A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS NOS PROGRAMAS DE TELEVISÃO: uma análise acerca da problemática identificação de plágio nos formatos televisivos.

 

Ana Carolina Gragnanin

Marynelle Leite

 

 

 

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 USURPAÇÃO DE NOME OU PSEUDÔNIMO ALHEIO; 2 CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL; 2.1 Formas Qualificadas (parágrafos 1°, 2° e 3° do art. 184); 2.2 Quadrilha, Concorrência Desleal e Enriquecimento Sem Causa; 3 VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS EM PROGRAMAS DE TELEVISÃO; 3.1 A disputa por audiência; 3.2 O que são formatos?; 3.3 O registro na Biblioteca Nacional; 3.4 A dificuldade de proteção dos formatos; 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.

 

 

RESUMO

O presente trabalho aborda a questão dos direitos autorais nos programas de televisão, tendo em vista a problemática existente em se tipificar a conduta por violação dos direitos de autor quando se trata da adaptação dos formatos televisivos. Para tanto, é feita uma análise geral acerca da tutela penal de proteção aos direitos de autoria, presentes no art. 184 e no revogado art. 185. Logo após, são examinadas as peculiaridades dos formatos de televisão, bem como as dificuldades existentes para a sua conceituação.

Palavras-Chave: Propriedade Intelectual. Violação de Direito Autoral. Programas de Televisão.

 

INTRODUÇÃO

 

            A Lei n° 10.695/93 introduziu importantes modificações no artigo 184 e nos parágrafos 1°, 2° e 3° – além de acrescentar o parágrafo 4° –, que dispõem sobre a violação aos direitos autorais. Com isso, não só acrescentou-se novas figuras típicas, como também deu-se uma maior amplitude àquelas que já existiam, de modo a melhor conceituar e detalhar a tutela jurisdicional dos direitos de autor.  

            As obras artísticas e literárias possuem suas subdivisões e peculiaridades. A proteção dos formatos de televisão, sobretudo, apresenta-se confusa e inconstante, principalmente devido às divergências acerca da natureza do formato. Tais divergências possuem grande influência nas jurisprudências, que transparecem a existência de decisões bastante heterogêneas.

            O presente trabalho, partindo de uma visão geral acerca das noções fundamentais da violação dos direitos autorais, analisa os desdobramentos da concepção de formato televisivo, buscando compreender o seu conceito e a partir de quais requisitos eles devem se pautar a fim de que os seus direitos de autor sejam protegidos. 

            Para a consecução deste objetivo, buscou-se a realização de uma pesquisa bibliográfica pautada em diferentes autores que se destacam na área penal, para que, assim, fosse obtida uma visão crítica e diferenciada acerca não só da violação dos direitos autorais, mas principalmente da grande dificuldade existente em se tipificar a conduta de plágio no que tange aos formatos de programas televisivos.

 

1                    USURPAÇÃO DE NOME OU PSEUDÔNIMO ALHEIO

 

O nome, obrigatoriedade que individualiza as pessoas ao nascerem, é passível de usurpação, dando-se à pessoa lesada o direito de promover a sua defesa. Se ao nome for dada uma identificação especial para o comércio, tem-se um nome comercial. Segundo Pimenta (2005, p. 260), “o nome civil adquirido com o nascimento, com o seu caráter moral, é inalienável; já o nome comercial admite a transmissibilidade como valor.”.

Já o pseudônimo é um nome suposto ou inventado – utilizado tanto por pessoas físicas como por pessoas jurídicas – que atua como o nome comercial, individualizando ou ocultando a pessoa em sua manifestação intelectual. Devido ao seu caráter personalíssimo, o pseudônimo é protegido da mesma forma que o nome. Apesar de não poder ser registrado como marca de um autor, ele pode fazer parte do registro de uma obra publicada (revestindo-se de direitos autorais patrimoniais).

O artigo 185, que tratava sobre o crime de usurpação, foi revogado pelo art. 4° da Lei 10.695/03, pois se considera que a tipicidade foi absorvida pelo caput do art. 184. De acordo com Pimenta (2005, p. 261), “na usurpação, o objeto jurídico é o mesmo da violação de direitos autorais, isto é, o direito de autor e os que lhe são conexos, porém incidindo sobre a prerrogativa de moral do criador. Assim como o objeto material também é a obra intelectual.”.

