Fecharam-se as cortinas dos meus sonhos

As derradeiras luzes do palco da minha vida

Apagam-se lentamente

Como todo prelúdio à escuridão definitiva

 

O ator recolhe-se ao camarim da soledade

Seu triste monólogo já não serve à arte humana

A vida precisa de operários

Não de sonhadores

 

Encerro as poucas páginas do meu livro pueril

Com a mesma angústia com que as iniciei

Porém sem esperança ou fé

Algo que ainda ardia em minha alma livre

Quando era minha

E de ninguém mais

 

Lanço-me à realidade do mundo

Virgem como a moça que sai às ruas

Pela primeira vez longe dos pais

Nascituro como o feto

Que no ventre de sua mãe

Ousou desrespeitar as conquistas medicinais

 

Terei que crescer numa velocidade tal

Ao ponto de não ser notado

Pelos radares da natureza

Terei que desbravar florestas

Que já foram conquistadas pelos homens

E procurar alguma nesga de mata virgem

Para dela retirar algum sustento

 

E ser forte ao ponto de não beijá-la

Não me hipnotizar com sua beleza

E não ousar descrevê-la

Com a antiga visão poética

 

Apenas fruir seus frutos

Científico e automático

Saciando tão somente

A fome da barriga humana

 

Não me cobrem, porém, o encanto

Minha beleza repousava no abstrato

N’algo que eu sentia

Não via, não tocava

Como o cheiro que entorpece e felicita

Sem mostrar-se de onde vem

 

Tachem-me de fraco

Infantil, néscio

E lhes dou o meu silêncio

Subjugado pela crença

De que talvez eu seja

 

Mortificado por olhar ao meu redor

E não encontrar a espada

O sabre ilusório com que eu decepava idéias

Vertigens e imposições

 

Vencedor ou vencido

Serei sempre um perdedor

Pois algum dia, eu bem sei

Trajando trapo ou linho

Eu passarei pela esquina

Das ruas paixão e loucura

A vislumbrar o prédio do teatro dos sonhos

E o notarei decrépito e triste

 

Acharei pelo vitral quebrado

A escuridão do palco

E rota, a cortina que estará cerrada

 

Fôra posto à venda

Mas ali permanecera intocável

Porque as quimeras não podem ser compradas

 

Virar-me-ei só

E deixá-lo-ei para trás

Decadentemente sombrio

Incapaz de derramar

Uma única lágrima que seja.