A herança do patrimonialismo na Administração Pública deixou um legado nocivo de confusão entre interesse público e privado que dura até os dias de hoje. Cartas Constitucionais e Leis foram criadas no Brasil com o objetivo de diminuir ou extinguir esse problema, porém ainda sem solução, já que essas práticas eram, ao menos até poquíssimo tempo atrás, socialmente aceitas e legitimadas historicamente dentro da administração pública pelos usos e costumes.
A esse patrimonialismo remanescente, e sobrevivente de duas reformas do aparelho do Estado, é que se deve a utilização da autoridade inerente a determinados cargos públicos em proveito pessoal, como forma de extensão de um domínio pessoal antes privado, mas que se torna ilegalmente público. Ao longo do século XIX e ainda no início do século XX, era bastante difícil separar a autoridade oficial da vida privada, sendo muito comum na época a utilização de cargos públicos em proveito próprio e em prejuízo dos inimigos daqueles que detinham algum poder.
O que era antes considerado normal torna-se crime com o passar dos anos e com a criação de diversos mecanismos legais, dentre os quais destacamos a Constituição Federal em vigor e a Lei 4898/65. A Constituição Federal de 1988 traz os princípios que devem regular a Administração Pública, que são a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência; dentre esses princípios, destacamos a questão da legalidade, de forma que o agente público deverá restringir seus atos somente àquilo que esteja previsto em Lei. A outra Lei supracitada é referente à responsabilização administrativa civil e penal nos casos de abuso de autoridade, também interessante por trazer um rol de atos que seriam considerados como sendo abuso de autoridade e como esses deverão ser tratados, caso ocorram.
É muito comum verificarmos no dia-a-dia o abuso de autoridade, principalmente por aqueles que deveriam estar garantindo a segurança da população, ou seja, os agentes policiais. A situação desse tipo de crime é bastante delicada, pois esses agentes públicos possuem alguma discricionariedade para agir de forma a melhor assegurar a segurança pública, mas ao se afastarem dos limites da Lei esses atos tornam-se abusivos e tornam-se sujeitos a processos administrativos, criminais e disciplinares.
É necessário observar os limites do poder de polícia, que são os direitos dos cidadãos, as liberdades individuais e públicas garantidas pela Carta Constitucional e pelas demais leis, de forma que a autoridade desempenhe seu papel correto que é o da manutenção da ordem, empregando a força somente quando realmente necessário, e consoante com a Lei.
Por fim, é interessante notar que a Lei 4898, que regula o abuso de autoridade, foi criada em 1965, ou seja, durante a ditadura militar, quando o abuso de autoridade pelos agentes policiais e militares era a regra e não a exceção. É estranho, no mínimo, pensar que em uma democracia tenhamos uma lei que trata da matéria de abuso de autoridade criada em uma época na qual os abusos eram freqüentes, e também notável o diminuto número de alterações que essa lei sofreu desde sua criação até hoje, tendo em vista as notáveis mudanças políticas e sociais que marcaram o Brasil nesses últimos 40 anos.