Edevânio Francisconi Arceno

Professora Karyne Johann

História da África e dos Afrodescendentes de Santa Catarina

Curso de Pós-Graduação em História Cultural- AUPEX

29/07/09

RESUMO

 Quando começamos a captar literaturas para a composição deste trabalho, a primeira obra que analisamos foi a história sobre a colonização de Joinville, do autor Carlos Ficker. Depois de ler as quatrocentas e quarenta e cinco páginas deste livro, encontramos apenas quatro linhas mencionando os escravos. Então indagamos em um diálogo imaginário com o autor, tentando compreender o porquê um historiador tão renomado deixou de mencionar a presença negra em Joinville detalhadamente. Então como que respondendo ao nosso clamor, compreendemos que Ele nos diz nestas quatro linhas, tudo o que precisávamos saber sobre a concepção histórica dos Negros Catarinenses, para nossos antepassados. Depois desta conversa inspiradora com o autor Carlos Ficker, encontramos a direção do nosso trabalho, levantando alguns simples questionamentos. A escravidão em Santa Catarina é inexpressiva? Será que a invisibilidade da presença Negra é reflexo de poucas Fontes?É verdade esta história de poucas Fontes?

Palavras-chave: Revisão; Escravidão; Santa Catarina.

1 INTRODUÇÃO

Certo dia um aluno perguntou qual a função do historiador e rindo complementou, contar História? Então resolvemos explicar a função do historiador fazendo a seguinte analogia. Imagine quatro intelectuais observando uma linda queda d'água. Entre eles há um matemático, que olha para a cachoeira e calcula a altura e a velocidade das águas. Outro é um filósofo que contemplando a cachoeira questiona pensativo, de onde vem toda esta água? Depois é a vez do Teólogo que simplesmente olha e exclama, só pode ser coisa de Deus! Então surge o Historiador, que observa a altura e a velocidade das águas, mas este não é o seu foco. De onde vem esta água, também o intriga, mas não o detém. Não discorda que pode ser coisa de Deus, porém ele quer mais! Então olha atentamente para a Cachoeira, esquadrinhando centímetro por centímetro e percebe uma sombra escura no interior da mesma. Aproximando-se descobre que atrás da queda d'água existe uma caverna, então entra e se maravilha com sua descoberta! Quando olha para trás, percebe que a cachoeira ainda está lá, porém sob uma nova ótica, uma nova perspectiva. Depois disso ele anuncia como um arauto em alta voz: Matemático, Filósofo, Teólogo, Mundo a cachoeira tem outro lado! Esta é a função do Historiador, anunciar ao Mundo o outro lado!

Acontece que esta missão, nem sempre é fácil, justamente porque desfaz mitos através do questionamento das "verdades absolutas", construídas pela historiografia de acordo com sua temporalidade. Uma destas verdades absolutas construídas pela historiografia catarinense é a invisibilidade da escravidão negra no estado catarinense.

Muitos historiadores alegam que isto ocorre devido ao número escasso de fontes, e que em virtude dos poucos registros, ficou evidente que no estado catarinense a escravidão não teve a mesma intensidade que no sudeste e nordeste brasileiro. Concordamos plenamente que nenhum lugar do Brasil e talvez do mundo, a escravidão foi tão intensa quanto nestas regiões brasileiras, porém isto não apaga sua existência nas demais.

A Professora Mestre Karyne Johann[1],usou antigos processos judiciais , como uma das fontes na composição de sua Dissertação, trazendo muitas informações oficiais sobre a escravidão no Sul do Brasil, porém o que mais nos chamou a atenção, foi sua observação em relação ao autor Paulo Zarth, um historiador crítico da historiografia tradicional que menospreza a importância da escravidão no Sul.

Apesar de escassas, estas fontes existem, o nosso dever é encontrá-las, pois só assim conseguiremos compreender o grande mistério sobre a presença escrava em Santa Catarina.Nosso Objetivo é indagar o porquê alguns historiadores fazem tanta questão de minimizar esta realidade histórica de Santa Catarina.

