INTRODUÇÃO

O trabalho apresentado objetiva, a partir da análise de princípios do direito penal e também princípios constitucionais, ponderar questões sobre a legitimidade de medidas alternativas de resolução pacífica de conflitos, que atualmente são buscadas pelo poder judiciário para minimizar a intervenção estatal, quando possível, e também para efetivar a prestação jurisdicional.

Serão tratativas desta pesquisa os meios usados pelo Estado (como detentor do direito de punir) para inserir junto às práticas judiciais medidas de pacificação social, e também o atual posicionamento de tal ente diante da possibilidade da diminuição da intervenção através de alternativas como a Mediação e a Conciliação.

Esta pesquisa inicia-se com uma breve explanação sobre o surgimento das medidas pacificadoras no Brasil, como nasceram as primeiras normatizações e também como estas evoluíram com o passar do tempo.

Para demonstrar que a legislação vigente sem grandes alterações já tem inclinação para possibilitar medidas alternativas, serão abordados nesta pesquisa os princípios da intervenção mínima, o da insignificância e seus desdobramentos, preceitos estes que já pregam que a intervenção estatal deve ser utilizada apenas em casos extremos.

Como será explanado na abordagem de alguns princípios, o acesso à justiça será sempre uma garantia constitucional, e qualquer posicionamento contrário nem sequer deve entrar em pauta.

No entanto, a intervenção penal deve ser solicitada apenas quando nada mais for capaz de solucionar o problema no caso concreto. Essa característica de subsidiariedade, embora seja inerente ao direito penal, atualmente vem sendo observada com mais atenção e é exatamente essa atenção que será objeto de estudo desta pesquisa.

Nos últimos anos, o que se assiste é uma movimentação no sentido de conhecer e desenvolver alternativas para a solução pacífica dos conflitos existentes na sociedade sem que para isso seja necessário recorrer à justiça. Não que essa prática não seja legítima, mas a busca pela tutela jurisdicional tende a ser uma opção entre outras medidas propostas pelo Estado.

Existem vários meios já conhecidos e utilizados dessas alternativas, como a Mediação, a Conciliação e até mesmo a arbitragem em alguns casos.

Os meios de solução pacífica de conflitos não foram criados pelo Direito, e sim estão sendo acolhidos na busca de que essas alternativas de pacificação sejam eficazes no mundo jurídico.

Ao passo que crescem os índices de criminalidade no país, também crescem os problemas administrativos com este novo cenário. E com isso é preciso toda uma reestruturação por parte do Estado para lidar com o aumento da população carcerária e tantos outros problemas que decorrem dessa explosão da criminalidade.

A mudança é algo latente e esta acontecendo em ritmo acelerado, levando em conta que ainda existe resistência, como todo assunto que envolve mudanças de hábitos e, consequentemente, de atitudes.

Uma contribuição de cada indivíduo está neste momento sendo cobrada para que o Estado possa realmente se dedicar a questões relevantes e que atinjam a sociedade como um todo, não que se entenda que sejam elas de maior importância. Afinal o Estado deve abarcar todas as questões uma vez que tomou para si essa legitimidade, mas delegando para outras esferas assuntos que essas suportem.

A pergunta que cabe é se o Estado ainda é capaz de, administrar, todos os indivíduos que cometem delitos.

O Direito Penal tem como característica importante o dinamismo, que lhe é atribuída pelo fato de estar vinculado a fases, a momentos culturais de uma sociedade, e devido a essa característica deve o Direito Penal acompanhar os anseios da sociedade que atende.

As regras sociais, as quais são de suma importância para a manutenção de uma sociedade suportável, são diariamente burladas e suprimidas em nome de uma evolução que talvez não mais comporte a fiscalização pelo Estado, de cada ato cometido.

Um chamamento ao consciente individual vem acontecendo e é o que será aqui pesquisado.

O jurisdicionado depara-se com a morosidade da justiça e com a rapidez de uma evolução qual as normas já existentes não são capazes de suportar.

O Direito Penal, visto como um instrumento do Estado para a proteção do bem jurídico deve ser cego às mazelas políticas, mas essa cegueira pode resultar em trato igual para os desiguais.

Por outro lado, o que se assiste principalmente na área cível é o sucesso da intervenção mínima, por meio de alternativas adotadas pelo próprio judiciário na busca de soluções pacificas de conflitos.

Essas ferramentas têm se mostrado de imensa valia para, não só em relação à solução civilizada e pacífica de conflitos entre as pessoas, mas também para selecionar casos que chegam ao Poder Judiciário, como prega o princípio da fragmentariedade.

Uma explanação sobre o tema mostrará os benefícios que essas medidas vêm trazendo para a população e também dados sobre o avanço dessa prática.

Em destaque, a possibilidade jurídica das alternativas e a importância do auxílio de equipes multidisciplinares no trato com as pessoas, que diante de uma ilicitude, geralmente não administram seus atos com racionalidade e responsabilidade, movidas por medos e até pelas fortes emoções a que são submetidas em razão de uma situação atípica.

O método principal para atingir as linhas deste trabalho será a pesquisa bibliográfica e a comparação e analise de dados já existentes sobre as políticas pacificadoras.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1. POLITICAS PACIFICADORAS ALIADAS AO CONTROLE SOCIAL.

 

Algumas formas de solução pacífica de conflitos, com nomenclaturas diferentes, no entanto com o mesmo espírito de que se tem conhecimento hoje, começou a despontar nos Estados Unidos da América a partir da década de 70. Esse movimento deu início ao que hoje se chama políticas de pacificação.

Nasce uma preocupação com a humanização dos processos, não só na área jurídica, mas também no trato com as pessoas em geral.

Vemos essa linha do tempo nas reflexões da psicanalista Malvina Ester Muskat:

Desde os anos de 1960, a cultura ocidental, narrada pelas lutas a favor dos direitos civis, sociais, políticos e econômicos, vem se voltando para uma reflexão sobre as leis e suas formas de aplicação. No século XXI, a preocupação com a justiça tem sua face voltada para a solidariedade, a pacificação e a humanização dos processos litigiosos. Nesse novo contexto e ética da reparação surge como alternativa ou complemento a moral da punição. O afeto aparece como novo valor jurídico e restitui o sujeito de direito sua aspiração, como um valor a ser considerado o sujeito de desejo a ser considerado. (MUSKAT, 2008, p.79).

 

 

O surgimento da necessidade de tratar as questões conflituosas com mais urbanidade, humanidade e respeito começa a despontar, e rapidamente a ideia se espalha pelo mundo que, conforme a cultura dos povos que a acolhe, sofre modificações importantes.

No Brasil essas questões começaram a ser levantadas timidamente e hoje já são aplicadas em grande parte do país.

Alguns países encontraram na Mediação Penal uma solução para “controlar” a superlotação carcerária. Claro que isso não se traduz em extirpar o problema e sim somente como uma maneira de controle social.

O controle social é uma resposta para uma conduta que se mostra contrária as normas de uma sociedade.

Tendo essa base, uma solução pacífica de conflito estaria corretamente classificada como controle social, porém com um fator moderador acentuado.

Tem-se na explanação de Bitencourt uma classificação das fases do controle social:

[...] o Direito Penal protege, dentro de sua função ético-social, o comportamento humano daquela maioria capaz de manter uma mínima vinculação ético-social, que participa da construção positiva da vida em sociedade por meio de família, escola e trabalho. O Direito Penal funciona, num primeiro plano garantindo a segurança e a estabilidade do juízo ético-social da comunidade, e, em segundo plano, reage diante do caso concreto, contra a violação ao ordenamento jurídico-social com imposição de pena correspondente. Orienta-se o Direito Penal segundo a escala de valores da vida em sociedade, destacando aquelas ações que contrariam essa escala social, definindo-se como comportamentos desvaliosos, apresentando assim os limites da liberdade do indivíduo na vida comunitária [...]. (BITENCOUT, 2006, p.8).

 

 

O controle social é exercido de diversas formas e começa sempre em núcleos menores de controle.

O controle social inicia-se geralmente dentro das famílias, com pequenas repressões e até sansões dependendo da gravidade do ato cometido.

