A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS E O RECONHECIMENTO DO MULTICULTURALISMO QUE A ANTROPOLOGIA REVELA

 

Lidiane Pinto Cassas de Araújo[1]

Mel dos Santos Trindade

  

Sumário: : 1 Introdução;  2  A Universalidade dos Direitos Humanos;  3  O Multiculturalismo;  4   A Antropologia perante os Direitos Humanos e a Antropologia; 5 Conclusão.

 

RESUMO

Aborda-se o tema dos Direitos Humanos, com ênfase na inter-relação entre antropologia, universalização e multiculturalismo. Faz-se uma breve análise sobre a perspectiva de universalidade sobre a visão do Direito.  Realiza-se uma análise, proposta pela antropologia, sobre a consciência social, realizando a aceitação das diversas culturas.

 

PALAVRAS-CHAVE

Universalismo. Direitos Humanos. Multiculturalismo. Antropologia.

 

1 INTRODUÇÃO

            Os Direitos Humanos vêm reconhecer a dignidade inerente a todos os cidadãos que se fazem presentes na atualidade. Sua Declaração foi assinada em 1948, a fim de assegurar os direitos fundamentais de todos os seres humanos, tais como: vida, liberdade e segurança pessoal. No entanto, percebemos que a universalidade dos Direitos Humanos é uma teoria utópica, visto que, na prática, ela não se aplica a todos os homens.

            Numa perspectiva antropológica, englobaremos o multiculturalismo: teoria que  defende as várias relações existentes e as diferenças entre as culturas. Nos motins culturais, problematizaremos a educação, a “guerra dos sexos” e as reivindicações identitárias.

            Por fim, objetivaremos a concretização dos Direitos Humanos, tendo em vista a intersecção entre a universalização e o multiculturalismo, monitorados pela antropologia, a fim de realizar seu harmonioso reconhecimento.        

2 A UNIVERSALIDADE DOS DIREITOS HUMANOS

            Em se tratando da universalidade de tais direitos, pode aparentar ser um paradoxo, já que no momento presente o que ocorre constantemente é a violação destes. Neste paradigma universalista, é possível identificar regulamentações no campo dos direitos em questão, os quais se aproximam em suas duas direções; pois, afinal, deve-se ressaltar que qualquer problema relativo a eles faz surgir uma relação vertical e outra lateral.

            A primeira das relações diz respeito aos direitos civis e políticos, os quais dizem respeito às relações entre o cidadão e o poder. Já a segunda relação remete os direitos econômicos e sociais que, no regimento interno, exigem do Estado contribuições em benefício aos menos favorecidos feitas pelos cidadãos mais afortunados e, no plano internacional, a subsídio dos países ricos àqueles em desenvolvimento baseados em uma coação jurídica.

            André-Jean Arnaud afirma que a ideia do universalismo é produto do pensamento filosófico ocidental qualificado pela perspectiva etnocentrista, na qual os valores reais para o ocidente se direcionam aos cidadãosem geral. Talideia também está regularizada essencialmente sobre o subjetivismo (doutrina de que o supremo bem depende da experiência subjetiva), do qual surgiram as Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão.

O princípio da universalidade decai sempre que se elimina alguém da ideia deliberada de direito, e consequentemente advém à regressão para o mesmo da própria noção de direito. Nesta mesma linha de raciocínio que Paulo Bonavides critica os ataques que vão contra o universalismo dos direitos fundamentais, que é uma tendência atual.

A nova universalidade dos direitos fundamentais os coloca assim, desde o princípio, num grau mais alto de juridicidade, concretude, positividade e eficácia. É universalidade que não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade. A nova universalidade procura, enfim, subjetivar de forma concreta e positiva os direitos da tríplice geração na titularidade de um indivíduo que antes de ser o homem deste ou daquele País, de uma sociedade desenvolvida ou subdesenvolvida, é pela sua condição de pessoa um ente qualificado por sua pertinência ao gênero humano, objeto daquela universalidade.[2]

3 O MULTICULTURALISMO

            O Multiculturalismo é a doutrina de defesa da valorização cultural dos mais variados grupos que compõem a humanidade, e, além disso, defende que ser “diferente” não quer dizer que é melhor nem pior que alguém. Também se opõe à uniformização ou padronização do ser humano, valorizando dessa forma as minorias e suas especificidades, no que concerne que o que há de mais precioso na humanidade é a sua diversidade.

            O Multiculturalismo insere a discussão acerca da diferença, sendo esta o prisma de implantação da problemática do lugar e dos direitos da minoria com relação à maioria. Portanto, pode-se argumentar que é discutida a questão da identidade e seu reconhecimento.

Além dessa discussão, é possível afirmar que a dimensão especificamente cultural é privilegiada. Tal dimensão concentra sua atenção sobre as reivindicações de grupos que não têm necessariamente uma base "objetivamente" étnica, política ou nacional. No mais das vezes, condiz a movimentos sociais, estruturados em torno de um preceito de valores comuns, de um estilo de vida homogêneo, de um anseio de identidade ou pertença coletiva, ou mesmo de uma experiência de marginalização. Frequentemente é esse sentimento de exclusão que leva os indivíduos a se reconhecerem.

            Em concordância com um panorama cultural, os motins culturais podem ser sintetizados em três campos problemáticos, são eles: a educação; a “guerra dos sexos”; e as reivindicações identitárias.

            No primeiro campo, Andrea Semprini crítica o hábito da monocultura de acesso mais prático na escola, em vez de adaptar uma adequação ao Multiculturalismo.