2 OS ESCRAVOS RURAIS

Há relatos de que a maior incidência de registros de escravos na província catarinense é de escravos de ganho, uma espécie de escravo urbano e/ou residencial, porém apesar dos poucos, registros, também encontramos a presença de escravos rurais.

Segundo o Jornalista Henrique Luiz Fendrich,[2] os municípios catarinenses de São Bento e Campo Alegre, registraram a presença destes escravos, ao longo da Estrada Dona Francisca, em Mato Preto, Bateias e Avenquinha, onde residiam proprietários de terras que vinham de São José dos Pinhais e Lapa da província do Paraná. Entre eles a família Teixeira, descendentes de Nazário Teixeira da Cruz que possuía uma dezena de escravos registrados em Pinhais.

Observe este registro, comprovando a existência de escravos rurais, fornecido pelo Sr Gustavo Konder[3] em seu relato "Algo sobre Itajaí", quando se refere ao seu bisavô:

Seria interessante anotar que as abastadas famílias dos primeiros imigrantes alemães que, em vez de assimilar as tradições de algumas ricas famílias luso-brasileiras, não adotaram a escravidão dos negros. Por exemplo, o meu bisavô, Cel. José Henrique Flores, donatário de toda a zona de Ilhota, possuía muitos escravos. Em 1845, o Cel. Flores vendeu toda a propriedade aos colonizadores belgas Van Lede e irmãos Lebon, abandonando assim, a mercê do destino, os seus escravos, retendo apenas alguns para os serviços caseiros na sua nova residência em Itajaí. Ele nunca trabalhou, pois viveu sempre como "baronete", à custa do suor dos pobres escravos. Residindo em Itajaí, logo tornou-se chefe político crônico (mais de 20 anos). Quando veio a abolição da escravatura, em 13 de maio de 1888 (abençoada data), a família Flores, já bastante empobrecida, desfalcada com o falecimento do seu chefe, dispensou o restante dos escravos. O meu avô, o alemão Marcos Konder Sênior, como bom cristão, recolheu três velhos ex-escravos chamados Manoel, Catharina, Domingos Silva e Honorata para trabalharem na sua firma com salários semanais, religiosamente pagos. Quando eu trabalhava na Usina de Açúcar Adelaide, estabelecida em Pedra d`Amolar, perto de Ilhota, alguns pretos, plantadores de cana, me revelaram orgulhosamente que seus avós ou bisavós foram escravos do meu bisavô Flores.

É evidente neste relato que havia uma fazenda de cana-de-açúcar na região de Itajaí, bem como mão de obra escrava, que após a venda desta fazenda, foram abandonados a própria sorte. Ainda em Itajaí, podemos verificar a presença de escravos em fazendas, no trabalho de José Bento Rosa da Silva[4], que em suas pesquisas descreve um crime na vila de Itajahy, em 1861, envolvendo um imigrante alemão de nome Adolfo Rienne, oriundo da colônia de Brusque, que negociava na vila de Itajahy. Foi provado que o imigrante matou premeditadamente por motivo fútil, o escravo Miguel, propriedade do Sr Bento Malaquias da Silva, proprietário de muitas terras e prestígio naquela região e exigia uma indenização de um conto de réis.

Mais um autor registra a presença de escravos rurais, foi na região da Colônia Dona Francisca (atual Joinville). O historiador Dilney Cunha, segundo o jornalista Gustavo Meneghim[5], acabou com o mito que entre os colonizadores de Joinville não houve escravocratas. Dilney relatou em seu livro "História do Trabalho em Joinville - Gênese", que no início da colonização em Joinville, no ano de 1856, houve na região uma forte tendência à produção do artesanato, comércio, exportação de madeira (que foi a primeira grande fonte de renda da região). Em seguida relata a produção e exportação de erva-mate e de cana-de-açúcar, cuja usina ficava em Pirabeiraba. A prática de ter escravos era comum entre os luso-brasileiros, porém isto não quer dizer que os imigrantes ficavam alheio a isto:

