A UNIÃO ESTÁVEL E A EVOLUÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO NO RECONHECIMENTO DESTA E NOS RELACIONAMENTOS HOMOAFETIVOS.

Gisele Miranda Oliveira¹
Jéssica Eduarda dos Santos²

RESUMO

Em nosso antigo ordenamento jurídico brasileiro somente era reconhecida como entidade familiar as relações fundadas no casamento. Era utilizado o termo concubinato para os relacionamentos sem a formalização do casamento. Conforme os autores Fernanda Tartuce e Fernando Sartori o concubinato divide-se em duas partes: o concubinato puro e impuro. Sendo o puro aquele casal que vive junto sem estar casado, porém se quisessem casar poderiam, sem nenhum impedimento. Já, no caso do concubinato impuro, um dos integrantes do casal não poderia casar mesmo se quisesse, por ter impedimentos matrimoniais.
O concubinato puro é o que a Constituição Federal de 1988 adota como entidade familiar, por conseguinte considera união estável, tendo reconhecido em seu artigo 226, § 3º, a união estável, realidade já antiga nas sociedades, mas de total insegurança na legislação.
O Código Civil de 2002 foi o primeiro dispositivo a abordar união estável com mais alinho em seus artigos 1.723 a 1.727.

Palavras-chave: Constituição Federal, Código Civil, União Estável, Relações Homoafetivas, STF.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo disserta a respeito do surgimento e reconhecimento da união estável como entidade familiar, trazendo opiniões e leis utilizadas na fundamentação do debate. Busca avaliar a evolução social e o ordenamento jurídico no acompanhamento desta, apresentando como exemplo novos conceitos de relações familiares, especificamente tratando da aprovação da união estável homoafetiva.


2.O SURGIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL NA LEI

O Código Civil de 1916 reconhecia somente o casamento como forma de constituir família, tratando outro tipo de família como sendo ilegítima e consequentemente vergonhosa perante a sociedade.
A união estável já era uma realidade, porém sem reconhecimento legal que somente foi obtido a partir da CF/88 em seu artigo 226, § 3º, regulada pela lei 9.278 de 10 de maio de 1996 que foi publicada no Diário Oficial da União em 13 de maio de 1996 e que, conforme seu artigo 10, entrou em vigor nesta data. A partir daí, surgiram diversos debates no que se refere ao conceito de união estável e a sua proteção.
Conforme Fábio Ulhoa Coelho:

"Com a revolução dos costumes nos anos 1960, muitos jovens de classe média e alta passaram a constituir famílias sem se casar. Não havia impedimento nenhum ao casamento deles; poderiam casar-se, se quisessem; mas não queriam. O casamento era visto por eles como apenas uma simples folha de papel, absolutamente dispensável quando percebida a essência da relação conjugal no afeto, respeito mútuo e companheirismo. O matrimônio não garantia minimamente esses fatores essenciais da comunhão de vida, e podia até mesmo atrapalhá-lhos. A sociedade, de início, estranhou a novidade, mas aos poucos a aceitou, deixando de discriminar as uniões de homem e mulher que podiam casar-se, mas não viam sentido nisso". (Curso de Direito Civil, 2ª edição, pág. 121)

Seguindo nesse mesmo norte, vê-se que o legislador optou por distinguir união estável de concubinato, desse modo deixando de prever alguns direitos e deveres para quem goza dessa de relação chamada pelo mesmo de concubinato impuro.
A união estável ao contrário do casamento é uma união informal que se prova com cinco requisitos mínimos que estão descritos no artigo 1.723, caput, do Código Civil de 2002: dualidade de sexos (união entre homem e mulher); publicidade (o casal deve se apresentar a sociedade como marido e mulher); durabilidade (a união deve ser durável, porém o legislador não quis estipular prazo, pois cada situação deve ser analisada em seu caso concreto); continuidade (deve ser contínua) e ter o objetivo de construir uma família.
Entretanto, só pode ter união estável quem atende aos requisitos do artigo 1.723 do Código Civil de 2002 e que não tenha nenhum impedimento matrimonial, exceto quando a pessoa esteja separada judicialmente ou separada de fato.


3.O RECONHECIMENTO DA UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

O debate atual gira em torno das relações homoafetivas, pois a sociedade transforma-se constantemente e o Direito procura adaptar-se, de forma a garantir que a Constituição Federal faça-se cumprir e novos direitos recebam a merecida tutela.

Depois de inúmeras discussões a respeito do tema, no último dia 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, onde reconheceu a união estável nas relações homoafetivas por 10 votos a 0, unanimidade absoluta. A ideia era reconhecer estas uniões como entidade familiar e garantir às pessoas que as integram os mesmos direitos e deveres das relações entre casais heterossexuais.

O Ministro Ayres Britto, relator, posicionou-se a favor deste reconhecimento. Ele aduziu o artigo 3º da Constituição Federal, inciso IV, onde lê-se:

"Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação".

Foi, também, dada interpretação ao artigo 1.723 da lei 10.406 de 2002 de acordo com a Constituição Federal, de forma a impedir a leitura restritiva deste no sentido de impedimento a uniões entre pessoas do mesmo sexo.

