FACULDADE ANHANGUERA DE BAURU

FACULDADE DE DIREITO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JEFERSON HENRIQUE MARQUES

 

 

 

 

 

 

ABUSO DE PODER NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BAURU

2012


FACULDADE ANHANGUERA DE BAURU

FACULDADE DE DIREITO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

JEFERSON HENRIQUE MARQUES

 

 

 

 

 

 

ABUSO DE PODER NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

 

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado a Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Anhanguera Educacional, Unidade Bauru, para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Silvia Gelli Arantes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BAURU

2012


JEFERSON HENRIQUE MARQUES

 

 

 

 

 

 

 

ABUSO DE PODER NO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

 

 

 

 

 

Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado a Banca Examinadora da Faculdade de Direito da Anhanguera Educacional, Unidade Bauru, para a obtenção do grau de bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Silvia Gelli Arantes.

 

                                                                      

 

 

 

                                                                       BANCA EXAMINADORA

 

 

 

 

 

                                                                       ________________________________________

                                                                       Silvia Gelli Arantes - Especialista

 

                                                                      

                                                                       ________________________________________

                                                                       Luiza Ribeiro Mattar - Especialista

 

                                                                                 

                                                                       ________________________________________

                                                                       Luciana de Giacomo Pengo da Costa-Especialista

 

 

 

 

 

BAURU

2012

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Dedico este trabalho as pessoas que lutam diariamente ao meu lado, transmitindo fé, amor, alegria, determinação, paciência, e coragem, tornando os meus dias mais felizes e bonitos. Ao meu sogro e sogra Izaias de Lima e Neuza por me proporcionar esse sonho, a minha mãe Lucia (in memória) pela inspiração, ao meu pai e irmãos pela compreensão de minha ausência e a minha esposa Grazieli e aos meus filhos Amanda e Caio que sem eles eu não seria nada!


AGRADECIMENTOS

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

          

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A Deus, o grande autor da vida, que me permitiu vir ao mundo e passar por todas as vitórias e também por todas as lutas indispensáveis ao meu crescimento.

A minha família pelo apoio, amor incondicional e grande incentivo demonstrado em todos os dias ao longo destes anos de estudos.

À Professora e orientadora Dr.ª Silvia Gelli Arantes, pelo compromisso e auxílio indispensável na conquista deste trabalho.

Aos meus queridos amigos pela paciência e auxílio para que eu pudesse concluir este trabalho essencial para minha vida.

Aos meus comandantes e colegas de trabalhos, meus sinceros agradecimentos, pois contribuíram e incentivaram-me ao longo do curso, sem eles não seria possível a conclusão deste trabalho.

Por fim, a todos os docentes e funcionários desta faculdade que contribuíram para minha formação.

RESUMO

                                                            

 

O abuso de poder no exercício do poder de polícia pela Administração Pública é o tema deste trabalho de conclusão de curso, no qual também tratamos sobre as bases da Administração Pública. O presente trabalho tem como propósito fazer uma abordagem a respeito do poder de polícia administrativa e seus limites, da prática de abusos no que tange a esse poder, além da responsabilidade civil do Estado. Tratamos, primeiramente, da Administração Pública, assim como elaboramos a explanação dos poderes e deveres conferidos ao administrador, indispensáveis para o alcance do interesse coletivo. A seguir, houve a explanação dos princípios previstos expressamente pela Constituição. Aprofundamos o estudo em relação ao conceito e evolução do poder de polícia, demonstrando uma nova visão deste no Estado Democrático de Direito, afastando a possibilidade de tê-lo como irrestrito. Por conseguinte, tratamos sobre o abuso de poder nos atos administrativos, tendo em vista que nenhum poder é ilimitado e jamais poderá ser exercido arbitrariamente, sendo devida indenização ao particular lesado. Portanto, o poder de polícia deve ser limitado ao alcance do fim público, podendo tal ato ser anulado se praticado com o uso ilegítimo do poder.

 

 

Palavras-chave: Poder de Polícia. Limites. Abuso de poder. Interesse Público

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

RESUMEN

 

 

El poder de policía y el abuso del poder son tema de este trabajo de conclusión de curso, en el que también tratamos la base de la administración pública. El presente trabajo tiene como objetivo hacer una explicación sobre el poder de policía administrativa y sus límites, así como la práctica de abusos en relación con este poder. Nos ocupamos primeramente de la Administración Pública, así como de los poderes y deberes atribuidos al administrador público, indispensables para el ejercicio del interés público. Posteriormente, una explicación de sus principios previstos expresamente por la Constitución. Profundizamos el estudio en relación al concepto y evolución del poder de policía, enseñando una nueva visón de lo mismo en el Estado Democrático de Derecho, alejando la posibilidad de ser el irrestricto.  Enseguida, tratamos del abuso de poder en los actos administrativos, teniendo en cuenta que ningún poder es ilimitado y no puede ser ejercido arbitrariamente jamás. Por lo tanto, el poder de policía debe de ser limitado hacia el ámbito del orden público, y puede anularse tal acto si ha sido practicado con el uso del poder ilegítimo.

 

 

Palabras clave: Poder de policía. Limites. Interés Público. Abuso de poder.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

SUMÁRIO

 

1          INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 10

 

2          DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA........................................................................ 11

2.1       Conceito de Administração........................................................................................ 11

2.2       Natureza e Fins da Administração............................................................................ 12

2.3       As bases do Direito Administrativo........................................................................... 12

2.4       O Regime Jurídico Administrativo............................................................................ 14

2.5       Conceito Jurídico de Interesse Público...................................................................... 14

2.5.1    Supremacia do Interesse Público sobre o privado........................................................ 16

2.5.2    Indisponibilidade pela Administração dos Interesses Públicos..................................... 16

 

3          OS PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO..................... 18

3.1       Poderes Administrativos............................................................................................. 18

3.2       Deveres do Administrador......................................................................................... 27

 

4          PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO........................... 32

4.1       Princípio da Legalidade.............................................................................................. 32

4.2       Princípio da Impessoalidade....................................................................................... 33

4.3       Princípio da Moralidade............................................................................................. 34

4.4       Princípio da Publicidade............................................................................................. 35

4.5       Princípio da Eficiência................................................................................................ 36

 

5          CONCEITO E EVOLUÇÃO DO PODER DE POLÍCIA..................................... 38

5.1       Do Estado Autoritário ao Estado Democrático de Direito...................................... 39

5.2       Razão e fundamento................................................................................................... 40

5.3       Objeto e finalidade...................................................................................................... 41

5.4       Extensão e Limites....................................................................................................... 42

5.5       Manifestações do Poder de Polícia............................................................................. 43

5.6       Sanções......................................................................................................................... 44

5.6.1    Prescrição da Ação Punitiva da Administração Federal.............................................. 44

5.7       Polícia Administrativa e Polícia Judiciária................................................................ 45

5.8       Atributos...................................................................................................................... 46

5.8.1    Discricionariedade........................................................................................................ 46

5.8.2    Autoexecutoriedade....................................................................................................... 47

5.8.3    Coercibilidade............................................................................................................... 47

5.8.4    Indelegabilidade............................................................................................................ 48

 

6          O USO E O ABUSO DE PODER............................................................................. 49

6.1       Uso do Poder............................................................................................................... 49

6.2       Abuso do Poder........................................................................................................... 50

6.2.1    Excesso de Poder.......................................................................................................... 51

6.2.2    Desvio de Finalidade.................................................................................................... 52

6.2.3    Omissão da Administração........................................................................................... 53

6.2.4    Polícia Administrativa e a proporcionalidade contra abusos da

            Administração............................................................................................................... 54

6.3       Responsabilidade Civil do Estado.............................................................................. 55

 

7          CONCLUSÃO............................................................................................................ 58

 

            REFERÊNCIAS......................................................................................................... 60

 

           ANEXO......................................................................................................................... 62

 


1 INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem o propósito de fazer uma abordagem a respeito do abuso de poder no exercício do poder de polícia administrativa, além da responsabilidade civil do Estado, analisando também a prática de ações excessivas e abusivas no que tange a esse poder.

É comum observarmos que todas as pessoas possuem uma noção relativa de poder de polícia relacionada ao poder policial. O pensamento que normalmente se tem é o que vincula tal poder àquele exercido por agentes do Estado, que impõe a autoridade pública aos administrados. Objetivando justamente alterar esta visão, teremos a exposição correta do poder de polícia no ramo do Direito Administrativo, discorrendo sobre a Administração Pública de um modo geral e o poder de polícia, baseado na atividade administrativa.

O exercício do poder de polícia jamais poderá se afastar da observância dos princípios constitucionais, devendo o administrador ficar atento para não exceder os limites de tal atividade, respeitando-se a legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. Tal poder é um dos temas mais debatidos da doutrina jurídica, já que trata de uma série de prerrogativas que têm os entes públicos, de limitarem as liberdades e interferirem nos direitos do particular. Sendo assim, é absolutamente justificável a preocupação com a conceituação deste poder de polícia, em especial no que se refere aos seus limites de exercício.

Em todo caso, tal poder nunca poderá ser arbitrário, limitando-se pela lei, pelo preenchimento dos requisitos do ato administrativo, bem como pelos princípios da Administração, traduzindo-se como uma prerrogativa a serviço dos interesses da coletividade, afastando-se qualquer possibilidade de ser irrestrito.

No entanto, nem sempre os poderes administrativos são usados corretamente pelos administradores, desviando-se do fim público imposto pelo ordenamento jurídico. O exercício ilegítimo destes poderes configura o chamado abuso de poder, que será posteriormente analisado, já que tais atos devem ser repelidos do nosso sistema.

Este trabalho, elaborado para conclusão de curso de graduação em Direito, não tem a pretensão de esgotar a matéria, em razão de sua natural complexidade. O que se busca é pesquisar o que se tem na doutrina, na legislação e na jurisprudência acerca do Poder de Polícia, seus limites e efeitos.

 

2 DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

 

O Direito Administrativo disciplina a atuação da Administração Pública, tornando-se necessárias algumas noções básicas sobre a mesma.

O estudo da Administração Pública, em geral, compreendendo a sua estrutura e as suas atividades, deve partir do conceito de Estado, sobre o qual repousa toda a concepção moderna de organização e funcionamento dos serviços públicos a serem prestados aos administrados (MEIRELLES, 2003, p. 58).

Em razão dos vários sentidos atribuídos à expressão “Administração Pública”, esta deve ser fracionada para uma melhor compreensão. Desta forma, estudaremos a seguir o sentido objetivo desta, ou seja, a própria função da Administração, assim como o sentido subjetivo, que é exercido através de órgãos e agentes públicos.

 

2.1 Conceito de Administração Pública

 

O conceito de Administração Pública não está exatamente definido, havendo dificuldade em fixar com precisão tal conceito, em razão da diversidade de sentidos da expressão e de sua complexidade.

Dada a etimologia da palavra administração (manus, mandare), tem-se a ideia de comando, de gestão de interesses. Se os bens e interesses pertencem à coletividade, realiza-se a Administração Pública. Esta, portanto, significa a gestão de bens e interesses qualificados da comunidade no âmbito federal, estadual ou municipal, segundo os princípios do direito e da Moral, visando ao bem comum (MEIRELLES, 2003, p. 83).

A Administração Pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para assegurar os interesses coletivos e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas ao qual a Lei atribui o exercício da função administrativa do Estado (MORAES, 2002, p. 91).

Neste sentido, sabemos que o "Estado", do qual invocamos proteção de acordo com o interesse público, na realidade, trata-se de órgãos do Estado e, dentre estes órgãos, a Administração é aquele que estabelece restrições e limites ao particular em prol da coletividade. Cabe a ela, cumprir tarefas executivas, podendo interferir na vida dos particulares, tendo em vista finalidades e interesses que atendam a um critério geral. E é justamente à Administração Pública, que pertence o poder de interferir e limitar algumas condutas, sob o argumento do interesse público (MIRAGEM, 2000).

A Administração é a máquina, o aparelho estatal (os bens, os agentes, os órgãos), ou seja, a estrutura física que compõe essa pessoa jurídica. Entretanto, a Administração Pública pode ser dividida em dois enfoques: critério formal (orgânico ou subjetivo), que é o aparelho estatal e critério material (objetivo), que é a atividade desenvolvida pelo Estado. A Administração é o instrumental que dispõe o Estado para por em práticas as decisões políticas do governo (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 18-20).

Assim sendo, a Administração Pública é a atividade executada pelo Estado, por seus órgãos e agentes, com base em sua função administrativa, visando ao atendimento das necessidades coletivas, através da prestação de serviços públicos. Além disso, corresponde também ao conjunto de agentes, órgãos e entidades designados para executar atividades administrativas.

 

2.2 Natureza e Fins da Administração

 

A natureza da Administração Pública é um encargo de defesa, conservação e aprimoramento dos bens, serviços e interesses da coletividade. Sendo assim, o administrador público tem a obrigação de cumprir o direito e a moral administrativa em sua atuação.

A finalidade da Administração é o bem comum da coletividade. Se o administrador se afastar desta finalidade, estará contrariando os objetivos de seu mandato e não atingirá o bem-estar social (MEIRELLES, 2003, p. 84).

Para Gasparini (2004, p. 54), “o fim é sempre o interesse público ou o bem da coletividade. Toda atividade administrativa deve ser orientada nesse sentido”.

Sendo assim, o fim da Administração Pública é o bem comum, devendo ser buscado o interesse público. Em última análise, são consideradas defesas do interesse geral, as melhorias almejadas por toda a comunidade, ou pela sua maioria, visto que, um ato ou contrato administrativo realizado sem interesse público, configura desvio de finalidade.

 

2.3 As bases do Direito Administrativo

 

Devido à criação do Estado de Direito, houve a necessidade de se organizar o Estado, surgindo o direito administrativo como um ramo autônomo, a fim de regular suas atividades no exercício do poder público, visando a satisfazer o interesse coletivo.

O direito administrativo é o conjunto de normas e princípios que compõem a Administração Pública. Inclui-se entre os ramos de direito público, podendo ser considerado como um setor de estudo no direito, dotado de objeto e princípios próprios (MEDAUAR, 2005, p. 33).

Assim, o direito administrativo originou-se na França, em uma época tomada pela revolta existente em relação às ideias políticas juridicamente aceitas. Nessa época, buscava-se uma ocasião específica para determinar quando seria necessária a aplicação do direito administrativo. A primeira ideia que fundamentou a aplicação de Direito Administrativo foi a puissance publique, ou seja, o poder do Estado em face dos administrados (MELLO, 2007, p. 43).

Os pensamentos de poder e dever foram idealizados por Rousseau e Montesquieu, os quais colaboraram para a formação do Estado Democrático de Direito. Sendo assim, Rousseau introduziu o princípio da igualdade e da soberania popular, fundamentando que os homens são iguais e livres perante a sociedade, de modo que, para haver a organização social, torna-se necessário que todos renunciem a uma parcela de sua liberdade. Para Rousseau, todos os homens deveriam estar no poder. No entanto, considerando que não era possível a todos exercer o poder simultaneamente, elegiam um representante para o exercício desta função (MELLO, 2007, p. 47).

O pensamento de Montesquieu (apud MELLO, 2007, p. 47), era de que:

Todo aquele que detém Poder tende a abusar dele e que o Poder vai até onde encontra limites (...). Deveras, se o Poder vai até onde encontra limites, se o Poder é que se impõe, o único que pode deter o Poder é o próprio Poder. Logo, cumpre fracioná-lo para que suas parcelas se contenham reciprocamente. Daí sua conclusão: cumpre que aquele que faz as leis, não as execute nem julgue; cumpre que aquele que julga não faça as leis nem as execute; cumpre que aquele que executa, nem faça as leis nem julgue. E assim se afirma a ideia de tripartição do exercício do Poder.