No campo da educação, as polêmicas multiculturais são particularmente violentas. Elas concernem à conveniência e à maneira de enriquecer ou de trocar por uma perspectiva monocultural que dominou o ensino: reforma de textos didáticos, revisão das atuais grades curriculares, introdução de novas matérias, contratação de professores oriundos dos diversos grupos étnicos.[3]

                No segundo campo, o sociólogo delata que o tema central das reivindicações embasadas em identidade sexual e conflitos interpessoais é a questão da identidade feminina e as relações homem/mulher.

O movimento feminista acusa a cultura dominante não somente de ter criado uma sociedade dominada por valores masculinos, mas de ter mascarado seu caráter sexuado, para assim fabricar valores gerais e "neutros". Paralelamente ao processo de objetivação da subjetividade masculina, a opinião e a contribuição das mulheres foram marginalizadas, reduzidas ao silêncio e por vezes ativamente reprimidas.[4]

            Enfim, o terceiro campo aborda as reivindicações de certas minorias a fim de que a chamada Política Identitária (Estados Unidos) tivesse sua especificidade e sua identidade reconhecidas, além de que leis fossem criadas concedendo direitos e privilégios de autonomia política e governamental.

A emergência de uma minoria depende não somente do fato, para o grupo em questão, de chegar a se perceber como uma "minoria", ou seja, como uma formação social apresentando suficientes traços comuns para adquirir homogeneidade e uma visibilidade interna aos olhos de seus membros, mas igualmente pelo fato de conquistar uma visibilidade externa e chegar a ser percebido como "minoria" pelo espaço social circundante.[5]

4 A ANTROPOLOGIA DIANTE DOS DIREITOS HUMANOS E DO MULTICULTURALISMO

            A Antropologia, ao longo de todo o século XX, tentou desenvolver a consciência da humanidade para alcançar e aceitar a abundância de perspectivas culturais e dos julgamentos maniqueístas.

            Entretanto, a tarefa conscientizadora só alcançou seu objetivo no momento atual, assim que as culturas consideradas mais distantes, segundo o panorama ocidental, têm de discorrer e negociar seus direitos nos foros estabelecidos por seus respectivos Estados Nacionais.

            Neste contexto, o antropólogo Richard Wilson ressaltou a disponibilidade dos Direitos Humanos, ressaltando o trabalho da Antropologia, quando inserida na atual conjuntura globalizada na qual o mundo está inserido.

[...] estudar a interconexão e a interação dos processos legais que operam em diferentes níveis. Isto pode incluir o estudo de como a legislação dos direitos humanos vai enquadrando e dando forma às ordens normativas locais e como estas, por sua vez, resistem ou se apropriam da legislação internacional [...], como os atores sociais desenvolvem formas distintas de usar a lei transnacional em tribunais nacionais para constituir um caso como um caso de Direitos Humanos[...], como discursos normativos baseados nesses direitos são produzidos, traduzidos e materializados em uma variedade de contextos[6]

            Já o renomado jurista e antropólogo Boaventura de Sousa Santos, durante o século XXI, foi o principal expoente reconhecedor de uma construção de uma versão multicultural dos Direitos Humanos. Ao formular tal tática, sugeriu o conceito de "hermenêutica diatópica" como ferramenta favorável ao diálogo intercultural dos direitos. A proposição, basicamente, é a de que todas as culturas são, em determinado grau, incompletas, e o diálogo paralelamente realizado entre elas pode prosseguir precisamente através dessa incompletude, desenvolvendo a consciência de suas deficiências, sejam elas grandes ou pequenas.

            Então, o que se pode concluir é que Boaventura, apesar de negar do caráter universal dos Direitos Humanos, crê na edificação gradativa de um “multiculturalismo progressista”, baseado na “hermenêutica diatópica”, ou seja, na reciprocidade dos diversos fragmentos de uma cultura, garantindo o reconhecimento como um todo de forma harmônica.

 5 CONCLUSÃO

            Ao longo da discussão, procuramos objetivar a dependência dos conceitos antropológicos para a análise da Universalização dos Direitos Humanos, entendendo o multiculturalismo como principal requisito para aceitarmos as diferenças culturais, pois ele afirma que não é uma padronização universal dos seres humanos que vai garantir a Universalização. Pelo contrário, ele assegura que a diversidade cultural tem que existir não só para que os seres humanos se identifiquem e se reconheçam, mas também para que entendam e aceitem a existência de outras tradições.

                                                           REFERÊNCIAS

 

MBAYA, Etienne-Richard. Gênese, evolução e universalidade dos direitos humanos frente à diversidade de culturas. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141997000200003&script=sci_arttext>. Acesso em 01 de maio de 2009.

 

ARNAUD, André-Jean. O Direito entre Modernidade e globalização: Lições de Filosofia doDireito e do Estado. Tradução de Patrice Charles Wuillaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

 

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo. Malheiros, 2001.

 

SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Tradução de Laureano Pelegim. São Paulo: EDUSC, 1999. p. 50-59.

 

SEGATO, Rita Laura. Antropologia e direitos humanos: alteridade e ética no movimento de expansão dos direitos universais. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132006000100008&script=sci_arttext>. Acesso em 05 de maio de 2009.

 

SANTOS, Boaventura de Sousa. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

 

WILSON, Richard A.Human rights, culture & context. Anthropological perspectives. Londres/ Chicago: Pluto Press, 1997.

 


[1]  Alunas do 2º período noturno do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco, turma 2008.2. E-mails: [email protected] e [email protected].

[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11 ed. São Paulo. Malheiros, 2001, p. 184.

[3] SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. Tradução de Laureano Pelegim. São Paulo: EDUSC, 1999. p. 50.

[4] SEMPRINI, Andrea. . op. cit. p. 51-52.

[5] SEMPRINI, Andrea. . op. cit. p. 59.

[6] WILSON, Richard A.Human rights, culture & context. Anthropological perspectives. Londres/ Chicago: Pluto Press, 1997.