Embora esse controle seja completamente informal e exercido sem nenhuma formalidade ele se mostra eficiente e capaz de suprimir, pelo menos na maioria dos casos, inúmeras condutas indesejadas cometidas pelo indivíduo.

Nas comunidades religiosas esse controle também é exercido ao apontar condutas intoleráveis para seus membros, inclusive penalizando com firmeza aqueles que não seguem tais padrões de comportamento.

As medidas de resolução pacífica de conflitos seriam uma espécie de controle social estendido, possibilitando mais uma forma de controle, com o aval do Estado, mas com a participação ativa da sociedade em geral.

O que se nota é uma grande lacuna entre o controle social informal e o formal.

Após o insucesso das medidas informais de controle, ministradas pela família pela escola e comunidades religiosas, o indivíduo que não absorveu as bases destes controles, ao transgredir, já é capaz de movimentar a pesada máquina do Estado que interfere em sua transgressão, muitas vezes pequena.

As políticas pacificadoras cabem tanto dentro de pequenas comunidades, de maneira informal, auxiliando na resolução de pequenos conflitos, como em comunidade de bairros, quanto já formalmente em um momento pré-processual.

A mediação na solução pacífica de conflitos tem não só a função de findar o conflito aparente, mas também promover a conscientização das partes envolvidas dos benefícios de optarem por tal caminho, informando, educando e principalmente alertando sobre a persistência de condutas parecidas.

Existe um movimento social relativamente forte no sentido de colaborar para a implantação de políticas de pacificação de conflitos.

Vejamos:

Atualmente, existem 20 varas especializadas em penas alternativas em funcionamento em todo o País. E 389 centrais e núcleos de monitoramento, coordenados pelo Departamento Penitenciário Nacional, controlam o cumprimento das penas, com a colaboração de uma rede de cerca de 12 mil escolas, hospitais, organizações não-governamentais (ONGs), movimentos sociais, entidades comunitárias e institutos mantidos por centros universitários e até por empresas particulares. (Estadão Online 21/06/2010).

 

 

Essa outra oportunidade de esclarecimento e informação supriria o espaço em que o indivíduo não mais é assistido pela família ou comunidades afins e passa a ter uma autonomia irresponsável em suas condutas.

Uma assistência antes da intervenção efetiva do Estado seria um olhar do Estado dizendo “estou aqui”, se avançar intervirei.

A seleção sistemática de casos a serem tratados pelo Direito Penal traria eficiência à tutela prestada e maior temor àquele que chega aos limites de transgressão.

Com uma extensão do controle social informal promovida por políticas de resolução pacífica de conflitos resultaria na diminuição da intervenção estatal e efetividade onde esta não puder ser evitada.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 DIREITO PENAL: O INSTRUMENTO DO ESTADO NA PROTEÇÃO DO BEM JURÍDICO.

O Estado atualmente é detentor do dever de propiciar a todos uma série de garantias e parâmetros para que se possa viver em sociedade.

Assumiu para si a responsabilidade de tutelar os bens juridicamente protegidos e vale lembrar que, ao assumir esse compromisso, vedou todo e qualquer tipo de ação própria neste sentido. Ou seja, é expressamente proibida a justiça de mão própria, salvo nos casos em que a lei autoriza expressamente.

As funções do Estado, previstas na Constituição Federal, são amplas e diversificadas por si só.

Dentre as principais funções do Estado está a proteção dos bens jurídicos necessários à vida humana em sociedade.

A classificação, embora ampla e aberta a interpretações, abrange principalmente a vida e todas as garantias a ela inerentes.

A Constituição Federal de 1988 legitima o Estado para a proteção dos bens jurídicos, utilizando como meio de concretização o Direito Penal, e também prega a solução pacífica dos conflitos, não somente no âmbito internacional, mas com uma interpretação mais atenciosa é evidente que o legislador não propôs a solução pacífica de conflitos para assuntos internacionais e solução diversa para nossos conflitos internos.

Embora o preâmbulo não constitua norma, é nele que residem todas as intenções de uma sociedade pacífica e evoluída.

No texto da Constituição Federal de 1988.

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.

 

O preâmbulo embora já pacificado que não constitua efeito normativo, é claro quando revela parâmetros para uma sociedade “ideal”, que deverá ser fundada na harmonia social e comprometida externa, mas também internamente com a solução pacífica de conflitos.

Esta função do Estado é exercida desde o contrato social.

A função do Estado e a função do Direito se assemelham em alguns aspectos, ambas as esferas têm como função possibilitar a convivência em sociedade e, dentro dessa convivência, propiciar a liberdade na sua forma mais plena, e também limitar essa liberdade aos que ultrajam as normas estabelecidas.

O Estado, na busca de seu objetivo maior, utiliza-se de muitos instrumentos para cumprir esse objetivo.

O Direito Penal certamente é o instrumento mais incisivo deles, pois prevê penas severas tais como: privativas de liberdade para aquele que oferecer riscos concretos ou até mesmo ameaças ao bem jurídico penalmente tutelado e de maneira subsidiária também as restritivas de direito.

A pena é o meio pelo qual a materialização desse instrumento que é o Direito Penal se faz possível.

É através da aplicação de penas que o Direito Penal pratica a repressão necessária para ações vistas como atentatórias à convivência em sociedade, ações que põem em risco as garantias de proteção ao bem jurídico de maior relevância. Sua função se confunde com a função do próprio Direito Penal.

O Direito Penal não é uma imposição, e sim uma opção social, uma escolha necessária feita ao longo da história, uma escolha que garante que a sociedade possa viver e conviver em certa harmonia e também com a preservação de interesses que são tidos como convenientes.

Essa escolha em seu caráter essencial é bem notada e muito bem definida em várias doutrinas como função indispensável à segurança e garantias do bem estar em sociedade.

Para Gomes, Molina e Bianchini:

O Direito penal realiza uma função indispensável porque a vida em comunidade dos seres humanos só se torna viável quando são garantidos eficazmente esses “bens jurídicos”. Se não existisse uma instância superior que procurasse assegurar a inviolabilidade da vida, da saúde, da liberdade etc. não haveria convivência possível. Seria o bellum omnium contra omnes! (isto é, guerra de todos contra todos). (GOMES; Molina e Bianchini, 2007, p. 226).

 

Essa guerra de todos contra todos é exatamente o que se busca evitar, a custo de ter o Estado na direção de certos assuntos.

O Estado chama para si a responsabilidade de promover algumas garantias para a sociedade.

E a legitimidade da qual o Estado está munido, foi a ele atribuída dentro dos parâmetros democráticos deste país.

Claro que ao se lançar mão de certa fatia de nossa autonomia e liberdade para o Estado, em contrapartida é preciso algumas garantias de limitação desse poder a ele conferido.

O Direito Penal, a rigor, somente intervém naquilo que afronta bens jurídicos de extrema importância, de notória relevância e, mesmo assim, quando já exauridas todas as outras formas mais brandas de intervenção.

Nesse sentido, é o ensinamento de Claus Roxin:

 

A função do Direito Penal consiste em garantir a seus cidadãos uma existência pacífica, livre e socialmente segura, sempre e quando estas metas não possam ser alcançadas com outras medidas político-sociais que afetem em menor medida a liberdade dos cidadãos [...] (ROXIN, 2006, p. 16).

 

 

Nota-se que o Direito Penal tem por escopo principal a proteção de bens jurídicos de extrema relevância para o homem e para a sociedade. Sem entrar nesse momento no mérito da valoração dessa relevância, essa proteção é efetivada através da criação de tipos penais com consequente cominação de sanções e aplicação destas ao agente que transgride a norma, atingindo, deste modo, o bem tutelado penalmente.

Nesse mesmo sentido, leciona Cezar Roberto Bitencourt:

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio (...) é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. (BITENCOURT, 2006, p.17).

Entretanto o poder punitivo estatal, aquele poder que outrora conferimos a ele, deve respeitar alguns limites estabelecidos, limites estes que trataremos com brevidade em razão de não ser o foco desta pesquisa científica.

Estes limites estão previstos em vários diplomas, entre eles a Lei Maior que rege nosso País, a Constituição Federal de 1988, que traz em toda sua estrutura, principalmente em seu artigo 5º, uma série de garantias intocáveis, nas quais todos estão amparados e submetidos.

