A tutela da livre concorrência no Brasil

A construção do arcabouço jurídico da defesa da concorrência teve um longo percurso no Brasil. Inicialmente, o constitucionalismo brasileiro abrangia apenas a defesa da liberdade, não compreendendo expressamente a livre concorrência.
Mas foi a partir da Constituição de 1946 que a questão do poder econômico entrou na pauta constitucional, tendo sido esta a primeira carta constitucional brasileira a trazer um comando cogente, determinando que a lei infraconstitucional reprimisse qualquer forma de abuso de poder econômico, com a seguinte dicção:

Art. 148 - A lei reprimirá toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros.

Levou cerca de dezessete anos, após a promulgação da Constituição de 1946, para se editar a primeira lei antitruste brasileira, a Lei 4.137, de 10 de setembro de 1962, que ficou conhecida como Lei Antitruste Brasileira, devido influência que teve da legislação americana.
O ponto é que a partir da Constituição de 1946 começava a ficar mais claro que as relações econômicas envolviam relações de poder e não apenas relações comerciais e interindividuais.
A Constituição de 1967, com redação da EC 1/69, reiterou o princípio, nos seguintes termos:

Art. 160. A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:
(...)
V - repressão ao abuso do poder econômico, caracterizado pelo domínio dos mercados, a eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros; e (...)


E a mesma linha seguiu a Constituição de 1988:

Artigo 173 Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
(...)
§ 4º A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.


Dois diplomas principais regulamentaram o Art. 173 da CF 88, configurando o atual modelo de defesa da concorrência. A Lei 8.137/90 que defines os crimes contra a ordem econômica, e a Lei 8.884/94, que definiu os ilícitos administrativos contrários à livre.
Assim, na sua vertente administrativa, a política da defesa da concorrência brasileira está estruturada, basicamente, pela Lei 8.884/94 naquilo que ficou conhecido como Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência.
Do ponto de vista institucional, o SBDC se constitui de três órgãos básicos: a Secretaria de Direito Econômico (SDE), do Ministério da Justiça, a Secretária de Acompanhamento Econômico (SEAE), do Ministério da Fazenda, e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça.
A SDE e a SEAE funcionam como órgãos de instrução e o CADE funciona como tribunal administrativo, responsável pelas decisões finais no Sistema.
Do ponto de vista finalístico, a política de defesa da concorrência atua em três vertentes: a prevenção (controle das estruturas de mercado), a promoção (advocacia da Concorrência); e da repressão (punição a condutas).
A vertente da promoção ou "advocacia" da concorrência consiste na atuação educacional de disseminação da "cultura da concorrência" e no esforço de influir na formulação das demais políticas públicas com o fim de garantir a concorrência como um valor integrado nessas políticas.
A vertente preventiva se desenvolve com o controle das estruturas dos mercados, por meio da apreciação das fusões, aquisições e incorporações de empresas, que representem potencial de efeitos negativos ou positivos. Os efeitos negativos decorrem de um eventual exercício de poder de mercado pela empresa concentrada, principalmente o aumento de preços, e os efeitos positivos podem advir das economias de escala, de escopo, de redução de custos de transação, entre outros, que podem proporcionar vantagens competitivas legítimas.
Ou seja, o objetivo é coibir concentrações possam levar às empresas as condições potenciais de condutas anticoncorrenciais. Os instrumentos utilizados variam entre a mera proibição da concentração, a mera aprovação, ou a aprovação condicionada a alguma medida - como a alienação de parte de ativos ou a adoção de compromisso de desempenho ? que garanta a neutralização de possíveis aspectos negativos e permita o monitoramento das condições benéficas.
A vertente repressiva se desenvolve a partir do combate a condutas anticoncorrenciais. Há duas categorias de condutas anticoncorrenciais básicas: práticas horizontais e práticas verticais.
As práticas horizontais consistem na tentativa de reduzir ou eliminar a concorrência no mercado por intermédio de acordos entre concorrentes ou práticas unilaterais como a de preços predatórios. As práticas verticais são restrições impostas por produtores ou ofertantes de bens e serviços em determinado mercado sobre mercados relacionados verticalmente ao longo da cadeia produtiva.
O cartel é a prática mais conhecida e tida como uma das mais deletérias para a concorrência, pois priva o consumidor dos dois maiores benefícios que podem ser oferecidos por um mercado competitivo: menores preços e maior oferta de bens e serviços.