A VISÃO CRISTÃ SOBRE AS RELAÇÕES HOMOPARENTAIS 

Rebeca Vasconcelos Fernandes[1]

 Vágmo Pereira Batista[2] 

RESUMO 

Quando se fala em relações de pessoas do mesmo sexo, a religião é apontada como um dos pontos mais desfavoráveis para tais práticas; todavia, apesar de se falar que a religião se posiciona desfavorável, pouco é dito sobre o verdadeiro pensamento cristão.

Palavras-chave: Influência religiosa. Orientação sexual. Cristianismo.

1 INTRODUÇÃO

                   Pode-se pensar que todas as religiões sempre foram contra as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, mas nem sempre foi assim; como já dissemos, antes da existência da lei mosaica (sob o fundamento de que Deus criou um homem e uma mulher, e não dois homens ou duas mulheres), essa questão não era uma preocupação fundamental em muitas sociedades, os hititas, que eram inimigos do povo israelita, tinham uma lei que autorizava o casamento entre homens.

Foi pelo Judaísmo que a condenação da homossexualidade tornou-se explícita e social, era comum por tradição de inúmeras religiões vizinhas à Israel, a prática de rituais homoeróticos, de modo que a reprovação por parte dos cristãos visava fundamentalmente afastar a ameaça daqueles rituais idólatras e não a prática da homossexualidade em si, por isso apenas a heterossexualidade era considerada de acordo com a natureza; os indivíduos passaram a encarar a sexualidade humana de uma perspectiva extremamente negativa, exaltando a importância da espiritualidade, ligando a sexualidade diretamente ao casamento monogâmico e desaprovando os prazeres corporais, inclusive, durante a Idade Média. Como é ensinado por Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi Maia:

Os representantes da religião judaica começaram a se sentir ameaçados pela força dos adeptos aos cultos pagãos que faziam uso de aspectos da sexualidade, como a homossexualidade e o travestismo, em suas celebrações. Além disso, os judeus necessitavam se expandir para ganhar força, visto que constituíam um grupo pequeno e cercado por outros pertencentes a diferentes religiões e, portanto, hostis a ele. Por isso a religião judaica enfatizou tanto a prática sexual exclusivamente para a procriação e reprovou fortemente o incesto e a homossexualidade masculina. (2012, p. 33)

A influência da religião católica apostólica romana foi muito importante nas constituições familiares, podendo afirmar que todas as famílias tradicionais consideravam a Sagrada Família como seu modelo ideal, sendo visada dessa forma pela imagem de santidade do menino Jesus.      

2 DESENVOLVIMENTO

      Além da influência religiosa na organização do espaço intrafamiliar, havia também a indicação do modelo a ser seguido pelos membros que pertenciam a essa instituição, isto é, a presença do homem, mulher e prole, sendo assim, o que fugia disso era considerado abominação, pois qualquer coisa que diferia à ordenança da criação do casamento entre um homem e uma mulher era pecaminosa e inaceitável perante Deus. Segundo Mariana de Oliveira Farias e Ana Cláudia Bortolozzi Maia:

O catolicismo influenciou muito a vivência da sexualidade do povo brasileiro pelo fato de ter sido introduzido no País mais energicamente que outras religiões, a partir do período colonial, em todos os níveis sociais. Desde então, ela é considerada a religião oficial do Brasil, tendo como seu aliado o Estado.

Podemos perceber que atualmente as regras da Igreja Católica ainda condenam a prática homossexual. Em 1992 o Papa João Paulo II promulgou um compêndio sobre a doutrina da Igreja Católica, chamado Catecismo da Igreja Católica. Nele, a prática da homossexualidade é considerada pecado grave. (2012, p.40)

                   Há quem questione se a lei de Deus, realmente condena a homossexualidade; afirmam que a bíblia foi escrita por humanos que tinham antigas práticas judaicas preconceituosas. Argumentam se Deus condena somente a prostituição do ritual masculino, citada anteriormente; pois afirmam que as relações homossexuais contemporâneas em nada se assemelham com a homossexualidade pagã e idólatra praticada na antiguidade.