 

Tal ideia reflete o chamado sistema de "freios e contrapesos", que visa a impedir a concentração de poderes, sendo que cada poder limita a atuação do outro.

Assim, também é importante expor o significado de Estado de Direito para Hans Kelsen (1991, p. 328), em sua obra "Teoria Pura do Direito":

“Estado de Direito", neste sentido específico, é uma ordem jurídica relativamente centralizada segunda a qual a jurisdição e a administração estão vinculadas às leis – isto é, às normas gerais que são estabelecidas por um parlamento eleito pelo povo, com ou sem a intervenção de um chefe de Estado que se encontra à testa do governo, os membros do governo são responsáveis pelos seus atos, os tribunais são independentes e certas liberdades dos cidadãos, particularmente a liberdade de crença e de consciência e a liberdade de expressão do pensamento, são garantidas.

 

Desta forma, conclui-se que o Direito Administrativo começou a desenvolver-se com o conceito de Estado de Direito e sob os princípios da legalidade e da separação dos poderes, sendo que os pensamentos de Rousseau e Montesquieu que fundamentaram o Direito Administrativo são os mesmos que originaram o Estado Democrático de Direito.

2.4 O Regime Jurídico Administrativo

         

          Há uma disciplina jurídica autônoma quando corresponde a um conjunto de princípios e regras específicas, diferenciando-a das demais ramificações do Direito. No Direito Administrativo, tais princípios específicos e que guardam entre si uma relação lógica, compõem um sistema ou regime jurídico administrativo.

          Para Alexandrino e Paulo (2009, p.10):

O denominado “regime jurídico administrativo” é um regime de direito público, aplicável aos órgãos e entidades que compõem a administração pública e à atuação dos agentes administrativos em geral. Baseia-se na ideia de existência de poderes passíveis de serem exercidos pela Administração Pública, contrabalançados pela imposição de restrições especiais à atuação dessa mesma administração, não existentes – nem os poderes, nem as restrições – nas relações típicas do direito privado.

 

          A expressão regime jurídico da Administração Pública é utilizada para designar os regimes de direito público e de direito privado a que esta pode submeter-se. Já a expressão regime jurídico administrativo é reservada somente para abranger o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública em uma posição superior na relação jurídica (DI PIETRO, 2003, p. 65).

          Embora seja questão pacífica a existência de uma unidade sistemática de princípios e normas que formam o Direito Administrativo, é necessário considerar quais são os princípios básicos, e os que destes derivam. Para a evolução do Direito Administrativo, devemos entender o regime jurídico como categoria básica, e não de uma maneira implícita.

          A este sistema, remetido ao direito administrativo, denomina-se regime jurídico administrativo. O Direito Administrativo está inserido no ramo de Direito Público, que tem como base os interesses pertencentes à sociedade (MELLO, 2007, p. 52).

          As normas de direito administrativo produzem um regime de direito público diferente daquele que disciplina a satisfação de interesses privados.  O regime de direito público se caracteriza pela redução da autonomia individual e pela imposição de deveres de grande importância. Tal regime destina-se a reduzir o risco de não serem atendidos determinados valores fundamentais (JUSTEN FILHO, 2005, p. 1).

          Sendo assim, tal disciplina se desenvolve com base em dois princípios: supremacia do interesse público sobre o interesse privado e indisponibilidade, pela Administração, dos interesses públicos.

 

2.5 Conceito Jurídico de Interesse Público

 

            A noção de interesse público é extremamente importante, tanto que um ato administrativo que se desvie desta noção, será necessariamente inválido. O interesse público representa a soma dos interesses individuais dos seres considerados como membros da sociedade. É considerado interesse primário a vontade do povo, dos indivíduos da sociedade, de acordo com a maioria. O interesse secundário é a vontade do Estado, enquanto pessoa jurídica.

            No entanto, como bem salientou Justen Filho (2005, p.35), há evidências, na sociedade brasileira, que tais princípios estão sendo invocados para justificar atos incompatíveis com a ordem constitucional democrática, sendo necessário, por isso, encontrar uma solução mais satisfatória e mais adequada em face da Constituição de 1988.

            É comum se afirmar que o Direito Administrativo se fundamenta nos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público. O interesse público visa à sociedade como um todo, não tendo como objetivo o interesse individual de cada um. No entanto, o interesse coletivo não está desvinculado de cada uma das partes que compõem o todo. Seria inadmissível um interesse que do todo fosse, mas, ao mesmo tempo, contrário ao interesse de cada uma das partes individualmente. Desta maneira, tal raciocínio demonstra a existência de uma ligação entre o interesse público e os interesses individuais.

Como exemplo, podemos citar um indivíduo que tenha interesse em não ser desapropriado. No entanto, este indivíduo não pode, individualmente, ter interesse em que não haja o instituto da desapropriação, mesmo que este seja utilizado em seu desfavor. Sendo assim, todos os membros da sociedade terão interesse em que exista o instituto, pois há liberação de áreas para construção de estradas, escolas, hospitais, hidroelétricas, entre outros, cuja disponibilidade não pode ficar condicionada à vontade dos proprietários em comercializá-los (MELLO, 2007, p. 59).

            Não se pode confundir interesse público com interesse estatal, ou interesse do Estado, valendo-se do raciocínio de que o interesse é público porque atribuído ao Estado. Tal concepção é incompatível com a Constituição, já que existem interesses públicos não estatais, composto, por exemplo, pelas organizações não governamentais. O Estado Democrático é instrumento de realização dos interesses públicos, ou seja, o interesse público existe antes do Estado (JUSTEN FILHO, 2005, p. 35).

            Desta maneira, pode-se concluir que o interesse público beneficia a coletividade, embora algumas vezes possa divergir de determinados interesses particulares, porém sempre visando ao bem comum. Não se pode confundir com o interesse do Estado, nem com interesse dos agentes públicos, já que, neste caso, estaria contrariando a Constituição Federal.

 

2.5.1 Supremacia do Interesse Público sobre o privado

           

            A supremacia do interesse público é um princípio do direito público em geral, sendo necessário para a vida em sociedade. Certamente, não é possível que o interesse de um indivíduo ou de um grupo possa preponderar sobre o interesse de todos.

            Tal princípio encontra-se ligado ao da finalidade pública. Sendo assim, prevalece sobre o privado em razão da atuação estatal, tendo em vista que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Este interesse deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares (MEIRELLES, 2003, p. 99).

            Ainda segundo  o autor, a supremacia é indispensável à Administração, sendo que, sobrepor o interesse da coletividade ao interesse do particular, não significa desrespeito aos direitos deste. No entanto, sempre que houver confronto entre os interesses, há de prevalecer o coletivo. É o que ocorre no caso de desapropriação por utilidade pública, por exemplo. Determinado imóvel deve ser disponibilizado para a construção de uma creche. O interesse do proprietário se conflita com o da coletividade que necessita dessa creche. Seguindo esse princípio e a lei, haverá sim a desapropriação, já que visa o bem estar geral da sociedade, com a consequente indenização do particular, de acordo com o artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal.

            Significa a sobreposição, a superioridade do interesse público em face dos interesses individuais, particulares. Esse princípio é fundamental para o convívio social, indispensável para a vida em sociedade. Não é a sobreposição da máquina estatal, bem como não é do administrador, mas sim do interesse público de acordo com a Constituição e as leis. A sobreposição do interesse público acarreta algumas prerrogativas e privilégios e esse princípio está ligado à maioria dos atos da Administração (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 10).

Por fim, ressalta-se que o interesse público é indisponível. Assim, os poderes atribuídos à Administração Pública têm a característica de poder-dever, e, quando não exercidos, podem caracterizar a omissão.

 

2.5.2 Indisponibilidade pela Administração dos Interesses Públicos

 

            Este princípio afirma que o administrador não pode dispor livremente do interesse público, pois não representa seus próprios interesses, devendo agir segundo os limites impostos pela lei.

De acordo com Mello (2007, p. 70):

A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade - internos ao setor público, não se encontram à disposição de quem quer que seja por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis.

 

Entende-se que administrar é zelar por bens alheios; neste caso, é praticar atividades necessárias para o desenvolvimento da coisa administrada (coisa pública). Na realização das atividades administrativas, o administrador deve praticar todas as faculdades necessárias para o cumprimento de seu ônus. No entanto, a coisa administrada não pertence a ele, ou seja, este não pode dispor do bem de acordo com o seu interesse, pois tal prerrogativa pertence à esfera da coletividade. Da indisponibilidade do interesse público resultam a inalienabilidade e a impenhorabilidade dos bens públicos.

O administrador não tem liberalidade sobre esse interesse já que ele exerce função pública, isto é, atividade em nome e interesse do povo. Logo, o administrador não pode dispor desses interesses, pois não lhe pertence.

Sendo assim, o princípio da indisponibilidade do interesse público surge como uma consequência do princípio legalidade. O administrador não pode fazer o que bem entender, ou seja, deve ter autorização legal, só podendo fazer aquilo que a lei expressamente autoriza e, em caso de omissão está proibido de agir.

 

 


 

3 OS PODERES E DEVERES DO ADMINISTRADOR PÚBLICO

 

          O Administrador Público possui encargos em sua função pública, expressados pela lei, pela moral e pelo interesse coletivo.

          A lei impõe ao administrador público alguns deveres específicos, isto é, deveres administrativos a fim de assegurar que sua atuação ocorra efetivamente em benefício do interesse público.

          Segundo Meirelles (2003, p. 100):

Cada agente administrativo é investido da necessária parcela de poder público para o desempenho de suas atribuições. Esse poder é de ser usado normalmente, como atributo do cargo ou da função, e não como privilégio da pessoa que o exerce. É esse poder que empresta autoridade ao agente público quando despido da função ou fora do exercício do cargo, não pode usar da autoridade pública, nem invocá-la ao talante de seu capricho, para superpor-se aos demais cidadãos. Tal conduta caracterizaria abuso de poder, e, conforme o caso, tipificaria o crime de abuso de autoridade.

 

O agente público, quando investido no cargo, emprego ou função recebe parte do poder público como instrumento ou meio necessário para que seus deveres sejam cumpridos no desempenho de suas atribuições.

          As prerrogativas conferidas pela ordem jurídica, para que eles, em nome do Estado, atinjam o fim público, configuram os chamados poderes do Administrador Público.

 

3.1 Poderes Administrativos

 

          Os poderes concedidos ao Administrador Público não constituem uma faculdade, e sim de um dever. Estes já nascem com a Administração e são inerentes a ela, sendo irrenunciáveis e de exercício obrigatório.

          O Professor Carvalho Filho (2006, p. 39) conceitua poderes administrativos como “o conjunto de prerrogativas de direito público que a ordem jurídica confere aos agentes administrativos para o fim de permitir que o Estado alcance seus fins”.

          Os poderes administrativos são instrumentais, que diferem dos poderes políticos (Legislativo, Judiciário Executivo), os quais são poderes estruturais e relacionam-se com a própria estrutura do Estado, estabelecida pela Constituição (MEIRELLES, 2003, p. 112).

          Desta forma, os poderes administrativos são instrumentos de trabalho que devem ser utilizados pela Administração para atingir a finalidade pública, ou seja, são meios dos quais se vale a Administração, através de seus agentes para realizar os objetivos previstos em lei.

           O poder vinculado é aquele de que dispõe a Administração para a prática de atos administrativos em que inexiste ou é escassa a sua liberdade de atuação. Não há juízo de valor, nem conveniência e oportunidade.

          Tal poder também é denominado como poder regrado, sendo conferido à Administração Pública para a prática de ato de sua competência. A liberdade de ação do administrador é desprezível ou inexistente porque sua conduta está especificamente prevista em lei. A competência, a finalidade e a forma serão sempre elementos vinculados (MEIRELLES, 2003, p. 113).

          O princípio da legalidade impõe que o agente público observe todos os requisitos legais, devendo praticar o ato com todos os detalhes previstos legalmente. Em caso de divergência, o ato é inválido, podendo ser reconhecido pela própria Administração ou pelo Judiciário.

          O poder vinculado submete o agente à letra da lei. Esta estabelece o único comportamento a ser adotado em determinadas situações, não possibilitando nenhuma liberdade para uma análise subjetiva pelo administrador.

          Diante do poder vinculado, há o direito subjetivo do particular de exigir o ato. Não existe a possibilidade de o agente público utilizar a conveniência e oportunidade, visto que o mesmo não tem outra solução, a não ser aquela prevista na norma.

          Podemos citar como exemplo de ato vinculado, um servidor que ingressa com pedido de aposentadoria por ter atingido o máximo de idade permitida pela Constituição Federal para o serviço público (setenta anos). Neste caso, tal servidor pode exigir a concessão da aposentadoria, já que ele preencheu o único requisito previsto em lei. A situação é objetiva, não gerando qualquer dúvida, ou seja, o Poder Público está obrigado a aposentar o funcionário (MELLO, 2007, p. 423).

          No entanto, o poder vinculado não pode ser considerado como poder autônomo, porque é atributo de outros poderes ou competência da Administração. Além disso, segundo Di Pietro, o poder vinculado não encerra prerrogativa do Poder Público, mas sim idéia de restrição.

          A propósito, DI PIETRO (2003, p. 86):

[...] quando se diz que determinada atribuição da Administração é vinculada, quer se significar que está sujeita à lei em praticamente todos os aspectos. O legislador, nesta hipótese, preestabelece todos os requisitos do ato, de tal forma que, estando eles presentes, não cabe à autoridade administrativa senão editá-lo, sem apreciação de aspectos concernentes à oportunidade, conveniência, interesse público, equidade. Esses aspectos foram previamente valorados pelo legislador.

 

          Desta maneira, assiste razão à autora, tendo em vista que o chamado “poder vinculado” não se trata exatamente de um poder, pois é um dever da Administração Pública quando pratica um ato vinculado.

          Poder discricionário é aquele em que o agente administrativo dispõe de uma liberdade de atuação, podendo analisar a oportunidade e conveniência da prática do ato, quanto ao seu motivo e objeto.

          A discricionariedade distingue-se do poder vinculado pela maior liberdade de decisão conferida ao administrador. Além disso, para a prática de um ato vinculado, o agente deve observar a lei, sendo que para praticar um ato discricionário, é livre, já que a lei lhe concede esta faculdade (MEIRELLES, 2003, p. 115).

          A discricionariedade não se confunde com arbitrariedade. O arbítrio é contrário à lei, sendo sempre ilegítimo e inválido. O ato discricionário, quando autorizado pelo direito, é legal e válido, já que a liberdade está dentro dos limites legais.

           O legislador não tem como prever todos os acontecimentos, pois, neste caso, todos os atos seriam vinculados. Para Meirelles (2003, p.115):

A atividade discricionária encontra plena justificativa na impossibilidade de o legislador catalogar na lei todos os atos que a prática administrativa exige. O ideal seria que a lei regulasse minuciosamente a ação administrativa, modelando cada um dos atos a serem praticados pelo administrador, mas como isto não é possível, dadas a multiplicidade e diversidade dos fatos que pedem pronta solução ao Poder Público, o legislador somente regula a prática de alguns atos administrativos que reputa de maior relevância, deixando o cometimento dos demais ao prudente critério do administrador.

                                                                                                                                             

          Também tem fundamento no poder discricionário, a revogação de atos discricionários praticados pela Administração Pública, quando, posteriormente, os considerar inconvenientes. É importante ressaltar que somente pode revogar um ato administrativo a Administração Pública que o praticou.  Assim, o Poder Judiciário nunca poderá revogar um ato praticado pelo Poder Executivo ou Legislativo (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 220).