Como um dos exemplos dessa segurança jurídica trazida pela Carta Magna, temos, entre tantos, o princípio do contraditório e da ampla defesa, que estabelece uma série de garantias para todos, tanto para os que exercem seus deveres cíveis, quanto para os que transgridem e são acusados de algum crime.

A limitação a que o poder estatal está submetido abrange tanto seu poder punitivo, quanto sua discricionariedade para permitir ou não a concessão de benefícios ao indivíduo que será a ele submetido.

A legitimidade e até mesmo a responsabilidade para estar à frente de alguns assuntos é clara e demonstrada em vários momentos, o que não impede que diante algumas espécies de conflitos as partes possam “de maneira pacífica“ resolver seus problemas, buscando a prestação mais adequada caso a caso, e não deixando a cargo de um juiz questões que ele muitas vezes nunca teve acesso.

A legislação é permissiva quanto a outros tipos de composição, tem-se vários princípios do Direito que sinalizam essa possibilidade.

Serão expostos elementos do minimalismo penal e suas características, definições, o princípio da fragmentariedade, princípio da subsidiariedade, bagatela ou insignificância, e também as alternativas que o Poder Judiciário vem utilizando, medidas como conciliação e mediação, e vale a pena dizer que com o aval da sociedade, haja vista que as pessoas recorrem também à arbitragem e a composição voluntária de alguns conflitos.

                        Em algum momento a legitimação do Estado para a solução de todo e qualquer conflito ocorreu em nome de uma necessidade do momento vivido por uma realidade social, e hoje as mudanças são avassaladoras e pedem uma adequação destes moldes que já não mais atendem a todas as expectativas de uma sociedade em constante mutação.

                        Alternativas existem e estão sendo buscadas constantemente.

Uma mistura quase perfeita de necessidade e oportunidade está criando o cenário ideal para que a sociedade moderna busque uma maior autonomia para a resolução de seus próprios conflitos.

                        É evidente que não se trata de um rompimento com o sistema vigente. O mais apropriado seria receber as alternativas para a intervenção mínima do Estado como uma evolução natural e necessária para a adequação aos tempos agora vividos, tempos estes em que se busca uma efetividade em todos os campos.

Não há mais espaço para mecanismos antiproducentes, e é importante salientar que a própria sociedade perturba as funções judiciárias com pequenos atritos.

A função de moldar o sistema a qual todos estão subordinados não cabe a estranhos e sim à própria sociedade que é produtora e gestora de todo e qualquer mecanismo.

Será exposto no capítulo a seguir que o que falta é realmente a aplicação efetiva das normas já existentes, pois se analisadas com cuidado percebe-se a clara intenção de minimizar a intervenção desnecessária para efetivar a inevitável.

2.1 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE

Este princípio reforça a idéia de intervenção penal mínima, pregando que o Direito Penal é subsidiário, só devendo ser invocado quando as outras áreas do direito não forem capazes de suportar e resolver os conflitos apresentados.

Exemplificando, um meio subsidiário fica sempre resguardado, deixando que as alternativas de utilização sejam exauridas, e assim sendo se a situação não alcançou o fim, aí sim se recorre à alternativa subsidiária, aquela que ficou em alerta o tempo todo, mas só foi requisitada em último caso.

O Direito penal deve ser deixado de lado, exatamente por ser um meio de intervenção muito extremo, e esse extremismo deverá ser evitado quando ainda não se exauriram as possibilidades em outras áreas.

Pode-se ilustrar com alguns exemplos: quando uma empregada doméstica é flagrada furtando um objeto de pequeno valor, como por exemplo uma fruta ou frações de materiais de limpeza, uma barra de sabão ou coisas dessa categoria, o empregador encontra-se amparado pela legislação trabalhista, e tem como opção a despedida por justa causa, que penaliza a infratora e ampara o empregador.

Embora na própria legislação trabalhista haja a possibilidade de apoio na esfera penal, caso assim prefira, ressalta-se que o imprevisto já fora sanado a contento.

É evidente que o empregador quer se livrar da pessoa que já não confia o que não significa que ele a deseje ver atrás das grades durante anos.

Assim como em um restaurante, quando um cliente inconveniente subtrai um saleiro ou uma taça, e é flagrado pelo gerente do estabelecimento, a repreensão e o ressarcimento do produto são suficientes para inibir o cliente inconveniente.

Também neste caso, seria desproporcional que o cliente saísse algemado do estabelecimento e amargasse todas as conseqüências de um furto grave.

Importante salientar que o princípio da subsidiariedade só pode ser considerado se em conjunto com o princípio da fragmentariedade.

Lembrando que não é correto confundir os crimes de bagatela com as contravenções penais, as quais sempre serão puníveis, levando em conta a lesividade e principalmente a previsão legal para um possível acordo, enquanto no caso apresentado como exemplo, um meio administrativo estaria à frente da resolução do problema.

Embora o princípio da subsidiariedade esteja alocado dentro do Direito Penal, nesta pesquisa será feito um alelo com outros ramos do direito.

A subsidiariedade deve nortear toda medida judicial, pois se contido (porém nunca negado) o acesso a justiça através das medidas de pacificação social, os resultados podem ser surpreendentes, partes com sua prestação efetivada em menor tempo, e o judiciário com energias para tratar de casos que requerem maior atenção.

2.2 PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE

 

O princípio da fragmentariedade também é utilizado como limite ao poder punitivo fazendo uma seleção dos bens jurídicos a serem de fato tutelados pelo Direito Penal, uma vez que este não pode proteger todos os bens existentes, mas apenas uma parcela desses, os mais relevantes.

Segundo este princípio, embora haja uma infinidade de atos ilícitos em nosso cotidiano, apenas uma parte deles, um “fragmento” realmente interessa ao Direito Penal.

Deste modo é o entendimento de Bitencourt:

 

 

Nem todas as ações que lesionam bens jurídicos são proibidas pelo Direito Penal, como nem todos os bens jurídicos são por ele protegidos. O Direito Penal limita-se a castigar as ações mais graves praticadas contra os bens jurídicos mais importantes, decorrendo daí o seu caráter fragmentário, uma vez que se ocupa somente de uma parte dos bens jurídicos protegidos pela ordem jurídica. uma seleção entre estes atos ilícitos. (BITENCOURT 2006, p.14)

 

Podemos dizer que o princípio da fragmentariedade é o respaldo, o balizamento, que sustenta a estrutura do princípio da insignificância ou bagatela.

Atualmente, mesmo havendo tão forte tendência principiológica versando sobre o assunto, a elaboração de tipos penais ainda é extensa e criticada por grande parte dos doutrinadores.

Como se vê ainda nos ensinamentos de Bitencourt:

 

Os legisladores contemporâneos – tanto de primeiro como de terceiro mundo – tem abusado da criminalização e da penalização, em franca contradição com o princípio em exame, levando ao descrédito não apenas o Direito Penal, mas as sanções criminais, que acaba perdendo sua força intimidativa diante da ‘infração legislativa’ reinante nos ordenamentos positivos. (BITENCOURT 2006,p.14)

 

 

Nessa linha de raciocínio é possível supor que embora haja uma infinidade de leis, para alguns doutrinadores, como César Roberto Bitencourt e também Guilherme de Souza Nucci, existe uma sensação de impunidade. Mesmo com tantas leis, estas não mais causam um efeito intimidativo. A esse fenômeno se dá o nome de “anomia”.

Nucci exalta a impertinência entre as tendências que norteiam o Direito Penal e algumas contravenções penais:

 

Não se pode mais conviver com esse entulho de leis penais desacreditadas, que somente servem para gerar no espírito do brasileiro a nítida e indevida sensação de impunidade. Chamar a polícia nos dias de hoje, para controlar o latido de um cachorro (art. 42, IV, da Lei das Contravenções Penais) é o ápice da intervenção máxima do Direito Penal na vida privada do cidadão. (NUCCI, 2009.p.164)

 

 

Este, claro, é só um dos lados desta discussão. Em outra quadra, existe quem pense que o Direito Penal não deva ser fragmentário, e sim tutelar todo e qualquer bem, pois, se contrário fosse, estaria em risco a isonomia entre as pessoas, estando parte delas fora das cautelas estatais. Se o Direito Penal, por conta de seu caráter fragmentário, só tutela os bens de relevância elevada, logo temos que existem pessoas que só reúnem bens de pouco valor, e essa parcela da população estaria à mercê da sorte ou da valoração que couber a quem interessar seus pertences, aqueles que deitam a mão sobre sua propriedade, enxergando, sim, valor sobre ela.