2                    CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL

 

            A natureza jurídica do direito autoral é uma questão controversa e, nesse aspecto, se destacam três correntes doutrinárias. Para a primeira, o direito autoral é direito de propriedade (Escola Francesa); para a segunda, trata-se de direito de personalidade (Kant); já para a terceira, constitui direito sui generis. A partir disso, Prado (2004, p. 63) entende como prevalente o último posicionamento, visto que o direito autoral engloba interesses vários – como o direito de publicação e o interesse patrimonial e moral.

Nesse mesmo sentido, a Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) os definiu como sendo bens móveis que, simultaneamente, possuem elementos de direito pessoal (moral; abstrato) e de direito real (patrimonial; concreto). Sendo assim, o direito autoral não pode ser entendido como uma propriedade, mas sim como um direito intelectual – razão pela qual o legislador colocou as violações a esse direito entre os crimes contra a propriedade imaterial.

            O conceito do crime de violação de direito autoral está disposto no caput do art. 184, que diz: “Violar direito de autor e os que lhe são conexos: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”. Cabe salientar que essa redação foi dada pela Lei 10.695/03, que não só introduziu importantes modificações no texto do artigo 184 e nos parágrafos 1°, 2° e 3°, como também acrescentou o parágrafo 4°.

Em sua qualificação doutrinária, trata-se, de acordo com Damásio (2007), de crime de merda conduta (pois não há nenhum efeito do comportamento); comum (pode ser praticado por qualquer pessoa); simples (porque ofende somente a objetividade jurídica, que é a propriedade intelectual); formal (nos §§ 1° a 3°); e instantâneo (exceto nas modalidades “expor à venda”, “ter em depósito” e “ocultar”, do § 2°, e “oferecer ao público”, do § 3°).

Com relação à objetividade jurídica, os direitos autorais são aqueles que o criador detém sobre sua obra, fruto de sua criação, e os que lhe são conexos. Como já foi mencionado, os direitos de autor incluem os interesses econômicos e morais. Já os direitos conexos são aqueles pertencentes aos “(...) intérpretes ou executantes da obra literária ou artística, produtores fonográficos e empresas de radiofusão” (MIRABETE, 2005, p. 374). Nesse mister é importante destacar que são excluídas de proteção as criações imorais e obscenas “(...) que, por sua natureza, constituiriam um estorvo ao progresso ou um monopólio danoso à coletividade” (PIERANGELI, 2005, p. 639). Considera-se que, nesse caso, a finalidade pornográfica demonstra a ausência manifesta de intenção artística.

O sujeito ativo do crime em comento é qualquer pessoa que viole o direito autoral de outrem – sendo admitida a possibilidade de concurso de agentes. Já o sujeito passivo é o autor da obra, seus herdeiros ou sucessores. Juntamente com o autor, poderão também ser vítimas os artistas intérpretes ou executantes e os produtores. A pessoa jurídica, figurando como cessionária ou sucessora, poderá ser titular de direitos autorais, sendo necessário para tanto que se demonstre, por contrato ou outro meio, o consentimento do autor (que deve ser uma pessoa física).

 Em se tratando da tipicidade objetiva, o verbo núcleo do tipo é “violar” (infringir, ofender, transgredir). É imprescindível, para a caracterização do crime, que a obra seja original, independentemente do seu mérito (se é boa, má, útil, elegante, etc.) – salvo, como já foi dito, se for pornográfica ou obscena. Entretanto, não se exige que a mesma seja inédita. O art. 184 é uma norma penal em branco (já que não define o que vem a ser direitos de autor) devendo, portanto, ser complementada por outra norma que, nesse caso, é a Lei 9.610/98. Esta define que os direitos do autor abrangem as obras literárias, científicas e artísticas.

A tipicidade subjetiva é composta pelo dolo (direito ou eventual), em que há a consciência e a vontade de violar direitos autorais e os que lhe são conexos. Para Mirabete (2005), o elemento subjetivo do injusto (dolo específico), que é o intuito de lucro (direto ou indireto), é imprescindível para a caracterização dos crimes previstos nos §§ 1°, 2° e 3° do art. 184 – de modo que ele só não é exigido quando a conduta praticada for aquela descrita no caput do artigo. Entretanto, com relação aos três parágrafos mencionados, Pierangeli (2005, p. 645), afirma não ser exigido o dolo específico, pois se a conduta possuir um fim de lucro, “(...) requerido fica expressamente o elemento subjetivo do tipo.”.