          Mesmo quanto aos elementos discricionários do ato, há limitações impostas pela moralidade administrativa. Desta maneira, a atividade discricionária está sujeita a uma fiscalização interna e externa. A primeira refere-se ao atendimento do bem comum e da moralidade administrativa; já a segunda é feita pelo ordenamento jurídico a que fica subordinada toda atividade administrativa (MEIRELLES, 2003, p. 116).

          A discricionariedade dá a ideia de prerrogativa, uma vez que a lei permite que a Administração Pública tenha certa liberdade para proferir sua decisão na análise do caso concreto. Contudo, não se pode dizer que exista como poder autônomo.

Na verdade, as várias competências exercidas pela Administração, com base nos poderes regulamentar, disciplinar, de polícia, serão vinculadas ou discricionárias, dependendo da liberdade, deixada ou não pela legislação Administração Pública (DI PIETRO, 2003, p. 86).

          Sendo assim, apesar das acertadas críticas mencionadas pela autora, já que para a mesma, tanto o poder vinculado como o discricionário não configuram poderes autônomos, tais expressões serão utilizadas por uma questão de tradição. Para a doutrina moderna, vinculado e discricionário é o ato no exercício do poder, não havendo poder absolutamente vinculado ou discricionário.

          Por fim, é importante ressaltar que a discricionariedade é parcial, atingindo apenas o motivo e objeto. Sendo assim, mesmo os atos discricionários são também tão vinculados à previsão legal, quanto aos requisitos de competência, finalidade e forma.

          O poder hierárquico tem como objetivo a organização da Administração Púbica estabelecendo a relação entre seus agentes. Significa escalonar, estruturar e hierarquizar os quadros da Administração.

          De acordo com Meirelles (2003, p. 117), “poder hierárquico é aquele que dispõe o Poder Executivo para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos, ordenar e rever a atuação de seus agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de pessoal”.

          A hierarquia caracteriza-se pela subordinação entre órgãos e agentes públicos, em relação a uma mesma pessoa jurídica. As relações de natureza hierárquica são típicas da organização administrativa. Entretanto, não há hierarquia entre diferentes pessoas jurídicas, nem entre os poderes da república. É utilizado o vocábulo vinculação para se referir à vinculação não hierárquica existente entre a administração direta e as entidades da administração indireta. A existência de vinculação justifica o controle que os entes federados exercem sobre as administrações indiretas, chamado de controle finalístico. (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 222-225).

          Segundo Di Pietro (2003, p. 22):

Da organização administrativa decorrem para a Administração Pública diversos poderes, como: poder de dar ordens aos subordinados, que implica o dever de obediência para estes últimos, ressalvada as ordens manifestamente ilegais; poder de controlar a atividade dos órgãos inferiores, para examinar a legalidade de seus atos e o cumprimento de suas obrigações, podendo anular os atos ilegais ou revogar os inconvenientes ou inoportunos, seja ex oficio, seja mediante provocação dos interessados, por meios de recursos hierárquicos; poder de avocar atribuições, desde que estas não sejam da competência privativa do órgão subordinado; poder de delegar atribuições que não lhe sejam privativas. É decorrente das relações de subordinação, distribuição de funções, sendo típico da função administrativa.

         

          Os servidores públicos têm o dever de acatar e cumprir as ordens de seus superiores hierárquicos, exceto quando manifestamente ilegais. Neste caso, surge para o destinatário da ordem o dever de representação, conforme preceitua a Lei 8.112/1990, artigo 116, IV e XII.

          Do poder hierárquico, decorrem faculdades implícitas para o superior, tais como a de dar ordens e fiscalizar o seu cumprimento, a de delegar e de avocar atribuições e a de rever os atos inferiores (MEIRELLES, 2003, p. 118).

          A prerrogativa de dar ordens, também conhecida como poder de comando, permite que o superior hierárquico controle o funcionamento dos serviços sob sua responsabilidade. Para tanto, não só dá ordens diretas aos subordinados, como também edita os atos administrativos ordinatórios.

          A fiscalização significa vigiar os atos praticados pelos subordinados, também entendido como poder de controle. De nada adiantaria a fiscalização se o superior não pudesse controlar essa atuação. O poder de controle inclui a manutenção dos atos válidos, a convalidação dos atos com defeitos sanáveis e a exclusão dos atos ilegais, inconvenientes, inadequados ou inoportunos (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 225).

          A delegação de competência é conferir a outrem obrigações pertencentes ao delegante, transferindo o exercício de uma competência. Somente podem ser delegados os atos administrativos e não os atos políticos. A delegação de um Poder a outro também não é permitida, salvo nos casos expressamente previstos pela Constituição Federal. Além disso, são delegáveis as atribuições genéricas, não individualizadas nem privativas de determinado agente.

          Avocar é o ato pelo qual o superior hierárquico chama para si as funções anteriormente atribuídas a um subordinado. Somente deve ser adotada quando houver motivos relevantes, já que a avocação desprestigia o subordinado e desorganiza o andamento do serviço. A avocação isenta de responsabilidade o subordinado, transferindo esta ao superior e não será possível quando se tratar de competência exclusiva do inferior (MEIRELLES, 2003, p. 118-119).

          Para este autor, a revisão de ato de inferiores hierárquicos significa analisar tais atos para mantê-los ou invalidá-los, de ofício ou mediante provocação do interessado. A revisão hierárquica somente pode ocorrer enquanto o ato não se tornou definitivo para a Administração ou não criou direito para o particular, oponível à Administração.

          Consequentemente é possível afirmar que o poder hierárquico prevê meios para que os servidores públicos respeitem a hierarquia existente na Administração Pública, acatando as ordens de seus superiores hierárquicos. Isto ocorre para que haja uma organização na prestação do serviço, a fim de que sejam cumpridas suas finalidades.

          O poder disciplinar está relacionado com o poder hierárquico, configurando um poder-dever que possui a Administração de punir internamente as infrações funcionais de seus servidores e daqueles que se vinculam à Administração.

          Para Meirelles (2003, p.120):

Poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos servidores e demais pessoas sujeitas à disciplina dos órgãos e serviços da Administração. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se vinculam à Administração por relações de qualquer natureza, subordinando-se às normas de funcionamento do serviço ou do estabelecimento que passam a integrar definitiva ou transitoriamente.

 

          Tal poder permite que a Administração imponha penalidades não somente aos servidores, como também aos particulares que mantenham com esta um vínculo jurídico específico (exemplo: contrato administrativo) (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 227).

          A doutrina aponta o poder disciplinar como de exercício caracteristicamente discricionário. No entanto, há situações em que a lei descreve infrações administrativas e as respectivas penas como atos vinculados. Ainda há discricionariedade quanto à escolha e gradação da penalidade. Desta forma, é possível afirmar que existe um grau limitado de discricionariedade no exercício do poder disciplinar (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 228).

          O poder disciplinar possui certa discricionariedade, em razão de não ser aplicável a este o princípio da pena específica presente no Direito Penal, ao preceituar a inexistência da infração penal sem lei anterior que a defina. O administrador, de acordo com seu convencimento, aplicará a sanção que julgar cabível, dentre aquelas enumeradas em lei ou regulamento para as infrações administrativas.

          As penas disciplinares no Direito Administrativo Federal são: advertência; suspensão; demissão; cassação de aposentadoria ou disponibilidade; destituição em cargo em comissão; destituição de função comissionada (Lei 8.112/90, artigo 127). O administrador escolherá a punição que melhor satisfaça o interesse da Administração Pública e reprima a falta cometida, não sendo possível a punição arbitrária e sem fundamentos jurídicos.

          A motivação da punição disciplinar é indispensável para a validade da pena. É ilegal a punição sem a devida fundamentação da autoridade que a impõe, pois esta se destina a relacionar a pena aplicada com a falta cometida, permitindo que se confira a todo tempo a legitimidade dos fatos que originaram tal punição (MEIRELLES, 2003, p. 123).

          De acordo com Di Pietro (2003, p. 91):

O poder disciplinar é discricionário, o que deve ser entendido em seus devidos termos. A Administração não tem liberdade de escolha entre punir e não punir, pois, tendo conhecimento de falta praticada por servidor, tem necessariamente que instaurar o procedimento adequado para sua apuração e, se for o caso, aplicar a pena cabível. Não o fazendo, incide em crime de condescendência criminosa, previsto no artigo 320 do Código Penal, e em improbidade administrativa, conforme artigo 11, inciso II, da Lei n.° 8.429, de 2-6-92.

 

          Ainda segundo a autora, existe discricionariedade também em relação às infrações que a lei não define, como, por exemplo, o procedimento irregular e a ineficiência do serviço público, puníveis com pena de demissão, e da falta grave, punível com suspensão. As expressões utilizadas são imprecisas, de maneira que a lei possibilitou à Administração enquadrar os casos concretos em uma ou outra dessas infrações. No entanto, não poderá ser aplicada penalidade através de procedimento legal, se não estiverem assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a estes inerentes.

          Por derradeiro, é necessário mencionar que a penalidade aplicada deverá sempre ser motivada, não havendo exceções neste caso, sob pena de lesão ao direito do servidor público ou do particular que mantenha um vínculo jurídico com a Administração Pública.

          O poder regulamentar, também chamado de normativo, é utilizado para designar as competências do Chefe do Poder Executivo para editar atos normativos.

          Segundo Meirelles (2003, p. 124):

É a faculdade de que possuem os Chefes do Executivo (Presidentes da República, Governadores e Prefeitos) de explicar a lei para sua correta execução, ou de expedir decretos autônomos sobre matéria de sua competência, ainda não disciplinada por lei; é um poder inerente e privativo do Chefe do Executivo (CF, artigo 84, IV), e, por isso mesmo, indelegável a qualquer subordinado.

 

          Para este autor, o regulamento é ato administrativo geral e normativo, editado privativamente pelo Chefe do Executivo, através de decreto, com o objetivo de explicar a maneira e forma de execução da lei (regulamento de execução) ou regular situação nela não disciplinada (regulamento autônomo ou independente). Desta forma, na omissão da lei, o regulamento supre a lacuna, até que o legislador esclareça os pontos omissos. Enquanto este não o fizer, o regulamento possui vigência, exceto na hipótese de matéria reservada à lei. Conforme o artigo 49, inciso V, da Constituição Federal, o Congresso Nacional tem competência para sustar atos normativos do Executivo que exorbitem o poder regulamentar.

          O exercício do poder regulamentar, em regra, se baseia na edição de decretos e regulamentos para correta explicação e execução das leis. Sendo assim, a Constituição Federal confere ao Presidente da República tal poder, conforme o artigo 84, IV e VI que, pelo princípio da simetria é também estendido aos demais chefes do Poder Executivo dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, pelas respectivas Constituições e Leis Orgânicas.

          O poder regulamentar caracteriza um dos modos de exercício do poder normativo na esfera do Poder Executivo. Assim sendo, é possível dizer que há um poder normativo geral, do qual o poder regulamentar representa uma espécie. No direito brasileiro, o poder regulamentar visa a explicitar o conteúdo das leis, preparando sua execução e completando-as, se necessário. Resulta do exercício do poder regulamentar a expedição de regulamentos, por meio de decretos (MEDAUAR, 2005, p. 132).

          A autora entende que, diversas vezes, a própria lei prevê a edição de regulamento. No ordenamento brasileiro, em regra, a ausência de regulamentação impede a eficácia da lei. No entanto, tal entendimento não é absoluto, principalmente nos casos de inércia do Poder Executivo. No caso em que a lei prevê a edição de regulamento, sem estabelecer prazo, deve ser concedido ao Executivo prazo razoável. Após esse prazo, as disposições da lei devem ser invocadas, caso sua execução não dependa de regulamento. Se este for necessário, o titular do direito pode se utilizar da via judicial através de mandado de injunção. O mesmo fato ocorre quando a lei fixa prazo e este se escoa sem que o Executivo expeça o regulamento.

          Para expedir os atos que visam a executar as leis, o Executivo não necessita de autorização legal específica ou constitucional genérica. Por isso, ainda que omissos a lei e a Constituição em relação ao Poder competente para regulamentar, essa atribuição é do próprio Executivo, pois é inerente à sua função. Sendo assim, a natureza da atribuição regulamentar é originária, inclusive, no caso de regulamentos autônomos, pois independentemente de lei, tal atribuição também é inerente à função administrativa. Ainda assim, o nosso ordenamento jurídico prevê a atribuição regulamentar na Constituição Federal, nas Constituições estaduais e Leis Orgânicas, fazendo com que alguns entendam erroneamente se tratar de atribuição derivada (GASPARINI, 2004, p.119).

          É conferida, ao Poder Executivo, a prerrogativa de editar atos normativos gerais e abstratos. De acordo com a classificação de Meirelles (2003, p. 124), os atos normativos podem ser decretos de execução, decretos autônomos e regulamentos autorizados.

          Os decretos de execução ou regulamentares são regras jurídicas gerais, abstratas e impessoais, editadas em razão de uma lei, a fim de que esta seja executada. São atos normativos secundários, pois precisam de lei (ato primário). Situam-se hierarquicamente abaixo das leis, não podendo contrariá-las, sob pena de ilegalidade.

Os decretos autônomos são utilizados para suprir as lacunas da lei até que o legislador as regule, não sendo permitido que este invada matéria reservada à lei.

          A partir da Emenda Constitucional 32/2001, teve origem à autorização expressa no artigo 84, inciso VI, da Constituição, para a edição de decretos autônomos pelo Presidente da República, a fim de dispor especificamente sobre organização e funcionamento da administração federal e extinção de funções ou cargos públicos quando vagos.

          Os regulamentos autorizados são aqueles que complementam disposições da lei em razão de expressa determinação nela contida. São autorizações do Poder Legislativo para que o Poder Executivo discipline situações não previstas na lei. É controversa, na doutrina, a existência dos regulamentos autorizados, tendo em vista que não foram expressamente previstos na Constituição Federal, como ocorre com as medidas provisórias e leis delegadas.

           No entanto, em razão da evolução da realidade social, o próprio Poder Judiciário tem admitido a utilização do regulamento autorizado quando a lei, estabelecendo os requisitos e os limites da matéria a ser regulamentada, deixa ao Executivo a fixação de normas técnicas, como regras relativas a registro de operações no mercado de capitais, estabelecimento de modelos de notas fiscais e outros documentos, elaboração de lista com medicamentos sujeitos à retenção de receita e o modelo de receituário especial, etc. (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 236).

          Em relação ao controle judicial, ainda de acordo com os autores supramencionados, quando o ato normativo estiver em conflito com a lei que ele regulamenta, caberá apenas o controle de legalidade, não caracterizando inconstitucionalidade. Entretanto, se o ato ofender diretamente a Constituição, sem que haja lei regulamentada nessa situação, considera-se que este tenha caráter autônomo, podendo ser atacado por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

O poder de polícia é uma prerrogativa da Administração Pública, através da qual é permitida a restrição a direitos e liberdades. É uma atividade imperativa, utilizada para atingir o bem coletivo, ou seja, o interesse público.

          Também pode ser entendido como a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais em benefício da coletividade (MEIRELLES, 2003, p. 127).

          No mesmo sentido, segundo o autor, é o mecanismo de controle de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. A polícia administrativa incide sobre os bens, direitos e atividades, sendo que a polícia judiciária e da manutenção da ordem pública atua sobre as pessoas.

          Temos, ainda, o conceito legal de poder de polícia, previsto no artigo 78 do Código Tributário Nacional:

Considera-se poder de polícia atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público, concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado e ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

 

          A Administração exerce o Poder de Polícia sobre todas as atividades que envolvam os interesses da coletividade. Este poder é exercido por todos os entes da Federação, sendo, em regra, competente para exercer tal poder, aquele que recebeu da Constituição Federal competência legislativa.