            As discussões sobre a homossexualidade estabelecem as diferenças entre ato e orientação. Muitos homossexuais dizem que nasceram homossexuais, o que torna Deus responsável por tal ato, visto que foi Ele quem os criou, neste aspecto, seus desejos e pensamentos não devem ser condenados; o que é desconsiderado pela doutrina bíblica do pecado original, a qual ensina que todos os homens nascem com uma natureza ou disposição pecaminosa e serão responsabilizados perante Deus por cada pensamento, palavra e ações pecaminosas que cometam, independentemente de sua orientação sexual, mesmo por que o homem é tentado por seus próprios desejos.

Não há um motivo básico que determine o comportamento homossexual, há diferentes tipos de fatores que podem desencadear o comportamento; fatores fisiológicos, genéticos, psicológicos e comportamentais. Cada indivíduo precisa de um referencial de comportamento, para sua postura como homem ou mulher, desde a sua formação na infância, mas não são todas as crianças que apresentam essa necessidade, diante da ausência da figura de um dos pais; portanto, esses fatores não podem ser considerados absolutos.

O cristianismo não acredita que os indivíduos são culpados por apresentar uma combinação genética que lhes determine uma mudança sexual, por exemplo, ou não são culpados se os pais lhes trouxeram problemas psicológicos; mas se faz necessário uma correção em cada caso, uma vez que não é aceita a homossexualidade em nenhuma das doutrinas mais tradicionalistas. Não avaliam as relações homoafetivas como um pecado maior ou diferenciado, porém aconselham homens e mulheres homossexuais a lutarem contra essa prática, contudo apesar de serem contra as práticas homossexuais, repudiam qualquer forma de violência contra o ser humano que caracterize a homofobia sempre expondo sua fé, caracterizada pelo amor ao próximo independente de julgamentos.

Sendo assim, o casamento homossexual, segundo os preceitos cristãos, não é aceito, é visto como torpeza e não há a realização destes em templos tradicionais, por considerarem uma ofensa aos princípios da moral e conduta que seguem. Consequentemente, a adoção homoparental também não é visto de forma amigável, pois consideram que a reprodução seria responsabilidade do casal, homem e mulher; todavia acreditam que um homossexual é plenamente capaz de criar uma criança, mas o mesmo estaria cometendo um grave delito perante Deus, no qual ele e a criança sofreriam graves consequências.

            O que não se pode esquecer é que apesar do cristianismo combater, de certa forma a homossexualidade, hoje podemos ver que na sociedade em que vivemos o casamento homossexual e suas relações consequentes são inevitáveis, visto que não é cientificamente possível ‘desativar’ o gene da homossexualidade, logo a sociedade tem que se adaptar aos novos tempos, pois a orientação sexual não serve como fundamento para omitir ou negar direitos que, atualmente, são legais. Desta forma, a aceitação das relações homoafetivas é iminente, seja por medidas feitas pelo governo ou nas escolas, através da educação; mostrando que é algo normal, e que tais pessoas devem receber a compreensão por terem preferências homoafetivas.

O que é pouco falado nestas discussões entre religiões protestantes e os adeptos à homossexualidade é a existência de um Movimento Gay Cristão que tem crescido fortemente em vários países, o qual acredita que é possível ser gay e também cristão, sem atitudes extremadas e desafiadoras de aceitação própria, buscando mostrar que sua base também é bíblica e que por mais que se esforcem, não conseguem mudar sua natureza, não acreditam na possibilidade de existência de ex-gay; seguem a teoria de que não é correto julgar os outros, por isso são livres em seus atos e que o próprio Jesus Cristo nunca teria falado nenhuma palavra contra os homossexuais, afirmando que se a homossexualidade fosse algo tão ruim, Jesus a incluiria em seus sermões.