Cabe destacar que na ocorrência de erro de tipo (quando, por exemplo, o agente erra ao supor que a obra já caiu no domínio público) o dolo é afastado. Segundo Pimenta (2005, p. 48), “o domínio público pressupõe a permissibilidade de uso da obra intelectual por qualquer um, desde que não deturpe a obra ou viole as atribuições morais do autor que são perpétuas.”. A obra torna-se de domínio público setenta anos após a morte do autor, a contar do dia 1° de janeiro do ano subsequente ao falecimento.

A tentativa, em princípio, é admissível. No que se refere à consumação, no tipo fundamental, Prado (2004, p. 70) diz que:

“O delito se consuma com a publicação abusiva (sendo irrelevante o número de exemplares editados de uma só vez); com a exposição ao público (na hipótese de obra de arte), ou, ainda, com a execução ou representação, independentemente de qualquer proveito ou benefício para o agente”.

           

            A ação penal (sobre a qual se trata artigo 186) será privada quando o crime cometido for o previsto pelo caput do art. 184. Todavia, ela será pública incondicionada nos casos dos §§ 1° e 2° e quando a conduta praticada tiver sido em desfavor de entidade de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou fundação instituída pelo Poder Público. Na ocorrência da hipótese do § 3°, a ação será pública condicionada à representação.

2.1  Formas Qualificadas (parágrafos 1°, 2° e 3° do art. 184)

 

Para que seja caracterizada a Reprodução ilegal (art. 184, § 1°) – cuja pena é de reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa – é necessária a presença do dolo e do especial motivo de agir (elemento subjetivo do injusto), ou seja, além da consciência e da vontade de violar o direito autoral, é preciso haver a finalidade de auferir (direta ou indiretamente) proveito econômico desses bens e de afetar o direito patrimonial da vítima.  

Se ausente o fim lucrativo, a ação poderá ser atípica ou se enquadrar no caput do art. 184 – obviamente que se o agente tiver uma autorização para reprodução a conduta não será ilícita. Desse modo, a expressão “sem autorização expressa do autor” se trata de uma elementar normativa. Deve-se destacar que o fato da obra não possuir registro não implica que a ação seja lícita, pois o direito autoral surge com a criação da obra, e não com o seu registro.  Aqui (§ 1°) a tentativa é admissível e a consumação se dá mediante reprodução ilegal com intuito de lucro direto ou indireto, ainda que posteriormente não ocorra venda.

No caso da utilização não-autorizada (art. 184, § 2°) – mesma pena do § 1° –, Prado (2004) afirma ser punido tanto a utilização não autorizada de original ou cópia que foi reproduzida com violação de direito do autor ou conexo, quanto o aluguel de original ou cópia sem a devida autorização daquele que detém o direito (autor ou representantes). Assim como ocorre com a reprodução ilegal, a utilização não-autorizada compõe-se pelo dolo (direto ou eventual) e pelo especial fim de agir (intuito lucrativo). A tentativa é admissível e a consumação se dá:

“(...) com a efetiva distribuição, venda, locação, aquisição (crimes de resultado); com o depósito ou exposição à venda (delitos permanentes) ou com a ocultação ou introdução no País de obra intelectual ou fonograma produzidos com violação de direito autoral (delitos de merda atividade)”. (IDEM, p. 75)

Com relação à última qualificadora do crime de violação autoral, oferecimento ao público (art. 184, § 3°), é importante salientar que, assim como a expressão “com violação do direito de autor”, o termo “sem autorização”, presente no referido parágrafo, é um elemento normativo – cuja ausência torna a conduta atípica e permitida – que dá margem a uma possível causa de justificação. Assim, esse tipo penal não se configura se houver o consentimento do interessado. Do mesmo modo que nos parágrafos anteriores, trata-se de uma conduta composta pelo dolo e pelo elemento subjetivo do injusto. A tentativa é possível e a consumação se dá com o simples oferecimento ao público (configurando, assim, um delito de mera atividade).

