ABORDAGEM PSICOLÓGICA DO MENOR INFRATOR

A delinquência juvenil tem sido considerada como um transtorno psicossocial, do desenvolvimento, que deve ser entendido pela sua complexidade, já que a sua manifestação ocorre a partir de variáveis biológicas, comportamentais e cognitivas do indivíduo; e contextuais, como características familiares, sociais e experiências de vida negativas (Rutter, 2000; Scaramella, Conger, Spoth & Simons, 2002). Compreender as motivações que arrastam os jovens para a criminalidade parece ser um dos desafios mais urgentes para a superação da situação na qual eles se encontram.

 As infrações podem surgir como estratégias de organizar a desordem interior, vivida com medo. Este perigo interno é projetado em objetos externos precisos: os pais, os professores, os policias, ou outros representantes da autoridade. É na realidade um momento de metamorfose intrapsíquica em que se dá a negociação de novos laços com os objetos da infância e o estabelecimento de ligações a novos objetos, e que segundo Heinze, Toro e Urberg (2004), pode terminar em "desvio".

Se por outro lado, considerarmos a delinquência como sintoma de patologia (em que a personalidade está perturbada e há perigo para a sociedade), mais do que estigmatizar importa, muitas vezes, assumi-la como estratégia de socialização em que o jovem é muitas vezes vítima da constelação familiar, do sistema escolar, da situação sociocultural  e de um universo subtilmente repressivo. É por isso que é necessário relativizar e contextualizar os comportamentos evitando a estigmatização dos jovens, numa tentativa de compreender a sua verdadeira gênese, segundo a lógica interna do transgressor. A análise da intensidade, da persistência e da rigidez destas condutas poderá então conduzir ao estabelecimento de um diagnóstico conclusivo. Só assim será possível a distinção entre comportamento adaptativo e o comportamento desajustado psicológica e socialmente, quer tenha caráter temporário ou permanente.

Um dos  fatores que interferem diretamente no desenvolvimento psicológico da criança e do adolescente é a maneira que ele é educado no ambiente familiar. A punição é um ingrediente comum entre as técnicas de educação e objetiva reduzir a frequência de um determinado comportamento. No entanto, a longo prazo, a punição funciona com desvantagem tanto para o indivíduo punido quanto para o agente punidor (Skinner, 1953). A punição gera emoções, incluindo predisposições para fugir e retrucar, e ansiedades perturbadoras; tais emoções podem inibir certos comportamentos no indivíduo, além de impedirem que esse avalie as situações e os motivos pelos quais está sendo punido, ou seja, a criança, por exemplo, pode não conseguir relacionar o seu comportamento com a punição que está sofrendo. Em alguns casos, a reação dos pais, ao punirem os filhos, estimula comportamentos que eles desejavam coibir.

A privação de afeto é outra estratégia utilizada e considerada uma técnica coercitiva. Ela significa uma ameaça ao rompimento de um laço emocional entre os pais e a criança, gerando insegurança e ansiedade. Esta é uma forma psicológica de punição e pode ser expressa em um modo de desaprovação, indiferença, isolamento da criança, privação condicionada de amor (“eu não gosto de você, porque faz isso) ou uma ameaça de perda permanente de amor (Grusec & Lytton, 1988). Embora possa controlar o comportamento de crianças e adolescentes em muitas situações, a privação de afeto produz efeitos emocionais e psicológicos que podem comprometer o desenvolvimento do indivíduo, gerando insegurança e ansiedade, além de enfraquecer a relação afetiva entre pais e filhos.

Existe, todavia, diferença entre o comportamento antissocial (comportamento do adolescente em conflito com a lei)  e as doenças relacionadas ao transtorno da personalidade, pois estas apresentam características típicas de transtorno narcisista, acrescidas de patologia específica dos seus sistemas internalizados de moralidade. Na origem deste tipo de perturbações encontramos, segundo Heinze (2004), carências nas primeiras relações afetivas, corroboradas pelos estudos de Spitz (1991) e Bowlby (1990), em que se nota  o sentimento de forte desvalorização vai refletir-se em um “eu” desvalorizado e em um ideal do “eu” grandioso que vem compensar as lacunas existentes. Também para Aguilar (2000), existem evidências empíricas substanciais que relacionam aspectos do desenvolvimento precoce (depressão materna, maus-tratos infantis, hostilidade dos pais) com o desenvolvimento de padrões de comportamento antissocial. Estas carências causariam grandes dificuldades na organização de parte da personalidade, cujo corolário seriam os problemas de comportamento e que submetidas a defesas maníacas, evitariam a depressão. Existe, assim, nestes indivíduos grande angústia e risco de depressão, em que  se cristaliza um “Super-Eu” excessivamente severo.  