Nesse sentido são as indignadas críticas de Volney Correa Leite de Moraes Jr. (2003), que em seu livro “Em torno do roubo”, quando em suas reflexões traz, entre muitas outras, a seguinte questão: “como admoestaremos nossos filhos ao deitarem a mão sobre o brinquedo do amiguinho?”.

Lançada a pergunta, segundo Volney, essa inversão de valores que rodeia os campos da justiça nasce mais cedo do que se pensa.

Seguindo essa linha de pensamento, não caberia a repreensão ao ato mínimo e imaturo da criança, pois esse objeto ora furtado não merece uma tutela específica, mesmo que essa idéia de valor comece da mais singela forma.

Nesse caso, não há uma preocupação com o objeto em si, mas sim com os valores implantados no caráter de uma pessoa. E não podemos esquecer que essa pessoa será um membro da nossa sociedade no futuro, disposto a praticar seus ensinamentos, bons ou ruins.

Se condutas brandas são desde já toleradas, existe uma cultura de relevância que certamente marcará o caráter do indivíduo.

Partindo do princípio de que uma ação criminosa, mesmo que de leve relevância, traria o indivíduo pela primeira vez aos olhos do Estado, se este lhe mostra uma retribuição complacente e desproporcional, para mais ou para menos, isso convenceria o indivíduo da fragilidade estatal perante seu comportamento, neutralizando por completo o poder intimidativo e repressor do Estado, poder este que é crucial para que se atinja o resultado de recuperação e intimidação que é esperado da sanção aplicada ao indivíduo.

A providência aplicada ao ato contrário ao pactuado por uma comunidade deve ter uma medida exata, dosada levando em conta cada aspecto do delito e também de quem o cometeu.

Esse primeiro olhar do Estado ao infrator em pequena escala não deve ser leve demais a ponto de ser considerado irrelevante diante os benefícios que este encontra no ato criminoso, porem não deve ser desproporcional a ponto de não permitir que este indivíduo repense sua conduta e tenha a oportunidade de repará-la

 

 

 

 

2.3 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA

 

 

O Princípio da insignificância ou bagatela, decorrente do princípio da intervenção mínima, mas precisamente do princípio da fragmentariedade, reza que o Direito Penal só deve cuidar de fatos que ofendem a sociedade de forma gravosa, dura.

Este princípio, quando aplicado aos chamados delitos de bagatela, tem como efeito jurídico à exclusão da tipicidade.

O princípio foi idealizado pelo alemão Claus Roxin e é explicado nas palavras de Damásio de Jesus:

 

Ligados aos chamados “crimes de bagatela” ou (delitos de lesão mínima), recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a tipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material). Esse princípio tem sido adotado pela nossa jurisprudência nos casos de furto de objeto material insignificante (subtração de um pano de chão, de um sapato usado de pouco valor, uma passagem de ônibus etc.); lesão insignificante ao físico; maus tratos de importância mínima, descaminho e dano de pequena monta; lesão corporal de extrema singeleza etc. Contratação de mão de obra em período diminuto.                        (DAMASIO,2006,p.95).


Existe um protocolo para a aplicação do princípio da insignificância, que pede alguns requisitos para que o agente seja beneficiado com regalias provindas da aplicação.

De acordo com as orientações de Luiz Flávio Gomes:

A linha jurisprudencial mais correta reconhece o princípio da insignificância levando em conta (unicamente) o desvalor do resultado ou o desvalor da ação, é dizer, é suficiente (para a atipicidade) que o nível da lesão (ao bem jurídico) ou do perigo concreto verificado seja ínfimo ou ainda que a conduta do agente não tenha tido relevância “penal” (séria) para a produção do resultado. Cuidando, ao contrário, de ataque intolerável ou de conduta relevante o fato é típico (e, portanto, punível).

Há outra corrente jurisprudencial (cada vez mais recorrente) que, para o reconhecimento da infração bagatelar, não se contenta só com o desvalor do resultado ou da ação, acentuando, ademais, a imprescindibilidade de outras exigências: o fato é penalmente irrelevante quando são insignificantes (cumulativamente) não só o desvalor do resultado, senão também o desvalor da ação bem como o desvalor da culpabilidade do agente (isto é: quando todas as circunstâncias judiciais – culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, consequências, circunstâncias etc. – sejam favoráveis) [1]

 

Este princípio visa excluir atos de potencial ofensivo insignificante, evitando a movimentação do sistema penal por objeto de pouca valia.

O que resultaria na ineficiência da prestação àqueles que realmente a clamam.

Essas características, embora bem evidenciadas, não denotam valor algum ao bem jurídico, e consequentemente exclui uma classe de bens da tutela estatal.

Embora haja um protocolo para a aplicação do princípio da bagatela, esse protocolo valora o bem jurídico de maneira muito objetiva, retirando dessa valoração todo e qualquer vínculo pessoal do ofendido com o que lhe foi retirado. Essa rotina acaba não abarcando uma parcela gigantesca de pessoas que só reúnem em seus bens objetos classificados como insignificantes.

A aplicação da solução pacífica de conflitos em casos onde o objeto é classificado como insignificante, daria a parte prejudicada uma satisfação adequada sem mover todo o aparato judicial, respeitando assim mais uma vez a intervenção mínima.

Essa prática permitiria que o Estado partilhasse de várias decisões, atuando sempre na vida do particular só que em níveis diferenciados de intromissão.

 

 

 

 

 

 

 

3.0 CONSIDERAÇÕES SOBRE MEDIDAS PACIFICADORAS E O SUCESSO DAS MEDIDAS NA ESFERA CÍVEL

O verbo latino mediare significa mediar, dividir ao meio, intervir ou colocar-se no meio, deu origem ao termo mediação. Esse termo, modernamente, é definido como a maneira pacífica e não adversarial de resolução de conflitos na qual, indivíduos, ou grupo de indivíduos, orientados por um terceiro interventor que auxilia os conflitantes na decisão de suas questões, pautado sempre na autodeterminação das partes.

A participação de um terceiro, naturalmente, revelará novas perspectivas com relação às questões que dividem as partes, a conduzir, com eficiência, a solução das questões apresentadas. As principais características da mediação são a voluntariedade, a força contratual que gera um acordo, a imparcialidade do facilitador, a informalidade, a falta de forma previamente estabelecida e por fim a aceitação mútua dos termos ali decididos.

O trabalho do mediador é criar um ambiente de paz e diálogo entre as partes, para que desse ambiente resulte a elaboração de opções rumo à solução do conflito. Essa função, primordial, é verificada quando um impasse dificulta ou bloqueia a negociação, e um mediador auxilia, através de técnicas, a restabelecê-la, para que as partes sejam autoras das soluções.

O mediador possibilita um diálogo sobre as questões conflitantes e estabelece um ambiente onde decisões consensuais possam fluir.

Mediação e conciliação são procedimentos distintos, mas com certas semelhanças, o que diferencia basicamente a conciliação da mediação é o tipo de relacionamento que esta sendo tratado, não existe uma receita certa para a aplicação de uma medida ou de outra, essa necessidade é delineada durante o relato do caso concreto, o que tem se em mente é que para relações duradouras como pai e filho, marido e mulher, irmãos o tratamento durante a resolução do conflito deverá ser diferente ao prestado aquelas pessoas que só estão tendo contato em razão do conflito.

A relação a ser tratada deve ser analisada com bastante cautela, tendo em vista que em um conflito originado em uma briga de transito tem aspetos financeiros muito latentes, enquanto uma agressão no meio familiar deve ser conduzida de forma mais delicada e com um olhar nos desdobramentos futuros deste conflito.

O preparo para o mediador é importante para que este agente colaborador saiba diferenciar as diversas formas de conflito e com isso trabalhar cada uma delas com as ferramentas necessárias.

