ABRINDO OUTRAS PORTAS
Onde não há palavras, dificilmente haverá um destino compartilhado, o sentimento de irmandade que surge pelo fato de sermos parecidos em nossas alegrias e misérias. Ficar ombro a ombro, recuar, avançar, reconhecer-se humano nas nossas emoções por elas serem tão humanas.
É fácil observar, por exemplo, que é no uso das palavras, falando ao próximo ou mentalmente a nós mesmos que conseguimos organizar o pensamento e, assim, inicia-se o entendimento ou aceitação das dificuldades, das frustrações, dos sentimentos que nos afligem. Articular o pensamento por meio das palavras. Pensamento concatenado e nítido transforma emoções, surge um novo e repentino vigor de raciocínio que desafoga o peito. A raiva que explode em palavras, a insatisfação que traduz as dúvidas, a mágoa represada que busca o desejo de perdoar, tudo à procura do manejo da palavra para saltar do mundo interior para o mundo dos homens.

O ser humano, diferentemente de outros animais, tem a capacidade de usar a linguagem de diversas formas, por isso pode expressar melhor suas emoções. Entretanto, os relacionamentos humanos destacam-se, sobretudo, pela fragilidade e pela superficialidade. As circunstâncias de que o indivíduo dispõe para desenvolver o uso das palavras para expressar nossas emoções, nem sempre são favoráveis, nesse contexto, a solidariedade tem pouca chance de brotar e poder sanar muitos problemas que, facilmente, seriam solucionados quando as emoções que surgem em determinadas situações pessoais ou sociais fossem identificadas e houvesse a oportunidade de falar sobre elas.
As palavras oferecem uma comunicação rápida, por isso gostamos de encadeá-las em frases, parágrafos, textos e livros. Conversamos com os amigos, escrevemos em redes sociais, falamos ao telefone, fazemos terapia. Palavras bem selecionadas e reunidas trazem soluções, compartilham, esclarecem, podem mudar um destino. Entretanto, muitas vezes, são esquecidas e mal utilizadas.
Quando ouço comentários sobre grandes atentados à vida, observo que há algo que se repete, uma frase que traduz parte do problema. O suicida é citado como alguém muito calado, introvertido, de poucos relacionamentos. Parece que aquilo que cala, transforma-se em algo destrutivo, ameaçador, aperfeiçoando-se na arte de conter a palavra à medida que articula a capacidade de pensar em algo que resgate, que possa conferir poder, destaque, atenção e mídia.
Da mesma forma que se aperfeiçoa o domínio da palavra, aperfeiçoa-se a forma de autodestruir-se ou de destruir.
Nessas ocasiões, aflige-me a lembrança de que há muitas pessoas cuja linguagem é seca, desprovida de palavras que traduzam suas necessidades, seus medos, suas incertezas, suas esperanças, seu desejo de justiça.
Eu quereria, como Cecília, nas palavras de Rubem, poder despertar melodias esquecidas dentro da alma de alguém e iluminar a busca das palavras, para que elas sejam portadoras do desejo de melhorar o mundo individualizado em mundo compartilhado.
Eu quereria dizer que os portões das escolas não precisam estar fechados, pois as escolas todas têm os olhos e os portões bem abertos para atender a todos aqueles que precisam aprender a usar a palavra como desabafo ou para buscar a própria valorização.
E é este, e não outro, antes de tudo, o essencial proveito do Projeto Inteligência Emocional na Escola.


Márcia Romano