Geraldo Barboza de Carvalho

O novo povo de Deus é a multidão dos assinalados com o sangue do Cordeiro imolado e de pé, morto e ressurreto, mediante a fé. A salvação consiste em dois eventos inseparáveis: a morte de cruz e ressurreição de Jesus, duas faces do único mistério de amor. O Cordeiro imolado e de pé é, a um só tempo, Vítima de expiação e o Vivente. A morte de Jesus é por nós (em nosso lugar e em nosso favor) e representa o perdão absoluto do pecado do mundo e os pessoais. "Se um morreu por todos, todos morreram com ele. Deus vivificou-nos, nos ressuscitou com Jesus". O perdão é dom total da vida (per-donare), que invade o espaço da morte e a destrói. A ressurreição de Jesus é big-bang da vida doada em abundância a todas as coisas, a terceira e definitiva criação, mais maravilhosa que as criações intratrinitária e temporal, pois é encabeçada pelo Primogênito de toda criatura. Pela fé na ressurreição de Jesus, somos feitos criaturas novas, aptas a praticar "as boas obras que o Pai já tinha antes preparado pra que nelas andássemos" Ef 2,4.10; 1Cor,5,15. Pela fé, a ressurreição de Jesus garante a nossa. "Se não há ressurreição dos mortos, Cristo não ressuscitou. Se Cristo não ressuscitou, nós também não ressuscitamos, é vã a nossa fé e ainda estamos nos nossos pecados". A morte do Cordeiro na cruz (imolado e deitado na pedra sepulcral) representa, portanto, o perdão absoluto do pecado do mundo, o amálgama da perversidade impessoaldos pecados pessoais, configurado nas estruturas sociais, políticas, econômicas e religiosas

injustas. A ressurreição de Jesus significa que foi retomada a vida doada pelo pecado do mundo, uma vez por todas. Vida dada para destruir a morte, fruto do pecado. O reverso da morte destruída é a vida retomada, assumida pelo Primogênito de toda criatura e as novas criaturas, os assinalados com o sangue do Cordeiro imolado e de pé com eles. "Quando eu for elevado da terra (na cruz e ao céu), atrairei todos a mim. Após realizar a purificação do pecado do mundo e dos pessoais, ele foi exaltado à direita de Deus, onde vive para sempre para interceder por nós. Deus, rico em misericórdia, pelo grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos em nossos delitos, vivificou-nos e ressuscitou-nos com Cristo, e com ele nos fez assentar nos céus em Cristo Jesus. De Deus somos criaturas novas, criados em Jesus Cristo para as boas obras que o Pai já antes tinha preparado para que andássemos nelas". A ressurreição de Jesus, morto/redivivo por nós, significa as primícias da nossa, já vivida pela fé e cuja plena realização é aguardada na esperança. Nosso status ontológico é semelhante ao de Jesus antes da morte: vivemos ao mesmo tempo na carne (chrônos) e no Espírito (kairós). "Minha presente vida na carne, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim". Nas liturgias vivemos idêntica hibridez. Usamos água, pão, vinho, óleo: coisas do mundo (chrônos); mas a presença de Jesus na celebração, põe-nos de imediato na eternidade (kairós). Por isso, pela ação de Ruah em nós, nosso corpo mortal pecador pouco a pouco vai se transformando no corpo espiritual, santo e incorrutível do Cristo ressuscitado. Deus Mãe e o Pai ressuscitaram a carne desde encarnação do Filho em Maria. "Filho do homem, profetiza a respeito destes ossos secos. Diz-lhes: ouvi a palavra de Javé, ossos secos: farei que sejais penetrados pelo espírito e vivereis: vos cobrirei de tendões, farei que sejais cobertos de carne, vos revestireis de pele. Porei meu espírito em vós e revivereis. Estes ossos representam toda a casa de Israel, que está a dizer: os nossos ossos estão secos, nossa esperança, desfeita". O mesmo Espírito "foi derramado sobre toda carne morta e fez novas todas as coisas: faz anciãos sonhar e jovens ter visões. Ele renova a face da terra", desde a fecundação de Maria e a encarnação do Verbo. Ele fez um ventre de mulher gerar filho sem recorrer a homem, e do corpo desfigurado, torturado de Jesus, o "Primogênito de toda criatura", pela ressurreição. O Espírito do Ressuscitado age em nós, renovando nossas esperanças, dando vida a nossos corpos mortais. Pouco a pouco, o corpo