O parágrafo 4° do art. 184, incluso pela Lei 10.695/03, não constitui uma qualificadora, mas sim uma limitação. Esta determina que o disposto nos parágrafos anteriores não é aplicável nas hipóteses de exceções ou limitações legais ao direito de autor e conexos, e de cópia única para uso privado e sem intuito de lucro. Sobre essa limitação, Mirabete (2005, p. 377) a considera desnecessária, “(...) uma vez que se há exceção ou limitação legal ao direito do autor, não ocorre sua violação, sendo ademais o fim do lucro expressamente previsto nos parágrafos anteriores como elemento do tipo.”.

2.2 Quadrilha, Concorrência Desleal e Enriquecimento Sem Causa

No crime disposto no artigo 184 há a possibilidade de formação de quadrilha – caracterizada pela união de pelo menos quatro pessoas, por tempo limitado, para a prática de violação de direitos autorais. No caso em questão,

“(...) há de ter um número certo de reproduções de uma obra intelectual, em um suporte, descaracterizando por isso a união permanente para uma série de atos contra diversas obras e/ou diversos tipos de suporte, tal como ocorre na organização criminosa, que não determina a quantidade e nem qual o suporte em que ilicitamente reproduzirá”. (PIMENTA, 2005, p. 242)

Na violação de direitos autorais é possível também o surgimento de concorrência desleal (em que há a transgressão do direito ao correto consumo e à livre e honesta liberdade de competir) contra o produtor de produtos originais, causando a ele prejuízos e desvio de clientela através de artifícios fraudulentos. Estes, que tipificam a concorrência desleal, encontram-se dispostos no art. 195 da Lei 9.279/96. A responsabilidade se dá com base no princípio da responsabilidade por culpa.

“Notoriamente, na concorrência desleal, verifica-se o dano ou o perigo do dano patrimonial ao concorrente (...). O concorrente que age com deslealdade procura, sempre, locupletar-se com o esforço alheio, gozando de credibilidade, confiabilidade e respeito de outrem que no comércio age com lealdade”. (IDEM, p. 249)

Não se pode deixar de mencionar, nesse sentido, a possibilidade de ocorrência de enriquecimento sem causa na violação de direito autoral. O que se condena, na realidade, não é o enriquecimento à custa de outra pessoa, mas sim quando esse enriquecimento é proveniente de atos ilícitos (como, por exemplo, o uso de obra intelectual alheia sem a devida autorização), ou seja, sem justa causa.

3                    VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS EM PROGRAMAS DE TELEVISÃO

 

3.1 A disputa por audiência

           

            Há variadas espécies de conteúdos que compõem os programas de televisão, ou feitos especialmente para a televisão. Esses programas podem ser de cunho documental, informativo, anúncios publicitários, de entretenimento e ficcionais, sendo grandes alvos da tutela jurisdicional.

            Na busca desenfreada por elevar os níveis de audiência, cada vez mais as emissoras de televisão têm ensejado o monopólio dos formatos de programas televisivos fundamentando com base na proteção jurisdicional dos direitos autorais.

            Desses modelos, os formatos de telefilmes ou informativos pouco enfrentam problemas em brigas judiciais com relação à sua exibição. Em contrapartida, os de entretenimento parecem ser os prediletos quando se trata de disputas jurisdicionais pelo monopólio de sua exibição.

            Eliane Y. Abrão (p. 108-109, 2002) comenta que em um passado relativamente recente, a briga entre as emissoras ocorriam pela busca dos melhores profissionais, os que melhor atraíam o público, seja por seu carisma, profissionalismo ou a capacidade de conquistar a maior parcela de telespectadores. No entanto, a programação das emissoras eram bastante semelhantes. A autora afirma que, com o tempo, fora abandonado o conflito pela busca de melhores profissionais, o substituindo pela disputa de monopólio dos formatos, alegando-se os direitos autorais.

            O conflito substituiu a convivência pacífica entre as emissoras de televisão, que atualmente buscam apropriar-se dos formatos televisivos, mantendo apenas para si a parcela de audiência trazida pelo público atraído pela fórmula. Essa corrida pela “propriedade intelectual” impulsionou emissoras de televisão, produtores e comunicadores a registrarem seus formatos, visando, assim, proteger o que acreditam se tratar de direito autoral e manter para si o monopólio dos seus projetos.

