Discutiremos a união estável na contemporaneidade, para tal, contaremos com a contribuição de doutrinadores, leis e jurisprudências correlatas.

Segundo Rodrigo da Cunha Pereira “considera-se união estável o concubinato more uxório, público, contínuo e duradouro, entre homem e mulher, cuja relação não seja incestuosa ou adulterina” .

Na definição de Basílio de Oliveira “ a união estável se caracteriza pela vida em comum, more uxore, com duração mínima de cinco anos e que demonstre estabilidade e vocação de permanência familiar, com uso em comum do patrimônio” .

Ronaldo Frigini conceitua “ união de um homem e uma mulher que ostentem vida de casados, em comunhão de interesses, independentemente da existência de filhos, residência sob o mesmo teto ou comunhão de bens”, “união estável (...) é sinônima de família sem casamento”.

Álvaro Villaça de Azevedo, define o “concubinato” como sendo “ a união estável, duradoura, pública e contínua, de um homem e de uma mulher, não ligados por vínculo matrimonial ou concubinatário, mas convivendo como se casados, sob o mesmo teto ou não, constituindo, assim, uma família de fato”.

O emprego da expressão “união estável” como forma de designação das uniões extramatrimoniais formadoras de família é defendido pela jurista Marilene Guimarães, para quem após a Constituição Federal de 1988, não se deveria usar mais a expressão concubinato, e sim união estável, como consta do art.226, parágrafo 3º.

“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.”

Os pares deveriam ser denominados de companheiros e não mais de concubinos, utilizando-se esta denominação apenas para os que vivem em concubinato adulterino ou união clandestina, para evitar confusões.

Nosso entendimento sobre a utilização do termo união estável em detrimento a concubinato, deve-se ao fato de entendermos tratar-se de uma denominação estigmatizada e até pejorativa, a utilização desse termo de maneira genérica dificulta a distinção entre dois institutos jurídicos diferentes, união estável e concubinato.

O art. 226 da Constituição Federal de 1988 reconhece expressamente a denominada “união estável” entre um homem e uma mulher como entidade familiar, usando o verbo “reconhecer” porque no campo fático e social essas uniões sempre ocorreram como espécie de família, reparando, o constituinte, um equívoco histórico.

É curioso, e vale aqui lembrar, as expressões usadas em outros países da América Latina para denominar união estável : a Constituição da Guatemala de 1945 denominou união com estabilidade, a Constituição do Peru de 1979 chama de união estável, A Constituição do Panamá de 1946 denomina de união de fato, a Constituição da Nicarágua de 1986 intitula de união de fato.

Analisando o texto Constitucional Brasileiro podemos afirmar ter-se rompido o que tradicionalmente se instalara em matéria de família, desde o inicio da era republicana?

A despeito de ratificada, expressamente, como base da sociedade, e de gozar de especial proteção do Estado, a família não mais se vincula, com exclusividade, ao casamento.

Podemos perceber que o texto constitucional incluiu a união estável como uma forma de família, mas também excluiu a união homoafetiva ao dizer que a união deve ser entre um homem e uma mulher. O legislador relegou a união homoafetiva ao mesmo descaso com que era tratada a união estável antes da Carta Magna de 1988.

A união estável não foi equiparada as casamento pelo que se extrai da norma constitucional. A doutrina, em sua esmagadora maioria, vem interpretando a Constituição de forma a concluir pela inexistência de equiparação do companheirismo ao casamento.

Caso existisse tal identidade, inócua seria a determinação do parágrafo 3º, do art.226, no sentido de se facilitar a conversão da união estável em casamento. Se houvesse a equiparação seria inútil a conversão.Ou seja, a união estável encontra-se num patamar inferior em relação ao casamento, não lhe cabendo todos os direitos a ele inerentes.

A Constituição Federal continua privilegiando o casamento, apenas deixou de considerá-lo a única forma de entidade familiar reconhecida, mas ainda exclui a união homoafetiva como forma de família.

A norma constitucional, segundo a melhor exegese, deve ser interpretada no sentido de haver criado um direito subjetivo público aos companheiros de requererem a conversão da união estável em casamento, exercitável contra o Estado, desde que preenchidos os requisitos para tal. Deste modo, a norma constitucional, no aspecto relativo a conversão, não impõe um dever jurídico aos companheiros, e sim cria direito, pendente de regulamentação, norma constitucional de eficácia limitada ou norma pragmática, segundo a classificação que seja adotada.