de pecado e morte vai dando vez ao corpo santo e vivo do Irmão Primogênito. Deus Mãe, dia a dia, vai gestando um homem novo, uma mulher nova em nós. Dia a dia, passamos de

homens e mulheres carnais a novas criaturas; renunciamos às ações carnais e praticamos ações de mulheres e homens espirituais. Não significa que estejamos desprezando o corpo, valorizando a alma. O corpo e alma pecador é carnal; o corpo e alma ressurreto é espiritual pela fé. Corpo e alma juntos constituem a substância humana unitária, indivisível. A alma não vale mais que o corpo, nem o corpo vale menos que a alma. O Verbo tomou corpo e alma humanos para valorizar nossa fragilidade pela ressurreição. Valorizou-a tanto que deu à carne status de eternidade. Deste modo, o cristão não pode menosprezar, desprezar a carne que até Deus valorizou. A vida divina nos é comunicada através de Jesus Cristo, no qual está corporalmente presente toda a plenitude da divindade. O corpo de Jesus Cristo é a nova morada, o novo céu, a shekiná de Deus Trino entre nós. "A Palavra se fez carne, fragilidade, e habita entre nós". Mas, carne não é a mesma coisas que sexo, nem pecado da carne é necessariamente pecado do sexo, nem este é o mais grave pecado. A carne abrange o corpo e a alma, o ser humano inteiro. Nosso ser todo é carnal, potencialmente pecador, frágil. Mas, a encarnação do Filho Único já é ressurreição da fragilidade humana, da carne, do corpo e alma. O pecado de Adão e Eva foi carnal, mas não do sexo: trata-se do pecado da soberba, que é falência do espírito, não do corpo. Portanto, é equivocada a equivalência entre carne e sexo, corrente na espiritualidade cristã desde a Igreja primitiva. Durante doze séculos de inculturação equivocada, povoa a mente dos cristãos e é divulgada ainda hoje como verdade de fé, a teoria que olha o ato sexual como pecaminoso. Mentalidade herdada de filosofias dualistas, combinada com uma interpretação moralista do Sl 50(51), desde os primeiros séculos da era cristã: "Piedade de mim, Javé, porque nasci no pecado, no pecado minha mãe concebeu-me". Segundo o pitagorismo, plato­nismo e neoplatonismo, a gnose e maniqueísmo a matéria, o corpo, a sexualidade, o matrimônio pertencem ao mundo do mal e das tervas e são coisas más, opostas ao mundo da luz e do bem, do espírito, da alma, da ausência do desejo sexual, da virgindade.A abstinência sexual e virgindade são o ideal de perfeição para o homem e a mulher. Sexualidade e o casamento são tolerados como males inevitáveis. Ora, esta heresia colide frontalmente com a fé judeo-cristã. Pois, a sexualidadeem si não pode ser coisa má, porque Deus criou a mulher e o homem sexua­dos, capazes de relacionamento sexual, tendo filhos ou não. E como "tudo que Deus criou é bom" (Gn 1), a sexualidade é coisa boa. Em segundo lugar, o casamento, não a virgindade, é instituição divina para toda a humanidade (Gn 1-2). A importância e grandiosidade do casamento está nele ser o símbolo da aliança do Criador com a humanidade, protótipo do Reino de Deus. "Não te perturbes: o teu Esposo é teu Criador; desposar-te-ei no direito e na justiça". Jesus revela a salvação como aliança, núpcias do Cordeiro imolado e de pé com a humanidade. A vida ideal desejada por Deus para o ser humano não é virgindade, mas casamento com relacão sexual sem pecado: "crescei, multiplicai-­vos, enchei a terra". A virgindade cristã é, antes, categoria teologal que biológica, e vale para casados e solteiros. Virgem não é o celibatário, mas quem, casado ou não, tem Deus como amor primeiro, não dividido com ídolos, com outros seres. Alguém pode ser celibatário, sexualmente impotente, e não ser virgem, porque vive sem é ética A virgindade judeu cristã é cumprimento do primeiro