A previsão legal para procedimentos alternativos de solução de conflitos está como dito anteriormente, embasada firmemente da Constituição Federal de 1988, e também encontra embasamento no Código de Processo Civil, o preâmbulo da Constituição preconiza as soluções pacíficas de conflitos, não só para conflitos internos mas para todo e qualquer conflito, embora o preâmbulo não possua normatividade  jurídica é inegável a intenção do legislador.

Após toda uma explanação sobre os princípios do direito penal e seus desdobramentos pode-se falar sobre medidas alternativas para a pacificação social.

Estando comprovado que nossos diplomas legais em nada se opõem a essas medidas, pelo contrário até existem previsões, o que permite que se discorra sobre esse tema à luz da legalidade. 

Veremos no que consistem esses métodos de composição entre as pessoas, e também como efetivamente funcionam.

A mediação e conciliação não foram criadas pelo direito, mas sim são métodos que estão sendo adotadas na busca de maior efetividade nas composições realizadas pelo judiciário.

Mediação e Conciliação contam com uma curta história, mas um longo passado. Não se trata de artifícios inovadores ou de fruto da mais avançada engenharia jurídica, mas sim de estilos e procedimentos de solução de conflitos de estrutura bilateral e trilateral, orientados a negociação, ao compromisso. Isso sempre foi de conhecimento da humanidade. De fato, impõe-se admitir que o número de casos que ingressam no sistema legal (justiça criminal) significa, em termos quantitativos, um percentual insignificantes do total de conflitos que são resolvidos por outros mecanismos alternativos ou complementares àqueles. (GOMES,MOLINA E BIANCHINI, 2007, p.37)

 

 

Utilizada em todo mundo, a mediação é um procedimento muito eficiente tratando-se de solução alternativa de conflitos.

O objetivo principal da mediação com certeza está voltado para a satisfação dos interesses das partes.

No entanto não se pode perder de vista os desgastes que a demora excessiva de uma demanda judicial pode causar tanto emocionalmente para as partes como também é a causadora de muitos prejuízos sociais.

Os prejuízos financeiros afetam toda sociedade, que paga por um sistema lento e ineficaz.

A Justiça atrasada muitas vezes se transforma em injustiça, a prestação quando tardia nem sempre atinge a sua efetividade, e as medidas alternativas de solução de conflitos vêm ao encontro dessa necessidade de mudança

A mediação é a intervenção de uma terceira pessoa, neutra, que possa através de métodos específicos facilitar o diálogo entre as partes, e com isso extinguir o conflito, ou ao menos amenizá-lo e tornar possível um diálogo entre as partes.

A mediação tem que ser exercida por um estranho ao caso, o mediador tem as mesmas obrigações de confidencialidade e responsabilidade que um auxiliar da justiça, pois está revestido de tal forma.

          As matérias passíveis de mediação são diversas, podendo ser no âmbito civil, criminal, etc. respeitando a disponibilidade do direito discutido.

            Importante se faz salientar a vontade das partes em participar dessas reuniões com intuito de conciliar, o acordo deverá ser claro e satisfazer ambas as partes, e para isso a voluntariedade é fator imprescindível.

Assim nas palavras de Eliane Noronha Nassif:

Parece não haver dúvida de que a conciliação deve ocorrer sem vícios quanto à manifestação de vontade. Para que a vontade seja livremente expressa, ela precisa ser analisada. Um aspecto de crucial importância para a garantia de igualdade entre as partes, e também para a legitimidades das partes na negociação, aspecto preliminar, é o objeto a ser submetido à conciliação: se disponível ou relativamente indisponível [...] (NASSIF 2005 p.12)

            O mediador primeiramente deverá ter a alma pacífica e estar disposto a amenizar a situação e nunca promover duelos entre as partes.

O mediador pode ter sua formação original em qualquer área do conhecimento humano, tal como direito, psicologia, assistência social, pedagogia etc. O que importa é que o mediador tenha orientação específica em mediação, pois informações especiais a respeito de postura, ética, sigilo e principalmente o saber ouvir deverão ser trabalhados no profissional que promover a mediação ou conciliação.

Mediadores de diferentes áreas do conhecimento proporcionam uma soma de habilidades e experiências, em benefício das partes, possibilitando um olhar diferenciado para o caso a ser resolvido.

Essa diversidade justifica a importância de uma equipe multidisciplinar para o acolhimento das pessoas envolvidas em conflitos, a sensibilidade de cada profissional envolvido auxiliando no deslinde da questão, e ainda quando preciso um olhar técnico sobre a questão amparando o caso com profissionalismo.

É certo que qualquer mudança geralmente não é recebida com muito entusiasmo, e com as medidas alternativas para a solução pacífica de conflitos não poderia ser diferente.

Muitos obstáculos são encontrados para a implantação das medidas pacificadoras, um desses obstáculos é o mesmo encontrado pela promoção da justiça em geral, a falta de estrutura e de pessoas.

No entanto, mesmo com a existência de alguns obstáculos, temos no Brasil muitos operadores do Direito dispostos a cada vez mais promover melhorias na prestação da tutela jurisdicional.

A respeito do tema merece destaque a seguinte lição da Ministra Fátima Nancy Andrighi, Secretária da Escola Nacional da Magistratura, publicada na Revista oficial dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul (RJE 25/42):

 

"É costumeira a dificuldade que se experimenta, especialmente no seio da comunidade jurídica, quando a legislação introduz profundas modificações nas rotinas dos serviços judiciários. Mais agravada, ainda, é a reação quando se propõe a participação de uma terceira pessoa, não-investida das funções jurisdicionais, para desenvolver e colaborar no cumprimento dos atos processuais - a exemplo da audiência de conciliação, presidida por Conciliador recrutado especialmente para esta função [...] O trabalho de recrutamento foi feito entre os advogados que estão se preparando para os concursos da Magistratura e do Ministério Público. Nesse momento, observa-se a disponibilidade incondicional dos profissionais do Direito em querer auxiliar a Justiça na busca do aperfeiçoamento da entrega da prestação jurisdicional, devido ao número significativo de colegas que se apresentaram para a tarefa. O segundo passo foi o treinamento intenso a que esses profissionais foram submetidos, salientando que as reuniões de estudo e de preparação, bem como as audiências simuladas foram realizadas fora dos horários de expediente e, em sua grande maioria, nos finais de semana, utilizadas as próprias salas das Varas Cíveis. [...] Hoje, os Conciliadores Judiciais estão desenvolvendo seu trabalho, em caráter experimental, em oito Varas Cíveis no plano-piloto, com excelentes resultados, onde o sucesso obtido nas conciliações aproxima-se dos setenta pontos percentuais, mas que certamente serão ampliados, pois a determinação dos valorosos Juízes em se submeterem a essa experiência pioneira demonstra a angústia de seus corações por uma Justiça melhor, evidenciando a visão contemporânea de seus papéis, que não mais restringem à prolação de sentenças, mas alçados à missão de devolver à sociedade, a paz. Dessa experiência que acabamos de relatar, fica patente que, aos poucos, Juízes e advogados em parceria, aqueles implementando com meios mais modernos os serviços judiciários, e estes colaborando “incansavelmente para tal implementação, haverão de ver realizado o alcandorado sonho de democratização da Justiça, cumprindo, afinal, o dispositivo constitucional que lhes confere papel indispensável no sistema judiciário pátrio.” [...]

 

O parecer acima não poderia ficar à margem deste trabalho, já que demonstra a necessidade da implantação de medidas de pacificação social e junto exemplos de sucesso que a implantação já traça em alguns tribunais.

A maior dificuldade relatada foi a abertura para o novo, e também uma brecha na já tão apertada pauta para implantação da novidade.

Diante da atualidade e necessidade de uma adequada regulamentação do tema, neste trabalho busca-se demarcar os contornos da mediação judicial e analisar sua viabilidade e necessidade no sistema processual.

O diálogo é a principal ferramenta para o mediador, o uso correto dessa ferramenta conduz as partes para que melhor administrem seus problemas e consigam alcançar uma solução.

Observa-se no Código de Processo Civil, artigo 277 § 1º, a inexistência de regulamentação específica para as cessões de mediação e conciliação, podendo essa norma ser de aplicabilidade imediata.

A lei complementar Estadual número 851 de 1995, que regulamenta os Juizados Especiais do Estado de São Paulo, prevê alguns requisitos para o recrutamento de conciliadores e mediadores.

