de fiscalização (remédio constitucional). No Brasil, existe um órgão a qual é atribuído essa função: o Ministério Público. Portanto, principalmente, na continuidade da demanda, o Ministério Público tem papel fundamental como substituto e sucessor do autor. Podendo, portanto, ser considerado um órgão que representa os interesses coletivos da população como um todo.

A ação popular deve ser vista como um instrumento de luta pelo direito, da manutenção das garantias constitucionais. Por fim, é importante notar e admitir que muitas, senão todas, as grandes conquistas das civilizações foram frutos de lutas (ações populares).

Todas as grandes conquistas que a historia do direito registra: - abolição da escravatura, da servidão pessoal, liberdade da propriedade predial, da indústria, das crenças, etc., foram alcançadas assim à custa das lutas ardentes, na maioria das vezes continuadas através de séculos; por vezes são torrentes de sangue, mas sempre são direitos aniquilados que marcam o caminho seguido pelo direito. O direito é como Saturno devorando os seus próprios filhos; não pode remoçar sem fazer tábua rasa do seu próprio passado. Um direito concreto que se vangloria da sua existência para pretender uma duração ilimitada, eterna, recorda o filho que levanta a mão contra sua própria mãe. Insulta a ideia do direito, invocando-a, porque a ideia do direito será eternamente um movimento progressivo de transformação. [...] O direito considerado como causa final, colocado em meio da engrenagem caótica dos fins, das aspirações, dos interesses humanos, deve incessantemente ansiar e esforçar-se por encontrar o melhor caminho e deve terraplanar toda a resistência que lhe opuser barreiras.” [2]

 8. CONCLUSÃO

As ações populares, nas suas origens, vinculam-se à constituição das sociedades gentílicas, e destinavam-se a proteger os bens indivisos e inalienáveis que pertenciam conjuntamente a todos os gentílicos.

As actiones populares, do Direito Romano, a princípio, visavam apenas à defesa de interesse geral que, hoje, consideramos como sendo do domínio do poder de policia, sendo mais tarde estendidas à defesa de interesses mais particularizados.

As ações populares surgiram, no Direito Moderno, como instituto democrático destinado à fiscalização da moralidade na gestão dos negócios públicos.

A ação popular constitucional brasileira é um instituto de democracia direta, pelo qual o cidadão exerce, por si e diretamente, a função fiscalizadora dos negócios públicos, no que tange à moralidade, à defesa do meio ambiente e do patrimônio cultural, o que normalmente é feito por representantes políticos.

Têm natureza de: a) garantia constitucional do cidadão; b) meio destinado a provocar o controle da moralidade dos atos públicos ou de interesse público; c) ação judicial civil. Daí sua característica de instituto de direito político-constitucional.

Pode ser conceituada como um instituto processual civil, outorgado a qualquer cidadão como garantia político-constitucional (ou remédio constitucional), para a defesa do interesse da coletividade, mediante a provocação do controle jurisdicional corretivo de atos lesivos do patrimônio público, da moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico cultural.

Só quem pode provocar essa ação é o cidadão, isto é, titular do direito político eleitoral ativo, o eleitor.

O autor popular, ao intentá-la, exerce um direito próprio, fundado no art. 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, na qualidade de titular originário do poder fiscalizador da Administração Pública e das atividades dos gestores do patrimônio público. Ingressa em juízo em nome próprio e na defesa de direito próprio; embora não seja o titular pessoal do patrimônio defendido, tem ele direito subjetivo para defendê-lo, como titular originário do poder político, de que a ação popular é instrumento. Defende interesse da coletividade, mas na qualidade de membro dessa coletividade.

9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BONFANTE, Pietro. Istituzioni di Diritto Romano. In: SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007.

DUGUIT, Léon. Manuel de Droit Constitutionnel. Paris. In: SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. 9ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007.

FLORÊNCIO GUIMARÃES, Ary. Aspectos da ação popular de natureza civil. Dissertação à livre docência da Cadeira de Direito Judiciário Civil, da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, s/d. e sem indicação de editor, p. 15.

LHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. 18ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses Difusos em juízo. 19ª edição. São Paulo: Saraiva, 2006.

MENDES JÚNIOR, João. Direito Judiciário Brasileiro. Rio de Janeiro – São Paulo: Freitas Bastos, 1960.

SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. 2ª edição. S. Paulo: Malheiros editores, 2007.

Jurisprudência específica – Ementário (Bens Públicos). Interesse Público, ano VIII, n. 36, Sapucaia do Sul – RS: Notadez, p. 169, 2006

 





[1]  Sentença do juiz Vercingetorix de Castro Garms, confirmada pelo TJSP, RT 186/650.

[2] LHERING, 2000.






[1]  Idem.

[2]  Bastos, 1999.

[3]  Leite. P. 54


[1]  Rocha, 2001.




[1] MEIRELES, 2007.

[2] BONFANTE, 1946.