mandamento do Decálogo: 'Amarás Javé teu Deus de todo teu coração, com toda tua alma, com as todas tuas forças e todo teu ser. Quem ama pai, mãe, irmãos, irmãs, esposo, esposa, filhos, propriedades mais que a mim, não é digno de mim". Esta visão ética da sexualidade colide frontalmente com a visão dualista neoplatônica, gnóstica, maniqueia adotada por St Agostinho antes da conversão, que influenciou a teologia da sexualidade negativamente. Ora, a fé judeu-cristã não é dualista, não vê o ser humano composto por partes separáveis: corpo material, ligado às trevas, ao Demônio, destinado à morte; a alma espiritual, ligada à luz, a Deus, destinada à vida eterna. A fé judeu-cristã vê o ser humano como unidade de elementos distintos, embora inseparáveis. A substância humana é uma unidade indivisível de corpo e alma. 'Nephesh'(alma em hebraico) não é a mesma que 'psychê e anima' (alma em grego e latim), considerada a essência imortal do ser humano, que sobrevive ao corpo, descartado com a morte. 'Basar' (corpo em hebraico) não é o mesmo que 'sôma e corpus' (corpo em grego e latim), considerada a parte material do ser humano, que não sobrevive à morte. A fé judeu-cristã considera heresia odualismo de essências antagônicas (luz-trevas, espírito-matéria, bem-mal) que mutila o corpo e alma, elementos constitutivos da essência humana. Mutila a alma por hipertrofia (só ela sobrevive à morte) e o corpo por atrofia (a morte o descarta). Ora, o corpo humano de carne é tão precioso que Deus o assumiu em Jesus Cristo, e a verdade básica da fé cristã é a "ressurreição da carne, não a salvação da alma sem corpo. É grosseira heresia herdada do paganismo a pregação que a salvação é da alma sem o corpo é. Esta teologia troncha nega a ressurreição da carne, a espinha dorsal da fé cristã. Porque, "Se não há ressurreição dos mortos, Cristo não ressuscitou; se Cristo não

ressuscitou, ainda estais em vossos pecados e vossa fé é vã". Este dualismo neoplatônico destrói a verdade essencial da fé cristã: a ressurreição da carne, do corpo e alma, juntos. Eles estão tão substancialmente unidos que nem a morte não os separa. O homem e mulher

inteiros, em corpo e alma, são destinados à vida ou à morte eterna. "Nephesh" é o homem e a mulher inteiros, com corpo e alma, que vivem vida ética inspirada na fé; estes são os justos pela fé, "que amam Javé seu Deus de todo o seu coração, de toda sua alma, de todo seu ser, com as todas suas forças" e que são guardados por ele pra vida eterna desde a vida terrena; são "os esclarecidos, que resplenderão como o firmamento por toda a eternidade"; são os que viveram e "ensinaram a justiça a muitos e que hão de ser por toda a eternidade como as estrelas". "Basar" é o homem e a mulher inteiros, corpo e alma, injustos, ímpios, sem-fé, que vivem e ensinam a injustiça, fazem do mundo o seu deus, são destinados "à morte, ao opróbrio eterno". Esses dois tipos de pessoas pensam e vivem valores opostos. Os primeiros, os espirituais, vivem os valores éticos; os outros são carnais e aéticos. Seus desejos são incompatíveis. "Pois a carne tem aspirações contrárias ao espírito e o espírito, contrárias à carne. Eles se opõem reciprocamente, de sorte que não fazeis o que quereis. São manifestas as obras da carne ('basar'): fornicação, libertinagem, impureza, feitiçaria, idolatria, ciúmes, discussões, ódio, rixas, discórdia, bebedeiras, orgias, inveja, divisões, ira e coisas que tais. Quem as pratica não herdará o Reino do Céu". Não há menção pejorativa à sexualidade, ao casamento, nem