A VERDADEIRA IGREJA EM "STIGMATA" Como a igreja presente no coração humano sobrepuja as alegadas prerrogativas salvadoras de qualquer instituição religiosa, como último recurso de Deus para salvar o homem de si próprio. Pela profundidade da teologia que aborda, o filme "Stigmata" (http://www.cinemasense.com/Reviews/stigmata.htm) não foi suficientemente valorizado e qualificado pela crítica, o que já comporta um elemento-surpresa assaz inquietante. O palpite é que, ora confiando no relativo sucesso bilhetérico, ora desprestigiando a obra diante dos fieis por ela desencorajados, a Igreja levantou uma barreira colossal contra o filme, quando seus tentáculos alcançaram os contatos apropriados. E quando não pôde chegar até os tais contatos, costurou uma enorme cortina de silêncio, com a qual fez a obra-prima paulatinamente cair no ostracismo das produções insípidas da Sétima Arte. Nem se deu conta de que, ao agir assim, usou canhões contra insetos, isto é, "exagerou na dosagem do remédio", provocando efeito colateral mais "nocivo" que a doença presumida. Mas o que havia em "Stigmata" que fizesse a Igreja rebelar-se e agir contrariamente à boa imagem que o filme poderia alcançar?... Simples assim: uma denúncia contra a instituição chamada "Igreja", e não contra a doutrina bíblica que ela alega fundamentá-la. Em Stigmata, a Igreja una, santa e indestrutível, não passa de um papelzinho amassado debaixo de uma pedra caída no caminho, ou simplesmente algo vivo sob um pedaço de madeira às margens de uma estrada, ao qual qualquer um poderia ter acesso irrestrito, sem a injustiça de um preço financeiro excludente e sem a manipulação de uns sobre os outros, como ocorre em todas as instituições verticais, como a Santa Sé. Nem é preciso (ou não se deve) fazer uma pesquisa para se verificar a veracidade da afirmação de que sob aquela pedra havia de fato uma mensagem perdida de Jesus, pois a lógica que a fundamenta e a impõe a nós suplanta em muito o zelo científico dos arqueólogos do Sagrado, bem como o zelo eclesial dos verdadeiros fiéis a Cristo, "guardiões das relíquias", que um dia já haviam lido, no Cânon Oficial, que "onde houver dois ou três reunidos em meu nome, ali eu estarei". O próprio Nazareno afirmou, sem medo algum das futuras manipulações da instituição, que "se o Filho vos libertar, verdadeiramente sereis livres", o que pressupõe que Jesus inaugurou um tempo onde a consciência de homem algum seria manietada e conduzida por outros, para evitar a longa e sofrida série de marionetes que a História das Religiões é pródiga em apontar. Com Jesus, a Humanidade inteira pode realmente gritar o "já raiou a liberdade" que um hino brasileiro canta em brado retumbante, e homem algum pode levantar-se contra ela ou criar um grupo que imponha regras que Deus aboliu. A informação de que "o Reino de Deus está dentro de vós" (ou embaixo da madeira deitada no caminho) é o maior brado libertário de que se tem notícia, e a Humanidade nunca teve ou terá nada mais libertador do que a consciência da presença de Deus em seu corpo, mente e alma. É uma obra de Deus por excelência, ou melhor, é a mais excelente obra de Deus, pois desaloja os casulos da prepotência e destrói os castelos do poder discricionário sobre quem não pode dele se defender. É o anti-autoritarismo vibrante da única autoridade legítima para uma Humanidade sem rumo, ou com o rumo bitolado pelos trilhos do interesse corporativo. Quem poderia, afinal, romper com tudo e com todos e ainda ter razão? Quem poderia dizer "vinde após mim" e conduzir para sempre à consciência da liberdade e à liberdade de consciência? Somente um Deus que tivesse assistido, horrorizado, à série infindável de abusos de poder que alcançou todos os segmentos e seguimentos humanos, chegando até às instituições religiosas, a começar da Sua própria (primeiro o Judaísmo, depois o Catolicismo). Estava previsto que "Ele veio para os seus mas os seus não O receberam"... Por que chegou o Cristianismo a institucionalizar-se? É preciso ressaltar que a instituição não é de todo negativa, mas é falível e corrompível, como tudo aquilo em que entram as "mãos humanas" (2 Co 5,1). Os primeiros cristãos chegaram, num certo dia da História, após 2 ou 3 séculos D.C., à conclusão de que o legado de Cristo era precioso demais para ficar à mercê dos temperamentos humanos, ou ao bel prazer das fraquezas de caráter da raça adâmica, cuja moral nunca mais mereceu confiança. Então, para evitar o pior (que era não sobrar ninguém vivo para contar a história ou sobrar apenas vivos indignos da História), os antigos seguidores de Jesus decidiram adotar, literalmente, os "privilégios da corte" oferecidos por Constantino, pois o Cristianismo jamais teria garantias 100% seguras de se perenizar na História sem os amparos legais e defesas próprias dos poderes que se auto-regulam e se auto-elegem perpetuamente, num lance digno de um gênio estrategista premonitório. Isto foi o lado positivo e válido, por assim dizer, contra o qual nada haveria a opor [como o próprio Cristo disse "sobre esta pedra edificarei a minha igreja" (Mt 16,18) e "Pedro, apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,17)] se o coração humano não falhasse. Mas falha. Falha até o caráter, falha "até o cabelo da alma", que pode ir do aplauso ao apedrejamento num átimo-surpresa. Assim, chegando a claudicar pela enésima vez, o único caminho de defesa do legado de Cristo ? a instituição ? teria que enfrentar toda a revitalização e re-assepsia do regime democrático, com eleições diretas, representantes legitimados pelo povo, justiça para todos e imprensa livre. Para evitar que, uma vez instituída como Igreja-Estado, não viesse a prejudicar a igreja-alma, que somos todos nós, com base na revelação de que somos o Templo do Espírito Santo, único que realmente salva e importa salvar. A importância das duas se vê na máxima que diz "podemos sair da igreja, mas a igreja jamais sai de nós". Eis então que o grande mal não foi e não é a igreja em si, mas a derrocada inexorável desta para a manipulação, que é golpista contra o estado de direito e contra a liberdade de consciência, maior bem desejado por Cristo para salvar a Humanidade. "E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará" termina por ser, em última análise, e doa a quem doer, a palavra mais poderosa e preciosa de Jesus, e ela se levantará contra tudo o que se interpor entre Deus e o homem, sejam demônios, igrejas ou outros homens. No ápice da escalada evolutiva da Humanidade, o homem sempre precisará de uma instituição forte para salvaguardar os tesouros de sua fé dos desvios, dos exageros, dos fanatismos e das heresias. Porém nunca permitindo que a estrutura se erga como absoluta, calando a voz paulina que diz "onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (II Co 3,17). "Stigmata" é esta voz... É esta pedra preciosa... Que tem valor infinito, mas muitas vezes fica, involuntariamente, longe das consciências, debaixo de um pedaço de madeira à beira do caminho. Prof. João Valente de Miranda.