          Os meios de atuação da polícia administrativa dividem-se em dois grupos: poder de polícia originário e poder de polícia delegado. O poder de polícia originário é aquele exercido pelos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). O poder de polícia delegado é aquele executado pelos integrantes da Administração Indireta. A expressão “poder de polícia delegado” existe em razão de tal poder ser recebido pelo ente da Federação à qual o integrante da Administração Indireta pertence. A nomenclatura correta seria poder outorgado, já que delegação significa transferir a particulares, o que, neste caso, não é permitido (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p. 243).

          O atributo do ato de polícia justifica o emprego da força física quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência desproporcional à resistência, podendo caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade, que tornam o ato nulo, podendo, ainda, desencadear as ações civis e criminais para reparação do dano e punição dos responsáveis.

          O poder de polícia faz parte do tema deste trabalho, sendo, portanto, estudado mais especificamente em seu capítulo 5.

 

3.2 Deveres do Administrador

 

          Os deveres do administrador público são os encargos que este possui para gerir os bens e interesses públicos. Estes poderes e deveres estão expressos em lei, sendo que, de outra maneira, não é possível indicar o que é poder e o que é dever do agente público.

          Os poderes administrativos são conferidos à Administração Pública para retirar os interesses particulares que prejudicam o interesse público. Deste modo, o poder de agir se transforma em dever de agir.

          O Poder-dever de agir é conferido à Administração para que o fim público seja atingido. Sendo assim, o poder administrativo representa um dever de agir do agente público, tratando-se de uma imposição e não de uma faculdade, como ocorre no direito privado.

          Neste sentido, os poderes administrativos são irrenunciáveis, não podendo seus titulares deles dispor. Tal liberalidade permitiria ao administrador fazer liberalidades com o direito alheio, tornando-se o Poder Público instrumento de cortesias administrativas, o que não é permitido (MEIRELLES, 2003, p. 102).

          O direito não se satisfaz com o desempenho incompleto ou intempestivo da competência do agente público. As competências inerentes ao cargo público devem ser cumpridas totalmente e no momento legal. O agir do agente público pode estar ligado à retirada de um ato administrativo por ilegalidade ou por mérito (atribuição de autotutela), ou à aplicação de uma punição ao servidor relapso (atribuição disciplinar), ou à incidência de tributos (atribuição de tributar), ou à guarda, conservação e aprimoramento de bens públicos (atribuição de gerir) (GASPARINI, 2004, p. 144).

Na esfera do direito privado, o poder de agir caracteriza-se como uma faculdade. Já no direito público, isto é, na Administração Pública, o poder de agir transforma-se em dever de agir, tornando-se uma imposição de para que as finalidades públicas sejam atingidas.

A propósito, já proclamou o colendo Tribunal Federal de Recursos que "o vocábulo poder significa dever quando se trata de atribuições de autoridades administrativas". Sendo assim, pouca liberdade sobra ao administrador para praticar atos de sua competência.

Por isso, utiliza-se a expressão poder-dever de agir da autoridade pública, exatamente para ressaltar o fato de que o agente público não pode se esquivar do exercício de suas atribuições quando a lei determinar ou as circunstâncias exigirem.

          O administrador público não pode deixar de praticar atos de sua competência legal. Sendo assim, a omissão do agente, em situações que exijam sua atuação, pode gerar responsabilidade para o agente omisso e autoriza a obtenção de ato omitido por via judicial, através de mandado de segurança.

          O dever de eficiência está presente para tornar a atividade administrativa cada vez melhor, no intuito de se imprimir à atuação do administrador público maior celeridade e perfeição nos serviços.

          Conforme já mencionado, a Emenda Constitucional 19/98 alterou a redação do artigo 37, introduzindo o princípio da eficiência, que já era acolhido pelo nosso ordenamento jurídico. Com efeito, o Decreto-Lei 200/67, ao submeter à atividade administrativa ao controle de resultado, ao fortalecer o sistema de mérito e ao prescrever a demissão ou dispensa do servidor, comprovadamente ineficiente no desempenho de suas atribuições ou desidioso no cumprimento de seus deveres, ordenou a observância desse princípio. A eficiência, conhecida entre os italianos como dever de boa administração, impõe ao agente público a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, perfeição e rendimento (GASPARINI, 2004, p. 144).

            A eficiência funcional é considerada em sentido amplo, abrangendo não só a produtividade e adequação técnica, mas também confrontando os desempenhos através de seleção e treinamento. A técnica é hoje inseparável da Administração e se torna indispensável em todos os serviços públicos, não se admitindo atividades burocráticas quando o rendimento depende de comprovada de eficiência (MEIRELLES, 2003, p.103).

            Na realidade, atualmente, a qualidade na prestação de um serviço tornou-se um requisito indispensável a ser seguido por todo e qualquer administrador, do setor privado ou público. Em se tratando da Administração Pública, que zela por toda a sociedade, não poderia ser diferente. Desta forma, a eficiência na prestação dos serviços públicos tornou-se uma regra indispensável ao administrador.

          O dever de probidade impõe ao agente público o desempenho de suas atribuições de acordo com a ética e a moral, realizando a Administração de forma transparente. O administrador Público deve ter uma postura honesta, podendo sofrer sanções quando se afasta desta conduta.

          De acordo com Gasparini (2004, p.147):

Assim, se várias pessoas têm interesse no uso privativo de certo bem público, não pode o agente público, mesmo que a lei lhe faculte, escolher livremente uma. A escolha há, nesses casos, de ser por solicitação. Entre dois ou mais nomeáveis a titular de um cargo de provimento em comissão, a nomeação há de incidir naquele com mais experiência, com mais títulos, com mais capacidade, se todos gozam da mesma confiança do agente competente para nomear.

 

Os servidores públicos têm suas normas de conduta estabelecidas no Regime Jurídico do Servidor Público (Lei 8.429/92), no qual são encontradas normas que zelam pela probidade, sujeitando-os à responsabilização administrativa, civil ou criminal, de acordo com o caso e a categoria do agente.

A Constituição Federal estabelece sanções políticas, administrativas e penais (perda da função pública, indisponibilidade dos bens, ressarcimento de danos ao erário público, suspensão dos direitos políticos). Os atos de improbidade estão relacionados com enriquecimento ilícito, prejuízos ao erário público, os que atentam aos princípios da Administração Pública (legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, eficiência). Atos administrativos que causam danos ao patrimônio público são passíveis de anulação pela própria Administração, ou pelo Poder Judiciário, através de ação popular. A aplicação do dever de probidade é extensiva às entidades estatais autárquicas, fundacionais, paraestatais e até particulares subvencionados pelo orçamento público (MEIRELLES, 2003, p. 104).

            Em suma, o dever de probidade deve ser entendido como o dever de todo administrador público, para que seja cumprido o que preceitua os princípios da honestidade e moralidade, por se tratar do dever mais importante em relação à Administração Pública.

            Não há de se confundir moralidade com probidade, sendo que os dois institutos possuem alcances diferentes, já que o primeiro é consequência do segundo. Probidade é sinônimo de honestidade, que impõe ao agente público o dever de desempenhar suas atividades de maneira justa e honesta, demonstrando possuir um caráter íntegro. O administrador deve sempre realizar os melhores negócios para o Erário, sob pena de seus atos serem inválidos (HILLESHEIM, 2011).

            Segundo Meirelles (2003, p. 104), "o dever de probidade está constitucionalmente integrado na conduta do administrador público como elemento necessário à legitimidade de seus atos”.

A improbidade, de acordo com Silva (2000, p. 463), pressupõe a prática de atos que causem prejuízo ao erário e proveito ao agente. Seria uma espécie de "imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário".

Desta forma, pode-se concluir que a imoralidade é mais abrangente que a improbidade, sendo que a primeira demonstra ausência de valores morais e princípios, e a segunda refere-se especificamente à administração do dinheiro público.

          Todo aquele que administra interesses alheios tem o dever de prestar contas ao titular. O administrador público tem um compromisso com a comunidade, já que possui a gestão dos bens e interesses coletivos, tendo o dever de prestar contas dos seus atos, sejam eles de governo, administrativos, ou financeiros.

          Segundo Meirelles (2003, p. 105):

O dever de prestar contas é decorrência natural da administração como encargo de gestão de bens e interesses alheios. Se o administrar significa zelo e conservação dos bens e interesses de outrem, quem o exerce deverá prestar contas ao proprietário. No caso do administrador público, esse dever é ainda maior, pois se refere aos bens e interesses da coletividade, e por esse motivo o dever de prestar contas é indispensável a todo administrador público. Tal regra é aplicada a todo aquele que gere dinheiro ou administra bens e interesses públicos, inclusive os particulares que recebem subvenções estatais para aplicação determinada.

 

          A prestação de contas abrange todos os atos de administração e governo, e não só aqueles relacionados com o dinheiro público ou gestão financeira. Assim, há a prestação de contas dos planos de governo, mostrando o que se pretendia e o que se conseguiu, além de indicar os motivos.  A prestação de contas é feita pelo Chefe do Poder Executivo de cada esfera de governo (federal, estadual, municipal) perante a respectiva corporação legislativa. Tais corporações são auxiliadas pelos Tribunais de Contas. No âmbito federal, a competência para julgar as contas prestadas pelo Presidente da República é do Congresso Nacional (artigo 49, inciso IV, Constituição Federal), após prévio parecer do Tribunal de Contas da União (artigo 71, inciso I, da Constituição Federal) (GASPARINI, 2004, p. 148).

          Por conseguinte, tendo em vista que o Poder Público é mero administrador do dinheiro que emprega, cabe ao agente público informar ao povo o modo como os recursos financeiros foram utilizados, a fim de que seja feita uma Administração baseada na honestidade e transparência. Tal informação, ou seja, o orçamento do dinheiro público é prestado ao Poder Legislativo, que pode aprovar ou não as despesas, mediante discussão da lei orçamentária.

 

 


4 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO

 

          Os princípios inerentes à Administração Pública são aqueles expostos no artigo 37 da Constituição Federal. Cabe ressaltar que tais princípios se constituem mutuamente e não se excluem, não podendo ser eliminados do ordenamento jurídico.

          Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, servindo de critério para sua exata compreensão. Sendo assim, violar um princípio é mais grave do que transgredir uma norma, já que a desatenção ao princípio significa ofensa a todo o sistema de comandos (MELLO, 2007, p. 96).

          Segundo a doutrina de Robert Alexy e Ronald Dworkin as normas jurídicas se dividem em princípios e regras. As regras são normas que devem ou não ser satisfeitas, seguindo a lógica do tudo ou nada. Os princípios, por sua vez, são dotados de maior generalidade, devendo ser cumpridos na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas. Não se excluem do ordenamento jurídico e admitem a ponderação de interesses. Desta forma, em caso de colisão entre os princípios administrativos, será necessário verificar, após o devido processo de ponderação, qual princípio deve ser aplicado ao caso concreto (CARVALHO FILHO, 2006, p. 17).

          Assim, entre outros, os princípios arrolados abaixo, norteiam, informam e fundamentam o Direito Administrativo, com a finalidade de garantir a honestidade na Administração Pública e responsabilizar os agentes que se afastarem de tais bases.

 

4.1 Princípio da Legalidade

 

O princípio da legalidade, na Administração Pública, significa que esta só poderá agir quando houver autorização legal. O administrador não pode se valer de sua própria vontade, devendo fazer somente o que estiver expressamente autorizado em lei, diferente do particular, que poderá fazer tudo que a lei não proíba.

Tal princípio decorre do Estado Democrático de Direito, garantindo o respeito aos direitos e garantias individuais. É indispensável para a existência de um Estado de Direito, politicamente organizado e que obedece as suas próprias leis. Além disso, limita a atividade estatal, tornando o Estado submisso à lei.

 Para Mello, (2007, p. 97):

É o fruto da submissão do Estado à lei. É em suma: a consagração da idéia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei.

 

O artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, preceitua que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Sendo assim, a Administração não poderá exigir, nem proibir, determinadas condutas que não estejam em lei. Desta forma, a ausência de previsão legal, jamais é suprida por regulamento, instrução ou portaria.

Qualquer ação estatal, sem o correspondente fundamento legal, ou que exceda os limites estabelecidos pela lei, é injurídica e passível de anulação. Isto é, se a lei nada dispuser, a Administração Pública não pode agir, salvo em casos excepcionais (grave perturbação da ordem e guerra). Essa regra, de um lado, prestigia e resguarda o particular contra arbitrariedades da Administração Pública; de outro, exige lei para os comportamentos estatais, o que acaba afetando a esfera particular (GASPARINI, 2004, p. 7).

O princípio da legalidade, no Brasil, significa que o agente público nada pode fazer senão o que a lei determina. Sendo assim, ele deve ser analisado em dois enfoques diferentes: legalidade para o direito privado, na qual o particular pode tudo, salvo o que estiver vedado na lei (critério de não contradição da lei) e a legalidade para o direito público, na qual se utiliza o critério da subordinação, ou seja, só é permitido se estiver autorizado em lei.

Sendo assim, a atuação do administrador público deve estar em consonância com a lei. Tal princípio reforça que todo poder emana do povo e que os detentores do poder são os cidadãos, não podendo estes se sujeitar à atividade administrativa sem fundamento legal.

 

4.2 Princípio da Impessoalidade

 

O princípio da impessoalidade ultrapassa os limites da Administração Pública, na medida em que decorre de outros princípios que fundam a República Federativa do Brasil.

Desta forma, não se trata somente de um princípio específico da Administração Pública, como pode parecer, mas de norma à qual estão vinculados todos os poderes do Estado. Tanto é assim que, a criação de normas não pode possuir caráter pessoal, isto é, a lei não pode ser elaborada visando a interesses particulares, sob pena de ofender a impessoalidade. No caso do Judiciário, por exemplo, existem os impedimentos e suspeições dos magistrados, que nada mais são que resultados do princípio da impessoalidade, e, sobretudo, do princípio da igualdade (AMARAL, 2006).

No mesmo sentido, o princípio da impessoalidade ou finalidade, não é uma decorrência do princípio da legalidade, é inerente a este. Está contido nele, pois corresponde à aplicação da lei na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos sem discriminações e favoritismos. As animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atividade administrativa (MELLO, 2007, p. 103).

O que tal princípio veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados através de favoritismo, o que configura uma das formas de abuso de poder. O princípio da impessoalidade nada mais é do que o princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para seu fim legal, sendo este indicado pela norma de direito, de forma impessoal (MEIRELLES, 2003, p. 91).

Tal princípio também diz que o ato administrativo não é praticado pela pessoa, mas sim pela entidade pública a que o agente pertence. O administrador não pode buscar interesses particulares, ele precisa agir com ausência de subjetividade.

A República Federativa do Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana e, prevê a Constituição Federal, a igualdade de todos perante a lei. Desta maneira, ainda que o princípio da impessoalidade não tivesse previsão expressa, o mesmo existiria, visto que este está inserido nas bases do Estado Democrático de Direito.

 

4.3 Princípio da Moralidade

 

            Este princípio é o que possui conteúdo mais abstrato, dentre os mencionados no texto constitucional, devido à dificuldade de estabelecer um conceito doutrinário.  A Constituição Brasileira, de 1988, o adotou expressamente em pelo menos três artigos (artigo 5º, artigo 14 e artigo 37), cada um apontando para uma das formas em que o princípio pode ser estudado.

            Pelo princípio da moralidade administrativa, não bastará ao administrador o estrito cumprimento da legalidade. Além disso, ele deverá respeitar os princípios éticos e morais, já que a moralidade constitui a partir da Constituição de 1988, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública (MORAES, 2002, p. 101).

Segundo Alexandrino e Paulo (2009, p. 194-195):

É importante compreender que o fato de a Constituição haver erigido a moral administrativa em princípio jurídico expresso permite afirmar que é um requisito de validade do ato administrativo, e não de aspecto atinente ao mérito. Vale dizer, um ato contrário à moral administrativa não está sujeito a uma análise de oportunidade e conveniência, mas a uma análise de legitimidade, isto é, um ato contrário à moral administrativa é nulo, e não meramente inoportuno ou inconveniente.