apologia da virgindade. Paradoxalmente a maior parte dos pecados da carne se relaciona a coisas da alma, não do corpo: feitiçaria, idolatria, ódio, rixas, discórdia, ciúmes, ira, inveja. Quem diria!? "Ora, o fruto do Espírito ('nephesh') é alegria, longanimidade, bondade, fidelidade, autodomínio, mansidão, amor, paz. Não há lei contra tais coisas, pois os que pertencem a Jesus crucificaram a carne com suas paixões e desejos". Os que "vivem a presente vida na carne com ética, pela fé no Filho de Deus, operante na caridade", que socorrem as necessidades dos irmãos, "o Rei do mundo os fará ressurgir para a vida eterna" e lhes dirá: "Vinde, benditos do meu Pai, recebei por herança o Reino, para vós preparado desde a criação do mundo. Pois eu tive fome e me destes de comer. Tive sede e destes-me de beber. Estive nu e me vestistes. Era forasteiro e doente, e me recolhestes. Preso e me visitastes. Em verdade vos digo: toda vez que fizestes essas coisas a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes". Espirituais são os que praticam obras materiais em socorro às necessidades corporais dos irmãos. Aqueles que viveram no gozo do Espírito, longe das dores do mundo, que rezaram muito e fazem nada pelos sofredores, ouvirão de Jesus palavras duras no Juízo Final: "Não vos conheço; afastai-vos de mim malditos, pois eu tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber, estive nu e não me vestistes, estive doente e prisioneiro, não me fostes ver. E irão estes pro castigo eterno, mas os justos irão pra vida eterna". O Espírito que está em Jesus nos é comunicado e nos dispõe a praticar boas obras que geram vida no mundo. Deus Mãe está em ação na nossa vida porque fomos enxertados em Jesus Cristo, pela fé na sua morte e ressurreição. O Pai e Deus Mãe, que ressuscitaram Jesus dos mortos, estão em ação, pela fé, no meu corpo de morte, transformando meu corpo carnal e mortal em corpo espiritual e vivo. Pela ação de Ruah o corpo carnal (basar), voltado pras coisas do mundo, vai-se desfazendo, e o corpo interior (nephesh), torna-se semelhante ao Ressuscitado cada dia. A ação transformadora de Deus Mãe nos faz cidadãos do infinito, membros da Família Divina. "Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas o que seremos não se manifestou ainda. Sabemos que seremos semelhantes a ele quando ele se manifestar, pois, como ele é, o veremos. Por ora, vemos como num espelho. Então veremos face a face". 'Será o dia da nossa morte, Juízo Final pessoal, que completa o desmonte do homem carnal e conclui a recriação do homem espiritual. Será o fecho do julgamento e condenação definitiva do mal do mundo em nós. "Homem infeliz sou eu, pois, quando quero fazer o bem, apresenta-se-me o mal. Quem me libertará do corpo de morte? Graças sejam dadas a Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo". Só na morte, o justo pela fé se libertará da angústia que o atormenta, da concupiscência, do veneno da Serpente alojado no fundo do seu coração, em luta mortal com o Espírito de Deus. Só no dia da morte seremos totalmente transformados segundo a imagem e semelhança de Jesus Cristo. O dia da nossa morte é o dia do nosso nascimento no kairós. "O Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos também dará vida a nossos corpos mortais". Enquanto ele não chega, a ressurreição está em processo em nosso corpo e alma de pecado (basar), mudando-o em corpo e alma deificados (nephesh). À medida que morre o corpo e alma carnal, vai nascendo nova criatura, cujos membros gerarão vida, não morte no mundo. Membros mortos para o pecado, mas vivos para servir. Tudo obra de Deus Mãe que nos habita e capacita-nos ao combate contra a concupiscência que nos tortura. Neste patamar de vida ética situa-se a virgindade teologal, para casados, solteiros, consagrados.

