Helaine Rezende Leal

Cristina Marinho Christ Bergami


INTRODUÇÃO

O termo Osteomielite é utilizado para descrever uma infecção no osso. O nome surgiu da literatura francesa no início do século XIX. Há relatos que seu conhecimento data de um período mais remoto, 129 – 199 a.C., quando o médico e escritor Cláudio Galeno, conhecido como Galeno de Pérgamo  hoje chamado " o pai da medicina do esporte" descreveu a destruição do osso, seqüestro e a regeneração em Osteomielite (UIP, 1999).

Teoricamente, o tecido ósseo pode ser infectado por qualquer bactéria patogênica e originar uma Osteomielite, no entanto o Staphylococcus aureus ainda vem sendo considerado o responsável pela maioria dos casos, cerca de 85%. É possível verificar também infecções pelo estreptococos (grupo B), colibacilos, haemófilos pneumococos, gonococos, salmonela, pseudomonas, entre outros (XAVIER et al. 2003).

A localização e a aparência da Osteomielite evoluem de acordo com a idade do paciente, o tipo e virulência do organismo e a presença de certas condições clínicas como anemia falciforme, diabetes mellitos, uso de drogas endovenosas ou imunodepressão (YAMAGUCHI et al, 1999). A idade e as condições sociais do paciente ajudam a orientar o diagnóstico, pois a incidência da doença ocorre em crianças e adolescentes de classe menos favorecidas, onde são comuns as verminoses e os estados de desnutrição em geral (HUNGRIA FILHO, 1992).

Segundo Uip (1999) e Lima e Zumiotti (2007), existem um grande número de sistemas de classificação utilizados na Osteomielite, sendo a de Waldvogel a mais utilizada, subdividindo as Osteomielites em hematogênicas, sistêmicas e secundárias a foco infeccioso ou por contigüidade, com ou sem insuficiência vascular, individualizando as Osteomielites da coluna vertebral e as pós-Traumáticas, pois apresentam aspecto muito particulares. Pode ser utilizada também a classificação segundo Xavier et al (2003), que classificam a Osteomielite em Aguda, Crônica, Pós-traumática e abscesso ósseo.

A Osteomielite aguda tem início com uma fase de "celulite", em que não há evidência de pus. Este conceito de uma celulite inicial é importante, pois é neste estágio que, habitualmente, um tratamento exclusivamente clínico será capaz de extinguir a infecção (GREEN, 2000 apud VASCONCELOS; OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2004). Como não é possível saber quando se iniciou o processo, são considerados como caso agudo os que referem menos de 4 dias de sintomas, ou seja, aqueles que estariam ainda na fase infiltrativa (HUNGRIA FILHO, 1992).

Assim, a Osteomielite pode afetar a qualidade de vida dos pacientes quando há retardo do início do tratamento do foco infeccioso, ou quando esse tratamento é feito de forma inadequada, propiciando a forma crônica da doença (SMELTZER; BARE, 2006). Para Uip (1999 p.1615) "as Osteomielites crônicas representam um grande problema de saúde, devido a importante morbidade embora baixa mortalidade".

Lima e Zumiotti (2007), afirmam que este tipo de infecção ocorre em aproximadamente 5% das fraturas expostas, menos de 1% das fraturas fechadas com osteossíntese e em 5% dos casos de doença hematogênica aguda e, em estudos divulgados na América do norte, em 1/3 dos casos há mais de um agente envolvido. "O principal problema da infecção crônica de osso é a persistência prolongada de microorganismos patogênicos" ( UIP, 1999 p.1615).

Vale ressaltar que o diagnóstico de Osteomielite crônica em atividade ou superposta a outras patologias é difícil, assim como o próprio conceito de cura, podendo ocorrer prolongados intervalos assintomáticos (SAPIENZA et al, 2000).

Segundo Smeltzer & Bare (2006), o sucesso do tratamento requer diagnóstico rápido com a internação do paciente para acompanhamento e inicio da terapêutica necessária e que se estes cuidados não forem observados a doença pode ser fatal, tornar-se crônica e afetar a qualidade de vida do paciente.

O tratamento de Osteomielite pode gerar no paciente e equipe multiprofissional um sentimento de temor e um abalo de ânimo por ameaçar a integridade do paciente, perspectiva de um tratamento difícil, além de nem sempre terminar com sucesso, gerando uma situação de inferioridade e discriminação, de modo que alguns hospitais se recusam em receber pacientes com esta doença (HUNGRIA FILHO, 1992).

A necessidade de um tratamento rápido e precoce dessa infecção é ressaltada por Xavier et al (2003), devido à destruição irreversível que causam no osso, muitas vezes difíceis ou impossíveis de serem tratadas, como pelas graves lesões residuais que são definitivas e comprometem o paciente por toda sua vida, tanto no aspecto funcional como psicológico.

Apesar de haver controvérsia, muitos autores não utilizam a palavra cura para as doenças osteoarticulares, uma vez que há possibilidade de recorrência anos após o aparente sucesso terapêutico (UIP, 1999). Além disso, a Osteomielite é potenciável de cura desde que seja precocemente e corretamente diagnosticadas e tratadas de modo adequado (XAVIER et al, 2003).

