A vedação ao Nepotismo em face da ascensão institucional do Judiciário[1]

 

Felipe Abreu Araujo[2]

Rômulo Chagas

Cleopas Isaias[3]

 

RESUMO

Neste artigo apresentaremos os conceitos de jurisdição, judicialização e ativismo judicial, para podermos chegar a análise da súmula n.13 do Superior Tribunal de Justiça que o é o objeto do presente artigo.

Palavras-chave: ATIVISMO JUDICIAL, JUDICIALIZAÇÃO, NEPOTISMO

1 INTRODUÇÃO

A prática de nomear parentes para cargos públicos, é considerada repugnante e imoral por grande parte da sociedade. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal manifestou-se no sentido de vedar tal conduta. Apesar do nepotismo não ser considerado crime, mas mero ato de improbidade administrativa. É de fundamental importância que se faça um estudo específico sobre o tema, haja vista  ferir o bem jurídico da moralidade na administração pública.

Neste trabalho primeiramente far-se-á, uma breve conceituação dos fenômenos da jurisdição constitucional, da judicialização e do ativismo judicial. Apontando de maneira geral as críticas da intervenção do Judiciário  na sociedade. No segundo momento analisar-se-á um caso  específico de ativismo judicial pelo Supremo Tribunal Federal, a saber, a súmula n.13 que versa sobre a vedação de contratação de parentes para órgãos públicos. Por fim Apresentar-se-á como o STF vinha discutido o tema e como se chegou a edição desta súmula. Além de discutir a questão da legitimidade deste órgão para editar tal proposição normativa.

2  JURISDIÇÃO E JUDICIALIZAÇÃO CONSTITUCIONAL

O Estado constitucional de direito se consolida na Europa continental a partir do final da II Guerra mundial. Até então, vigorava um modelo identificado, por vezes, como Estado legislativo de direito. Nele, a Constituição era compreendida, essencialmente, como um documento político, cujas normas não eram aplicáveis diretamente, ficando na dependência de desenvolvimento pelo legislador ou pelo administrador. Nesse ambiente vigorava a centralidade da lei e a supremacia do parlamento. No Estado constitucional de direito a Constituição passa a valer como norma jurídica, nesse novo modelo, vigora a centralidade da Constituição e a supremacia judicial, como tal a primazia de um tribunal constitucional ou suprema corte da interpretação final e vinculante das normas constitucionais. Nesse sentido entende-se por jurisdição constitucional a interpretação e aplicação da Constituição por órgãos judiciais, situando-se o Supremo Tribunal Federal no topo desse sistema (BARROSO, 2011)

Hodiernamente o Poder Judiciário desempenha um papel de suma relevância, haja vista ser o centro das decisões jurídicas do país, o que decorre do fenômeno da judicialização. Questões relevantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididas, em caráter final, pelo Poder Judiciário. Trata-se de uma transferência para as instituições judiciais, em detrimento das políticas tradicionais, que são o Legislativo e o Executivo. Esse fenômeno pode ser explicado por duas causas principais, a primeira delas é o reconhecimento da importância, de um Judiciário forte e independente o que é essencial para o fortalecimento da democracia; a segunda causa envolve certa desilusão com a política em geral, em razão da crise de representividade e de funcionalidade dos parlamentos. Portanto, em suma, a ultima palavra interpretativa da Constituição e das leis infra constitucionais é dos Juízes e Tribunais, nisso reside a chamada judicialização do direito. Nesse sentido, esse fenêmeno não é uma opção política do judiciário, pois o magistrado ou órgão colegiado, uma vez provocados pela via processual adequada, não podem abster-se de dar uma resposta. Contudo, o modo como venham a exercer essa competência é que vai determinar a existência ou não do ativismo judicial. (BARROSO,2011)

3 ATIVISMO JUDUCIAL

O ativismo judicial foi mencionado, pela primeira vez  em 1947, pelo jornalista americano Arthur Schlesinger, numa reportagem sobre a Suprema Corte dos Estados Unidos. Para ele há ativismo judicial quando o juiz se considera no dever de interpretar a Constituição no sentido de garantir direitos. Como se vê, o conceito de ativismo judicial e de judicialização se confundem. Se a Constituição prevê um determinado direito e ela é interpretada no sentido de que esse direito seja garantido, isso não é ativismo judicial, sim, judicialização do direito considerado. O ativismo judicial vai muito além disso: ocorre quando o juiz inventa uma norma, quando cria um direito não contemplado de modo explícito em qualquer lugar, quando inova o ordenamento jurídico.(GOMES,2009)