Trata-se do caso de Felizarda, africana, falecida em 1880 com "mais ou menos" 45 anos, escrava de Gustavo Seiler, um dos mais ricos comerciantes locais e feitor do engenho de erva-mate de Eduard Trinks. De Seiler, sabe-se apenas que foi nascido na Suíça e que era primo do primeiro prefeito de Joinville, Ottokar Doerfel"[...] A região de Joinville já contava com escravos desde o início das Sesmarias (latifúndios de luso-brasileiros) onde por volta de 1850 existiam em torno de 60 a 70 escravos. Entre a população local, também existiam diversos escravos libertos e outros "emprestados" a imigrantes da região e que realizavam todo o tipo de oficio, de barqueiros, artesãos a criados. O próprio Inácio Lázaro Bastos, telegrafista, jornalista, teatrólogo, professor e uma das principais lideranças republicanas da região (vide rua Inácio Bastos), chegou a Joinville nesta época, proveniente da Desterro (Florianópolis) com sua escrava. A região de Joinville já contava com escravos desde o início das Sesmarias (latifúndios de luso-brasileiros) onde por volta de 1850 existiam em torno de 60 a 70 escravos. Entre a população local, também existiam diversos escravos libertos e outros "emprestados" a imigrantes da região e que realizavam todo o tipo de oficio, de barqueiros, artesãos a criados. O próprio Inácio Lázaro Bastos, telegrafista, jornalista, teatrólogo, professor e uma das principais lideranças republicanas da região (vide rua Inácio Bastos), chegou a Joinville nesta época, proveniente da Desterro (Florianópolis) com sua escrava.
Na Colônia Dona Francisca existia um verdadeiro apartheid (separação exclusiva de negros), que eram proibidos de freqüentar qualquer um dos clubes que brancos freqüentavam.A segregação racial, segundo o livro, era motivo de orgulho dos ditos "alemães" que se viam como exemplos de civilização.

O sucesso da usina de açúcar de Pirabeiraba foi registrado por um dos mais renomados historiadores, Carlos Ficker[6], que descreveu em sua obra: "História de Joinville: Crônica da Colônia Dona Francisca", a reprodução de um relatório produzido pelo Senhor Bruestlein, prefeito de Joinville em 1880, onde o mesmo enaltecia o plantio e o beneficiamento da cana-de-açúcar de Pirabeiraba.

O sucesso desta usina foi tão expressivo, que em dezembro de 1884, Sua Alteza Real o Conde d'Eu, esposo da Princesa Isabel, permaneceu três dias em Joinville, visitando a Fazenda Pirabeiraba e outros estabelecimentos industriais e rurais, desta colônia.

O interessante é que em nenhum momento o Sr Frederico Bruestlein, administrador da Colônia Dona Francisca, mencionou a presença de escravos na Fazenda, ou em qualquer outra parte da região, até porque sua propriedade fazia divisa com a Fazenda Gomes, onde faziam uso de mão obra escrava.

Acreditamos que esta ausência de registros foi proposital, em virtude de uma legislação que proibia as Colônias de Imigrantes fazerem uso desta mão de obra. Nesta linha também segue o grande historiador Carlos Ficker, pois em sua obra sobre a colonização joinvilense, fez vários paralelos com acontecimentos políticos e sociais no âmbito nacional em sua narrativa cronológica, porém quando chegou ao ano de 1888, registrou em quatros linhas que na noite do dia 15 de maio, "... sob chuvisco e tempo nebuloso, percorreram a cidade de Joinville os negros, mulatos, moradores da redondeza, soltando foguetes...".

Com certeza não foram os escravos de São Francisco do Sul, que se deslocaram até Joinville para homenagear a Princesa Isabel e o Conselheiro Antonio Prado, mas sim os próprios escravos joinvilenses, que tanto os historiadores tentam "Invisibilizar".

O viajante Auguste de Saint-Hilare[7], em sua passagem por São Francisco do Sul em 1820, registrou em sua obra um censo populacional significativo, pois da população de 4.028 pessoas, 871 eram escravos. Acrescentou que o número de escravos não crescia proporcionalmente ao número da população livre, por uma questão econômica, pois devido à falta de recursos, os agricultores optavam pela aquisição de dois escravos homens, que era muito mais lucrativo, ao invés de um casal.