Em relação à Osteomielite pós-traumática, geralmente a implantação da bactéria ocorre diretamente no osso e é classicamente representada pela infecção na evolução das fraturas expostas ou pelas Osteomielites pós-operatórias. Quanto às fraturas expostas, muitas vezes a contaminação ocorre por agentes intra-hospitalares resultantes da manipulação per ou pós-operatória (LIMA; ZUMIOTTI, 2007).

O microrganismo pode também chegar ao tecido ósseo por via hematogênica, tanto por via direta no momento do trauma que pode ser espontâneo ou cirúrgico, assim como nas fraturas expostas, ou por contigüidade a partir de infecções das partes moles adjacentes, como nas escaras infectadas (LIMA; ZUMIOTTI, 2007).

De acordo com Xavier et al (2003, p. 727), a importância de se estudar a Osteomielite advém do fato ser esta "uma infecção de propagação muito rápida e que põe em risco a vida do paciente", além da destruição óssea decorrente poder ser muito extensa tendendo a cronificação. Os autores ainda relatam quanto à facilidade de definição do diagnóstico, podendo ser totalmente curada quando o tratamento é feito ainda na fase inicial da doença.

Apesar disso, muitos autores não utilizam a palavra cura para doenças osteoarticulares, porque acreditam haver a possibilidade de recorrência anos após o aparente sucesso terapêutico (UIP, 1999).

Atualmente, com vários e modernos métodos de auxílio ao diagnóstico, não há razão para se perder casos de Osteomielite aguda ou mesmo tratá-las de maneira insuficiente uma vez que as seqüelas no paciente serão permanentes. Deve-se pensar também no fator emocional em um paciente com seqüela de Osteomielite, pois as deformidades muitas vezes são enormes e irreversíveis (XAVIER et al, 2003).

Para Rebert et al (2003), estas graves lesões residuais são definitivas e comprometem o paciente para o resto de suas vidas, tanto no aspecto funcional como psicológico.

Vale ressaltar, que o diagnóstico produz uma série de conflitos emocionais no paciente em um curto período, geralmente apresentando no primeiro momento medo, ansiedade, depressão e angústia, marcando assim a família, o profissional de saúde e o paciente (ANGERAMI, 1996). Assim sendo, reconhecer e intervir nas necessidades emocionais dos pacientes se torna um importante instrumento para sua recuperação a curto e longo prazo (ROMANO, 2001).

O trabalho em equipe, além dos benefícios concretos que proporciona à condição orgânica do paciente, desperta também a sensação de apoio e maior segurança por estar sendo assistido por uma gama de profissionais com um objetivo em comum: a promoção da saúde (ANGERAMI, 2002).

Diante disso, o objetivo dessa pesquisa foi avaliar o conhecimento dos pacientes quanto a Osteomielite e sua possível recidiva e seqüela, e verificar seus sentimentos diante da doença.

MATERIAL E MÉTODO 

Trata-se de uma pesquisa de campo descritiva exploratória, com abordagem quantitativa, em pacientes que desenvolveram ou estavam em tratamento de Osteomielite em âmbito hospitalar no Hospital Santa Casa de Misericórdia de Vitória (SCMV), durante o período de agosto a setembro de 2008. Todos os sujeitos da pesquisa foram pacientes procedentes do Sistema Único de Saúde (SUS).

O instrumento de coleta de dados utilizado foi um formulário semi-estruturado, preenchido pela própria pesquisadora. Foram selecionados 10 (dez) pacientes que foram identificados no Ambulatório e Enfermaria de Ortopedia (São Lucas), em conjunto com médicos ortopedistas que atendem no local. Todos os pacientes após responderem aos formulários, receberam orientações sobre os procedimentos relacionados à assistência de enfermagem e o esclarecimento de suas principais dúvidas.

As variáveis selecionadas quanto aos dados de identificação dos sujeitos foram: sexo, idade e escolaridade. As variáveis utilizadas para responder o objetivo proposto foram: o conhecimento do paciente sobre a doença quanto às formas mais comuns de Osteomielite, seus sentimentos em relação ao diagnóstico, as recidivas e as possíveis seqüelas existentes.

RESULTADOS

A realização da pesquisa, além de causar impacto pelos resultados encontrados, trouxe também intensa satisfação aos pacientes entrevistados. Alguns pacientes relataram estarem ansiosos pela entrevista, pois almejavam saber informações sobre a doença.

Assim, fizeram parte do estudo 10 sujeitos sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino, com idade variando entre eles de 27 a 73 anos. Os níveis de escolaridade encontrados foram: três com nível superior, dois com ensino médio completo, três não possuíam ensino fundamental completo e dois eram analfabetos.

Quanto ao conhecimento sobre o diagnóstico, observamos que oito pacientes relataram não ter conhecimento sobre a doença e até mesmo não saber que eram portadores da mesma Os diagnósticos encontrados foram oito casos de Osteomielites pós-traumáticas e dois casos de Osteomielite hematogênica.