Portanto é importante deixar clara a diferença entre a judicialização e o ativismo. A primeira como foi dito acima é uma fato que decorre da configuração institucional do poder judiciário. Já o ativismo é uma atitude provinda do magistrado escolhendo um modo específico de interpretar a Constituição expandindo o seu sentido e alcance.(BARROSO,2011). Por ativismo judicial deve-se entender como “o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento que incube, institucionalmente, ao Poder Judiciário fazer atuar, resolvendo litígios de feições subjetivas e controvérsias jurídicas de natureza objetiva”(RAMOS, 2009)

Existe duas espécies de ativismo judicial: há o ativismo judicial inovador quando o juiz de cria uma norma,  um direito; e há o ativismo judicial revelador quando  a criação pelo juiz de uma norma, de uma regra ou de um direito, se dá a partir dos valores e princípios constitucionais ou a partir de uma regra lacunosa(GOMES, 2011).Ou seja, tem- se a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislafor ordinário, como se passou no caso do nepotismo.

Portanto, o ativismo de instala normalmente diante da inércia do Poder Legislativo, impedindo que determinadas demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva.Contudo esse ativismo que vem sendo exercido pelos juízes e Tribunais é alvo de diversas críticas, o constitucionalista Luis Roberto Barroso aponta as três principais. A primeira  refere-se ao caráter político-ideológico, os juízes não são agentes políticos eleitos, portanto não representam o povo,desempenhando um papel inquivocadamente político.Quanto ao caráter ideológico, o ativismo funcionaria como uma reação das elites tradicionais contra a democratização. A segunda crítica,, gira em torno da capacidade institucional, por esta entende-se que o Poder Judiciário, apesar de dar a ultima palavra na interpretação do ordenamento jurídico, não pode decidir toda e qualquer matéria. Por fim, a terceira e ultima crítica envolve a questão da limitação do debate, com a judicialização e o ativismo ocorre uma elitização do debate, contudo o mundo do direito exige conhecimento técnico e especfico, não acessíveis a todas as pessoas. Nesse sentido existem determinadas matérias que necessitam de especialistas no assunto para serem resolvido, só determinado juíz ou tribunal seria insuficiente.(BARROSO,2011)

4 ATIVISMO NO STF:ANÁLISE DA SÚMULA N°13

Considera-se nepotismo  o favorecimento dos vínculos de parentesco nas relações de trabalho ou emprego. As práticas de nepotismo substituem a avaliação de mérito para o exercício da função pública pela valorização de laços de parentesco.
O nepotismo está estreitamente vinculado à estrutura de poder dos cargos e funções da administração e se configura quando, de qualquer forma, a nomeação do servidor ocorre por influência de autoridades ou agentes públicos ligados a esse servidor por laços de parentesco.(CNJ)

A primeira manifestação relevante do STF sobre esse tema se deu no julgamento de pedido de medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.1521-4/RS, pelo qual se pretendia suspender a execução de dispositivos da Constituição do Rio Grande do Sul que estabeleciam restrições a nomeações de parentes para o exercício de cargos em comissão no âmbito dos três Poderes. Idêntica orientação se deu na ementa do acordão pelo qual o STF denegou o Mandado de Segurança n.23.780-5/MA, impetrado por servidora visando á anulação do ato que a exonerou de cargo em comissão na Secretária do Tribunal Regional do Trabalho da 16° Região, em virtude de parentesco com o Vice-Presidente do órgão.(RAMOS, 2010,p.256)

O Conselho Nacional de Justiça ao editar a resolução n.7 vedou a contratação de parentes de magistrados, até o terceiro grau, para cargos de chefia, direção e assessoramento , no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário. Esta foi inicialmente considera válida, em pedido liminar na ADC n.12-6/DF proposta pela Associação dos Magistrados Brasileiros (LENZA,201,p.723). Posteriormente surgiu um caso em que o STF pôde extrair todas as consequências do entendimento da ação direta de constitucionalidade supracitada. A nomeação para o exercício de cargos em comissão no âmbito da Administração municipal, por parentes de Vereador e Vice Prefeito foi questionada com base apenas na Constituição Federal. Em sede de apelação as nomeações foram declaradas válidas pela Justiça Estadual, que considerou inaplicável a Resolução do CNJ. Contudo em sede de recurso extraordinário n.579.951-4/RN o STF entendeu que embora a resolução do CNJ se restrinja ao âmbito Judiciário, a prática do nepotismo nos demais poderes é ilícita, por contrariar vedação que decorre diretamente dos princípios contidos no art. 37 caput da Constituição Federal.(RAMOS, 2010,p.259)