 

Ainda segundo os autores, quando a conduta do administrador público desrespeita o princípio da moralidade administrativa, surgem os atos de improbidade, previstos pelo artigo 37, § 4º, da Constituição Federal, sancionados com: suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, além da ação penal cabível. É permitido ao particular exercer o direito de petição, provocando a própria administração. Também pode ser proposta por qualquer cidadão a ação popular, medida judicial cabível para anular ato lesivo à moralidade administrativa (artigo 5º, inciso LXXIII).

De acordo com Franco Sobrinho (apud MORAES, 2002, p. 102):

Difícil saber por que o princípio da moralidade no direito encontra tantos adversários. A teoria moral não é nenhum problema especial para a teoria legal. As concepções na base natural são analógicas. Por que somente a proteção da legalidade e não da moralidade também? A resposta negativa só pode interessar aos administradores ímprobos. Não à Administração, nem à ordem jurídica. O contrário seria negar aquele mínimo ético mesmo para os atos juridicamente lícitos. Ou negar a exação no cumprimento do dever funcional.

 

A moralidade refere-se à lealdade, boa-fé, obediência a princípios éticos e probidade. No entanto, a moralidade administrativa é diferente da moral comum. Esta prevê o certo e errado dentro das regras de convívio social. Já a moralidade administrativa é mais exigente e rigorosa, significando a correção dos erros e a realização de uma boa administração.

A moralidade deve estar inserida em todos os atos administrativos. Este princípio está ligado à idéia de probidade do agente público, sendo que não basta o ato ser legal; se for imoral, pode ser anulado.

 

4.4 Princípio da Publicidade

 

            A questão da transparência ou visibilidade, isto é, a publicidade da atuação administrativa, encontra-se associada à democracia administrativa. Com o passar dos tempos, houve a alteração da tradição do secreto, predominante na atividade administrativa, que se mostra contrário ao caráter democrático do Estado.

            Publicidade é a divulgação oficial do ato para conhecimento de seus efeitos externos, sendo requisito de eficácia e moralidade. A princípio, todo ato administrativo deve ser publicado, já que a administração realizada é pública, só se admitindo sigilo nos casos de segurança nacional (MEIRELLES, 2003, p. 92).

            No entanto, publicidade não se refere somente à divulgação oficial dos atos administrativos, abrangendo toda a atuação estatal. Todo papel ou documento público pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, visando à transparência administrativa.

            Infelizmente, por vício burocrático, atos e contratos administrativos vêm sendo ocultados dos interessados e do povo em geral, sob o falso argumento de que são “sigilosos”, quando, na verdade, são públicos, e devem ser mostrados a qualquer pessoa. A fim de coibir tal conduta, a Lei 9.784/99, além de prever o atendimento ao princípio da publicidade, preceituam que, nos processos administrativos, é obrigatória a “divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição” (artigo 2º, parágrafo único, IV). Um dos desdobramentos do princípio da publicidade encontra-se no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição Federal, que reconhece a todos o direito de receber, dos órgãos públicos, informações de seu interesse particular ou coletivo, exceto quando essas informações ameaçarem a segurança da sociedade ou do Estado, ou para a preservação da intimidade das pessoas enumeradas pela Constituição Federal (MEDAUAR, 2005, p.148).

Além disso, a publicidade também está presente no direito de obter certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimentos de situações de interesse pessoal (artigo 5º, inciso XXXIV, alínea b). As certidões registram a verdade de fatos administrativos, permitindo aos administrados a defesa de seus direitos.

Caso seja negado o exercício de tais direitos, ou não seja repassada a informação, o prejudicado poderá se valer do mandado de segurança e habeas data, que têm previsão constitucional. Além disso, a Constituição não prevê somente a existência destes direitos, mas também o acesso a eles, assegurando a atuação dos órgãos administrativos independentemente do pagamento de taxas.

No entanto, publicidade não se refere somente à divulgação oficial dos atos da Administração, abrangendo toda a atuação estatal. Todo papel ou documento público pode ser examinado na repartição por qualquer interessado, visando à transparência administrativa.

 

4.5 Princípio da Eficiência

 

            O princípio da eficiência foi introduzido expressamente pela Emenda Constitucional 19, acabando com as discussões doutrinárias e jurisprudenciais sobre sua existência e aplicabilidade. Não basta que haja a prestação do serviço público, sendo necessário que tal serviço seja eficaz para atender à necessidade para a qual foi criado.

            De acordo com Alexandre de Moraes (2002, p. 108):

Assim, princípio da eficiência é aquele que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia, e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir maior rentabilidade social.

 

            A eficiência é princípio que norteia toda a Administração Pública, ligado à idéia de ação, para a produção de resultado rápido e preciso. Esta deve agir a fim de satisfazer as necessidades da população. Eficiência contrapõe-se à lentidão, descaso, negligência, omissão, características que estão presentes na Administração Pública brasileira, com algumas exceções. No entanto, tal princípio não pode ser utilizado excluindo o princípio da legalidade. Os dois princípios constitucionais devem estar sempre juntos, buscando atuar com eficiência e sempre dentro da legalidade (MEDAUAR, 2005, p. 194).

            O princípio da eficiência não pode ser concebido sem o princípio da legalidade, pois a busca pela eficiência jamais justificaria o afastamento deste dever administrativo (MELLO, 2007, p. 117).

            A Emenda Constitucional nº 19 estabeleceu nova redação ao § 3º do artigo 37, que prevê que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na Administração Pública direta e indireta, regulando especialmente as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, além de atendimento ao usuário e avaliação periódica interna e externa da qualidade dos serviços; o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo; e a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função pública.

            O princípio da eficiência foi introduzido na Constituição Federal e trouxe inovações para garantir-lhe efetividade. Entretanto, tal princípio já existe muito antes da emenda, devendo ser interpretado para uma melhor utilização dos recursos administrativos e seus resultados.

 

 

 

 

5 CONCEITO E EVOLUÇÃO DO PODER DE POLÍCIA

 

É importante, no estudo de um instituto, o conhecimento inicial de sua definição. O direito está dividido entre os ramos público e privado, e a principal característica do primeiro é a predominância do interesse da coletividade. Sendo assim, este se torna o principal fundamento do poder de polícia.

 A Administração Pública possui algumas prerrogativas para assegurar o exercício de suas atividades, e também sujeições, que atuam como limites à atuação administrativa em benefício dos cidadãos. O poder de polícia confronta dois aspectos, já que o cidadão quer exercer plenamente os seus direitos e a Administração deve zelar pelo bem-estar coletivo, valendo-se do seu poder de polícia (DI PIETRO, 2003, p. 108).

Segundo Álvaro Lazzarini (apud MORAES, 2002, p. 96), poder de polícia é a faculdade concedida à Administração Pública para restringir e condicionar o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado, em busca da preservação da ordem pública e do estabelecimento de regras de conduta necessárias e suficientes para evitar conflitos e compatibilizar direitos.

Para Di Pietro (2003, p. 111) “o poder de polícia é a atividade do Estado consistente em limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do interesse público”.

Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Além disso, tal poder é o mecanismo de frenagem utilizado para conter os abusos do direito individual (MEIRELLES, 2003, p. 127).

Conforme entendimento de Cretella Júnior (1999, p. 25), a palavra polícia está “ligada, etimologicamente, ao vocábulo política, pois ambas vêm do grego polis (polis, cidade, Estado)”. Prossegue este doutrinador destacando que, durante a Idade Média, o sentido de polícia altera-se para significar a boa ordem da sociedade civil debaixo da autoridade do Estado, contrapondo-se à boa ordem moral do Direito Canônico.

Aos poucos, o vocábulo “polícia” deixou de ser utilizado, isoladamente, para designar essa parte da Administração. A expressão poder de polícia vigente no ordenamento brasileiro é a tradução de police power.

A expressão mencionada ingressou pela primeira vez no julgamento da Suprema Corte Americana, referindo-se ao poder dos Estados-Membros de editar leis limitadoras de direitos, em benefício do interesse público.

O vocábulo polícia pode ser entendido de várias maneiras, como o conjunto de regras impostas pela Administração Pública aos cidadãos; ou como atos de execução destas regras e ainda o ato da autoridade pública encarregada da execução da lei e de regulamentos.

            Sendo assim, o poder de polícia, atualmente, é entendido como a restrição de alguns direitos individuais em benefício da coletividade ou até mesmo do próprio Estado; no entanto, está sujeito às limitações constitucionais. Além disso, a noção deste poder é a manifestação de um dos modos mais importantes de atuação administrativa, devendo ser mantida em nosso ordenamento jurídico.

 

5.1 Do Estado Autoritário ao Estado Democrático de Direito

 

A atividade da Administração Pública que, dentro de parâmetros legais, impõe limites à liberdade e à propriedade dos indivíduos, em nome do interesse público, mais conhecida como poder de polícia, modificou-se ao longo do tempo acompanhando a evolução histórica do Estado. Entretanto, talvez pela manutenção de uma visão equivocada do exercício de referido poder, muitos continuam a entender essa atividade como um ato do Poder Público que pode ser exercido com arbitrariedade e demonstração de força, contrariando preceitos legais e constitucionais. É preciso considerar o poder de polícia como instrumento para a satisfação do interesse público, possuindo uma discricionariedade relativa e limites, de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro.

De acordo com Figueiredo (2003, p. 292), a noção de poder de polícia foi sempre ligada à ideia de limitações ou restrições à liberdade e à propriedade, sendo necessário discutir o conteúdo que lhe era atribuído.

Nesse contexto, alguns autores da área do Direito Público como Bandeira de Mello, José Cretella Júnior, Lúcia Valle Figueiredo passaram a defender uma nova visão sobre o poder de polícia, sugerindo até a mudança de nome, já que o atual está ligado ao antigo “Estado de Polícia”, e não ao Estado Democrático de Direito.

De acordo com Medauar (2005, p. 389):

Uma corrente mais suave troca o título da matéria, surgindo os termos: atividade administrativa de limitação, procedimentos ablatórios (Gianinni), administração de vigilância; mais recentes: atividade interventora, poder ordenador. Outra corrente prega a eliminação da noção do poder de polícia do direito administrativo [...] Uma das justificativas dessa idéia está na ampliação do campo do poder de polícia; ampliando-se perdeu as características do modelo clássico; assim a função se distribuiu por toda a atividade estatal e se diluiu. Na verdade, ocorreu evolução e expansão, em decorrência das necessidades e do desenvolvimento geral da vida em sociedade. Exemplo muito claro está no amplo exercício do poder de polícia no campo da poluição e do meio ambiente, algo impensável no estágio de desenvolvimento do século XIX e do século XX.

 

Ainda, segundo a autora, o motivo daqueles que pregam a eliminação do poder de polícia é a preocupação com um poder indeterminado, independente de fundamentação legal, baseado num suposto dever geral de busca pelo interesse coletivo ou num domínio eminente do Estado. Tal preocupação perde seu fundamento diante da concepção do Estado de Direito que valoriza os direitos fundamentais e do princípio da legalidade que rege a Administração Pública.

 A prerrogativa da Administração Pública de exercer o juízo de oportunidade e conveniência sobre a positivação de determinado ato é chamada de discricionariedade, e se no âmbito do conceito de poder de polícia a atividade legislativa está presente, é possível aceitar o caráter discricionário de tal poder.

No entanto, não há a discricionariedade pura na atividade administrativa com o surgimento do Estado Democrático de Direito. Na verdade, existe para a Administração a discricionariedade em casos delimitados por lei (relativa discricionariedade) e a vinculação de outros atos. Portanto, não cabe atribuir ao poder de polícia um caráter puramente discricionário, já que existem esferas de discricionariedade e esferas de vinculação (ANDRADE FILHO, 2009).

Sendo assim, é relevante repensar essa atividade estatal e adaptá-la aos novos tempos, em que a Administração Pública deve ir além da observância da legalidade de seus atos e observar também os princípios constitucionais, assumindo um papel de respeito aos direitos fundamentais.

É necessária que o poder de polícia administrativo seja uma atividade segura e permita a estabilidade do Poder Público no país. Deste modo, os atos de poder de polícia têm que ser fundamentados perante a sociedade e, principalmente, com a adoção do princípio da proporcionalidade.

 

5.2 Razão e Fundamento

 

            A razão do poder de polícia é o interesse social e o seu fundamento está na supremacia existente entre a Administração Pública e os administrados.  Para Meirelles (2003, p. 129), a supremacia que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades são denominados de supremacia geral. O fundamento da atribuição de polícia administrativa decorre de um vínculo geral, que autoriza a restrição de alguns direitos e garantias individuais em benefício do interesse coletivo.

Em razão disso, para Gasparini (2004, p. 125), não é ato de polícia regras que estão baseadas em interesses particulares, restrito a uma categoria de pessoas, fundando-se em um vínculo especial, como, por exemplo, a norma que veda a colocação de móveis em áreas comuns de prédios de apartamentos, visto que não visa a satisfazer interesse público ou social. Sendo assim, não se confundem com a polícia administrativa as manifestações da Administração que, embora limitadoras de direitos individuais, estejam baseadas em relações específicas firmadas com terceiros.

Na esfera administrativa, sobretudo para o exercício do poder de polícia, ordem pública significa o mínimo necessário para a convivência pacífica em sociedade. Atualmente, a chamada ordem pública, como fundamento do poder de polícia, identifica-se com o interesse público, dizendo respeito à proteção de qualquer tipo de bem ou interesse de todos, em relação ao indivíduo ou grupo restrito de indivíduos (MEDAUAR, 2005, p. 393).

Portanto, a cada restrição às liberdades individuais, surge um ato de poder de polícia, tornando tal restrição efetiva e obedecida. As liberdades admitem limitações; no entanto, não podem ser eliminadas pelo Poder Público, já que estão asseguradas na Constituição Federal.

 

5.3 Objeto e Finalidade

 

 O objeto do poder de polícia é todo direito individual que possa prejudicar o interesse social, ou seja, a coletividade, pondo em risco a segurança nacional, exigindo, portanto, o controle pelo Poder Público.

 No mesmo sentido, pode-se dizer que o objeto é a liberdade e a propriedade dos administrados, já que o uso e gozo da propriedade, assim como o exercício da liberdade, não podem obstar a realização do interesse público e do bem estar social.

A polícia administrativa visa a prevenir o surgimento de atividades particulares prejudiciais aos interesses públicos, ou a impedir o seu desenvolvimento. A partir do momento em que determinada conduta do indivíduo traz prejuízos ao Estado, está sujeita ao poder de polícia preventivo ou repressivo.

Segundo Justen Filho (2005, p. 387), “a atividade de poder de polícia traduz a concepção de que a convivência social acarreta a necessidade de limitação dos direitos individuais, de modo a evitar que a máxima liberdade de cada um produza a redução da liberdade alheia”.

Como exemplo, podemos citar o acórdão[1] proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que indeferiu pedido de alvará de funcionamento para venda de fogos de artifício em estabelecimento comercial. Isto ocorreu em razão de que tal comércio está sujeito a licenciamento temporário, tendo em vista as circunstâncias especiais de segurança. Há, neste caso, o exercício do poder de polícia da Administração Municipal, que compreende vários aspectos, dentre os quais a avaliação da segurança da coletividade. Está presente também, o poder fiscalizatório que autoriza o indeferimento do pedido de expedição do alvará de funcionamento, se não atendidas às exigências legais.

O poder de polícia visa, então, a propiciar a melhor convivência possível, para evitar ou dirimir conflitos no exercício de direitos individuais entre si e ante o interesse de toda a população, sendo indispensável que o exercício de tal poder tenha respaldo legal.

