FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. Questões sócio-históricas na formação da Língua Portuguesa no Brasil
Diante de uma pesquisa sociolingüística como a que se pretende aqui, torna-se necessária uma investigação da formação sócio-histórica da língua portuguesa no Brasil no sentido de desmontar a crença de qualquer quadro lingüístico homogêneo e, portanto, demonstrar a ausência de sentido numa imagem de unidade e conservadorismo da língua, como aponta estudiosos como Serafim da Silva Neto, validando o inegável fenômeno da variação.
Com as grandes navegações, o movimento colonialista de Portugal fez com que a sua língua, assim como os seus costumes, se espalhasse pelos territórios dominados. A partir desse movimento expansionista, a língua portuguesa, em mais uma conquista, chegou ao Brasil. Além disso, "Eram faladas centenas de línguas, talvez milhares, todas distintas das conhecidas línguas européias" (SCHERRE, 2001, p.02), isto é, havia diversas línguas indígenas no Brasil quando da chegada dos portugueses, e, tempos depois, várias línguas africanas, devido à vinda dos escravos. Essas situações de contato lingüístico constituíram um fato preponderante para o início da diferenciação entre o português da metrópole e o da colônia.
Nesse contexto inicial de multilinguismo, a língua portuguesa era basicamente a língua da administração e da burocracia. Do contato da língua dos colonizadores com a diversidade de línguas nativas surgiram, a partir do século XVI, línguas gerais. Estas se referem à situação em que "os conquistadores, ao encontrarem nas terras conquistadas várias línguas diferentes entre si, forçam as populações submetidas a adotar (...) uma única língua entre as efetivamente faladas, ou uma língua artificial, que é uma mistura dessas línguas" (BASSO & ILARI, 2006, p.62). Segundo pesquisas na área, as línguas gerais talvez tivessem se perpetuado se não houvesse a participação de medidas políticas em contrário, pois "a língua geral da costa, de base tupi, chegou a ser um risco para a hegemonia do português no Brasil" (MATTOS e SILVA, 2004, p. 14). Houve ainda o contato com línguas africanas pela chegada de negros no Brasil, vindos para constituir mão-de-obra braçal, expandido o quadro multilíngüe. O contato do português com línguas africanas durou séculos, desde o início da colonização até o fim do século XIX, quando diminuiu o fluxo de negros vindos para o Brasil. É com base nesse contato que Baxter & Lucchesi (1997) apontam duas posições para a caracterização sócio-histórica do português do Brasil, defendendo que essa língua teria sido gerada de um processo de crioulização resultante da convivência direta entre línguas indígenas, o português da metrópole lusa e línguas africanas. Em contraposição, há a idéia de que a situação do português popular do Brasil é resultado de mudanças lingüísticas internas, aceleradas pelos contatos ocorridos com outras línguas (NARO & SCHERRE, 2007).
Independentemente da posição, o fato é que ambas percebem que o português do Brasil sofreu várias influências, também tendo contato, ainda que em menor proporção, com outras línguas européias e orientais, durante fluxos imigratórios. Maria Marta Scherre (2001, p.07) diz que "As línguas dos imigrantes ? cujo grau de proficiência é diversificada ? funcionam como manutenção de laços com as terras de origem". Então, a partir da convivência com diversas línguas, o português brasileiro se distanciou do de Portugal, que seguiu processo evolutivo diferente. A partir disso, é uma marca fundamental para a base da língua portuguesa falada no Brasil, o fato de a língua dos colonizadores que aqui chegaram ser, em sua maioria, a de variedade popular.
A longa e, de certo modo, livre convivência do português com outras línguas, porém, teve fim. Em 1757, Marquês de Pombal proibiu a utilização, por meio de decreto, de outras línguas que não a portuguesa no país. Esse fato se tornou um divisor de águas na trajetória da "língua brasileira" porque o português passou a ser considerado língua oficial e nacional, proibindo-se as línguas gerais, por exemplo. O objetivo da metrópole era simplesmente político, porque almejava o reforço de sua hegemonia. A partir daí, porém, passou-se a exercer fiscalização severa e terrível, buscando-se proibir outras línguas também em contatos informais.
A realidade lingüística brasileira se acentuou com a vinda da Família Real para o Brasil (MATTOS e SILVA, 2004). Esse fato histórico foi fundamental para a prosperidade da educação na língua. Se antes o português vinha sendo ensinado informalmente, com o trabalho de catequização jesuítica e com pouquíssimas escolas, no momento, essa língua é imposta de modo oficial e concreto. Houve, portanto, a criação de universidades e o desenvolvimento dos meios de comunicação, os quais reforçaram a oficialidade da língua imposta.
Por fim, "Não resta dúvida de que a história da colonização brasileira se reflete na diversidade lingüística existente no país, a qual veio aos poucos sendo reconhecida" (LEITE & CALLOU, 2005, p. 15). Portanto, é inegável que o quadro lingüístico brasileiro atual é heterogêneo e se configura, assim, pela sua formação sócio-histórica. Por mais que existam alguns que busquem uma essência homogeneizante e unificadora, seus pressupostos estarão sempre equivocados por fugirem do relativismo lingüístico-cultural e proporem pontos de superioridade entre línguas e culturas. Tentar impor a idéia de quadro homogêneo nega a "pluralidade cultural" e gera, cada vez mais, estigmas promovedores da marginalização de marcas regionais e/ou sócio-econômicas, por exemplo, e, portanto, de pessoas.