Relacionou a mão obra escrava com o cultivo da cana-de-açúcar, dizendo que esta cultura dá-se muito bem, porém toda a produção era empregada na fabricação de aguardente. Diante deste registro podemos verificar a significativa presença escrava nesta região, inclusive nas plantações de cana-de-açúcar.

 3 REGISTROS E CASTIGOS

Encontramos mais registros de escravos rurais na Colônia Dona Francisca (atual Joinville), inclusive listando-os como propriedades do Sr João Gomes de Oliveira, proprietário de uma Fazenda no Rio Cubatão Grande, por volta da década de 1880. Observe o texto de Ricardo Costa de Oliveira[8]:

Alguns escravos do meu trisavô João Gomes de Oliveira, fazendeiro do Rio Cubatão Grande, município de Joinville, Santa Catarina, por volta da década de 1880. Eram classificados como de regular moralidade. Bernarda, preta, 24 anos, solteira, da lavoura e apta para todos os serviços. Com quatro pessoas de família Benta, preta, 25 anos, com tres pessoas da família. Theodora, preta, 27 anos, com tres pessoas de família. Rosália, preta, 17 anos, sem família. Lucrécia, preta de 11 anos. André, preto de 32 anos, Joaquim, preto, de 25 anos, Luiz, pardo, 29 anos, João, preto, 21 anos. Marcos, preto, 14 anos, Fabricio, preto, 14 anos, Gaspar, preto, 13 anos. Antonio, preto, 13 anos, Ventura, preto, 14 anos. Em 15/3/1888 consta o óbito de Gaspar, afogado no Rio Cubatão Grande. Escravo de João Gomes de Oliveira. O corpo foi encontrado rio abaixo, no terreno de Herman Vetlerdander.

O historiador Gleison Vieira, no seu livro "Porto Barrancos, Berço de Garuva", reiterou a existência da Fazenda Gomes, próximo a Estrada Três Barras, dizendo que se dedicavam a criação bovina e que tinham mais de quinhentas cabeças de gado. Disse ainda que segundo suas fontes, esta família chegou ao local em 1830, e teria possuído muitos escravos, e que os escravos infratores, não só desta fazenda, mas também da região eram amarrados em pelourinhos numa Ilha conhecida como Ilha do Inferno (Ilha do Nego), próxima ao Porto Barrancos e cruelmente castigados. Mais de uma dezena destes pelourinhos permaneceram de pé até 1920, segundo moradores da região. Esta Ilha constava no mapa feito por Jerônimo Coelho de 1846.

Outro relato curioso deste escritor relacionando à presença escrava, a família Gomes e a Ilha do Inferno, é a lenda do capitão do mato Antônio Polaco[9]:

Esta lenda foi lembrada pelo Senhor Policarpo Gonçalves, que viveu por anos nas Três Barras e se recorda do que os antigos falavam sobre este novo personagem. Segundo a narrativa, o vulgo Antônio Polaco cuidava dos escravos da Fazenda das Três Barras. Era um "capitão do mato". Mas, como era um homem livre, ele sempre ambicionou terras para si (e com razão, pois o sistema colonial agrário se concentrava, aparentemente, na figura do fazendeiro e do negro cativo). Quando ocorria uma transgressão por parte de um escravo, Antônio Polaco os levava até a ilha e lá os amarrava, para serem "devorados" pelos maruins. Em suma, era um homem que personificava a própria maldade. Ao morrer, este capitão foi enterrado no cemitério próximo ao Rio Cavalinhos. O tal Antônio Polaco foi tão perverso e ganancioso durante a vida, que seu cadáver foi amaldiçoado. Ao cobrir seu caixão, no dia seguinte, não havia mais terra sobre sua tumba, não importa o que se fizesse. Com medo desta maldição, retiraram o caixão daquele cemitério e levaram-no para distante dali, para a ilha onde amarravam os escravos, e desde então, a ilha teria recebido o nome nefasto de Ilha do Inferno.

4 NEGROS AFRICANOS

Segundo Denize Aparecida da Silva, que apresentou em seu trabalho; "Estigmas e Fronteiras: atribuição de procedência e cor dos escravos na freguesia de Nossa Senhora da Graça (1845/1888) revelou um dado curioso e surpreendente, pois encontrou registros em São Francisco do Sul de um número expressivo de escravos africanos, o que coloca em cheque o falar histórico que Santa Catarina teria apenas escravos negociados entre províncias.