Segundo a ministra Nancy Andrighi do Superior Tribunal de Justiça (STJ), os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo fundam-se nos mesmos princípios que os relacionamentos heterossexuais e devem ser respeitados, não devendo ser negada proteção jurídica a estas famílias.

Pode-se, inclusive, observar diversos textos em nossa Constituição Federal como argumento para a manutenção desta ideia, dentre estes:
Artigo 1º, inciso III, que trata da dignidade da pessoa humana;
Artigo 3º, inciso I, que fala sobre construir uma sociedade livre, justa e solidária;
Artigo 3º, inciso III, onde cita-se a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais;
Artigo 5º, caput, que refere-se a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Em relação a outros países, o Brasil parece estar atrasado, considerando, por exemplo, que a Argentina já reconheceu o direito ao casamento entre homossexuais no ano de 2010 através de seu decreto 1.054 que promulgou a lei 26.618 contendo 43 artigos. Uma grande revolução para o Direito Civil Argentino. Argumentação usada neste, também com base em sua Constituição Nacional, artigo 16, fundamentou-se na igualdade entre as pessoas e igualdade perante a lei.

Quanto à decisão do nosso Supremo Tribunal Federal (STF) há opiniões diversas, como por exemplo, a do Procurador de Justiça Criminal Marco Antônio Lima. Segundo ele não se pode interpretar uma lei constitucional da forma que o STF fez. Diz o procurador que o STF quis estabelecer algo que não existe no texto constitucional e que se há necessidade de modificar este texto, isto deve ser feito pelo Legislativo e não pelo Judiciário.

Por outro lado, infere o Ministro Carlos Ayres Britto:

"A Constituição Federal opera com intencional silêncio. Mas a ausência de lei não é ausência do direito, porque o direito é maior que a lei. O sexo das pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se expressa como fator de desigualação jurídica. Entre interpretar o silêncio como vedação ou autorização, a segunda interpretação é a mais correta."

Segundo o Ministro Gilmar Mendes, o que o judiciário fez foi dar resposta às necessidades da sociedade, já que o sistema falhou, de forma a evitar as restrições e o aumento da discriminação.
A realidade social deve ser observada, os preceitos fundamentais devem ser respeitados e os preconceitos eliminados. Todos têm direito à dignidade acima de tudo e o ordenamento jurídico deve trabalhar no sentido de garantir isso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após o estudo do tema proposto neste trabalho, percebe-se a amplitude, complexidade e diversidade de ideias aqui envolvidas. Contudo, consegue-se alcançar um novo patamar na aquisição de direitos, onde o preconceito é deixado de lado com mais um passo nesta luta que foi a aprovação da união estável homoafetiva proferida pelo STF.
Acima de qualquer opinião pessoal ou conservadora vem a dignidade humana e nada melhor para exemplificar isto como a referência que fez a Ministra Carmem Lúcia:

"Reitero que todas as formas de preconceito merecem repúdio de todas as pessoas que se comprometam com a democracia. Contra todas as formas de preconceito, há o direito constitucional."

REFERÊNCIAS:
FILHO, Nylson Paim de Abreu. Vade Mecum. 5. Ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2010.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
SANTOS, Vauledir Ribeiro. Como se preparar para o exame da ordem. 3. Ed. São Paulo: Método. 2006.

BAUMANN, Marcos Vinicius. União Estável. Ano 2006. Disponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2491/Uniao-Estavel

Especialistas da UnB analisam decisão do STF sobre casais homossexuais. Ano 2011. Disponível em:
http://www.portaluniversidade.com.br/noticias-ler/especialistas-da-unb-analisam-decisao-do-supremo-sobre-casais-homossexuais/2289

STJ afirma que leis já garantem status de união estável para relações homoafetivas. Ano 2011. Disponível em:
http://www.jurisway.org.br/v2/noticia.asp?idnoticia=71855

Supremo reconhece união homoafetiva. Ano 2011. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=178931

http://www.nancyandrighi.stj.jus.br/webstj/gabinete/interna.asp?opt=5

PACELLA, Noelia J. Internacional ? Direitos Homoafetivos: Advogada analisa lei que permitiu o casamento homossexual na Argentina. Ano 2011. Disponível em:
http://solteagravata.com/2011/03/31/internacional-direito-homoafetivos-advogada-analisa-lei-que-permitiu-o-casamento-homossexual-na-argentina/

CHIMENTI, Karina. Direitos dos homossexuais no Brasil ? Desafios atuais. Ano 2011. Disponível em: http://solteagravata.com/2011/05/17/direitos-dos-homossexuais-no-brasil-%E2%80%93-desafios-atuais/

D?ELIA, Mirella. Supremo, na decisão sobre união civil entre gays, toma o lugar do Congresso Nacional mais uma vez. Ano 2011. Disponível em:
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/supremo-na-decisao-sobre-uniao-civil-entre-gays-toma-o-lugar-do-congresso-mais-uma-vez