A Mãe de Jesus é o protótipo da virgindade teologal. Virgindade biológica é comparada à esterilidade, que é uma maldição desde os idos patriarcais. Bênção é a virgindade fecunda, inseparável da maternidade. Influenciada pelo platonismo, que põe a virgindade biológica como modelo de perfeição, a teologia cristã utilizou uma teoria filosófica, que é princípio hermenêutico, instrumento cultural de interpretação da fé judeu-cristã, como princípio de verdade e passou a exaltar a virgindade do corpo em nome da salvação da alma, a essência do ser humano que resta após a morte, segundo as filosofias dualistas. A Cúpula da Igreja, num triz, passou divulgar e exaltar a virgindade biológica em prejuízo da maternidade de Maria. Ora, desde a Igreja primitiva, a maternidade, não a virgindade de Maria foi a razão da disputa teológica entre Nestório de Antioquia e Atanásio de Alexandria, definida como dogma de fé no Concílio de Éfeso (431). Teve grande peso na definição da maternidade de Maria a veneração popular à Mãe de Jesus. Se Maria é a mãe de Jesus, e se Jesus é o Filho de Deus, Maria é Mãe de Deus: "o Santo que de ti nascer se chamará Filho de Deus". Ser Mãe de Deus (theotokos) é o maior título de Maria, pois sua maternidade é a ponte entre Deus e a humanidade, a mediação humana para a entrada do Unigênito no mundo,assim como Deus Mãe é o vículo entre o Pai e o Filho na Família Divina. Ruah é útero úbere de Deus que se instalou no útero de Maria quando da encarnação do Verbo. A fecundidade de Deus Mãe e a potência do Pai geraram o Unigênito na Trindade imanente, o Primogênito no ventre de Maria na Trindade econômica, na plenitude do tempo. "Quando a plenitude do tempo chegou, Deus enviou seu Filho ao mundo nas­cido de uma mulher. O anjo entrou no recinto onde Maria se achava e disse-lhe: "Ave cheia de graça, o Senhor é contigo. Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um Filho e lhe porás o nome de Jesus, pois salvará seu povo dos seus pecados. Ele será grande e se chamará Filho do Altíssimo. Deus Mãe (o Espírito Santo) virá sobre ti e a força de Deus Pai (o Altíssimo) te envolverá com sua sombra. Por isso, o Santo que nascer de ti se chamará Deus Filho. E o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Eis porque, ao entrar no mundo, ele diz: Não quiseste sacrifícios e oblações, mas deste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não te agradam. Então eu disse: Eis que eu venho, ó Deus, para fazer a Tua vonta­de. E foi em virtude desta vontade de Deus que temos sido santificados uma vez por todas pela oblação do corpo de Jesus Cristo" Lc 1,28-36; Mt 1,21; Hb 10,5-7.10. Oblação feita desde a fecundação de Maria por Ruah e o Pai. O Deus todo-poderoso está agora adstrito aos limites de uma célula genital fecundadae cumprirá por nove meses, o processo da gestação do feto humano, pois é igual a nós até nisto. Pois, embora "seja de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade com Deus, mas aniquilou-se, assumu a condição de escravo, assemelhando-se em tudo aos homens. Convinha, pois, que ele se tornasse em tudo semelhante a seus irmãos, pra ser o Pontífice compassivo, fiel ao serviço de Deus, capaz de expiar o pecado do povo. Por isto, por ter suportado tribulações, ele está em condições de vir em auxílio dos atribulados" Fl 2,6-7; Hb 2,17-18. A kénosis do Filho, na verdade, inicia-se na Trindade imanente e continua na Trindade econômica. No céu ele é todo dom ao Pai e a Deus Mãe: "Tudo que é meu é teu, tudo o que é teu é meu. Quando vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido. Ele me glorificará