 

5.4 Extensão e Limites

 

A incidência do poder de polícia é bem ampla, indo desde a segurança de pessoas e bens, saúde pública, até a preservação do meio ambiente natural e cultural, incluindo a proteção à moral e aos bons costumes.

Dentre os inúmeros campos de atuação, pode-se destacar o direito de construir, condição sanitária, venda de medicamentos, trânsito e tráfego, caça e pesca, poluição sonora, visual, atmosférica, poluição dos rios, mares, praias e lagoas, pesos e medidas. É importante entender que tais campos constituem setores onde a polícia administrativa pode incidir, existindo somente uma polícia administrativa (GASPARINI, 2004, p. 126).

Os limites do poder de polícia administrativa são marcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo, assegurados no artigo 5º da Constituição Federal, sempre havendo a preponderância das sujeições da Administração Pública em face das prerrogativas. Assim, se a autoridade extrapolar o permitido em lei cometerá abuso de poder. Nesse sentido, o ato de polícia está sujeito à invalidação pelo Poder Judiciário.

Para Meirelles, (2003, p. 131):

Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em função do bem comum.

 

Outro limite ao poder de polícia, segundo Medauar (2005, p. 397) encontra-se na legalidade dos meios, já que os meios e modos do exercício de tal poder devem estar previstos legalmente.

Da mesma maneira que o poder de polícia pode acarretar restrições ao exercício de um direito fundamental, em benefício do interesse público, os direitos fundamentais também configuram limites ao poder de polícia, não podendo ser suprimidos. Qualquer abuso é passível de controle judicial.

 

5.5 Manifestações do Poder de Polícia

 

            O poder de polícia é exercido de várias formas, através de decretos (regulamentares ou não) de competência do Chefe do Executivo, resoluções, deliberações, portarias, instruções e despachos. Também estão associadas ao exercício do poder de polícia a licença e a autorização.

Por ser a polícia administrativa essencialmente preventiva, ela age através de ordens e proibições, por meio de normas sancionadoras e limitadoras, denominadas limitações administrativas. A licença é ato administrativo vinculado, através do qual o poder público, verificando que todas as exigências legais foram cumpridas, concede ao administrado a possibilidade de realizar determinada atividade, exteriorizando-se através de alvará. A licença não pode ser negada quando o requerente preenche todos os requisitos para sua obtenção. Após ser expedida, em regra, é definitiva, embora possa ser revogada por interesse público (mediante indenização ao particular); cassada por descumprimento das normas legais em sua execução ou anulada por ilegalidade superveniente. Os exemplos mais comuns de licença são: licença de construir e licença ambiental (MEIRELLES, 2003, p. 134).

A autorização é ato discricionário, através do qual atua o poder de polícia, podendo ser revogado a qualquer tempo e sem indenização. Podemos citar como exemplo, o porte de armas, comércio de fogos.

Segundo Medauar (2005, p. 395):

A autorização apresenta-se como ato administrativo e precário, pelo qual a Administração consente no exercício de certa atividade, portanto inexiste direito subjetivo à atividade. No âmbito do poder de polícia, diz respeito ao exercício de atividades cujo livre exercício pode, em muitos casos, constituir perigo ou dano para a coletividade, mas que não é oportuno impedir de modo absoluto.

                                                 

            A fiscalização também expressa o poder de polícia, pois as atividades sujeitas ao controle da Administração devem ser fiscalizadas. Na fiscalização, incluem-se a observação, a vistoria e os exames laboratoriais. De acordo com Meirelles (2003, p. 135), a fiscalização restringe-se ao uso do bem ou da atividade, de acordo com o alvará respectivo. Sendo assim, ao ser encontrado pelo agente fiscalizador irregularidade ou infringência legal, deverá advertir verbalmente o infrator ou lavrar o auto de infração.

           

5.6 Sanções            

 

            A questão da sanção administrativa está relacionada, indiretamente, com a atividade do poder de polícia, podendo ser considerada uma manifestação deste.

Tal poder seria ineficaz se não estivesse aparelhado de sanções, em caso de não cumprimento de uma ordem legal emitida por autoridade competente. O descumprimento de tais prescrições enseja, para o agente, a possibilidade de impor sanções. Dentre as sanções, podem ser citadas: multa, apreensão e destruição de gêneros alimentícios deteriorados, o fechamento de estabelecimento, embargo de obras, apreensão de armas e instrumentos usados na caça e pesca proibidas, demolição de edificação, proibição de fabricação ou comércio de determinados produtos e tudo mais que puder ser utilizado para o bem-estar social (JUSTEN, 2005, p. 397).

            Entretanto, para a concreta efetivação da sanção, pode ser necessário que se recorra à via judicial, como ocorre, por exemplo, com uma multa, a qual, se não for paga, só poderá ser judicialmente cobrada (MELLO, 2007, p. 814).

Estas sanções podem ser impostas e executadas pela própria Administração, em razão do princípio da autoexecutoriedade. No entanto, a aplicação de tais penas não será legítima se não observar o direito à ampla defesa e ao contraditório, assegurado pela Constituição Federal.

 

5.6.1 Prescrição da ação punitiva da Administração Federal

 

            De acordo com a Lei 9873, de 23/11/99, na esfera federal, prescreve em cinco anos, a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, objetivando apurar infração à legislação em vigor. Este prazo também deve ser estendido às administrações estaduais e municipais.

O prazo de cinco anos conta-se da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado (artigo 1º). A prescrição também incide, no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho. Quando o fato objeto da Ação Punitiva da Administração também constituir crime, a prescrição reger-se-á pelo prazo previsto na lei penal (artigo 1º, § 2º).

Interrompe-se a prescrição pela citação do indiciado ou acusado; por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato; pela decisão condenatória recorrível (artigo 2º).

Por fim, o artigo 5º da Lei 9.873/99 esclarece que não se aplica o prazo prescricional de cinco anos às infrações de natureza funcional e aos processos e procedimentos de natureza tributária, ou seja, àquelas praticadas por servidores públicos, a fim de que não haja qualquer interpretação equivocada (MEIRELLES, 2003, p. 136).

 

5.7 Polícia Administrativa e Judiciária

 

Em alguns ordenamentos, o poder de polícia recebe o nome de Polícia Administrativa, tornando-se necessário diferenciá-lo da polícia judiciária, em razão de cada uma ter suas peculiaridades próprias.

A polícia administrativa restringe o exercício de atividades lícitas, reconhecidas pelo ordenamento jurídico. Por sua vez, a polícia judiciária auxilia o Estado na prevenção e repressão de delitos, e auxilia o Judiciário no cumprimento de suas sentenças (MEDAUAR, 2005, p 393).

A administrativa é aquela que realmente interessa ao poder de
polícia, sendo inerente à Administração Pública e incidindo sobre bens, atividades e direitos. Além disso, tem como objeto a propriedade e a liberdade, regendo-se por normas administrativas (GASPARINI, 2004, p. 127).

Em regra, é preventiva, porque visa à prática de atividades antissociais. Em alguns casos, pode ser exercida pela Polícia Militar. Também pode agir repressivamente (por exemplo, apreendendo produtos vencidos dos estabelecimentos comerciais ou cessando uma reunião de pessoas tida por ilegal). Nas duas hipóteses, a sua função é impedir que o comportamento do indivíduo cause prejuízos para a coletividade (MEIRELLES, 2003, p. 127).

A polícia judiciária incide sobre a pessoa, sendo privativa de algumas corporações, como, por exemplo, a Polícia Militar e a Polícia Civil. Em regra, é repressiva, visando à responsabilização dos violadores da ordem jurídica Tem como finalidade, auxiliar o Poder Judiciário para a aplicação da lei ao caso concreto, em cumprimento de sua função jurisdicional. Seu objetivo principal é a investigação de delitos, agindo como auxiliar do Poder Judiciário. O objeto da Polícia Judiciária é a pessoa, sendo de sua competência apurar as infrações penais, exceto as militares (artigo 144, § 4º, da CF) (GASPARINI, 2004, p. 127).

A polícia judiciária é também denominada repressiva. No entanto, como acentuou Cretella Júnior (1999, p.535), tal nomenclatura merece reparo, pois os agentes não reprimem os delitos, mas agem como auxiliares do Poder Judiciário. Este posicionamento não se sobrepõe, visto que a maioria da doutrina entende que a Polícia Judiciária, em regra, é repressiva, pois se destina à responsabilização penal do infrator.

 

5.8  Atributos

 

             Para defender os interesses coletivos, a Administração Pública possui alguns atributos, como, por exemplo, coercibilidade e autoexecutoriedade, que podem ser utilizados em casos de urgência e que dispensam autorização judicial prévia. Neste ponto, é preciso certa cautela no sentido de que não haja afronta à Constituição Brasileira, no Estado Democrático atual. O poder de polícia administrativa tem atributos específicos de seu exercício, e tais são: a discricionariedade, autoexecutoriedade, a coercibilidade e indelegabilidade.

 

5.8.1 Discricionariedade

 

É a livre escolha da conveniência e oportunidade para exercer o poder de polícia, bem como aplicar as sanções legais e os meios necessários para atingir o fim público.

A discricionariedade consiste na liberdade legal da importância das atividades policiadas e na graduação das sanções, sendo que tal liberdade dever estar restrita aos limites legais (MEIRELLES, 2003, p. 132).

No entanto, há atos em que a competência é discricionária, e atos nos quais a atuação administrativa é vinculada. Podemos citar como exemplo, as autorizações, que são exercitáveis discricionariamente, de modo diferente das licenças, que tratam de atos vinculados (MELLO, 2007, p. 803).

O exercício discricionário do poder de polícia merece algumas considerações. De acordo com Mello (2007, p. 823), a discricionariedade não é atributo do poder de polícia em si, mas os atos administrativos podem ou não se tornarem uma manifestação deste poder. Leciona, ainda, que o que existem são atos, podendo ser discricionários ou vinculados, manifestando-se conforme o caso concreto. Segundo o autor, não existe poder discricionário abrangendo uma classe inteira de atuação administrativa.

Embora este seja o entendimento do autor, tal tese não prospera. É certo que a manifestação do poder de polícia administrativa pode se dar através de atos vinculados ou discricionários, mas também pode a Administração, quando a lei permitir, não expedir ato nenhum, sem que com isso faça desaparecer o poder de polícia.

 

5.8.2 Autoexecutoriedade                   

 

Os atos de polícia administrativa podem ser autoexecutórios, ou seja, poderá a Administração Pública, por si mesma, promover a execução de suas ordens, sem necessidade de acionar o Poder Judiciário para a satisfação da tutela.

            Assim, a ordem de interrupção de um espetáculo teatral, por obsceno, a apreensão de gêneros alimentícios impróprios para o consumo, a demolição de construção que ameaça ruir e a interdição de estabelecimento que encerra atividade poluente, são todas efetivadas sem prévio pronunciamento do Judiciário.  Segundo entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao se exigir prévia autorização judicial, estaria negando o próprio poder de polícia administrativa, cujo ato tem que ser sumário, direto e imediato, sem as delongas e complicações de um processo judiciário prévio (GASPARINI, 2004, p. 130).

Em várias situações, não há como proporcionar, na esfera administrativa, o contraditório e a ampla defesa, por se tratarem de medidas urgentes. No entanto, o particular que se sentir lesado em seu direito, poderá acionar o Judiciário, para corrigir eventuais erros cometidos pela Administração Pública.

 

5.8.3 Coercibilidade

 

            As declarações do Estado são revestidas de império, obrigatoriedade para seu cumprimento. Cria-se obrigação independente da vontade do particular. Todo ato de polícia é obrigatório para todos, ou seja, é imperativo.

 A coercibilidade significa uma imposição coativa das medidas adotadas pela Administração. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem coerção estatal para torná-los efetivos e essa coerção também independe de autorização judicial (MEIRELLES, 2003, p. 134).

Nem todos os atos de polícia possuem esse atributo. Podemos citar como exemplo, os atos preventivos (obtenção de licenças e autorizações), bem como a multa não paga espontaneamente pelo particular (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p.253).

É permitida a utilização da força pública, dentro do princípio da proporcionalidade, desde que haja uma resistência injustificada do particular. No entanto, não está autorizado o cometimento de abusos, que podem ser reparados através de ação judicial.

 

5.8.4 Indelegabilidade

Os atos de polícia administrativa, em regra, não podem ser delegados a particulares, ou por eles praticados.

Tal restrição em relação aos atos de polícia ocorre para que não haja o desequilíbrio entre os particulares em geral, pois, como se trata de interesse público, uns exerceriam supremacia sobre os outros. Salvo em casos excepcionais (como dos poderes outorgados aos comandantes de navio), não há delegação de ato jurídico de polícia a particular e nem a possibilidade de que este o exerça a título contratual (MELLO, 2007, p. 805).

            Para Gasparini, (2004, p. 131), a regra é a indelegabilidade da atribuição de policia, admitindo-se, no entanto, a delegação, desde que seja outorgada a uma pessoa pública administrativa, como a autarquia, ou a uma pessoa governamental, como, por exemplo, a empresa pública. Essa delegação é sempre realizada por lei, de maneira ampla.

            Assim sendo, por se tratar de ato de império, não é permitida a delegação do poder de polícia a particulares, podendo tal poder ser exercido excepcionalmente pela Administração Pública Indireta.

 

 

6 O USO E O ABUSO DE PODER

 

A Administração Pública, por zelar pelos interesses coletivos, possui poderes que não são comumente concedidos aos particulares. Assim ocorre com a possibilidade que esta tem de executar seus próprios atos, impor obrigações aos Administrados. Tais prerrogativas permitem dizer que a Administração possui um regime próprio para atingir suas finalidades, estando sujeita também a certas restrições.

O abuso de poder é contrário ao princípio da legalidade, nascido com o liberalismo político. Nos regimes absolutos, esta era somente uma técnica a serviço do príncipe, sendo que, no Estado de Direito, submete-se o poder ao domínio da Lei, que incide tanto sobre os indivíduos como sobre as autoridades públicas. Desta forma, o Poder Administrativo concedido à autoridade pública tem limites para sua utilização. Tal poder não significa carta branca para o seu exercício de maneira arbitrária, utilizado para perseguições, arbítrios ou favoritismos. Qualquer ato praticado pela autoridade pública deve fundar-se na lei, na moral e no interesse público, caso contrário estará sujeito à nulidade (MEIRELLES, 2003, p. 106).

Desta maneira, por haver uma desigualdade entre à Administração Pública e os administrados, alguns agentes públicos podem se desviar dos princípios constitucionais e morais, esquecendo-se de que, sempre deve prevalecer o interesse público e não seus próprios interesses. Tal conduta não é permitida pelo ordenamento jurídico, devendo ser repelida do nosso sistema.

 

6.1 Uso do Poder

 

O uso do poder é uma prerrogativa do agente público, porém não é incondicionado. O uso normal do poder requer a observância das normas legais, da moral, dos princípios explícitos e implícitos do regime jurídico-administrativo, a fim de que sejam utilizados na busca do interesse público.

Segundo MEIRELLES (2003, p. 106):

O poder é confiado ao administrador público para ser usado em benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos limites que o bem-estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a violência contra o administrado, constituem formas abusivas do poder estatal, não toleradas pelo Direito e nulificadoras dos atos que as encerram.

 

Sendo assim, o uso do poder só se legitima quando é normal, isto é, quando aplicado para a obtenção dos interesses públicos e na proporção necessária para satisfazer tais interesses (GASPARINI, 2004, p. 137).