Pudemos observar que, durante as entrevistas, havia uma preocupação por parte dos sujeitos sobre a doença, muitas vezes até percebido pelas expressões faciais e relatos. Assim, oito pacientes afirmaram sentirem tristes e inseguros diante do recebimento do diagnóstico, e apenas dois  disseram não apresentarem nenhuma reação.

Quando questionados sobre a recidiva da doença, sete pacientes relataram apresentarem recidivas e os demais estavam em tratamento. Todos os pacientes apresentavam seqüelas de Osteomielite, destes, nove pacientes apresentaram mais de uma seqüela e apenas um paciente relatou não haver nenhum tipo de seqüela. Infelizmente foi encontrado um paciente que evoluiu para amputação de membro inferior direito.

DISCUSSÃO

A doença surge como um inimigo que deve ser estudado, localizado e combatido, para isso existem medicamentos e profissionais de saúde. Muitas vezes parece que o profissional de saúde esquece o significado de adoecer, cuidando apenas do órgão prejudicado, dividindo o indivíduo entre corpo e mente, esquecendo de sua história pregressa, pessoal, social e familiar.

Dessa forma, pôde-se perceber que houve deficiência no conhecimento do diagnóstico de Osteomielite, e a ausência de informação pode trazer ou causar problemas e reações imprevisíveis por parte do doente.

Com relação à idade verificou-se que a predominância encontrada no sexo masculino foi bastante significativa, provavelmente pelo fato de serem os homens mais atingidos pelos traumatismos, que levam as formas traumáticas da infecção (HUNGRIA FILHO,1992).

O nível de escolaridade encontrado foi, de maneira geral, bom e a presença de pacientes analfabetos requer da equipe de saúde uma maior observação e paciência nas orientações necessárias quanto à doença. Senra, Iasbech e Oliveira (1998), afirmam que quando o paciente é bem informado no pré-operatório, se tem um maior sucesso no tratamento cirúrgico.

É bom ressaltar que independente do grau de instrução deste paciente, o profissional da área de saúde deve informá-lo sobre a sua patologia de forma clara e objetiva, sendo uma excelente oportunidade para o enfermeiro atuar como educador (MORAES; GARCIA; FONSECA, 2007).

De acordo com Romano (2001), reconhecer e intervir nas necessidades emocionais dos pacientes se torna um importante instrumento para sua recuperação a curto e a longo prazo. A angústia em relação ao diagnóstico desencadeia reações psíquicas específicas: a princípio o paciente apresenta um choque inicial que gera medo, depressão, choro e desespero, marcado pela família, pelo profissional de saúde e pelo paciente (ANGERAMI, 1996).

O insucesso do tratamento de Osteomielite na fase aguda gera uma afecção de difícil tratamento. Hungria Filho (1992), em seu estudo, relatou um caso de recidiva osteomielítica 80 anos após a primeira ocorrência.

As marcas deixadas pela doença ou pelo tratamento, ou seja, "as seqüelas", são também um indicador da gravidade dos casos. Um estudo realizado por Hungria Filho (1992) revelou que de 303 casos de infecções osteoarticulares entre os curados, a maior percentagem foram dos casos sem seqüelas.  Segundo Hebert et al (2003), essas graves lesões residuais são definitivas e comprometem o paciente para o resto de sua vida, tanto no aspecto funcional como psicológico.

Segundo Angerami (1996), o apoio é freqüentemente a única forma de ajuda que as pessoas recorrem em tempos de crise, onde o "ser" doente deve ser amado e que, os pais e a família, como um todo, são elementos representativos do desenvolvimento do ser humano, porque a família é a unidade de representação básica do individuo.


Para Hungria Filho (1992), o tratamento de Osteomielite é relegado a uma situação de inferioridade e até discriminação, por se sentir diante de um problema difícil de resolver, comprometendo a integridade do paciente, além de nem sempre terminar com sucesso. 

CONCLUSÂO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O desconhecimento pelos pacientes sobre a sua doença, possível recidiva e seqüelas foi notório. Dessa forma, os sentimentos diante da doença variaram de confiança a apreensão e ansiedade, devido estarem impossibilitados de realizarem atividades normais do cotidiano. Assim, durante o a coleta dos dados foi possível fornecer orientações necessárias, visto ser um aspecto indispensável para a melhoria da qualidade de vida e adesão ao tratamento.

Compreendemos que a atitude de cuidar não se restringe ao simples fato da realização dos procedimentos corretamente e conforme os princípios científicos, podendo-se afirmar que o cuidar vai além deste fato. Visa à assistência ao paciente de uma forma integral, dentro do contexto biopsicossocial no qual está inserido, tendo assim uma compreensão holística e não visando apenas sua doença de base.

Numa era de antimicrobianos eficientes e técnicas apuradas, existe a necessidade de continuar as pesquisas na área das infecções ósseas, já que poucos trabalhos foram encontrados sobre o tema Osteomielite. A agilidade de se incorporar esses novos métodos aos conhecimentos já existentes levando-se em conta o custo benefício, determinará o sucesso futuro na prevenção e tratamento desta importante modalidade de doença, diminuindo à chance de recidivas e de seqüelas.

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