ABORDAGEM GRAMATICAL NA 5ª SÉRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL

Sirlei Brambilla

RESUMO: Uma pequena análise realizada com na 5ª série do Ensino Fundamental envolvendo o ensino da Gramática Normativa, permite que se reflita como a mesma está sendo ensinada, se numa perspectiva metalingüística ou contextualizada. A análise focalizou exercícios do caderno dos alunos, desenvolvidos em sala de aula envolvendo a classe de "Substantivos".

Constatou-se em alguns momentos, que o ensino gramatical, ainda que de forma contextualizada, toma a gramática como eixo central; Em outros, a abordagem se faz de forma contextualizada voltada para um contexto de interação. Os resultados, ainda que preliminares, evidenciam mudanças com relação ao ensino de gramática, que valorize o contexto em que o aluno está inserido, objetivando que o mesmo, desenvolva a competência comunicativa adequando-se em diferentes contextos de interação.

PALAVRAS CHAVE: Gramática, Ensino, Contexto.

Apresentação

Pretende-se neste trabalho verificar de que maneira a Gramática Normativa vem sendo ensinada na 5ª série do Ensino Fundamental. Também verificar se a mesma vem sendo abordada sob uma perspectiva metalingüística ou sob um contexto sócio-cultural, que leva em consideração a realidade do aluno, enquanto sujeito crítico da sociedade em que está inserido.

Nos dias atuais, as discussões sobre o ensino de Língua Portuguesa e consequentemente, o ensino de Gramática volta-se para uma perspectiva reflexiva, conforme propostas apresentadas pelos PCNs, propostas essas voltadas à realidade em que o educando está inserido.

Sabendo que a modernidade e o desenvolvimento vêm atuando de forma clara e gradativa em nossa sociedade, os indivíduos, em contato com tal evolução, necessitam de suporte que os conduza a se apresentarem como sujeitos autônomos e decisivos frente a situações esperadas e também inesperadas, considerando todo o aspecto formativo do indivíduo enquanto cidadão participante da modernidade.

Segundo os PCNs (1998:19):

O domínio da língua, como atividade discursiva e cognitiva, e o domínio da língua, como sistema simbólico utilizado por comunidades lingüísticas, são condições de possibilidade de plena participação social. Pela linguagem os homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação, expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões de mundo e, produzem culturas.

Diante de tal situação, tornou-se necessário e relevante a realização de uma análise, ainda que superficial, mas que permitiu verificar como a Gramática Normativa está sendo abordada na 5ª série do Ensino Fundamental, sua aplicabilidade no contexto sócio-cultural do educando, bem como sua contribuição para suprir a necessidade do educando dentro desse contexto moderno.

Dentro de tal perspectiva, foi desenvolvida uma análise através da verificação de exercícios aplicados em sala de aula com alunos da 5ª série do Ensino Fundamental de uma Escola Pública Municipal de Várzea Grande/MT.

Para este trabalho foram analisados exercícios retirados da amostragem de cadernos dos alunos envolvendo a classe gramatical Substantivo, nos quais foi observada, primeiramente a maneira como estes foram apresentados, em seguida, como se desenvolveram as atividades realizadas pelos alunos, se de maneira reflexiva atendendo as teorias vigentes, bem como os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Além dos exercícios dos cadernos dos alunos, foi realizada uma entrevista informal com a professora de Língua Portuguesa que relatou-nos a forma utilizada para atividades propostas envolvendo a classe gramatical "Substantivo".

Análise dos Exercícios

Em análise de exercícios desenvolvidos com alunos da 5ª série do Ensino Fundamental, constatamos que os exercícios aplicados em sala abordando substantivos, em sua maioria, apresentam-se de acordo com as propostas sugeridas nos PCNs, Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como em algumas teorias vigentes.

Segundo os PCNs o objetivo doensino de Língua Portuguesa deve possibilitar que: "o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas situações comunicativas." (PCNs, 1998:32) e, ao professor (escola) cabe a responsabilidade de organizaçãode exercícios que permita ao aluno: "Utilizar a linguagem na escrita e produção de textos escritos de modo a atender as múltiplas demandas sociais." (PCNs, 1998:32).