            Os Reality shows e Quiz Shows são formatos testados no mundo todo e é uma indústria que tem movimentado milhões de dólares. Muitas emissoras optam pelo licenciamento de programas já testados internacionalmente, o que pode ser facilmente comprovado com as diversas adaptações de programas como Big Brother e American Idol. Esses programas apresentam participação do público, o que aumenta a carga de audiência e propaganda, valorizando ainda mais os seus formatos.

            Mas, claro, nessa indústria milionária, há quem opte por adaptações semelhantes dos formatos, em vez pagar os licenciamentos, se tornando seus concorrentes. E são essas adaptações que incitam tantas brigas judiciais, pois vão de encontro com os interesses de produtores e licenciados.

 

3.2 O que são formatos?

 

            Eliane Y. Abrão (p. 108, 2002) define formatos como: “Formato é a estrutura, a formulação, o arcabouço, a lógica funcional, com que o jargão televisivo define um tipo de programa. Do ponto de vista jurídico, situa-se entre a ideia e o método.” Isto é, o formato é um modelo que antecede à exteriorização do projeto, que é o programa em si e o método pelo qual ele será aplicado, e sucede o projeto. O projeto está ainda no campo das ideias, é ainda o pensamento do espírito criador, ainda sem a forma definida e passível de modificações. Ainda abstrato.

            Para que fique melhor de compreender o que é um formato televisivo, suponha-se um programa de auditório, com um casal de apresentadores entrevistando dois ou mais profissionais de determinada área em foque, com a participação do público fazendo perguntas aos profissionais. Isso é um formato. Nada obsta que outras emissoras de televisão criem programas com o mesmo formato ou semelhante. Está no campo das ideias, o que o torna muito abstrato e complicado de decidir se o formato é ou não passível de tutela jurisdicional com base nos direitos autorais.

            Desse modo, pode ser dito que formato é um conjunto de elementos, informações e características que o programa de televisão irá obedecer; é a totalidade que irá tornar possível a adaptação do programa à televisão. O formato é, portanto, um modelo passível de transformações e bastante inconsistente, pois pode haver variações desses elementos quando da adaptação de programas semelhantes. Como já dito anteriormente, o formato apresenta-se muito abstrato, pois, embora os elementos definidos sejam capazes de diferenciar o formato dos demais presentes no mercado, ele não é capaz de substanciar exatamente o programa.

            Os formatos apresentados em Reality Shows, por exemplo, fundamentam-se na ideia de isolar um determinado número de pessoas em um local e observá-las. Entretanto, as condições nas quais as pessoas serão submetidas, o número de participantes, a forma de eliminação, todos esses serão elementos secundários que servem para diferenciar um programa de outro, mesmo que sejam embasados todos em uma mesma ideia central. Isto é, partem de um mesmo modelo, mas a modificação de algumas características e elementos irá resultar em um novo formato. Daí a definição de inconstância dos formatos.

 

 

3.3 O registro na Biblioteca Nacional

           

            Na tentativa de ter protegidos os seus direitos na tutela jurisdicional sobre os direitos autorais, garantindo, assim, o monopólio pelo formato criado, produtores recorrem à Fundação Biblioteca Nacional, seguindo todos os requisitos de registro seguidos por outras obras, como as literárias e musicais.

            O registro de obras na Biblioteca Nacional permite a proteção dos direitos do autor, sejam eles patrimoniais ou morais, para si e seus sucessores. Através desse registro, comprova-se a titularidade da criação, mantendo a obra em depósito legal, servindo, inclusive, para a preservação das obras para a posteridade.

            O registro na Fundação Biblioteca Nacional pode ser feito em pessoa, na sede do Escritório de Direitos Autorais (EDA/BN), no Rio de Janeiro, por procuração ou via Correio. É necessário o pagamento de uma taxa para cópias e demais despesas com o registro e o envio de documentos do autor – e do procurador, no caso de registro via procuração – juntos de cópia da obra a que se requere o registro.

            O problema encontrado no registro de formatos de televisão é que estes não possuem uma conceituação clara, sendo considerados, em geral, como projetos intermediários, ficando entre o campo das ideias e o método. Por um lado, defende-se a proteção dos formatos, tendo em vista que somente os titulares dos direitos devem lucrar por suas criações, sendo injusto que terceiros tenham enriquecimento sem causa por conta de cópias feitas de outros programas de televisão após atestado o sucesso do primeiro. Por outro lado, defende-se o direito dos telespectadores de possuírem outras possibilidades, pois, com a concorrência, tende-se a buscar melhorias nos formatos de televisão, aperfeiçoando-os, o que resultaria em positivo aos telespectadores.