porque receberá do que é meu e vos anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isto, vos disse: ele recerá do que é meu e vos anunciará" Jo 16,13-15; 17,10. Ao entrar no mundo parido como um ser humano comum, o Primogênito valorizou maternidade da mãe casada ou solteira. A kenosis da geração do Primogênito desdobra-se nas tribulações de Maria, desde a gestação até a morte de cruz de Jesus. Pela Lei, Maria corria o risco de ser apedrejada por ser mãe solteira, matando Jesus ainda no ventre. Quando Gabriel encontrou-se com Maria, ela estava "comprometida em casamento com José" Mt 1,18. Embora ainda não coabitassem, eles eram esposos. Como Maria estava grávida e José não era o pai do menino que estava no ventre da noiva, assim que engravidou, sem nada dizer a José, ela fugiu rapidamente para Ain Karin, dar a notícia a Isabel e assisti-la nos últimos meses da gravidez de João Batista. Terminada sua estadia, retorna a Nazaré, no quarto mês de gravidez. Ao vê-la, José percebeu os primeiros sinais de gravidez, perturbou-se e planejou fugir, sem denunciá-la. Não mais casaria com ela, a deixaria enfrentar só a gravidez, o parto e a criação do filho bastardo, a inclemência da Lei com as mães solteiras. Mas, Deus se antecipou e enviou Gabriel a José para contar-lhe o que aconteceu com Maria e qual seria seu papel nesta inusitada situação: Casaria com ela, daria nome a Jesus como é costume nas famílias judias, Maria teria esposo, Jesus nasceria numa família judia padrão, teria um pai. Embora adotivo, Jesus era filho de José e Maria, pra todos os efeitos. Eis como nasceu Jesus: Sua mãe Maria estava desposada com José. Aconteceu que ela concebeu for força de Ruah, antes de coabitarem. José, homem de bem, seu esposo, sem querer difamá-la, resolveu rejeitá-la em segredo. Enquanto pensava assim, o anjo de Deus apareceu-lhe em sonhos e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber por tua esposa Maria. Pois, o que foi cocebido nela vem do Pai e de Ruah. Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque salvará seu povo dos seus pecados. E sem que a tivesse conhecido, ela deu à luz seu filho, que recebeu o nome de Jesus". Maravilha! Quando completaram-se seus dias, Maria "deu à luz seu filho primogénito e, envolvendo-o em faixas, reclinou-o num presépio; porque não havia lugar para eles na hospedaria". No dia da purificação de Maria e Jesus, Simeão profetizou as tribulações da Mãe e do Filho. "Quando completaram-se os dias pra sua puficiação, segundo a lei de Moisés, o levaram a Jerusalém, a fim de apresentá-lo ao Senhor. Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe: Eis que este menino foi colocado pra queda e soerguimento de muitos em Israel, sinal de contradição, para que se revelem os pensamentos íntimos de muitos corações. Quanto a ti, uma espada transpassará a tua alma. A visita dos reis magos a Jesus provocu a perseguição de Herodes, que obrigou o casal a fugir para o Egito com o menino". Quando atingiu os 12 anos, a maioridade, Jesus, dono dos seus atos, sem aviso, separa-se dos pais em Jerusalém, vai aos doutores e discute com eles de igaul pra igual. "Seus pais o encontraram três dias depois no Templo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e interrogando-os; todos que o ouviam ficavam extasiados com sua inteligência e respostas. Ao vê-lo, ficaram surpresos, sua mãe disse-lhe: Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te procurávamos. Ele respondeu: Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa do meu Pai? Mas, eles não entenderam o que que lhes disse" Lc 2,2-23.34-35.46-50.