A Corregedoria Geral de Justiça também se posiciona a respeito de requisitos balizadores no processo de recrutamento de conciliadores e mediadores. 

No geral esses pareceres são no sentido de indicar uma postura ética e auxiliadora, porém neutra dentro do processo de conciliação e mediação, buscando pessoas que realmente estão comprometidas com a causa.

Vejamos um trecho do parecer da Corregedoria Geral de Justiça que também discorre favoravelmente sobre a atuação dos Conciliadores.

 
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral:Trata-se de expediente no qual se noticia a realização de audiência sem a presença do Magistrado. Em suas informações, o MM. Juiz esclarece que, a fim de dinamizar a solução dos processos que tramitam pela vara cumulativa (seis mil feitos), realiza audiências, quase simultâneas, na jurisdição comum e nos feitos da infância e juventude. E com base nos artigos 125, II e IV, 277, § 1º e 599, I, todos do Código de Processo Civil, a fim de agilizar a prestação jurisdicional designa audiência preparatória de conciliação para questões de menor complexidade, a exemplo das ações de alimentos, execução de alimentos de valores reduzidos e cobranças de até 03 (três) salários mínimos.Alega, ainda, que jamais faltou a uma audiência e que nas hipóteses mais simples a escrevente antecipa a elaboração da ata antes mesmo da chegada do Magistrado à sala respectiva. Por fim, o Magistrado cita o Enunciado 06 do VII Encontro Nacional dos Coordenadores dos Juizados Especiais Cíveis, que orienta no sentido de que "Não é necessária a presença do Juiz togado ou leigo na sessão de conciliação". É o relatório.Conforme estabelece o § 1º do artigo 277 do Código de Processo, que disciplina as audiências do Procedimento Sumário, "A conciliação será reduzida a termo e homologada por sentença, podendo o Juiz ser auxiliado por conciliador"[...].(Revista oficial dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul (RJE pg. 25 a 42)

 

Neste parecer tem-se a clara tendência de organização dos órgãos envolvidos na mediação, na verdade mais que uma tendência, uma realidade que já aflora em várias partes do País.

Todas as providências são tomadas as voltas do Código de Processo Civil, baseando-se na legalidade e em princípios Constitucionais balizadores do ordenamento jurídico brasileiro.

Ainda neste texto:

 

 

A experiência com os conciliadores, em regra estudantes dos últimos anos das Faculdades de Direito e com vocação para a carreira da Magistratura, há muitos anos é desenvolvida com absoluto sucesso em inúmeros Juizados Especiais Cíveis de todo o Brasil, nos termos do artigo 7º da lei 9099/95. No Estado de São Paulo, atualmente, há mais de 1.000 (um mil) conciliadores auxiliando nos Juizados Especiais Cíveis, relevante serviço público honorífico que muito tem contribuído para o aprimoramento e para a celeridade dos serviços jurisdicionais. A regra do § 1º do artigo 277 do Código de Processo Civil dispensa regulamentação específica e desfruta de aplicabilidade imediata.Afinal, a competência dos Juizados Especiais Cíveis (artigo 3º da lei 9099/95), que há muitos anos já conta com o auxílio dos conciliadores, é mais ampla do que aquela estabelecida pelo artigo 275 do Código de Processo Civil, podendo, por isso, serem utilizadas as regras da Lei Complementar Estadual 851/98 (que disciplina os Juizados no Estado de São Paulo), em especial seus artigos 10, 11 e 12, para o recrutamento e a atuação de conciliadores para atuação nos processos sumários das Varas Comuns.[...]

(Revista oficial dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul (RJE pg 25 a 42)

Atualmente, existe uma preocupação com a capacitação dos auxiliares da justiça, cursos e orientações sobre procedimentos vêm sendo propagadas para que esse auxílio seja eficaz e cada vez mais venha ao encontro dos objetivos das medidas pacificadoras.

O parecer apóia suas razões na ausência de requisitos vista no CPC, artigo 277 § 1º, e realça firmemente a necessidade das cessões de conciliação para melhor viabilizar os muitos processos atualmente em trâmite.

A medida é legal e vem ganhando adeptos em larga escala, e principalmente alcança o objetivo que propõe a pacificação social e o auxílio ao judiciário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 A IMPLANTAÇÃO DE MEDIDAS PACIFICADORAS NA ESFERA PENAL EM UM MOMENTO PRÉ-PROCESSUAL.

Após todos os argumentos favoráveis sobre as medidas pacificadoras e também de todos os relatos de sucesso que esta vem alcançando na esfera cível, já se torna viável a idéia de implantação destas medidas em assuntos criminais.

Importante dizer que a mediação também pode ser feita em se tratando de matéria penal. Nos casos de crimes sujeitos à ação penal privada ou à ação penal pública condicionada, a mediação poderá culminar na renúncia da queixa-crime ou da representação, lembrando que em casos enquadrados na Lei Maria da Penha a possibilidade de renúncia exige algumas peculiaridades, nestes casos é necessário a realização de uma audiência exclusivamente para este fim.

Quando o caso é sujeito à ação penal pública incondicionada, têm-se na mediação benefícios, não para transacionar sobre o direito de ação, que pertence ao Estado, mas apenas para que as partes dialoguem, caso queiram preservar seu relacionamento.

Vários modelos de solução pacífica de conflitos estão nascendo e vale a pena prestar-lhes uma atenção especial dada importância de seus objetivos. Vemos esse surgimento na obra a seguir:

Multiplicidade dos modelos e submodelos de mediação e conciliação: de qualquer modo, certo é que a mediação e a conciliação, no Direito comparado, estão dando lugar ao nascimento de a uma rica gama de modelos e submodelos de solução consensual de conflitos (judicializados, não judicilizados , desformalizados, desistitucionalizados, comunitários, etc.) No Brasil particular referência deve ser feita à Lei dos Juizados Criminais (Lei 9099/95, art. 76), que admite a solução do conflito penal por meio de transação. (GOMES,MOLINA E BIANCHINI, 2007, p.36)

 

O fato de já existirem medidas como a transação em crimes de menor potencial ofensivo, claro que com a observância de todos os requisitos previstos na lei 9.099/95, em nada fica prejudicada a possibilidade da implantação de medidas pacificadoras em um momento pré-processual.

Os avanços obtidos com a referida lei são notórios e é nesta linha de sucesso que as medidas pacificadoras encontram espaços para juntamente atuar na resolução pacífica de conflitos, principalmente naqueles que envolvem famílias e pessoas que continuarão a se relacionar no dia a dia.

Com a implantação deste procedimento no direito penal, surge a necessidade de regulamentação mais específica, principalmente para o recrutamento dos voluntários a operacionalizar o procedimento de mediação e conciliação.

Uma implantação efetiva eis que propostas de lei já foram lançadas e ainda não surtem efeitos adequados para o cenário atual.

A Proposta de Lei 107/ X ao defender seus motivos apóia-se na obrigatoriedade da existência de mediação penal em cumprimento ao Estatuto da Vítima e também na Decisão Quadro 2001/220/JAI do Conselho, de 15 de março de 2001, que em seu artigo 10º exige aos Estados-Membros que promovam a mediação nos processos penais relativos a infrações que consideram adequadas. (PROPOSTA DE LEI N.º 107/X)

Esses casos considerados adequados dizem respeito aos crimes contra, violação de domicilio entre outros, pontuando apenas que em crimes contra a honra o Código de Processo Penal já prevê a possibilidade de retratação, ressalvados os requisitos legais para tal prática.

                        É preciso muita lucidez ao selecionar os casos que comportam a mediação sem que ela atrapalhe ao invés de ajudar. Existem crimes que jamais poderão ser abarcados por uma mediação, alguns pelo fato de não ofenderem a vítima somente, mas sim o Estado, e outros pela própria gravidade patrimonial irreparável.

A mediação é uma forma de resposta estatal, embora possa surgir em outros moldes, vejamos:

Conciliação e Mediação constituem a base de um novo “modelo” ou “estilo” de reposta ao comportamento delituoso: modelo muito ambicioso em seus objetivos (pretende satisfazer as legítimas expectativas de todos os implicados no confronto criminal: infrator, vítima, comunidade e Estado), mas bastante flexível em suas técnicas e procedimentos. (GOMES,MOLINA E BIANCHINI, 2007, p.37)

 

 

Quando um ilícito penal ocorre, o primeiro contato que os queixosos têm na busca da tutela do Estado é uma delegacia de polícia. Esse ambiente geralmente já causa desconforto às partes, principalmente quando as relações que envolvem o conflito são relações familiares, que não acabam com a confecção de um boletim de ocorrência.