Num primeiro momento, a professora fez, juntamente com os alunos, a leitura do texto, um poema "Primavera" de Lêda Dias e também o texto não verbal, uma tela "Lembranças de Pássaros Canoros" de John S. Bunker, fazendo um paralelo entre os dois, oportunizando, com isso discussões e variadas leituras, em que cada aluno expôs seu entendimento através da produção verbal. Utilizando-se de transparência disponibilizou o texto não verbal e realizou conjuntamente com os alunos a leitura da tela, permitindo que todos pudessem expressar-se verbalmente e expor suas opiniões de sentido. Após esse procedimento desenvolveu as atividades propostas envolvendo a classe dos Substantivos. Percebemos que em praticamente todos os momentos procurou-se desenvolver os exercícios através do contexto.

Num segundo momento, segundo ela, foi realizada a conceituação de substantivo, momento em que foi dada a definição de substantivo.

A forma como a professora encaminhou as atividades, ou seja, construindo o conceito primeiramente através do texto, possibilitou ao aluno situações comunicativas e também reflexivas, porque foi apresentado através do texto e, neste caso, do texto verbal e não verbal, os quais possibilitaram várias leituras e consequentemente sentidos distintos.

O texto apresentado serviu não só para leitura e reflexão, como também paraintroduzir o estudo envolvendo a classe dos Substantivos.

Observe no exercício:[1]

Ex.: 01- Para descrever um dia de primavera, a poetisa escolheu alguns seres da paisagem natural. Faça um levantamento desses seres no texto e separe-os em três grupos; o dos pássaros, o das flores e o dos insetos. (caderno dos alunos).

É possível perceber que já na enunciação do exercício, o substantivo já se faz presente nas palavras pássaros, flores, plantas e insetos.

Segundo Travaglia (2001:109):

Trabalhar a gramática numa perspectiva formal mais ampla, na dimensão do funcionamento textual-discursivo dos elementos da língua, uma vez que a língua funciona em textos que atuam em situações específicas de interação comunicativa e não em palavras e frases isoladas e abstraídas de qualquer situação ou contexto de comunicação.

É de modo sutil e contextualizado que a abordagem gramatical vem sendo apresentada: "A perspectiva textual tem a possibilidade de fazer com que a gramática seja aprópria língua em uso." (TRAVAGLIA, 2001:109).

Como respostas para o exercício do exemplo 01 os alunos deram: "colibris, bem-te-vi, e sabiá", para o grupo de pássaros.

Percebemos, neste momento, que mesmo de modo inconsciente o aluno consegue distinguir a aplicabilidade do uso na classificação do substantivo; por exemplo, como grupo de plantas os alunos elencaram: "rosas, jasmim, dálias, bogaris e manacá e no grupo de insetos: borboletas".

Veja como a distinção ocorre nos diversos elementos.

Concluída esta etapa de exercícios, inicia-se o momento da concepção da classe de palavras "Substantivo".

Ex.: 02 Quais das palavras a seguir podem nomear as sensações que, no texto, a primavera está proporcionando? (Exercício no caderno dos alunos)

()harmonia( )nervosismo() tranqüilidade

()suavidade() cor() barulho

Neste exercício os alunos assinalaram quase que de modo geral as opções:harmonia, suavidade, cor, tranqüilidade. Percebemos que neste exercício, a introdução à classificação dos substantivos já se apresenta. Percebemos ainda que as palavras, tranqüilidade, suavidade e outras são classificadas pela Gramática Normativa de substantivos abstratos. Na seqüência, a professora passou no quadro a definição do substantivo.

Substantivos são palavras que nomeiam seres – visíveis ou não, animados ou não, ações, estados, sentimentos, desejos e idéias. (caderno dos alunos)

Essa definição ajudou para a formação da concepção de substantivo, ou seja, ajudou a entender o que é substantivo.

