Estamos em pleno século XXI, no ano de 2011, na qual se completa 123 anos da abolição da escravatura brasileira. Vale ressaltar que, tal fato ocorreu devido o decreto redigido pela Assembléia Geral do Império e, posteriormente o mesmo foi sancionado pela Princesa Isabel, originando assim a Lei Áurea Nº 3.353 (13 de maio de 1888).

Sabemos que, tal “peripécia” não foi fruto da bondade Imperial e, muito menos da Princesa Isabel sobretudo, por conjunturas de uma nova sociedade que se engendrava. Ou melhor, por pressão de um novo modelo de sociedade, principalmente a inglesa, que desde a eclosão da Revolução Industrial no século XVIII passou a utilizar mão-de-obra livre e, consequentemente tratou de erradicar o trabalho escravo dentro e fora de seu território. Isso porque, iniciou-se o processo industrial e produtivo com o intuito de produzir mercadorias para o consumo de massa. Logo, uma sociedade formada por escravos não consome pois, não possuem salários. E sem consumo não há lucros, dessa forma é melhor acabar com a escravidão, ou seja, cortar o mal pela raiz.

Não é à toa que a Lei Áurea possui apenas dois artigos, o primeiro em que se declara extinta a escravidão e, o segundo que revoga as disposições em contrário. Isso implica que, os ex-escravos não obtiveram nenhum amparo legal que tratasse da garantia de emprego, moradia e renda. Podemos dizer que, “ganharam liberdade” mas, foram tolhidos do direito à própria subsistência. Destarte, após tantos anos de abolição da escravidão é alarmante, para não dizermos revoltante, o atual modelo de exclusão social que presenciamos no Brasil. Vivemos numa sociedade extremamente pobre e estigmatizada pelo preconceito racial.

E como forma de pagar tal dívida aos negros é que, o Governo contemporâneo, erroneamente, passa a distribuir cotas raciais gerando então, um novo apartheid, excessivamente prejudicial pois, divide a sociedade em brancos e negros. Ou seja, em bons e maus; em puros e impuros; em capazes e incapazes. Vale lembrar que, tal pensamento nos remonta ao próprio século XIX e as teorias raciológicas que foram formuladas e utilizadas pelas elites dirigentes e intelectuais, com o objetivo de justificar a necessidade de um branqueamento progressivo da população. É nesse ínterim que ocorre a substituição do escravo negro pela mão-de-obra dos imigrantes europeus.

É indubitável que ao se pensar “raça” de um ponto de vista europeu essa, utópica, terminologia é carregada de pré-conceitos em relação às diversas cores e tipos de peles, cabelos e narizes existentes. Como se essas adaptações físicas que sofremos às novas condições climáticas, na medida em que o ser humano começou a se espalhar pelo mundo, influenciassem nas capacidades intelectuais humanas. Porém, infelizmente tais pensamentos ainda permeiam a nossa sociedade. Do contrário, haveria políticas públicas sim mas, que realmente combatessem os malefícios das desigualdades sócio-econômicas e, jamais as raciais. Até porque, a sociedade brasileira é dividida em classes e, é nesse âmbito que reside a fonte de toda a desigualdade, dando margem para citarmos até mesmo, o trabalho escravo que reside na atualidade. Onde há desumanas condições de trabalho; cerceamento da liberdade e, muitas das vezes até o tráfico ou, comércio de pessoas notadamente, mulheres e crianças que também sofrem e ainda sofrem, por parte do sistema, o controle ideológico e político.

Diante desse contexto surge uma dúvida, por que esse controle ideológico e político? Para que assim, os marginalizados se sujeitassem à elite “branca” e automaticamente “superior”, como meio de conter as possíveis revoltas a partir de suas precárias condições no seio da sociedade. Enfim, para minar possíveis tentativas de reversão de uma condição sine qua non.

O fato é que, esse controle político e ideológico perdura até a atualidade e, não apenas por parte da elite intelectual notadamente, por grande parte da população brasileira. Haja vista que, há uma genérica aceitabilidade tanto, da nossa inferioridade quanto, nossa auto inferiorização ao sempre acharmos o estrangeiro melhor e, sempre o valorizamos e acatamos suas pré-concepções acerca de nossa realidade racial na qual, sempre intitulam como “problema racial”.

            Suponho que, a realidade racial se torna problema racial e, continuará a se tornar enquanto não conscientizarmos sobre o nosso valor para que, posteriormente, lutemos por mais espaço nos principais locais que abarcam a elite, “branca”, intelectual. Principalmente a mídia, o Palácio do Planalto e as Universidades, lugares em que são formados conceitos positivos ou negativos sobre as etnias. Bem como, formuladas as ideologias que podem ser utilizadas como arma manipuladora, em prol de pequenas camadas sociais privilegiadas. Assim, cabe a nós brasileiros, tornamos o familiar em exótico e, realmente questionarmos se valeram a pena os 123 anos da abolição da escravidão.