Essa decisão serviu de referencial  para que o Supremo Tribunal Federal aprovasse, por unanimidade, a 13ª Súmula Vinculante da Corte, que veda o nepotismo nos Três Poderes, no âmbito da União, dos Estados e dos municípios. Esse dispositivo deve ser seguido por todos os órgãos públicos e, na prática, proíbe a contratação de parentes de autoridades e de funcionários para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada no serviço público. A súmula também veda o nepotismo cruzado, que ocorre quando dois agentes públicos empregam familiares um do outro como troca de favor. Ficam de fora do alcance da súmula os cargos de caráter político, exercido por agentes políticos. A súmula em sua literalidade possui o seguinte texto: (NOTÍCIAS STF,21.08.2008)

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal

O principal argumento utilizado para sustentar a edição da súmula n.13, reside no art.37 da Constituição Federal que determina a observância dos princípios da moralidade e da impessoalidade. Sendo ambos autoaplicáveis, ou seja, não é necessário lei formal para a aplicação do princípio da moralidade( LEWANDOWSKI, 2010). Por este princípio entende-se que:

sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a idéia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade (DI PIETRO,2003,P.79)

Portanto, podemos observar que com a edição dessa súmula o STF pratica um ativismo revelador, criando uma proposição normativa a partir do  princípio constitucional da moralidade. Contudo muitos questionam acerca da legitimidade do Supremo em editar essa súmula, haja vista caber ao poder legislativo editar leis penais. Dessa forma a súmula vinculante estaria ursupando a competência do legislativo.

A nosso ver, não há que se falar em invasão de competência, pois o Supremo, ao editar esta sumula vinculante que deve ser seguida por todo o aparato Judiciário e pelos órgãos da Administração pública. Nada mais faz do que desempenha sua função de guardião da constituição, compromissada com o Estado Democrático de Direito, e com os direitos e garantidas fundamentais do cidadão, assegurando dessa forma o princípio da dignidade humana(MENDES,2007,p.375). Além do que a emenda n. 45, denominada Reforma do Judiciário que introduziu a Súmula Vinculante no ordenamento pátrio foi aprovada pelo próprio Poder Legislativo. Portanto não há que se falar em violação da regra contida no art.60 §4 III (cláusula pétrea da Separação dos Poderes), pois a limitação do poder de reforma não se restringe à impossibilidade de alteração da matéria definida pela doutrina como cláusula pétrea. A regra deve ser lida no sentido de ser vedada não a reforma, mas a reforma tendente a abolir. (LENZA, 2011,p.737)

CONCLUSÃO

Dado o exposto, conclui-se que diante do Estado de Direito Constitucional, o STF passou a concentrar as principais decisões no mundo do direito. Exercendo por vezes o “ativismo judicial” por meio das súmulas vinculantes. Contudo, apesar das diversas críticas que enfrenta o STF, a edição de súmulas jurídicas como a do nepotismo tem como objetivo assegurar a observância dos princípios constitucionais e a preservação da segurança jurídica. Portanto o Supremo Tribunal Federal como guardião da Constituição deve aplicar a mesma, quando o Legislativo se mostrar omisso.

 

 

 

 

 

Referências

GOMES,Luís Flávio. O STF esta assumindo um ativismo judicial sem precedentes? Disponível em <http://www.novacriminologia.com.br/Artigos/ArtigoLer.asp?idArtigo=2471>. Acesso em 29 de Out de 2011

BARROSO, Luís Roberto. O controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p.358-369

Conselho Nacional de Justiça. O que é nepotismo?Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/cidadao/advocacia-voluntaria/356-geral/13253-o-que-e-nepotismo> Acesso em 30 out de 2011

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Editora Saraiva 15° ed, 2011, p.725

RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: Parâmetro Dogmático 1°ed Saraiva, 2010

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.Direito Administrativo. 16 ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 79

MENDES, Gilmar. Proteção judicial dos direitos fundamentais. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). Direitos Fundamentais e Estado Constitucional. 2007, p. 375



[1] Paper apresentado à disciplina de Processo Penal, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco- UNDB

[2] Alunos do 6° período do Curso de Direito, da UNDB

[3] Professor Mestre, orientador