No Estado de Direito, nenhum dos poderes conferidos à Administração Pública é incondicionado, podendo haver casos em que estes nem existam. Sejam quais forem os motivos que exijam o desempenho da função administrativa, nenhum existe como um favor concedido à própria Administração. De fato, trata-se de uma concessão em prol do interesse público para a função desempenhada, e não ao sujeito que a desempenha (MELLO, 2007, p. 54).

Diante do exposto, o uso do poder será legítimo quando exercido dentro dos limites conferidos pela lei, não podendo ser utilizado em benefício do agente público nem de maneira desproporcional à situação que exigiu o seu exercício.

 

6.2 Abuso do Poder

 

          Os poderes administrativos são prerrogativas conferidas aos agentes públicos na medida necessária para a obtenção do interesse coletivo, sendo que tal objetivo é imposto pelo ordenamento jurídico.

          No entanto, nem sempre os poderes são utilizados corretamente pelos administradores públicos. O exercício ilegítimo desses poderes configura o chamado abuso de poder, já que a atuação administrativa deve estar ligada à disposição da lei (ALEXANDRINO; PAULO, 2009, p.256).

O abuso do poder corresponde a um desvio do uso legal. O abuso configura um ato ilícito praticado pelo agente público, podendo assumir tanto a forma omissiva quanto a comissiva, já que ambas podem afrontar a lei e causar prejuízo ao administrado. São três as formas de abuso de poder: excesso, desvio de finalidade e omissão.

          De acordo com Meirelles (2003, p.106): “O abuso de poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas (...), é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que o contém”.

          Ainda de acordo com este autor, o ato administrativo, vinculado ou discricionário, deve ser praticado de acordo com o aspecto formal e ideológico da lei. Exato na forma, e inexato no conteúdo, é sempre inválido. O discricionarismo na Administração não pode encobrir arbitrariedade, capricho, má-fé ou imoralidade administrativa.

          O abuso de poder tanto poderá acontecer na execução de um ato legal como na de um ato ilegal. Ainda que o ato preencha os requisitos de competência, finalidade, forma, motivo e objeto, este poderá ser executado com abuso de poder, se não forem observados os meios e cuidados necessários à sua concretização. O ato legal pode ser executado irregularmente, sendo que a legitimidade do ato não representa nenhuma garantia quanto à forma de execução do mesmo.

          Neste sentido, se isso ocorre com os atos legais, pode acontecer o mesmo com os ilegais, se forem executados irregularmente, pois a ilegalidade nem sempre é notória, permitindo que sejam executados pelos agentes administrativos. Assim, o abuso de poder pode tanto ocorrer na execução dos atos legais como na concretização dos ilegais. Diante do exposto, o abuso de poder pode se configurar nos atos discricionários ou vinculados, já que tal abuso se manifesta na fase executória, que é comum aos dois tipos (GASPARINI, 2004, p.131).

          O abuso de poder apresenta tanto a forma comissiva quanto a omissiva, já que ambas podem causar lesão ao direito individual do administrado (MEIRELLES, 2003, p.108).

          De acordo com Meirelles (2003, p.108), o abuso de poder pode ser combatido através de mandado de segurança, previsto no artigo 5º da Constituição Federal, LXIX e Lei 12.016/2009, para proteger direito líquido e certo, cabível contra ato de qualquer autoridade, além de ser assegurado a toda pessoa o direito de representação contra abusos de autoridade.

          O abuso de poder pode gerar sanções administrativas, cíveis, criminais e políticas. Pode ser citado como exemplo o artigo 7º do Decreto lei nº 3.365/41, que trata do chamado direito de penetração quando declarada a utilidade pública. Tal artigo garante ao molestado por excesso ou abuso de poder indenização por perdas e danos, sem prejuízo da ação penal (SOUZA, 2008).

          Sendo assim, haverá abuso de poder toda vez que a autoridade, embora competente, exceda os limites ou se desvie de sua atribuição legal, já que deve ser reprimido todo ato ilegal e abusivo.

 

6.2.1 Excesso de Poder

 

          Há excesso quando a autoridade, embora competente, vai além do permitido na legislação. O excesso invalida o ato, porque ninguém pode agir em desacordo com a lei.

          O excesso de poder torna o ato arbitrário, ilícito, nulo. É uma forma de abuso de poder que retira a legitimidade da conduta do administrador público, colocando-o na ilegalidade. É a forma de abuso própria da atuação do agente fora dos limites de sua competência administrativa. Nesse caso, ou o agente invade atribuições cometidas a outro agente, ou se atribui o exercício de atividades que a lei não lhe conferiu (MEIRELLES, 2003, p. 108).

          Segundo Di Pietro (2003, p. 229), os vícios que podem atingir os atos administrativos são aqueles relativos à competência e à capacidade, em se tratando de vícios relativos ao sujeito.

          Em relação à incompetência, a autora fala da usurpação de função, do excesso de poder e da função de fato. No excesso de poder, que se constitui na ultrapassagem dos limites da competência do agente, juntamente com o desvio de poder, é vício relativo à finalidade, já que o primeiro é uma das espécies de abuso de poder. O abuso de poder poderia ser definido, então, em sentido amplo, como: o vício do ato administrativo que ocorre quando o agente exorbita de suas atribuições (excesso de poder), ou pratica o ato com finalidade diversa daquela prevista em lei (desvio de poder). Tanto o excesso de poder como o desvio de poder podem ser configurados crimes de abuso de autoridade, caso o agente público incida em alguma das infrações previstas na Lei nº 4.898, de 09 de dezembro de 1965, alterada pela Lei nº 6.657, de 05 de junho de 1979.

          Nessa senda, a expressão excesso de poder é usada para indicar todo ato que é praticado pelo agente público, em virtude de mandato ou de função, fora dos limites que lhe são conferidos.

 

6.2.2 Desvio de Finalidade

 

          Configura-se desvio de finalidade quando o ato é praticado por motivos ou com fins diversos daqueles previstos em lei.

          “Há o mau uso da competência que o agente possui para praticar atos administrativos, traduzido na busca de uma finalidade que simplesmente não pode ser buscada ou, quando possa, não pode sê-lo através do ato utilizado” (MELLO, 2007, p. 398).

          De acordo com Meirelles (2003, p.109), os fins da Administração visam à defesa do interesse público, assim entendido como as aspirações licitamente desejadas pelos administrados, ou por uma parte expressiva de seus membros. O ato ou contrato administrativo realizado sem interesse público configura desvio de finalidade. Este também ocorre quando o administrador público atinge fins não desejados pelo legislador ou utiliza meios imorais para a prática do ato administrativo.

          Segundo MEDAUAR (2005, p.177):

O defeito de fim, denominado desvio de poder ou desvio de finalidade, verifica-se quando o agente pratica ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência [...] A existência de desvio de poder ou de finalidade no ato administrativo nem sempre é de fácil comprovação [...] A dificuldade na prova do desvio de poder ou de finalidade leva a doutrina e a jurisprudência pátrias a mencionarem os chamados indícios denunciadores de desvio de poder, que são alguns dados que permitem concluir pela ocorrência dessa ilegalidade, tais como: contradição entre fatos invocados a título de motivo e o conteúdo do ato; desapropriação entre meios e fins; contradição entre os motivos expostos; ocultação de fatos relativos à situação, etc.

 

          Esta autora utiliza a Lei 4.717/5, Lei da Ação Popular, para caracterizar os defeitos do ato administrativo, dentre os quais se encontra o desvio de poder.

          O vício denominado “desvio de poder ou desvio de finalidade” está definido na lei de ação popular. O mesmo se configura quando o agente pratica o ato visando a fim diverso do estipulado na regra de competência.

          Atualmente, o desvio de poder é um ato de improbidade administrativa. O artigo 12 da lei de improbidade, ao tratar dos atos que atentam contra os princípios da Administração, embora não se utilize da palavra desvio de poder, dá um conceito que equivale a este. Desta forma, o agente público que pratica um ato com uma finalidade diversa, está praticando um ato de improbidade administrativa.

          No entanto, ainda de acordo com a autora, há uma grande dificuldade de se provar o desvio de poder ou desvio de finalidade, pois a autoridade que pratica um ato com este vício procura simular sua atitude, inclusive disfarçando para parecer que o ato visa a interesse público. Desta forma, o desvio de poder é uma simulação, que busca esconder a real intenção da autoridade. Como exemplo, o agente pode alegar que está removendo funcionário para atender à necessidade do serviço, ocultando uma razão ilegal.

         

6.2.3 Omissão da Administração

 

A omissão constata-se quando ocorre inércia da Administração, recusa injustificada em praticar determinado ato.

De acordo com Meirelles (2003, p. 110):

A omissão da Administração pode representar aprovação ou rejeição da pretensão do administrado, tudo dependendo do que dispuser a norma pertinente. Não há, em doutrina, um critério conclusivo sobre a conduta omissiva da autoridade. Quando a norma estabelece que, ultrapassado tal prazo, o silêncio importa aprovação ou denegação do pedido do postulante, assim se deve entender, menos pela omissão administrativa do que pela determinação legal do efeito do silêncio. Quando a norma limita-se a fixar prazo para a prática do ato, sem indicar as consequências da omissão administrativa, há que se perquirirem em cada caso, os efeitos do silêncio. O certo, entretanto, é que o administrado jamais perderá seu direito subjetivo enquanto perdurar a omissão da Administração no pronunciamento que lhe compete.

 

A Administração Pública deve respeitar os prazos existentes em lei. No entanto, quando não houver um prazo legal, o administrador deve aguardar por um prazo razoável. Ultrapassado tal prazo, está configurado o abuso de poder, que pode ser corrigido na via judicial por ação ordinária, mandado de injunção e mandado de segurança, já que a jurisprudência é pacífica no sentido de admitir este último contra conduta omissiva.

Em tal hipótese o judiciário deve impor a prática do ato ou imediatamente suprir seus efeitos, para que o direito violado pelo silêncio administrativo seja recuperado (MEIRELLES, 2003, p. 110).

Para Souza (2008), a omissão da Administração Pública também pode caracterizar o abuso de poder. No entanto, para o autor, há uma distinção entre omissão genérica e omissão específica. Na primeira, não resta configurado o abuso de poder, porque se trata de escolha do momento mais oportuno, isto é, da discricionariedade realizada pelo agente público, o que possui prazo determinado. Já na omissão específica, a Administração tem o poder-dever de agir diante de uma situação determinada, podendo ou não a lei prever o prazo para tanto, devendo-se considerar neste caso o "prazo razoável".

A omissão específica caracteriza o abuso de poder em virtude do poder-dever de agir quando a lei assim o determina. Desta maneira, conclui-se que a omissão não é ato administrativo, mas sim a inércia ou ausência de manifestação de vontade pelo poder público (SOUZA, 2008).

Desta maneira, os administrados não podem ser lesados quando a Administração Pública se omite, tendo em vista que o ato deve ser praticado em prazo razoável, para que não haja abuso de poder.

 

6.2.4 Polícia Administrativa e a proporcionalidade contra abusos da Administração

 

A polícia administrativa fundamenta-se na supremacia especial que o Estado exerce sobre o seu território e os administrados. No entanto, quando há a prática de meios coativos, os quais interferem na liberdade do indivíduo, é preciso que a Administração atue com cautela, nunca utilizando meios mais severos do que os necessários ao objetivo previsto pela lei, o que acarretará sua responsabilidade.

De acordo com Di Pietro (2003, p.116):

Quanto ao objeto, ou seja, quanto ao meio de ação, a autoridade sofre limitações, mesmo quando a lei lhe dê várias alternativas possíveis. Tem aqui aplicação um princípio de direito administrativo, a saber, o da proporcionalidade dos meios aos fins; isto equivale a dizer que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício, condicionando-o ao bem estar social; só poderá reduzi-los quando em conflito com interesses maiores da coletividade e na medida estritamente necessária à consecução dos fins estatais.

 

Toda coação que exceda ao necessário é ilegal. Tal excesso se apresenta de dois modos: quando a intensidade da medida é maior que a necessária, como, por exemplo, no emprego de violência para dissolver reunião não autorizada, mas pacifica, ou quando a extensão da medida é maior que a necessária para a obtenção dos resultados, por exemplo, na apreensão de toda uma edição de jornal ou revista, por ser prejudicial à tranquilidade ou moralidade, quando seria suficiente proibir ou obstar a sua distribuição e nos locais onde efetivamente sua divulgação causasse prejuízos (RIBEIRO, 2008).

Neste sentido, há jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos, preceituando que evidenciada propaganda de preconceito de raça, a apreensão do jornal que a veicula é legítimo exercício do poder de polícia (MS nº 99.312 – TFR – Pleno – Rel. Ministro Carlos Madeira).

Desta maneira é necessário que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida na atuação da polícia administrativa. A coação somente é exercida quando o Poder Público não possui outro meio para cumprir o seu dever de agir e somente se legitima quando há proporcionalidade ao resultado pretendido pelo ordenamento jurídico, devendo respeitar os direitos individuais.

 

6.3 Responsabilidade Civil do Estado

 

A responsabilidade civil significa a obrigação de reparar economicamente danos patrimoniais quando há lesão à esfera jurídica de outrem. Dentro deste contexto, a responsabilidade da Administração Pública é considerada como a obrigação do Estado em reparar o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las (MELLO, 2007, p. 989).

            No Estado Autoritário vigorou o princípio da irresponsabilidade, o qual sustentava que o Estado e seus agentes eram superiores aos administrados e, ainda que estes agissem com abuso de poder, não ensejaria a responsabilidade da Administração Pública em relação a esta conduta. No Brasil, não passamos pela fase da irresponsabilidade. No entanto, o agente era responsabilizado pessoalmente, já que os administrados tinham direito apenas à ação contra o causador do dano e não contra o Estado. A responsabilidade era fundada na culpa civil, devendo estar provado que o funcionário agiu com negligência, imprudência ou imperícia. Segundo este entendimento, haveria solidariedade do Estado em relação aos atos de seus agentes (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 228).

            A partir da Constituição Federal de 1988, foi consagrada a responsabilidade civil objetiva do Estado, que independe da comprovação de culpa. Tal teoria encontra previsão no artigo 37, § 6º do referido diploma, que preceitua:

Artigo 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

 

Para Mello (2007, p. 989):

Responsabilidade objetiva é a obrigação de indenizar que incumbe alguém de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem. Para configurá-la, basta, pois, a mera relação entre o comportamento e o dano.

 

De acordo com a Constituição Federal, o prejudicado pela atuação estatal sempre terá o direito à indenização cabível contra a Fazenda Pública ou pessoa jurídica privada prestadora de serviço público a que pertencer o agente causador do dano. A ação nunca é dirigida diretamente contra o agente público. Entretanto, este poderá responder regressivamente em casos de dolo ou culpa.

Os juristas adotaram como fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado a teoria do risco administrativo. Conforme essa teoria, a Administração Pública gera risco para os administrados em decorrência de sua atividade. Sendo assim, já que esta atividade é exercida em favor de todos, não seria justo que apenas alguns suportassem o ônus. Consequentemente, o Estado, que a todos representa, deve suportar os ônus de sua atividade, independentemente de culpa de seus agentes, no exercício da atividade administrativa. No entanto, o Estado não responderá quando seus servidores causarem danos a outrem fora do exercício das funções, nem quando o dano decorrer de fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e fato de terceiro, pois tais fatores excluem o nexo causal (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 232-237).

Igualmente, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva e se baseia no risco administrativo. Estas respondem objetivamente pelos danos causados por seus funcionários, visto que usufruem do exercício da atividade administrativa, devendo, portanto suportar o ônus decorrente dessa atividade (CARVALHO FILHO, 2006, p. 507).

Desta forma, a responsabilidade do Estado e das pessoas jurídicas prestadoras de serviço público é objetiva, sendo dispensável a demonstração de culpa pelo dano causado, visto que, somente haverá a excludente de responsabilidade se faltar o nexo causal entre a conduta e o resultado ocorrido. Sendo assim, realizados os pressupostos da responsabilidade objetiva, o Estado terá o dever de indenizar.