            Ainda, defende-se que a impossibilidade de proteção dos direitos autorais sobre os programas de televisão são devidos à forte inconstância dos formatos. Por outro lado, há quem defenda que essa briga toda só prejudica os telespectadores, haja vista que perde-se a concorrência sadia entre as emissoras e aqueles fiquem, cada vez mais, em meio ao fogo cruzado pela audiência.

            As correntes que defendem a proteção dos formatos de televisão fundamentam-se, principalmente, em três institutos essenciais: 1) Direitos Autorais; 2) Concorrência desleal; e 3) Direito contratual (ANDRADE, p. 8, 2005). Há, portanto, um intenso problema aos tribunais, que necessitam um exame detido, a fim de poder decidir com relação a isso, apresentando ora decisões favoráveis, ora desfavoráveis.

3.4 A dificuldade de proteção dos formatos

 

            A proteção dos formatos de programas de televisão, como já foi mencionado anteriormente, é bastante difícil de ser tutelada, tendo em vista os motivos já explicitados, como, por exemplo, a carga abstrata do conceito de formato. A Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) em seus Art. 7º e 8º regulam que:     

“Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; (...) XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. (...)

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

I - as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais”;

            Em uma primeira leitura dos artigos citados acima, tem-se a impressão de que a lei se contradiz, pois, quando no art. 7º, caput, credita a obras intelectuais protegidas as “criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte”, já no art. 8º o legislador afirma que ideias, métodos ou projetos não são objetos de tutela jurisdicional com base nos direitos autorais.

            Ora, o legislador é claro ao dizer que ideia e projetos não serão objetos de proteção de direitos autorais. Os formatos são um ponto intermediário entre a ideia (não tutelado jurisdicionalmente) e a aplicação concreta (que é passível de proteção). E é exatamente neste ponto que incide o problema: os formatos televisivos devem ser protegidos, mesmo em se tratando de um modelo aproximado de projetos, ou não?

            Já fora mencionado anteriormente toda a discussão que gira em torno dessa problemática, bem como as correntes que defendem um e outro lado. Na tentativa de enquadrar os formatos na proteção de obras literárias, tem os produtores e criadores transformado esses projetos em trabalhos escritos, o mais detalhado possível nos seus elementos constitutivos, mas, ainda assim, a tutela dos direitos autorais para os programas de televisão tem suscitado decisões bastante variadas, como se verá mais à frente quando for apresentado casos de jurisprudência.

            Essa dificuldade em transformar o projeto em roteiro detalhado, em seus elementos constitutivos, se apresenta ainda maior quando se trata dos programas chamados Reality Shows, isto porque esse tipo de formato não possui um roteiro a ser seguido. Os desdobramentos do programa se dão de acordo com a observação dos participantes enclausurados. Não seguem a um roteiro fixado.

            Além disso, apresenta-se, sobretudo, a dificuldade que há na tipificação da conduta. Para ter sua tutela concedida, é imperioso que o autor da ação comprove ser o criador da obra em questão – e por isso o registro na Fundação Biblioteca Nacional se faz tão necessário – e que, de alguma forma, seus direitos enquanto autor foram infringidos.

            Ocorre que esses dois requisitos são necessários e cumulativos, de modo que, em júri, pode-se considerar que, ou a obra não sofreu violação, ou que não poderia ser considerado que o projeto possui elementos suficientes que o caracterizem como obra passível de direito autoral. Ainda, pode-se usar para a comprovação de violação, elementos característicos do formato em questão, como bordões utilizados por seus apresentadores ou a decoração aproximada do espaço físico original.

            E uma das problemáticas na comprovação da violação é exatamente a ausência de elementos suficientes para a caracterização de plágio. É claro que, quando da adaptação, o usurpador não irá utilizar todos os elementos do programa original, o que torna a comprovação da ocorrência de cópia, no mínimo, escorregadia.

            Desse modo, o intenso detalhamento das características do formato original que, por um lado, é necessário para caracterizar uma obra titular de proteção autoral, por outro resulta em prejuízo para a mesma, já que tantos detalhes acabam por diferenciar os programas similares. A decisão fica a cargo do juiz, que deve comparar os dois programas e analisar se os elementos apresentados em um decorrem do outro, sendo capaz de diferenciar o que é original e o que é inovação, bem como se os programas similares podem ser considerados violação do direito autoral.