                    Infelizmente essas ocorrências evoluem para condutas mais graves e até mesmo irreversíveis.

                        A implantação de câmaras de conciliação dentro de delegacias de polícia, acolhendo as partes no exato momento em que elas buscam por ajuda, viria ao encontro da necessidade das partes em encontrar uma solução para seus problemas.

                        È evidente que em casos graves onde já exista uma conduta criminosa em alto grau de complexidade as câmaras de conciliação nem atuariam.

                        O que ocorre é que inexiste um momento em que as partes tenham um meio termo, ou seja, um momento de diálogo e de reflexão sobre a postura que querem adotar a partir de uma ocorrência policial.

                        Projetos similares já começam a despontar como pilotos em alguns locais do país, é o caso da cidade de Lins no interior de São Paulo, O Jornal da Cidade de Bauru noticiou em 19 de julho de 2010 a implantação de um projeto piloto.

Lins – Com o objetivo de agilizar a resolução de crimes de menor potencial ofensivo, desafogando, assim, o Poder Judiciário e o Ministério Público, a Polícia Civil irá implantar em Lins (102 quilômetros de Bauru) o Núcleo Especial Criminal (Necrim), um projeto pioneiro que pretende servir de exemplo para outras cidades da região [...] A partir de então, a unidade de Lins, escolhida para ser piloto da implantação do núcleo na região, passou a fazer estudos e contatos com o Poder Judiciário [...] No Necrim, serão centralizados os registros e atos de Polícia Judiciária relativos às infrações penais de menor potencial ofensivo como ameaça, injúria, dano, difamação, lesões corporais leves e culposas, dentre outras. Assim que a ocorrência for registrada, será agendada uma audiência para buscar a conciliação entre as partes envolvidas, medida que deverá desafogar o Poder Judiciário e o Ministério Público. (JORNAL DA CIDADE DE BAURU- 19-06-10)

 

 

                        Embora pareça modesto o projeto tem formas bem parecidas com os moldes aqui propostos, ou seja, uma recepção diferenciada aos atos em desacordo com a normatização vigente, dando uma oportunidade de diálogo e reparação às partes.

                        Um processo muitas vezes é iniciado na busca da parte por uma vingança, em seu momento de raiva, e, muitas vezes já se sentindo injustiçada e não ouvida, busca em sentenças condenatórias a satisfação pessoal.

                        Esse momento pré-processual proposto seria esse meio termo, um momento de diálogo, que seria facilitado por dois fatores: um seria a intervenção de uma terceira pessoa capacitada e com orientações sobre as consequências de as partes seguirem adiante com as acusações, e o outro seria a possibilidade de o não esclarecimento dos fatos poder seguir adiante na forma de um processo crime.

                        Uma agressão doméstica, por exemplo, tanto partindo do homem quanto da mulher, é um assunto a ser resolvido por uma equipe multidisciplinar, pois envolve uma série de fatores que jamais se findam com uma simples queixa, ou uma condenação para a parte agressora.

                        Uma ocorrência muitas vezes é um grito de socorro, e esse grito não pode ser sufocado, pois já existem muitos exemplos onde o que se assiste é uma progressão de atos cada vez mais graves e que levam à morte de pessoas.

                        Uma câmara de conciliação no ambiente de uma delegacia poderia promover o encaminhamento das partes conflitantes a diversos setores da assistência social de cada município.

                        Se pai e filho, por exemplo, chegam a vias de fatos por conta do alcoolismo de uma das partes e são levados a uma delegacia, e neste momento são atendido por conciliadores, esses auxiliares poderão em um primeiro contato detectar o problema e encaminhar a pessoa a uma assistência específica a fim de solucionar a causa do problema e não seus efeitos.

                        Esse caso envolvendo familiares é um exemplo muito forte, pois retrata uma situação que ocorre com muita frequência. Essa frequência é alarmante e não ocorre por acaso, ocorre por que a causa do problema não é tratada.

                        Não se trata de terapia familiar dentro de uma delegacia, mas sim de um olhar mais atento para pessoas com potencial de agressividade.

                        As partes conflitantes ainda continuaram se relacionando diariamente na maioria dos e, portanto, não prossegue com as queixas, ou prossegue em um processo que não terá a mínima utilidade para a parte.

                        Se uma das partes é condenada a serviços voluntários ou a alguma pena alternativa, a satisfação da medida imposta afetará a família como um todo e não somente o agressor, que na maioria dos casos se furtará da economia doméstica para cumprir sua condenação.

                        Trata-se de prestação ineficaz e sem fundamento. Seria colocar o sistema todo em movimento gerando despesas desnecessárias e ainda não atendendo os interesses das partes.

                        Ineficácia do serviço público e cultivo de um sistema que não sana as causas e sim reluta com os resultados.

É claro que, assim como na área cível, a resistência seria o maior problema para implantação das medidas pacificadoras, mas não se pode deixar de levar em consideração que o que está em pauta é a vida das pessoas.

A questão é que a intervenção equivocada é mais gravosa do que a não intervenção.

A finalidade do Judiciário para a resposta a questões do interesse das partes é fundamental. Deve começar e terminar no menor tempo possível, o que não é respeitado, mesmo depois que a Constituição impôs a razoabilidade da duração (artigo 5º, 78). Deve-se ter como base a exigência do preceito magno para e efetivação da prestação jurisdicional.

César Roberto Bitencourt define o princípio e esclarece a limitação do Estado:

O princípio da intervenção mínima, também conhecido como “ultima ratio”, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. (BITENCOUT 2006, p. 13).

 

O uso deste último recurso, a maneira mais radical de combate à criminalidade, deve ser evitado afim de que quando for solicitado realmente funcione. Tem-se claramente a previsão de outros meios de controle social, e por esses meios não podem ser utilizados de forma efetiva com o intuito melhorar a prestação da tutela jurisdicional nos casos em que for realmente necessário.

O fato é que o direito penal estará sempre a disposição de todos. Cabe, porem, que se poupe este recurso para que ele possa ser eficaz e atenda às demandas de forma célere, como estabelece a Constituição em vários de seus princípios.

                    Propostas de criação de meios que possibilitem a prática de condutas de pacificação social devem ser acolhidas com um olhar atencioso, pois estas não têm a pretensão de limitar a atuação profissional de quem quer que seja, pelo contrário a busca se define em otimizar o trabalho de cada profissional, dando a este a possibilidade de trabalhar mais e melhor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, tudo medido e contado, tudo visto e revisto, pode-se concluir que o Princípio da intervenção mínima é atualmente um dos princípios norteadores do Direito Penal e vem encontrando defensores em larga escala.

Consiste basicamente em emoldurar um cenário onde haja o mínimo de intervenção possível, protelando a intervenção penal ao máximo. E mesmo com a mínima figuração do Estado, todas as garantias atribuídas às pessoas, embasadas na dignidade da pessoa humana, estariam asseguradas.

Seria essencialmente uma tentativa de efetivar a prestação jurisdicional já existente, aperfeiçoar e fazer melhor, sem que essa melhora afete de forma brusca as pessoas.

Esses princípios, mesmo com muitos adeptos, ainda encontram restrições por parte de magistrados, membros do Ministério Público, enfim, pessoas que tiveram uma formação positivista e que ainda resistem a essa tendência.

À primeira vista, o minimalismo penal é enxergado e temido por um receio de que seu objetivo seria abolir a norma.

A proposta do abolicionismo, ao contrário do que se prega, não visa acabar com o Direito Penal, mas sim delimitar sua utilização, otimizar a atuação desse meio tão incisivo, para que com isso este ramo do direito possa, à altura, promover a resolução dos conflitos penais com máxima eficiência, uma eficiência buscada sempre e alcançada poucas vezes.

Além da redução drástica de aplicação, também se prega mais cautela no que tange a novas criminalizações, seja, sobretudo, propugnando por uma ampla descriminalização, senão também a intensidade e também o grau da resposta estatal, principalmente quando se trata de pena de prisão. Esses são os traços do processo de despenalização.  