Ela relatou que os registros de batismos da referida freguesia Nossa Senhora da Graça do Rio São Francisco Xavier, atual São Francisco do Sul, marcaram uma ínfima quantidade de africanos, porém os processos de inventários, principalmente os da década de 1850 revelaram um número significativo de africanos entre os cativos do local. Observe o quadro exposto em seu trabalho:[10]

Analisando os dados expostos, percebemos que a partir de 1870 o número de escravos africanos caiu bruscamente, e também que a população escrava africana vinha diminuindo no decorrer de uma década para outra, isto pode significar o efeito da proibição do tráfico negreiro no atlântico.

Denize, concluiu que a população predominante entre os cativos de São Francisco do Sul era Crioula, porém ainda que raramente, o Porto de São Francisco recebeu muitos escravos africanos oriundos da África Central Atlântica.

 Em nossa última visita ao Museu do Mar em São Francisco do Sul, perguntamos ao jovem responsável por nos conduzir nesta visita, onde ficava o depósito de negros escravos trazidos pelos navios, afinal ali funcionava o antigo porto. Este jovem olhou-nos e disse não ter conhecimento deste fato, pois não tem nenhum registro.

5 UM POUCO DE DESTERRO

 A maior incidência de fontes da presença escrava em terras catarinenses tem sido Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis, capital de Santa Catarina. Isto tem uma explicação lógica e facilmente provável, devido ao poder aquisitivo da população local, tanto econômica, quanto política e cultural.

O Nosso viajante já citado Auguste de Saint-Hilare[11], em sua passagem por Desterro, também registrou em seu livro: "Viagem a Curitiba e Província de Santa Catarina", que os agricultores da Ilha de Santa Catarina, parecem mais "industriosos" do que os fazendeiros do interior e também fez menção de escravos rurais na Ilha de Santa Catarina.

Saint-Hilare relatou que em 1820, a população da ilha era de 14.000 sendo que 2.800 eram escravos. Em outro relatório, em 1841 registrou uma população de 19.568 indivíduos, dos quais 4.336 eram escravos, porém sobre este último censo, ele levantou suspeitas, quanto sua veracidade, pois osdados poderiam ter sido maquiados em virtude dos conflitos sulistas, o que justificaria as informações falsas.

Outro registro interessante de Saint-Hilaire, foi quando saindo da Ilha de Desterro, resolveu ancorar defronte uma Igreja, em Nossa Senhora da Lapa. (Provavelmente atual Ribeirão da Ilha). Numa conversa amistosa com o Vigário local, descobriu que a população daquele povoado era de 1900 indivíduos, sendo que 500 eram escravos.

O líder eclesiástico justificou que o grande número de escravos era reflexo das grandes plantações de cana-de-açúcar na região, que o próprio viajante descreveu quando passou por elas, como um grande mosaico verde. Mais uma vez, registros comprovam a mão de obra escrava em fazendas.

O número de escravos foi tão significativo em Desterro, que fontes comprovaram que Santa Catarina também exportou escravos após o tráfico internacional. O historiador Rafael da Cunha Scheffer[12], no seu trabalho, Comerciantes de escravos em Campinas – década de 1870, falou sobre o comércio de escravos entre as regiões brasileiras, após a proibição efetiva do tráfico de escravos.

O foco do seu trabalho foram as negociações realizadas na cidade paulista de Campinas. Lá ele encontrou registros de movimentações comerciais, tendo como fonte os registros cartoriais, jornais da época (Década de 1870) que anunciavam seus produtos (escravos) para comércio e também os registros de recebimento de impostos da meia siza[13].

Entre os negociadores pesquisados estão, o Sr Manoel Antonio Victorino de Menezes, natural do Rio de Janeiro, que se mudou para Desterro no final de 1860. Ele anunciava no jornal local que comprava escravos para revendê-los no Sudeste. No ano de 1870 negociou na cidade de Campinas, cento e setenta escravos, quase todos naturais de Santa Catarina, porém este número de escravos pode ser ainda maior devido sua sociedade com Manoel Jorge Graça, que tem registrado em seu nome um total de noventa vendas.