4                    JURISPRUDÊNCIAS

 

            Os tribunais brasileiros têm se mostrado bastante abertos com relação à tutela jurisdicional dos direitos autorais no que tange aos formatos de programas de televisão. Abertos, mas nem por isso homogêneos. Pelo contrário, a jurisprudência brasileira apresenta uma verdadeira miscelânea de decisões e compreensões por parte dos juízes concernentes aos direitos autorais sobre os programas de televisão.

            Ora julga-se procedente o pedido, ora improcedente. Sempre suscitando recursos por parte dos perdedores e bastante divergência de concepções. Um exemplo disso foi a propositura da ação por parte de José Bráz de Lima contra a emissora de televisão SBT.

            Segundo o autor, ele teria criado um projeto de programa no qual um Reality Show retrataria de forma irreverente a corrida para emagrecer dos obesos, de modo que este seria um dos requisitos de eliminação. Bem, o autor teria enviado seu projeto a duas emissoras de televisão: Rede Globo e SBT. A primeira teria manifestado prontamente seu desinteresse com relação ao programa, enquanto a segunda teria copiado, logo depois, o programa nos mesmos moldes do projeto do autor, intitulado por O Grande Perdedor. O autor pedira tutela antecipada solicitando a suspensão da veiculação do programa.

            O programa em questão apresenta um determinado grupo de pessoas obesas que, no decorrer do programa, fazem de tudo para emagrecer. Os participantes fazem variados tipos de dietas, exercícios e participam de gincanas. No final da semana é feita uma pesagem e o grupo que tiver conseguido perder mais peso consegue a imunidade da semana, enquanto o grupo que perde menos peso é obrigado a indicar alguém dos seus para a berlinda. O prêmio era de duzentos mil reais.

            Outras duas pessoas ingressaram na ação, dizendo-se o verdadeiro criador do formato do Reality Show. O Sistema Brasileiro de Televisão se defendeu das acusações alegando o licenciamento do formato do programa The Biggest Loser junto à empresa americana Reveille LBC, tendo-o adaptado aos padrões brasileiros.

            A juíza indeferiu o pedido, considerando que o formato não possui os quesitos de obra literária e que, somente porque os três indivíduos registraram um programa parecido com um já existente nos Estados Unidos, o qual fora licenciado pela emissora, não quer dizer que devam receber direitos autorais por conta da adaptação do formato.

            Levou-se em conta, ainda, que os programas de Reality Show não seguem um roteiro predeterminado e que

“(...) o formato de um programa de televisão, enquanto não divulgado por qualquer meio, ou fixado em qualquer suporte, não tem a proteção da lei brasileira, por ser apenas uma ideia; mas a partir do momento em que é divulgado, ou fixado por qualquer meio, passa a ser uma criação do espírito. Logo, tratando-se, na espécie, de meros formatos ou molduras, e nesses audiovisuais de conteúdo incerto, nos quais o assunto vai se formando com as interações e conflitos decorrentes, nem sequer se pode dizer que um repita o outro, ou seja, que os próximos programas O Grande Perdedor repetirão o primeiro.”

                Outro caso interessante ocorreu entre a Rede Globo e o SBT. A empresa responsável pelo licenciamento do programa Big Brother, a holandesa Endemol, teria entrado em negociação com o SBT, mas esta acabara por não fechar contrato. Logo depois, a Endemol fechou contrato com a Rede Globo, que terminou por licenciar a exibição do programa.

            O SBT adaptou logo depois para a televisão brasileira o programa intitulado Casa dos Artistas, que seguia os mesmos moldes do Big Brother, quando este ainda nem ganhara sua versão brasileira. A justiça entendeu que a adaptação Casa dos Artistas se tratava de plágio, tendo sido proibida sua exibição e o SBT condenado a pagar indenizações milionárias, tanto à Endemol quanto à Rede Globo.

            Na sentença, o juiz ressalta que a legislação brasileira não protege as ideias quando destas no campo subjetivo. Entretanto, o caso em questão apresenta a fase concreta da idéia: o programa em si. Ao julgar procedente o pedido de direitos autorais sobre o formato de televisão, entendeu o magistrado que este merece proteção dos direitos autorais, tendo em vista se tratar não mais de projetos, mas sim de obras propriamente ditas.