Como salientado anteriormente, o Direito Penal é o modo mais incisivo de controle, e nesse cenário deverá ser invocado somente em casos necessários e extremos, que justifiquem a medida.

O que se busca é a proteção de bens considerados mais valiosos para a vida em sociedade e, mesmo assim, quando estes não possam ser tutelados por outros ramos do Direito; nisso reside o princípio da intervenção mínima, o qual funciona como um limite ao poder punitivo estatal. Logo se nota que deverá ser usado como um controle à intervenção.

O princípio da intervenção mínima pode ser ilustrado de uma forma bem simples e objetiva.

Imagine aquele irmão mais velho que consequentemente é mais forte, e que só é solicitado, chamado pelos irmãos mais jovens, quando o caso é grave, e lhes foge ao controle, caso em que eles mesmos não são capazes de resolver a situação. Caso contrário, nem se perturba o irmão.

Em alguns casos o que se vê, ilustradamente, é que o irmão vem a baila e não defende, não apazigua, enfim não ameniza a situação mas, sim, a agrava muito mais.

O direito penal é uma ferramenta magnífica, porém deve ser usado com cautela para que ao acautelar um bem, não balance outros ao seu redor.

Mas embora seja uma tendência forte e bem aceita, a intervenção mínima também encontra resistências.

É neste outro lado, em que as opiniões se divergem. Acredita-se que a ausência da pena, assim como a insuficiência desta, pode gerar na sociedade um sentimento de impunidade, encorajando a prática de condutas ilícitas, motivados pela certeza da impunidade ou mesmo pela certeza de que o crime compensa baseado, na pena branda, e também na dificuldade dos poderes competentes em paralisar certos tipos de ações.

A pena em retribuição ao ato cometido só pode ser aplicada pelo Estado, que, em alguns casos, pode e vem utilizando em casos específicos medidas para substituir esta aplicação. As alternativas de pacificação são mais claras e mais utilizadas na esfera Cível, tendo em vista que para assuntos na esfera Criminal quando cabível, o método a ser utilizado até então é a Transação Penal.

A transação penal é proposta pelo Ministério Público, e a pessoa a ser beneficiada com essa transação tem que satisfazer a alguns critérios, e quanto ao ato cometido também. Lembrando que nesses casos o ofendido é o Estado, pois assumiu para si esse controle.

Aqueles que não concordam com a intervenção mínima a enxergam como um laxismo a norma, uma premiação ao infrator “moderado”, pregando que sua conduta é aceitável desde que seja comedida.

Seria como premiar com a impunidade aquele que se enquadra nos limites de aceitação da sociedade.

Partindo desse princípio, a falta não estaria apenas na concessão de benefícios não merecidos, mas também na ausência de providências causadas pela ausência de estrutura.

Para os que defendem a intervenção máxima, basta saber que a preocupação com os direitos das pessoas também reside nas medidas de pacificação social, talvez até de maneira mais intensa.

Do princípio da intervenção mínima decorrem mais dois princípios: princípio da subsidiariedade e princípio da fragmentariedade e deste último ainda o princípio da bagatela ou insignificância, e todos esses princípios aqui explicados reforçam a idéia de que o Estado deve, sim, intervir, mas somente em caso que nada além dele é capaz de sanar o problema.

A ideia é simples, porém se, implantada com seriedade, pode representar um grande passo para a democratização da justiça, para o oferecimento eficaz da tutela jurisdicional para aqueles que realmente dela necessitam.

Trata-se da implantação de alternativas para a resolução pacífica de conflitos; mediação, conciliação e em alguns casos a arbitragem.

A mediação penal já existe em projetos piloto em vários locais, só que ocorre em um momento já avançado do conflito. Nesse momento a máquina judiciária já foi acionada e isso já gerou um alto custo para o Estado.

                        A mediação acontecendo em câmaras instaladas em delegacias, e também delegacias especializadas, em um ambiente preparado para receber as partes e acolhe-las dentro de suas necessidades faria de grandes impasses mediações e conciliações de sucesso.

                        O ambiente seria formado por uma equipe multidisciplinar que envolveria assistência social, amparo psicológico e também assistência jurídica para elaboração de acordos consistentes e executáveis.

                        As pessoas que buscam esses locais (geralmente delegacias) querem soluções rápidas e não a morosidade de um sistema já doente e incapaz de solucionar, por menores que sejam, os conflitos a ele apresentados.

                        Em um acidente de trânsito, por exemplo, as partes vão parar em uma delegacia, muitas vezes ainda feridas e assustadas com o ocorrido, e o que encontram é uma série de documentos a serem assinados, diversas perguntas e ainda se confrontam com a outra parte envolvida ,que, não menos assustada, não sabem o que fazer.

Como se essa situação toda já não fosse suficientemente trágica, as partes ainda saem deste local sem nenhum de seus problemas resolvido, sem uma promessa ou compromisso de reparação para seu veículo, sem uma garantia de que as informações, endereços prestados no boletim de ocorrência são verdadeiras, saem somente com a falta das horas que ali ficaram.

Se o caso fosse amparado da maneira aqui sugerida, o primeiro passo seria a acomodação das partes seguida de um pequeno período de pausa para que os ânimos se acalmassem e, só depois, suas histórias seriam ouvidas.

Depois desse momento as orientações sobre as consequências de um processo crime e os desdobramentos para ambas as partes deveria ser esclarecido, para que as partes tenham escolha se querem ou não ser submetidas ao procedimento de mediação já que este tem seu sucesso estabelecido sobre da vontade das partes em solucionar pacificamente o conflito.

                        A normatização excessiva dos meios e a regulamentação de técnicas para a mediação e conciliação não seriam um caminho viável eis que esse tipo de escolha técnica ficaria a cargo do profissional que conduz a medida pacificadora. O que se faz importante é a clareza dos crimes que podem ser encaminhados para uma medida como a mediação.

                        O bom senso aliado com a legislação penal já existente seria um ótimo parâmetro para o encaminhamento de casos.

                        Quando o ofendido, por exemplo, tem idade inferior a 16 anos, é claro, na legislação penal, sua incapacidade para gerir determinados assuntos, e não seria diferente em uma cessão de mediação, onde este ficaria impedido de transacionar sobre as questões ali tratadas.

                        A gravidade do crime e a qualidade do ofendido delineariam os rumos de um possível processo crime. Ocorrendo mais essa classificação estaria presente em mais uma forma, a individualização da pena, sendo esta feita por quem mais tem legitimidade para tal ato, o ofendido com a conduta criminosa.

                        Por quantas vezes existe a vontade de voltar atrás no tempo e reparar algo de errado que aconteceu, essa vontade pode se traduzir em uma reparação eficiente tanto para o patrimônio ou outro bem do ofendido, quanto para a consciência da outra parte. Basta que existam meios para essa prática.

A intervenção do Estado não deve ser rotulada como mínima ou máxima, ela deve ser apenas eficaz, buscando, sem fórmulas ou regras rígidas, a ponto de nada ser permitido fora delas, a satisfação do interesse das partes que a buscam.

Existe hoje um chamamento a cada responsabilidade, não há mais lugar para culpados ou inocentes, vilões ou vítimas, todos nós somos responsáveis pelos sistemas que adotamos e permitimos que nos orquestrem.

Se quisermos justiça, não é justo que busquemos nela a satisfação de todos nossos anseios pessoais e caso não nos baste, atribuirmos também a ela nossas frustrações e nossas derrotas.

Também não me parece legítimo apontar o caos e nada propor. Eis as possibilidades despontando. Só nos basta aceitá-las sem as crostas de vaidade que adquirimos ao longo de nossa formação.

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

 

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Publisher July 19, 2010 Notícias Leave a Comment
Do Jornal da Cidade de Bauru WWW.apamagis em 02-05-11

 

Parecer Publicado na Revista oficial dos Juizados Especiais do Rio Grande do Sul (RJE 25/42):

 



1 Aula de Direito Penal, ministrada pela Prof. Patrícia Vanzolini, no Curso Reta Final MPU, em 22/05/2010. Disponível no site www.lfg.com.br. Acesso em 17/01/2011.