 

7 CONCLUSÃO

 

          Para tratarmos do poder de polícia foi necessário adentrar ao conceito de Administração Pública, já que a atuação desta é disciplinada pelo Direito Administrativo, tornando-se necessárias algumas noções básicas sobre a mesma.

A Administração Pública é a atividade executada pelo Estado, por seus órgãos e agentes, com base em sua função administrativa, visando o atendimento das necessidades coletivas através da prestação de serviços públicos. O objetivo principal desta é o bem comum e se fundamenta nos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público.

            Os poderes e deveres do administrador público também foram analisados, já que este possui encargos em sua função para atingir o interesse coletivo. Tais poderes estão expressos em lei de modo que o poder de agir, quando os interesses particulares interferem nos interesses coletivos, se transforma em poder-dever de agir. Estes poderes são irrenunciáveis, sendo vedada a disposição. Além disso, se o administrador deixar de praticar atos de sua competência nas situações em que deveria se manifestar, o agente omisso deve ser responsabilizado.

Os princípios básicos da Administração Pública estão previstos expressamente pela Constituição Federal. Assim, tais princípios norteiam o Direito Administrativo, com a finalidade de garantir a integridade na Administração. O princípio da legalidade preceitua que o administrador público não pode exercer sua própria vontade, devendo fazer somente o que estiver autorizado em lei. Não é permitida a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando exclusivamente satisfazer interesses privados, já que viola o princípio da impessoalidade. Além disso, não basta ao agente público o estrito cumprimento da lei, segundo o princípio da moralidade, pois seus atos também devem respeitar a moral. O princípio da publicidade envolve a questão da transparência, a qual está associada à ideia de democracia. Por fim, encontra-se o princípio da eficiência, pois é necessário que o serviço público seja eficaz para atender às necessidades dos administrados.

O poder de polícia jamais poderá ser eliminado do sistema, uma vez que é indispensável para o exercício da Administração Pública. No entanto, tal poder gera uma preocupação por ser confundido com um poder indeterminado, independente de fundamentação legal, baseado na supremacia do Estado. Porém, tal preocupação perde sua razão de ser diante da concepção do Estado de Direito, que respeita os direitos fundamentais previstos constitucionalmente. Analisando-se o poder de polícia, buscamos mostrar sua nova visão diante deste Estado, já que, o objetivo deste poder é afastar o direito do particular que possa prejudicar o interesse social e pôr em risco a segurança nacional.

Desta forma, foi necessário repensar essa atividade estatal e adaptá-la à atualidade, pois os direitos e garantias fundamentais de cada indivíduo devem ser respeitados. A Administração Pública deve ir além da observância da legalidade de seus atos e acatar também os princípios morais e constitucionais para que o poder de polícia não seja exercido de maneira arbitrária.

Além disso, o poder de polícia indica uma atividade administrativa que atua em benefício da sociedade para atingir o bem estar geral. Esse poder só pode ser exercido por quem possua a competência para sua realização, o que constitui uma importante limitação ao seu exercício.

Os poderes administrativos da Administração Pública permitem dizer que ela tem um regime próprio para atingir suas finalidades, estando sujeita também a certas restrições. No entanto, as prerrogativas concedidas à autoridade pública têm limites para sua utilização, não sendo permitido o seu exercício de maneira abusiva.

Nesse sentido, o uso do poder é uma prerrogativa do agente público, porém não é incondicionado. O uso será legítimo quando exercido dentro dos limites conferidos pela lei, não podendo ser utilizado em benefício do agente público nem de maneira desproporcional em relação ao caso concreto. Se a autoridade, embora competente, excede os limites ou se desvia de sua atribuição legal, comete abuso de poder, que deve ser reprimido por ser ilegal e abusivo, sendo cabível também a indenização em relação ao particular lesado. Outrossim, tais atos devem ser anulados, visto que não atendem ao interesse social.

Sendo assim, conclui-se que o exercício do poder de polícia não retira do Estado contemporâneo suas bases essenciais. Pelo contrário, a democracia é valorizada, tendo em vista que através deste poder tutela-se primeiro as liberdades coletivas e somente em segundo plano os interesses particulares de cada indivíduo.

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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ANEXO – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo indefere pedido de alvará de funcionamento para venda de fogos de artifício em estabelecimento comercial.

 

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0114720-05. 2008.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é apelante LERO-LERO BAZAR E ARMARINHOS LTDA sendo apelada PREFEITURA MUNICIPAL DE SAO PAULO. ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do (a) Relator(a), que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente) e BURZA NETO. São Paulo, 27 de abril de 2011.

OSVALDO DE OLIVEIRA – RELATOR - VOTO N° 8524

COMARCA: SÃO PAULO

APELAÇÃO CÍVEL N° 0114720-05. 2008.8.26.0000

APELANTE: LERO LERO BAZAR E ARMARINHOS LTDA.

APELADA: PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO

Juíza de primeira instância: Maria Fernanda de Toledo Rodovalho

CERCEAMENTO DE DEFESA Inocorrência - O juiz é o destinatário da prova e a aprecia livremente, atendendo aos fatos e às circunstâncias nos autos – Conjunto probatório suficiente para o deslinde da causa - Preliminar rejeitada. APELAÇÃO CÍVEL - DECLARATÓRIA - ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO - FOGOS DE ARTIFÍCIO - Indeferimento do pedido de alvará de funcionamento para continuar atividade comercial existente no local desde 1997 - Admissibilidade - Comércio sujeito a licenciamento temporário, tendo em vista as circunstâncias especiais de segurança - Inaplicabilidade do artigo 218 da Lei Municipal n 13.885/04, que permite a continuação da atividade, desde que cumpridas determinadas exigências, o que não ocorreu na espécie - Exercício do poder de polícia da Administração Municipal, que compreende vários aspectos, dentre os quais a avaliação da segurança da coletividade - Poder fiscalizatório que autoriza o indeferimento do pedido de expedição do alvará de funcionamento, se não atendidas as exigências legais - Improcedência da demanda – Manutenção da sentença - Recurso não provido.

 

Trata-se de ação declaratória com pedido de tutela antecipada ajuizada por Lero Lero Bazar e Armarinhos Ltda. Em face da Prefeitura Municipal de São Paulo, com o objetivo de ver reconhecido o direito de continuar sua atividade comercial, com a declaração de validade da licença anteriormente concedida.

A r. sentença, cujo relatório se adota, julgou improcedente o pedido e condenou a autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) do valor da acusa, corrigido a partir da citação (fls. 154/164).

Inconformada, insurge-se a Apelante, alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa. No mérito, sustenta, em síntese, que opera no ramo de comércio de produtos de época, bazar e armarinho desde 1997 e que obteve da Municipalidade em 1999, 2002, 2003 e 2004 a licença de funcionamento, inclusive para comercializar fogos de artifício. Ocorre que em 2006 seu pedido foi indeferido pela Administração, porque a atividade da empresa é definida como empreendimento gerador de impacto ambiental, não permitida no local onde está sediada. Entretanto, tal entendimento não pode persistir, na medida em que todos os requisitos da Lei Municipal n° 12.891/99 foram atendidos. Dessa forma, estando devidamente instalada no local para o qual requereu a licença de funcionamento antes da vigência da Lei Municipal n° 13.885/04, não pode ter seu pedido indeferido ao argumento de que a atual legislação não mais permite o seu funcionamento ali, a teor do disposto no artigo 218 do referido diploma legal, que permite a continuação do negócio quando o interessado tem licença anterior (fls. 167/178).

Recurso tempestivo, bem processado e respondido (fls.181/191).

E o relatório.

Inicialmente, não ocorreu o alegado cerceamento de defesa. No caso em tela, era admissível o julgamento antecipado da lide, porquanto não se verifica a existência de qualquer questão relevante que demande esclarecimento, tendo em vista que os fatos são incontroversos, sendo exclusivamente de direito a matéria a ser analisada, bem como desnecessária a produção de outras provas além da documental constante dos autos.

Sobre a matéria, o Excelso Pretório já deixou assentado que "a necessidade da produção de prova em audiência há que ficar evidenciada para que o julgamento antecipado da lide implique em cerceamento de defesa. A antecipação é legítima se os aspectos decisivos estão suficientemente líquidos para embasar o convencimento do Magistrado”. (RE 101.171 -SP - grifo nosso).

Assim, plenamente cabível a aplicação, na hipótese dos autos, do disposto no artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil.

Vencida tal questão, passa-se ao mérito. A Apelante é empresa que se dedica ao comércio de produtos de época, dentre os quais, fogos de artifício, e propôs a presente ação declaratória visando obter o provimento jurisdicional que a autorize continuar exercendo suas atividades no local em que se encontra desde 1997, com a declaração da validade da licença anteriormente concedida, com fundamento no disposto no artigo 218 da Lei Municipal n° 13.885/04. Razão, entretanto, não lhe assiste. O fundamento do pedido é a aplicação do disposto no artigo 218 da Lei Municipal n° 13.885/04, que estabelece normas complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o Uso e Ocupação do Solo do Município de São Paulo, verbis:

Artigo 218: O uso comprovadamente instalado até a data de publicação desta lei, permitido para o local na legislação vigente quando de sua instalação, que tenha se tornado não permitido ou não conforme nos termos desta lei, poderá ser tolerado, desde que: I. a edificação possa ser considerada em situação regular nos termos do §1" do artigo 217 desta lei; II. no caso do uso não residencial - nR, sejam atendidos os parâmetros de incomodidade. § 1º - O Executivo poderá com objetivo de possibilitar a adequação aos novos parâmetros desta lei, conceder prazo proporcional aos ajustes necessários ao atendimento de cada parâmetro de incomodidade, a partir da entrada em vigor desta lei até o máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias, excetuadas:

I. as exigências relativas a horário de carga e descarga, que devem ser

imediatamente atendidas;

II. as exigências da legislação específica sobre controle da emissão de

ruído.

§ 2º - Nas edificações de que trata o inciso I do 'caput' não serão permitidas ampliações, sendo admitidas somente reformas essenciais à segurança e higiene dessas edificações e a instalação de equipamentos.

§ 3º- Os estabelecimentos classificados no grupo de atividades comércio de alimentação ou associado a diversões previstas no inciso I do artigo 156 desta lei, instalados nas vias locais na ZM ou ZMp, já comprovadamente instaladas até a entrada em vigor desta lei deverão ter seu horário de funcionamento regulamentado por lei específica.

 

Observa-se, da leitura do dispositivo supra transcrito, que não há garantia da preservação de todos os estabelecimentos já instalados, mas tão somente aqueles que cumprirem determinadas exigências, dentre elas à inexistência de "incomodidade". Pois bem, como é cediça, a comercialização de fogos de artifício, atividade eminentemente de risco, exige a observância de itens essenciais de segurança para o seu exercício regular, cuja aferição cabe ao Poder Público local. Dessa forma, pode e deve a Administração Municipal, por força da autonomia que lhe confere a Constituição Federal, em seu artigo 30, legislar sobre assuntos de interesse local (inciso I) e "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano”. (inciso VIII). É o denominado "poder de polícia", que consiste na:

 [...] atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais coletivos. (conceito inserto no Código Tributário Nacional, artigo 78).

 

Portanto, constatada a irregularidade em relação à legislação pertinente, tem a Administração o dever-poder de impedir a atividade que o particular pretende exercer. É o que leciona com muita propriedade o Professor Hely Lopes Meirelles:

Atuando a polícia administrativa de maneira preferentemente preventiva, ela age através de ordens e proibições, mas, e sobretudo, por meio e normas limitadoras e sancionadoras da conduta daqueles que utilizam bens ou exercem atividades que possam afetar a coletividade, estabelecendo as denominadas limitações administrativas. Para tanto, o Poder Público edita leis e os órgãos executivos expedem regulamentos e instruções fixando as condições e requisitos para o uso da propriedade e o exercício das atividades que devam ser policiadas, e após as verificações necessárias é outorgado o respectivo alvará de licença ou autorização, ao qual se segue a fiscalização competente.

Alvará é o instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo. É o consentimento formal da Administração à pretensão do administrado, quando manifestada em forma legal. O alvará pode ser definitivo ou precário: será definitivo e vinculante para a Administração quando expedido diante de um direito subjetivo do requerente como é a edificação, desde que o proprietário satisfaça todas as exigências das normas editalícias; será precário e discricionário se a Administração o concede por liberalidade, desde que não haja impedimento legal para sua expedição, como é o alvará deporte de arma ou de uso especial de um bem público. O alvará definitivo consubstancia uma licença; o alvará precário expressa uma autorização. Ambos são meios de atuação do poder de policia, mas com efeitos fundamentalmente diversos, porque o alvará de autorização pode ser revogado sumariamente, a qualquer tempo, sem indenização, ao passo que o alvará de licença ao pode ser invalidade discricionariamente, só admitindo revogação por interesse público superveniente e justificado, mediante indenização; ou cassação por descumprimento das normas legais na sua execução; ou anulação por ilegalidade na sua expedição - em todas essas hipóteses através de processo administrativo com defesa do interessado. (in Direito Administrativo Brasileiro, 33a edição, São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 138/139 - grifos no original).

 

In casu, restou comprovado nos autos que o endereço na qual a Apelante está instalada é classificado como "Via Local" e o uso nR3 (residencial não incômodo), atividade na qual se enquadra o comércio de fogos de artifícios, não é permitido em via local das zonas mistas (fls. 88/89). Por conseguinte, o pedido de licença e funcionamento referente ao ano de 2006 foi indeferido, porquanto a Comissão de Análise Integrada de Projetos de Edificações e de Parcelamento do Solo - CAIEPS (Processo Administrativo n° 2006.0.162.683-0) concluiu, por unanimidade, que não se aplicam ao caso em questão as disposições do artigo 218 da Lei n° 13.885/04, por se tratar de atividade para a qual são emitidas licenças temporárias e à vista do disposto no inciso IX, § 1º, do artigo 158 da referida Lei (uso não é permitido em vias locais das zonas mistas) (fls. 90). Portanto, demonstrado nos autos que não se aplicam ao caso em questão as disposições do artigo 218 da Lei Municipal n° 13.885//04, agiu com acerto a Administração Municipal, ao negar a expedição do alvará de funcionamento à Apelante. Nesse sentido a jurisprudência desta Corte, ao julgar caso análogo:

“PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL. Alvará de funcionamento para a instalação de loja de fogos de artifícios. Impossibilidade.

II - Fogos de Artifício - Material controlado pelo Exército, que é competente para fiscalizar e autorizar a produção e o comércio desses produtos. Inteligência do artigo 19 do Decreto federal n.° 3.665/00. O Poder de Policia fiscalizatório compreendem vários aspectos, e dentre os quais o pertinente à segurança, salubridade e funcionalidade. Dimana dele, atividade cotidiana, admitindo, inclusive, a cassação do alvará quando o autorizado descumpre as exigências impostas no ato de autorização, que em última análise, é removedor de obstáculos. Ai está o balanço entre o Poder de Polícia unilateral da Administração Pública e o direito do particular a permanecer em determinado local com fiscalização Municipal.

III - Inexiste o direito liquido e certo, eis que viola o interesse público primário. Prequestiona a matéria recursal.

IV- Sentença improcedente. “Recurso improvido”. (AC n° 310.639-5/0-00, Rei. Des. Guerrieri Rezende, 7a Câmara de Direito Público J . 30.01.2006, v.u.).

 

Nesse contexto, era mesmo de rigor a improcedência da demanda, devendo ser mantida a r. sentença em sua íntegra. A vista do exposto nega-se provimento ao recurso.

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] O acórdão referido encontra-se anexo ao final do presente trabalho.