            Um terceiro caso a ser analisado traz a condenação de uma afiliada da Rede Globo, a TV Vanguarda Paulista. Esta teria se interessado pelo programa Conversa de Botequim, mas não conseguira comprar o formato.

            O pedido se baseou no princípio da anterioridade, visto que nenhum dos dois possuía registro, e os donos do programa tentaram primeiramente as vias extrajudiciais. No entanto, nenhuma das providências tomadas lograram êxito, fazendo com que os produtores ingressassem com uma ação contra a TV Vanguarda.

            Ao se comparar os dois programas, Conversa de Botequim e Boteco de Vanguarda, o magistrado entendera que ambos os programas atendiam aos mesmos critérios, sendo iguais em elementos, características e, inclusive, espaço físico, que se baseia em uma mesa de boteco, com três apresentadores conversando com convidados. A TV Vanguarda foi, assim, condenada por plagiar o programa Conversa de Botequim. Para que o juiz pudesse chegar a uma decisão, fora submetido os dois programas a laudo pericial, a fim de comprovar a ocorrência de plágio. Segundo o magistrado, o laudo foi decisivo.

“O laudo pericial não poderia haver sido mais conclusivo acerca da utilização indevida pela ré do formato de programa televisivo criado pelos autores. A par da similitude nos nomes, ambos traduzem conversações com postura informal, personalidades entrevistadas e aparência descontraída de um botequim (fls.267). Ademais, apresentado o parecer técnico divergente da profissional contratada pela requerida, a complementação do laudo e resposta às críticas foi ainda mais incisiva, evidenciando não apenas que os programas se sustentam em pilares idênticos, como ainda se apoiam em identidade de imagens capaz de apresentar ao leigo um programa como sendo o outro (327/328). Em suma, a análise dos elementos constantes dos autos deixa claro que, além da inexistência de outros programas com o mesmo formato na grade nacional, aquele criado pelos requerentes possui características estruturais bastante marcantes que, como se percebeu sem dificuldade, foram diretamente utilizadas pela requerida para a criação de sua atração televisiva”.

 

            Ainda que o Conversa de Botequim não possuísse registro, foi considerado o fato de ter sido o primeiro a ser veiculado. Ademais, se considerou as diversas similitudes entres ambos os programas e, embora em se tratando de um formato, o magistrado levou em conta o fato de se tratar da ideia em concreto. Isto é, a concretização do programa. A decisão ainda cabe recurso.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Pôde-se observar que a problemática dos direitos autorais sobre os programas de televisão é bastante complicada de ser resolvida. Tem-se diversas concepções, correntes que defendem um e outro lado. As decisões, por sua parte, são bastante heterogêneas, ora considerando o direito do autor, ora considerando que o formato faz parte apenas do campo das ideias subjetivas e, portanto, não são tutelados pelos direitos autorais. Fato é que esta é uma questão a ser analisada muito detidamente.

            Isto posto, pode-se dizer que a tutela jurisdicional dos formatos de televisão sobre os direitos autorais dependem de um certo grau de concretização. A legislação brasileira não protege as ideias, mas sim as obras devidamente concretizadas. Isto é, o formato enquanto ideia abstrata, não será passível de proteção autoral. No entanto, quando este adquire certo grau de seriedade, detalhado em seus elementos constitutivos, a proteção dos direitos do autor se tornam mais próximos, mais possíveis.

            É notável a necessidade de proteção do autor. Entretanto, aqui há um terceiro interessado nisso tudo. Um terceiro que será influenciado por essas brigas e pode somente sair prejudicado por conta dessa “luta” pelos níveis de audiência: o telespectador. Deve-se, além do autor, pensar na massa que receberá toda essa carga de informação transmitida pelos programas de televisão. Deve-se considerar, também, de que forma o telespectador poderá ser menos prejudicado com todas essas discussões e embates, pois é ele o principal financiador da indústria televisiva.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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PIMENTA, Eduardo S. Dos crimes contra a propriedade intelectual. 2. ed. rev., ampl. e atual. inclusive com a Lei 10.695/2003. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 3: parte especial, arts. 184 a 288. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.