É, pois, notável que os textos bíblicos não relevam a virgindade, mas a maternidade de Maria. Para a fé judeu-cristã, virgindade é categoria teológica, não biológica. As mulheres judias odeiam a virgindade biológica, considerada maldição: bênção é ser mãe. Por isto, o AT e NT trazem cinematográficas his­tórias de maternidade, como a das estéreis e idosas Sara, mãe de Isaac, Ana mãe de Sansão, Ana mãe de Samuel, Isabel mãe de João Batista e a inédita maternidade da Mãe de Jesus, no qual "habita corporalmente toda a plenitude da divindade". Como categoria teológica, a virgindade consiste no cumprimento do primeiro mandamento do Decálogo: "Amarás Javé teu Deus de todo teu coração, com toda tua alma e todo o teu espírito, com todas as tuas forças" Dt 6,6. Amar Deus com amor exclusivo é a virgindade para o homem e a mulher, casados ou solteiros. Prostituição é dividir o coração com os ídolos, amar as coisas criadas mais que Deus. Coração dividido torna-se idólatra. Idolatria é a prostituição que ofende Javé,muito mais que a prostituição biológica. Maria é virgem porque tem fé absoluta, não porque não tenha tido relações sexuais. Ela estava em comunhão tão íntima com Javé, seu coração estava tão pleno da fé e amor a Deus, que Gabriel a saudou chamando-a "a cheia de graça", plena da presença vivificante de Ruah e do Pai. E por estar prenha de Deus, de imediato se tornou Mãe de Deus e por isto, virgem: virgem porque mãe. Na ordem da fé, maternidade é condição para a virgindade. É notável que Jesus não dava importância a muitas mulheres serem prostitutas, adúlteras, amigadas, mas foi duríssimo com os doutores da Lei e fariseus, que ostentavam a santidade da letra, não do espírito compassivo da Lei. Em nome da lei, humilhavam os pobres e pecadores. Jesus os chamava de geração má, raça de víbora, incircuncisos. Sinal de pertença exclusiva a Javé pela fé, a circuncisão virou ritual vazio. Os profetas martelavam sobre o espírito da cricuncisão. "Circuncidai-vos pra Javé, tirai o prepúcio do vosso coração. Javé teu Deus circuncidará o teu coração e o da tua descendência, para que ames teu Deus com todo o teu coração e com toda a tua alma, e vivas" Dt 30, 6; Jr 4,4. A virgindade que agrada Javé é o coração reto e vida ética de solteiros e casados, não a virgindade biológica. Os fariseus e doutores eram idólatras porque não cumpriam o espírito da Lei, que os faria virgem pela fé em Javé. Ser virgem de coração é o ideal de quem crê, não a estéril virgindade biológica que era o terror das mulheres judias, sinal de maldição, não da benção da maternidade e da virgindade teologal, mediante a fé. Ser mãe era o sonho da mulher judia, sinal da bênção de Javé para o povo hebreu. Deve ter sido grande a alegaria de Maria ao saber que seria mãe. Ainda mais, a mãe do Redentor da humanidade. Por isso, nada impede que tenha tido outros filhos com José, além de Jesus. Eram casados e tinham direito e o dever de gerarem filhos. O casamento é instituição universal da humanade abençoada pelo Criador. Gerando filhos, o casal tem certeza que sua união é abençoada. Daí, ter outros filhos com José, em vez de diminuir, exalta a materrnidade de Maria. Jamais seria vergonhoso ser mãe, mas ser vir­gem estéril. Por isso, o NT e a Igreja primitiva exaltam a maternidade, não a virgindade de Maria. O culto à virgindade na Igreja não tem origem revelada, mas cultural. O maior título de Maria é ser Mãe de Jesus e nossa, não Virgem Maria. A Igreja primitva e o NT, ao exaltarem a maternidade de Maria, mostram respeito pela mulher e dignidade por igual da mãe casada ou solteira. A fecundidade da mulher a torna semelhante a Deus. Por isso, a maternidade, que se origina no mistério da Família Trinitária, é dom divino merecedor da maior veneração. É tão maravilhoso ser mãe que o Deus do céu quis ter uma mãe na terra.