6 APONTAMENTOS

 
A historiadora Ana Paula Wagner[14] relatou que até 1980, notícias a respeito de casamentos, processos, etc., envolvendo escravos, dificilmente freqüentariam as páginas de um livro de História. No entanto a autora concorda com muitos historiadores, que os tempos são outros.

Nestes quinze dias, estivemos envolvidos com estudos de literaturas e outras fontes para compor este trabalho, que apesar de todo zelo e dedicação, é apenas um trabalho de finalização de uma das muitas disciplinas do curso de pós-graduação em História Cultural, não encontramos dificuldade alguma em encontrar fontes, pelo contrário, deixamos de citar ícones da historiografia catarinense como Oswaldo Rodrigues Cabral, Laura Machado Hubener, Walter Piazza e outros.

Obviamente não podemos esperar uma variedade e quantidade tanto quanto encontramos quando estudamos a escravidão no Rio de Janeiro, Pernambuco ou Bahia. Como questionamos anteriormente, em que parte do mundo a escravidão negra foi tão intensa quanto nestes lugares!

Constatamos que apesar do mito, que a maioria dos escravos de Santa Catarina foi de ganho, ou seja, urbanos, verificamos que existiram inúmeros escravos rurais, estabelecidos nas grandes fazendas de plantações de cana-de-açúcar e bovinas.

O comércio de escravos também aconteceu no Estado de Santa Catarina, chegando a exportar mão de obra escrava para outras regiões do país. E o número de registros deste comércio só não foi mais expressivo por causa de vários fatores tais como o baixo poder econômico da população catarinense, as guerras sulistas e a Abolição.

7 CONCLUSÃO

Este é o momento que devemos cumprir o nosso papel, e como um arauto anunciar em alta voz. Isto não é fácil, pois mitos geralmente estão impregnados no consciente humano, portanto muitos não aceitam e tentam resistir até o fim na esperança de que ele sobreviva.

A presença de Escravos Negros na Província de Santa Catarina, não foi ínfima, pelo contrário foi muito expressiva, ainda mais se levarmos em conta a temporalidade da colonização desta província em relação a outras. No entanto, o historiador-matemático dirá, calcule o número de escravos do Rio de Janeiro em proporção a população, depois faça o mesmo com Santa Catarina, então verificará se a escravidão foi expressiva ou não.

Quanto à escassez de fontes sobre o tema: Escravos em Santa Catarina, não é verdade, temos muitas fontes e uma variedade delas, como por exemplo, processos criminais, registros cartoriais, registros de nascimento e morte nas entidades eclesiásticas, literaturas de viajantes e colonizadores, além de muitos registros orais. Porém o Historiador-Filósofo, dirá: temos que ter cuidado com as fontes, pois nem sempre são confiáveis, por isso a necessidade de selecioná-las através de um crivo altamente seletivo, de onde elas vem é a grande questão...!

Em relação ao menosprezo sobre o tema por parte de alguns autores-historiadores, é perfeitamente compreensível, principalmente nas publicações mais antigas, afinal a denominação "Afrodescendente", é moderníssima e "Preconceito", também não é assim tão velha. Na verdade estamos acompanhando um período de transição, apesar disto, ainda encontraremos Historiadores-Teólogos que indagarão: Se esta for a vontade de Deus! Quem são vocês para mudar isto?

Então responderemos, somos Historiadores-Historiadores e temos a missão de mostrar ao Mundo o outro lado da Cachoeira, ainda que seja cômodo para este Mundo ver apenas um lado. Obrigado Carlos Ficker!

8 REFERÊNCIAS

COSTA, Ricardo da. Escravos e Índios em Joinville de 1880.Disponível em : http://listsearches.rootsweb.com/th/read/BRAZIL/2000-01/0948027867 Acesso em : 18/07/2009

FENDRICH, Henrique Luiz. Escravos em São Bento e Campo Alegre. Disponível em: http://saobentonopassado.wordpress.com/2009/07/09/escravos-em-sao-ben. Acesso em: 20/07/2009.