A professora utilizou deste artifício como auxílio, isto é, uma forma para que o aluno venha a internalizar todo o processo desenvolvido até o momento e consiga perceber o que vem a ser substantivo e não como mero processo de regra classificatória, uma vez que: "É preciso entender que dominar uma língua não significa apenas incorporar um conjunto de itens lexicais."(GERALDI, 2003:17).

Na seqüência das atividades é apresentado exemplos de Substantivos através de uma "charada", de Ziraldo que diz o seguinte:

__O que é um pontinho brilhante na grama?

__ Uma formiga de aparelho dentário. (caderno dos alunos)

Veja que a abertura utilizada pela professora através da charada possibilitou um momento de interação e de troca entre os alunos, pois cada um deles apresentou outras charadas das quais tinham conhecimento e vários outros exemplos envolvendo substantivos foram dados.

Um outro exercício desenvolvido com os alunos e que merece destaque é o seguinte:

Ex.: 04 Identifique os substantivos empregados nos trechos de textos a seguir:

a)A mamãe está me ensinando a soletrar.

b) E eu disse que as regras são bobas e G-A-T-O quer dizer GATO é uma regra estúpida e ultrapassada.

c) Mas o Nascimento, emburrado, não disse mais nada. O garçom que entendesse como quisesse. O garçom, também emburrado, foi e voltou trazendo o cope e três pires. Com queijinhos, salaminhos e azeitonas.

d)__ A palavra estava dizendo __ impacientou-se Nascimento. __ Flunfa. Aquela sujeirinha que fica no umbigo (caderno dos alunos).

As respostas dadas pelos alunos para esta proposta de exercício foram os substantivos identificados tais como: "mamãe, regras, G-A-T-O, gato, Nascimento, garçom, queijinho, salaminhos, azeitonas, umbigo, entre outros". Percebemos nesta atitude, ainda que de forma contextualizada, a gramática acaba sendo o eixo central, isto é, o texto torna-se um pretexto para se trabalhar a gramática. Não estamos afirmando aqui que este procedimento seja equivocado, mas sim uma prática intercalada do novo e do tradicional, que se justifica pela tentativa de mudança que envolve o processo de ensino aprendizagem de Língua Materna, em que se valorizem a reflexão na construção do conhecimento.

Retornando à análise dos exercícios aplicados em sala, envolvendo a abordagem do Substantivo, deve-se ressaltar um ponto importante ocorrido no desenvolvimento do mesmo, até mesmo como forma de sintetizar aquilo que dissemos a pouco, a mistura do tradicional com o moderno. De certa forma, não há como desvencilharmos totalmente do tradicional em detrimento do novo, é necessário que busquemos em experiências passadas novos caminhos e alternativas para inserir o novo e, na atividade que se segue percebemos isto porque é realizado envolvendo novos elementos:

Ex.:05 Utilizando-se de uma tira, a professora apresenta o substantivo abstrato. O texto apresenta a seguinte situação familiar: o pai, a mãe e o filho Calvin estão reunidos à mesa de jantar.

No 1º quadro temos; Calvin diz a mãe: Olha!" apontando com o dedo para algo que está atrás da mãe.

No 2º quadro é apenas apresentado o texto não verbal, onde a mãe olha para trás e Calvin se aproveita do momento para jogar toda a comida que estava em seu prato para o prato da mãe.

No 3º quadro a mãe diz: não vejo nada ele responde: Você perdeu. Bem já terminei" e, em seguida, sai da mesa.

No quarto quadro o pai pergunta: O que foi que ele viu? a mãe responde: Uma oportunidade. olhando para seu prato cheio de comida.

Constatamos que através da tira a gramática é ensinada em caráter reflexivo como é sugerida por Travaglia (2001:150):

O tipo de trabalho de gramática reflexiva que propomos é constituído por atividades que focalizam essencialmente os efeitos de sentidos que os elementos lingüísticos podem produzir na interlocução, já que fundamentalmente estamos querendo desenvolver a capacidade de compreensão e expressão.