Por sua vez, a união entre homoafetivos ainda não está abrangida pela noção de família constituída através do companheirismo nos termos da Constituição Federal. A Carta Magna de 1988 é taxativa ao considerar como família somente o vínculo formado pelo casamento, pela união estável e monoparentalidade.

Com isso, nosso ordenamento, a união de duas pessoas do mesmo sexo, que se assistem e amparam mutuamente, onde há o respeito e o afeto recíproco em uma convivência duradoura, não é considerada uma família e sim, na melhor das hipóteses, uma sociedade.

A questão da impossibilidade de um casal homoafetivo gerar filhos não pode ser sustentada para negar o caráter de entidade familiar a essa união, pois muitos casais heteroafetivos não podem ter filhos, é uma opção voluntária de muitos casais heteroafetivos na atualidade, muitos países, inclusive, impõem sérias restrições de controle de natalidade aos seus cidadãos , como por exemplo na China.

A união estável, sem duvida, atingiu notáveis avanços no nosso país com a Constituição Federal de 1988. Mas a união homoafetiva continua numa situação frágil diante e nossas leis, o que coloca o Brasil numa posição que o equipara aos países mais atrasados do mundo. Apenas a América Latina, África do Sul, e a Ásia ainda não criaram leis que possam responder às necessidades das pessoas que compartilham de preferência sexual homoafetiva. O Brasil, considerado um país em desenvolvimento, com sua votação natural de potência latino-americana deve ser o pioneiro na legalização da união homoafetiva como provas e exemplo de que é um país avançado e receptivo às mudanças sociais.

Nos perguntamos quanto tempo ainda será necessário e quantas pessoas deverão ser prejudicadas, até que nossas leis reconheçam a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar?

A união estável foi tratada durante décadas com o mais absoluto desprezo pelo legislador. Ao fechar os olhos diante da realidade social, o legislador marginalizava famílias formadas pelo afeto, sem a feição legal. A rigidez da lei errou ao excluir, ao invés de cobrir de legalidade aquelas famílias formadas fora do casamento.

O mesmo tratamento jurídico ocorre, atualmente, com as uniões homoafetivas, e ocorria há mais de cinqüenta anos com as uniões estáveis no Brasil, as uniões de pessoas do mesmo sexo permanecem ignoradas pelo ordenamento jurídico pátrio que não assegura aos parceiros direitos previdenciários, direitos sucessórios, direito ao benefício do seguro saúde ou qualquer outra garantia legítima em uma união estável tradicional.

Mesmo a doutrina, ainda continua reticente quanto ao assunto e as poucas manifestações a respeito são encharcadas de preconceito.

Entendemos que o pensamento jurídico deve ser voltado a atender o ser humano de maneira a colocá-lo paralelo à lei e não a reboque dela. O papel do direito é antecipar-se na fundamentação de atos sociais e humanos para não tornar-se um direito caótico e retrógrado.

Falta pouco para que a união estável alcance o status de casamento, esse é o caminho natural para o instituto, que em tudo se assemelha a união formal, e , portanto, não deve pertencer a uma categoria inferior.

A união homoafetiva tem recebido importantes iniciativas de pessoas que entendem a necessidade de regulamentar essas uniões que se formam à mercê da lei. O projeto de lei de autoria de Marta Suplicy , então deputada federal, apresenta importantes avanços para as pessoas que vivem nessa situação de união de fato não reconhecida pelas leis em vigor no país.

Em uma recente campanha do atual governo federal, veiculada na televisão para a conscientização sobre o uso de preservativo por parceiros do mesmo sexo, demonstra uma mudança na mentalidade da sociedade brasileira que já aceita com mais espontaneidade e tolerância essas uniões e até apóia a decisão como uma atitude honesta com os sentimentos daqueles que têm preferências homoafetivas. A campanha do Ministério da Saúde é “Respeitar as diferenças é tão importante quanto usar camisinha”.

Em um país onde a Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei, juízes e advogados precisam, ainda, buscar “brechas na legalização” para conceder direitos aos casais homoafetivos. Onde está o principio da justiça que deve impregnar toda a qualquer lei ou decisão jurídica?