FICKER, Carlos. História de Joinville, Subsídios para a Crônica da Colônia Dona Francisca. Joinville, 1965.

JOHANN, Karyne. Escravidão, Criminalidade e Justiça no Sul de Brasil: Tribunal de Relação de Porto Alegre (1874-1889).Porto Alegre , 2006, Dissertação de Mestrado, Faculdade de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

KONDER, Gustavo. Algo sobre Itajaí. Disponível em: http://br.geocities.com/familia_mueller/itajai.html. Acesso em: 19/07/2009.

MENEGHIM, Gustavo. Blog Gazeta de Joinville. Sem pudores: Livro revela as condições desumanas do tempo da colonização. Disponível em: http://gazetadejoinville.blogspot.com/2008/11/sem-pudores-livro-revel. Acesso em 19/07/2009.

SAIN-HILAIRE, Auguste de.Viagem a Curitiba e Província de Santa Catarina. Tradução: Regina Regis Junqueira. Belo Horizonte: Editora Itatiaia Limitada, 1978.

SCHEFFER. Rafael da Cunha. Comerciantes de Escravos em Campinas – Década 1870. Campinas, 2006, Doutorando em História Social da Cultura na Universidade de Campinas: Unicamp.

SILVA, Denize Aparecida da. Estigmas e Fronteiras:Atribuição de Procedência e Cor dos Escravos na Freguesia de Nossa Senhora da Graça.Disponível em : http://www.labhstc.ufsc.br/pdf2007/19.19.pdf. Acesso em 20/07/2009.

SILVA, José Bento Rosa da. Crime e Escravidão numa Freguesia da Villa do Itajahy (1861). Disponível em: http://fgmladm.itajai.sc.gov.br/arquivos/Crime%20e%20escravidao.pdf. Acesso em 25/07/2009.

WAGNER, Ana Paula. Uma Vida em Comum: Africanos Libertos e Seus Arranjos Familiares em Desterro (1800 a 1819). de BRANCHER , Ana ; AREND, Silvia Maria Fávero(Organizadoras).História de Santa Catarina – Séculos XVI a XIX.Florianópolis Ed da UFSC, 2004.p.149-173.

VIEIRA, Gleison. Porto Barrancos Berço de Garuva. Joinville: Editora Letradágua, 2007.


[1]JOHANN, Karyne. Escravidão, Criminalidade e Justiça no Sul de Brasil: Tribunal de Relação de Porto Alegre (1874-..1889).

[2]FENDRICH, Henrique Luiz. Escravos em São Bento e Campo Alegre.

[3] KONDER, Gustavo. Algo sobre Itajaí.

[4] SILVA, José Bento Rosa da. Crime e Escravidão numa Freguesia da Villa do Itajahy (1861).

[5]MENEGHIM, Gustavo. Blog Gazeta de Joinville. Sem pudores: Livro revela as condições desumanas do tempo da ..colonização.

[6] FICKER, Carlos. História de Joinville, Subsídios para a Crônica da Colônia Dona Francisca.

[7] SAIN-HILAIRE, Auguste de.Viagem a Curitiba e Província de Santa Catarina.

[8] COSTA, Ricardo da. Escravos e Índios em Joinville de 1880.

[9] VIEIRA, Gleison. Porto Barrancos Berço de Garuva.

[10] SILVA, Denize Aparecida da. Estigmas e Fronteiras:Atribuição de Procedência e Cor dos Escravos na Freguesia de ....Nossa Senhora da Graça.

[11] SAIN-HILAIRE, Auguste de.Viagem a Curitiba e Província de Santa Catarina.

[12] SCHEFFER. Rafael da Cunha. Comerciantes de Escravos em Campinas – Década 1870.

[13] A siza era um imposto sobre 10% do valor do bem transferido, sendo assim, em meados do século XIX, a meia siza .....representava uma taxação de 5% do valor do escravo paga nas coletorias de impostos no ato da transferência de .....posse sobre o mesmo.

[14] WAGNER, Ana Paula. Uma Vida em Comum: Africanos Libertos e Seus Arranjos Familiares em Desterro (1800 a ....1819).