Há de se perceber que o exercício analisado não é apresentado sob uma visão meramente metalingüística, pelo contrário, possibilita ao educando realizar leituras através do texto verbal e também do não verbal, diga-se de passagem, em vários momentos o sentido é dado tão somente pelas expressões dos personagens do texto e só por ele é possível ser justificado. Nota-se a completa interação do leitor com o texto, e não somente com o texto, mas foi possível perceber a intensa interação com a sala. Foi possibilitado através da tira, situação real de contexto, uma vez que, em diversos momentos eles se vêem participantes da situação, uma rotina comum no contexto familiar. Segundo Geraldi (2003), através de processos interacionais, possibilitamos o trabalho com a construção de sentidos. A Propósito a palavra no texto que representa o substantivo abstrato é "oportunidade".

Considerações

Após análise realizada com os exercícios de alunos, desenvolvidos em sala de aula, envolvendo a classe de Substantivos em que objetivávamos verificar a maneira como a Gramática Normativa está sendo abordada na 5ª série do ensino Fundamental, possibilitou-nos reflexões ímpares. A incansável luta do professor de Língua Portuguesa em oportunizar ao aluno condições para que as atividades aplicadas sejam o mais próximo possível da sua realidade, vem ao encontro das novas tendências teóricas como os ParâmetrosCurriculares Nacionais, entre outros que servem como base nas discussões que envolvem mudanças no ensino de Língua Materna.

Segundo Possenti (2004), a escola é o lugar onde se ensina a norma padrão da língua portuguesa ou mais exatamente, cabe a escola proporcionar condições para que a mesma seja aprendida.

Se por um lado, as razões que são aventadas para ensinar gramática dizem respeito ao fato de que ela propicia ao aluno condições para usar adequadamente a língua materna, por outro há de se considerar também que os alunos esperam que as aulas de gramática lhes dêem condições de usar a língua materna em todas as atitudes de comunicação, com segurança lingüística para não se sentir discriminado. Isto somente se concretizará, se o ensino da língua deixar de enfatizar questões apenas terminológicas e voltar-se para o uso funcional da língua.

A abordagem gramatical realizada pela professora, através de atividades contextualizadas, demonstra que mudanças estão ocorrendo, ainda que a passos lentos, mas que permitem enxergar que este é o caminho para que o objetivo do ensino de Língua Portuguesa seja alcançado, ou seja, possibilitar ao aprendiz de língua materna expressar suas idéias de maneira reflexiva, adequadas em diferentes contextos interacionais. Como revela Travaglia (2001), cabe ao professor a tarefa de explorar a riqueza de recursos lingüísticos em atividades que envolvem o ensino gramatical, possibilitando um relacionamento direto com o uso desses recursos no momento de produção e interpretações textuais em variados contextos de interação comunicativa.

Evidenciamos em alguns momentos, que ainda de forma contextualizada, a gramática torna-se o eixo central e o texto serve de pretexto para o ensino gramatical, contudo, constatamos através de alguns exercícios desenvolvidos como, por exemplo, a "tira", em que professora oportunizou aos alunos um contexto real de produção, esta abordagem é válida, uma vez que permite ao educando reflexões que envolvem o contexto no qual está inserido.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GERALDI, João Wanderley. Portos de Passagem. 4ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

POSSENTI, Sírio. Por Que (Não) Ensinar gramática na Escola. 11ª reimpressão. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004.

TRAVÁGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: Uma proposta para o ensino da gramática no 1º e 2º graus. 6ª ed. São Paul: Cortez, 2001.

MEC/SEF PARAMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: Secretaria de Educação Fundamental, 1998.


[1].Todos os exemplos de exercício aqui apresentados, foram retirados da amostragem de cadernos de alunos aplicados em sala de aula. Segundo a professora esses exercícios, em sua maioria, foram retirados do livro didático adotado pela escola e, alguns a professora buscou em outros materiais.