Quanto à interpretação bíblica que é feita pelos mais tradicionais, a teologia a favor das relações homoafetivas considera que as mesmas foram tiradas do seu contexto original, que outras foram mal traduzidas e por mais que existisse alguma proibição, esta era aplicada apenas na época em que a passagem foi escrita, por questão cultural, necessitando assim, de uma contextualização apropriada, conforme foi escrito por um dos líderes mais influentes do movimento, Troy Perry: “Para poder condenar os homossexuais, muitas denominações intencionalmente leram errado e interpretaram mal suas Bíblias, para poder satisfazer suas preferências pessoais.” (1990, p.39).

Este movimento demonstra também através dos ensinamentos de Jesus que o amor deve ser visto como um sentimento maior, que vai além da orientação sexual, indicando que Jesus poderia ser homossexual, pois além do fato de nunca os ter censurado, conviveu predominantemente com companheiros do seu próprio gênero, dando base para tal tese, o que nunca foi e provavelmente não será provado.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partindo da ideia de que a Bíblia não condena o amor entre pessoas do mesmo sexo, este movimento tem por sustentáculo a vida sexual equilibrada, com a homossexualidade cristã sendo exercida de forma responsável, pela qual frequentam igrejas e combatem a homofobia e opressão sofrida por todos os homossexuais; suas igrejas têm por objetivo pregar a palavra de Deus sem preconceitos quanto à orientação sexual, teorizam que o pecado foi imposto pelo homem e não por Deus, desta forma, não desejam a visão de uma igreja gay, mas sim, de uma igreja para todos, independente da orientação sexual.

Não se pode negar que muitas pessoas não toleram os homossexuais, nem que a homofobia ainda existe de forma gritante, mas teologicamente, o cristão verdadeiro é aquele que convive com o homossexual e demonstra amor pela forma como o trata; os cristãos devem proteger os homossexuais das agressões pessoais, porém esse amor deve ser dado honestamente. Em seu livro “A operação do erro”, Joe Dallas traz:

    

Nosso chamado não é para persuadir, mas para apresentar. Como mordomos da verdade, nossa tarefa é apresentá-la de modo claro, amoroso e responsável. Quando estivermos diante do tribunal de Cristo, não nos será perguntado quantos homossexuais conseguimos convencer a deixar o Movimento Gay Cristão. Mas certamente nos será perguntado com que fidelidade administramos a verdade que nos foi concedida, e com quanto amor e coragem a apresentamos. (1998, 231-232)

O pensamento atual protestante afirma que o que não se pode fazer é excluir determinada pessoa por suas escolhas, apesar de essa inclusão trazer uma redefinição completa de valores familiares que foram construídos através da história, acreditam que o melhor a se fazer é ter cautela antes de tomar alguma posição sobre o assunto, para que todos possam usufruir de seus direitos, sem ferir o direito alheio. Conforme é dito por William Douglas:

Precisamos caminhar contra a homofobia e o preconceito. E também precisamos lembrar que cresce em nosso meio uma nova modalidade de preconceito e discriminação: a teofobia, a crençafobia e a fobia contra a opinião diferente – o que já vimos historicamente que não leva a bons resultados.

REFERÊNCIAS

 

DALLAS, Joe. A operação do Erro: o movimento gay cristão. São Paulo, Editora Cultura Cristã, 1998.

 

DOUGLAS, William. Dois surdos: os religiosos e o movimento gay

Disponível em:  http://williamdouglas.com.br/conteudo04.php?id=935 Acesso em 29/10/2012.

______. Homofobia, teofobia e democracia.

Disponível em: http://williamdouglas.com.br/conteudo04.php?id=944 Acesso em 29/10/2012.

FARIAS, Mariana de Oliveira. Adoção por homossexuais: a família homoparental sob o olhar da psicologia jurídica./ Mariana de Oliveira Farias, Ana Cláudia Bortolozzi Maia/ Curitiba: Juruá, 2009 – 1ª Reimpressão 2012. 

PERRY, Troy. Don’t be afraid anymore. Tradução: Nunca mais tenha medo. Nova York, St. Martin’s Press, 1990. 



[1] Aluna do Departamento de Direito do Centro Universitário UNIRG de Gurupi/TO;

[2] 2Professor Orientador do Departamento de Direito do Centro Universitário UNIRG de Gurupi/TO.