Importa ainda destacar os trabalhos de Vincent, Vitacco, Grisso e Corrado (2003), que admitem a noção de tendência antissocial, enquanto movimento compulsivo que vai permitir à criança obter da sua mãe a reparação pelo dano que lhe causou, ao não satisfazer totalmente as suas exigências iniciais. Estas manifestações e a sua organização vão depender das respostas dadas pelo ambiente e da capacidade da família de responder às exigências da frustração. Propõe-se desta forma uma interpretação própria do papel das carências afetivas precoces, enquanto gênese da psicopatia.

Enfim, a díade adolescência/delinquência constitui uma máscara de dupla face que, adaptada ao rosto do jovem, criou um indivíduo caracterizado por duas possibilidades interdependentes, porém incompatíveis entre si, o adolescente domesticado, o modelo de juventude inocente e o adolescente delinquente. A partir desta teorização da psicologia do desenvolvimento todos os adolescentes encontram-se em situação de risco.

A delinquência juvenil pode apresentar-se sob várias formas de inadaptação ou de perturbação do comportamento que não dependem somente das características internas do indivíduo (desenvolvimento/organização psicológica), como também do nível de influência exterior, logo, uma profunda perturbação das identificações, disfunções graves dos laços familiares a nível psicoafetivo e econômico-social o que dificulta a integração social, a aprendizagem não só em termos de valores e normas socioculturais, como também escolar (Scaramella, 2002). Algumas intervenções que visam o tratamento passam, segundo Grisso (2002), por medidas empreendidas pelo sistema de saúde como forma de permitir ao jovem a obter competências sociais. Contudo, medidas judiciais são também utilizadas, enquanto estratégias de responsabilização dos adolescentes infratores (Thomas & Penn, 2002).

Nesta perspectiva, o despontar deste interessante campo de estudo, que une a patologia mental à social, concebe a análise psicossocial da delinquência juvenil. Através da conjetura levantada por Aguilar (2000) segundo a qual o aparecimento de comportamentos antissociais exclusivos da adolescência são normativos e, portanto, não patológicos, merece uma investigação mais completa. Seria desejável desenvolver um estudo longitudinal que permitisse discriminar os fatores que permitem uma evolução no sentido da cristalização da delinquência e os que facilitam a remissão destes comportamentos.

É também necessário avaliar as intervenções de caráter preventivo implementadas em grupos de risco, de forma a disseminar os resultados destas experiências e a identificar constrangimentos nas estratégias adotadas.

Por fim, poderá ser ainda útil entender a relação entre a existência de situações de risco para as crianças (corporizadas em maus tratos e diversos tipos de abusos por parte dos prestadores de cuidados) e a futura evolução para comportamentos desviantes.

REFERÊNCIAS

AGUILAR, B.; SROUF, A.; EGELAND, B.; CARLSON, E. Distinguishing the early-onset/persistent and adolescence-onset antisocial behaviour types: From birth to 16 years. Development and Psychopathology, 2000. 

BOWLBY, J. Trilogia apego e perda. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

GRUSEC, J. E.; LYTTON, H. Social development: History, theory and research. New York: Springer-Verlang, 1988.

HEINZE, H. J., Toro, P. A.; URBERG, K. A. Antisocial behaviour and affiliation with deviant peers. Journal of Clinical Child and Adolescent Psychology, 2004.

RUTTER, M. Psychosocial influences: Critiques, findings and research needs. Development and Psychopathology, 2000.

SCARAMELLA, L.; CONGER, R.; SPOTH, R.; SIMONS, R. Evaluation of a social contextual model of delinquency: A cross-study replication. Child Development, 2002.

SKINER, B. F. Ciência e comportamento humano. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1953.

SPITZ, R. O primeiro ano de vida. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

THOMAS, C. R.; PENN, J. V. Juvenile justice mental health services. Child and Adolescent Psychiatric Clinics of North America, 2002.

VINCENT, G. M.; VITACCO, M. J.; GRISSO, T.; CORRADO, R. R.  Subtypes of adolescent offenders: Affective traits and antisocial behavior patterns. Behavioral Sciences & the Law, 2003.